Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Germinando o definiendum.

Um resultado da cognição apriorística do Direito

Agenda 01/02/2003 às 00:00

Sumário : 1.Introdução; 2.Apriorismo Conceitual e Comunicação Humana; 3. Perspectivas Classificatórias da Realidade Jurídica; 4.Definições Formais e Materiais; 5. Conclusão; 6. Notas; 7.Bibliografia


1.INTRODUÇÃO

"Ainda procuram os juristas uma definição do seu conceito de Direito", estas palavras do filósofo alemão Kant nos fazem adensar o corpo daqueles que investigam o fenômeno jurídico enquanto figura dotada de cognoscibilidade.

A presente aplicação do espírito objetiva analisar o problema definitório da realidade jurídica denominada Direito, porém, tal estudo não se fará de maneira sintética, partindo de clássicas definições para atingir, compreender o conceito de Direito; antes, e entendemos crucial, em vias preliminares, apreender o sentido ontológico do signo lingüístico "conceito" abrangendo e circunscrevendo metafisicamente o seu significado, dando real importância, também, ao ato intelectivo de distingui-lo diferenciando-o do termo definição para, num meandrar englobalizante, enfocarmos elementos metalingüísticos e filosóficos outros que dão amparo ideal à idéia de conceito e definição observados da perspectiva comunicatória dos seres humanos enquanto agentes capazes de transmitir mensagens intersubjetivas, receptá-las e respondê-las adequadamente.

Entendimento, excitação e intuição estão entre alguns dos elementos que serão tratados no conjunto do estudo comunicativo do Direito.

Dado o primeiro passo nesta estrada virtual que nos dispomos a percorrer, seqüência a ser seguida será a de distribuir em classes ou grupos as definições, atendo-nos a uma especial classe: a das definições reais, sem, contudo, promover ato hierarquizante, e frise-se, não há juízos de valor neste estudo, procurando desabonar, depreciar definições e, de maneira inversa, galardear outras; apenas faremos o justo corte epistemológico com o propósito delineatório de aprofundar a intensidade científica na abordagem do tema. A subclasse de definições que aqui serão tratadas é a científica, tendo em vista o caráter epistêmico deste exame.

Eleitos foram, para mergulharmos epistemologicamente em teorias definitórias, Kelsen, Del Vecchio e Radbruch, jusfilósofos que dedicaram-se a encontrar a justa definição da realidade jurídica como fenômeno dotado de cognoscibilidade. Resulta da escolha destes autores, maneira bipolar de analisar o problema, haja vista conceberem definições formais e, em contraposição, materiais. Kelsen, aquelas; Radbruch e Del Vecchio, estas, este, pelo caráter peculiar de sua teoria, ensejará polêmica interpretação classificatória.


2. APRIORISMO CONCEITUAL E COMUNICAÇÃO HUMANA

O entender humano é a faculdade não sensível do conhecimento, isto é, o apreender do homem é independente dos sentidos, é operação mental e não uma faculdade da intuição. O conhecimento do entendimento humano é um conhecer por conceitos, que não é intuitivo, mas discursivo enquanto complexo de meios imaginativos cerebrais que se processa por funções, a isto Kant [1] entende por unidade de ação ordenatória das diversas representações em comum. Temos que as intuições fundam-se sobre a receptividade das impressões físicas, o reflexo da luz que excita o cérebro através da visão, o choque das ondas sonoras que fazem vibrar o aparelho auditivo etc..., enquanto que os conceitos têm origem na espontaneidade do pensamento humano e entender estes conceitos leva-nos a formular juízos sobre os mesmos, portanto, o juízo, visto como representação do objeto é uma forma de conhecimento mediata, pois a imediatividade cognoscente só pode ser efetuada a partir da ocorrência da representação do objeto em nosso espírito. Há neste ponto um paralelo metafísico conceitual entre juízos e definições, pois podemos, utilizando-se de uma paragênese abstrata, formular juízos e definições a todas as ações do pensamento enquanto entender humano, de tal maneira que esta figura do apreender pode ser representada como a faculdade de julgar ou de definir, ou, melhor dizendo, capacidade de pensar. Pensar é conhecer ativamente por conceitos e, formulando-se um ato inferitório, deduzimos, pelo raciocínio, que os conceitos são a priori enquanto as definições são a posteriori, observado o caráter lógico da perspectiva do cognoscente humano e não o caráter empírico-temporal do mesmo. O ato de formular juízos ou de conceber definições é uma ação puramente lingüística comunicativa e, em se tratando de relação entre o real e os signos, cabe à semântica dedicar-se à apreciação deste fenômeno utilizando como preceitos centrais estruturantes o significado, a referência e a verdade, e é no inter-relacionamento destes que surge o processo comunicativo tal qual o conhecemos. Na mitologia grega, o deus Hermes foi o descobridor da linguagem e da escrita, substratos utilizados pela compreensão humana com o fim de alcançar o significado das coisas e o transmitir às outras pessoas, isto demonstra o lapso temporal do problema enfrentado. Já em Platão "sempre que um determinado número de indivíduos tem um nome comum, supomos que tenham uma idéia ou forma correspondente" [2], sendo a busca por uma definição universal importante ferramenta de investigação socrática, pois Sócrates por intermédio de indagações constantes e lógicas levava seus interlocutores a admitirem falhas em suas definições de conceitos de figuras abstratas e, conseqüentemente, buscarem o significado do conceito em si, pois era costume da época, e porque não hodierno, utilizar-se de palavras sem saber ao certo à que elas se referem, contudo, a linguagem é, muitas vezes, gravada de imprecisão e é caracteristicamente limitada para efetuar uma completa descrição ou representação mental da força da realidade. Partindo desta premissa, Willian P. Alston [3] classificou as teorias do significado em : ideacional, referencial e comportamental.

A teoria referencial ensina que as palavras são símbolos representativos, signos, de algo distinto das mesmas e são divididas em categoremáticas (significam algo por si próprias) e sentecategoremáticas (necessitam de outras para significarem), nesta teoria é fácil identificar a palavra Direito como categoremática, enquanto a palavra definição como sentecategoremática. A teoria ideacional ministra que o limiar da percepção do objeto será a sensação que este objeto causará no momento da percepção e, através de dados empíricos apreendidos formular-se-ão idéias simples geradoras de idéias complexas, porém, a meticulosa análise desta teoria remete-nos à idéia de intuição, à qual nos referimos anteriormente, sendo o diferencial entre as duas o foco dirigido ao papel da transmissão indagando da igualdade da apreensão da idéia da mensagem no receptor, pois a atribuição intimista do transmissor é excitar no receptor a mesma idéia. Esta teoria entifica a idéia ao configurar a passividade da mente humana em relação à mecânica do processo cognitivo, que acreditamos ser a inversão a veracidade, visto que a mente humana é criadora de conceitos, pois a formulação de figuras ideais restaria impossibilitada caso a cognoscência humana no ato intelectivo passiva fosse. Esta ato é, podemos assim dizer, quântico por não podermos visualizar o conhecimento como elemento estático, antes dinâmico, vibrante, criador quando transmite e recebe, receptor quando cria e apreende, tal qual espirais entrelaçadas o pensamento e comunicação humanos. Na formulação do conceito de Direito, entram todos estes elementos, visto que o Direito enquanto palavra é cognoscível, enquanto idéia abstrata é apreensível e enquanto elemento originador de pensamentos é definível.

Como já vimos o conceito é a priori, a idéia independente da linguagem, que é agente da transmissão daquela, porém, as palavras têm um significado imposto, observado no processo comunicativo educacional onde são apreendidas as grandes partes das idéias dos indivíduos, as quais não são coisas de fatos, mas a utilização da linguagem pelas pessoas e os aspectos negativos, exercendo um juízo valorativo, deste fato são a tradição e a estagnação do pensamento.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A tradição se faz pela transmissão autoritária das idéias sociais, enquanto a estagnação, pelo marasmo intelectual de quem recebe tais idéias, não se aproveitando o sujeito da capacidade criadora que possui por natureza em relação aos outros animais. Um dos essenciais escopos deste trabalho é estimular a transposição da tradição e da estagnação encaradas como inatividades inovacionais no que concernem ao conceito do fenômeno jurídico.

Para a teoria comportamental, a comunicação depende, primordialmente, da situação em que o locutor e o ouvinte se encontram, isto é, a situação em que a mensagem é emitida e a resposta que esta mensagem causa. Para que isto ocorra satisfatoriamente é preciso que haja um consenso na representação e uma correspondência na estrutura comunicacional das partes envolvidas no processo, portanto, quando se deseja transmitir "Direito" há que se observar o contexto global, tanto das partes quanto da mensagem em si como objeto isolado.


3. PESPECTIVAS CLASSIFICATÓRIAS DA REALIDADE JURÍDICA

A realidade jurídica enquanto problema definitório e classificatório possui dificultosa apreensão em virtude do caráter polissêmico da linguagem que, por si só, induz-nos a admitir a impossibilidade de conceber uma única forma comunicativa, definição, acerca de um conceito individualizado, pois do fato de a mesma palavra possuir variadas significações deriva o problema da natureza metodológica de apresentar uma singular definição que, aliando-se aos fenômenos lingüísticos comunicatórios da idéia, referência e comportamento, conduz-nos a, invariavelmente, admitir a presença de mais de uma definição válida de "Direito" tendo por fundamentos a prática examinatória do mesmo, sem levar em conta os demais aspectos que envolvem o fenômeno, conteúdo e forma, tanto isoladamente quanto em comunhão inter-relacionante e, também, o entusiasmo influencial egoístico do ser que a formula derivado da carga teorética-emocional recebida e da propensão particular da perspectiva do autor perante o fenômeno jurídico.

Em Lógica, entendida como o conjunto de estudos que visam a determinar os processos intelectuais que são condição geral do conhecimento verdadeiro, o termo Direito é tido como análogo, pois dele brotam vários significados que, aplicados a diversas realidades, guardam entre si nexos de semelhança, relações de identidade.

Analisaremos, separadamente, cada uma das perspectivas, a lingüística e a lógica, as quais não são mutuamente exclusivas, antes implementam-se, apenas divergindo quanto ao ângulo norteador da separação virtual das classes de definições.

A primeira perspectiva permite-nos admitir a presença de duas espécies de definições, as reais e as nominais, estas salientam o caráter do nome do objeto em estudo e subdividem-se em etimológicas e semânticas, aquelas atendo-se à origem da palavra, à sua genealogia, estas referem-se à parte da gramática que registra os diversos sentidos que, ao desenvolver-se, a palavra reflete. As reais possuem maior importância ao nosso estudo em virtude de seu maior caráter epistêmico, não adotando, como já nos referimos, qualquer juízo de valor, visto que o estudo das palavras como instrumento de comunicação não pode ser privado de autoridade, pois as palsvras carregam consigo, ao longo do tempo, conteúdo e significação, além da carga anímico-emocional, observando-se, porém, os fenômenos da tradição e estagnação intelectiva que os signos trazem à razão, raciocínio humano. A técnica utilizada para se atingir as definições reais tem, para atender aos pressupostos da lógica formal, que indicar o "gênero próximo" e a "diferença específica", aquele apresenta os traços comuns às distintas espécies que o compõe e esta denotará o elemento individualizante do conceito, elemento diferenciador e único que lhe é próprio e só a ele pertence, identificando-o e diferenciando-o dos demais. Subdividindo ainda mais o complexo das definições reais, esmiucemo-las em vulgares e científicas e, estas em formais e materiais, que servirão de embasamento teorético à conclusão multipliciante e singularizante da problemática relativa à definição do Direito, objeto maior deste nosso trabalho.

A perspectiva lógica, em se analisando o caráter análogo do vocábulo Direito, esquadrinha o termo análogo, enquanto gênero, em três espécies : intrínseca, extrínseca e metafórica, vejamo-las e apliquemos seus princípios à significações do Direito.

Na analogia intrínseca, o vocábulo é aplicado às várias realidades que comportam uma relação de proporcionalidade, ao passo que na analogia extrínseca o termo é empregado no sentido direto e próprio a uma realidade que mantém com outra manifestação real, função hierarquizante, de dependência, causais em geral, sendo a primeira realidade denominada de analogado principal e a outra, por dedução racional, analogado secundário. Por fim, a metafórica é a analogia na qual o termo, apesar de ser aplicado direta e propriamente a uma significação, tem seu sentido estendido em virtude de uma proporção imprópria, figurada com a originária.

Procedendo ao devido enquadramento emoldurante entre as diversas significações do Direito e as espécies analógicas estudadas, atingimos as seguintes conformações teórico-metafísicas : quanto à analogia de relação ou extrínseca, podemos classificar, no sentido de separação metodológica, o direito como norma, direito subjetivo, fato social e ciência, visto que há uma relação analógica entre as diversas significações, de forma que, a cada uma dessas acepções, existam relações reais que justificam o seu emprego neste singular sentido. Importante ângulo perspectivo este, pois abrange teorias como a de Kelsen e a de Carlos Cóssio, de indubitável quilate epistêmico.

Fazendo um giro epistemológico, analisaremos a intrinsecalidade da analogia como parâmetro classificatório, onde destaca-se a figura do Direito como obra estatal e não estatal, pois, como vimos, deve haver uma relação de proporcionalidade entre tais figuras para que as mesmas se enquadrem neste dispositivo teórico, portanto, exercendo uma abstração anímico-matemática atingimos a seguinte proporção : o Direito estatal está para o Estado assim como o Direito desportivo, religioso, universitário et coetera está para a comunidade esportiva, igreja, acadêmica e as demais coisas. Este problema é explorado, principalmente, por autores dogmáticos e sociológicos, estes defendendo o Direito alternativo como termo eficaz ou saída solucional para o problema da eficácia do Direito dogmático, aqueles pretendendo o monopólio da produção das normas jurídicas pelo Estado e a sua aplicação pelo mesmo ente, organização coercitiva. Finalmente, quanto à metafórica, podemos dizer que permite o uso do vocábulo Direito com o intuito de indicar o direito-norma.


4. DEFINIÇÕES FORMAIS E MATERIAIS

Para não pecarmos pela singularidade limitante e não entedia-los pela prolixidade expansiva, optamos por analisar a questão da definição do Direito de maneira bipolar, insertos no corte epistêmico das definições reais científicas formais e materiais. O exame da concepção formal dar-se-á pela Teoria Pura do Direito, elaborada pelo jurista alemão Hans Kelsen, a qual propõe uma purificação na idéia do Direito excluindo do seu estudo tudo aquilo que é extra-jurídico, diferenciando o conceito de Direito da idéia de Justiça, afirmando serem distintos gerando diferentes concepções. Para Kelsen, a tentativa de confundir Direito com Justiça é uma forma sutil de procurar legitimar o ordenamento jurídico e, conseqüentemente, o poder daqueles a que este mesmo ordenamento privilegia enquanto detentores de direitos institucionais, principalmente o de propriedade; a Justiça, segundo Kelsen, é um julgamento de valor, altamente variável temporalmente, e o caráter de justiça de uma lei é uma questão impossível de ser respondida cientificamente, pois justiça é felicidade social, não individual, mas de senso comum. O Direito seria então técnica social específica que diferencia-se de outras ordens sociais por, observado o princípio da retribuição, pelo qual a cada um é devida uma recompensa ou punição por atuarem em suas condutas adequada ou contrariamente à ordem estabelecida, determinar sanções socialmente organizadas e coercitíveis pelo Estado que detém o monopólio do uso da força. O Direito distingue-se, portanto, de outras ordens sociais por possuir-ser sanção, não transcedental subjetiva ou teleológica como a moral e a religião, mas socialmente organizada o que leva Kelsen a afirmar que o Direito é ordem coercitiva. [4]

É de uma clareza solar o caráter formal desta definição, pois ordem coercitiva é norma e norma é estrutura sancional desprovida de conteúdo axiológico abstraído da essência anímico-motivadora genetriz que, para ser válida, isto é, entrar no ordenamento jurídico, precisa seguir a tramitação prevista na norma fundamental, Constituição, que, por sua vez encontrará amparo ideal de validade na norma hipotética fundamental, figura abstrata concebida por Kelsen. [5] O ângulo formalista das definições do Direito é concebê-lo, básica e primordialmente, como norma ou conjunto delas, gemíferas sim, mas de conteúdo valorativo irrelevante para a ciência do Direito no caso aplicável ao estudo da pureza epistêmica do mesmo. A perspectiva lógica da análise do vocábulo Direito, aplicando o princípio da analogia extrínseca à significação do Direito, estrutura a acepção do Direito enquanto norma, sendo esta o analogado principal e as demais acepções são fruto das relações reais e metafóricas que, por vias metodológicas extensionais, criam com o analogado principal (norma) relações de dependência, geralmente causais.

Da perspectiva, tanto lógica quanto lingüística, totalmente inversa, ponderaremos agora acerca das definições materiais de Direito, atuando cincundutoriamente nas lições de Del Vecchio e Radbruch, elegendo-os expoentes expressivos da imersão epistêmica no mundo ideal do fenômeno jurídico em busca da silenciosa intimidade da sua essência.

Para o jusfilósofo Gustav Radbruch [6], o conceito de Direito é, por ser universal, geral e necessário, deduzido e não induzido, de caráter cultural, isto é pertence ao mundo do construído e não ao mundo do dado, é realidade referida a valores dos quais está a serviço. A materialidade desta concepção de Direito encontra-se no fato de não diferir a idéia de Direito da de Justiça, afirmando ter a apreensão do conceito de justo um valor absoluto, não derivado de nenhum outro, de caráter apriorístico e do qual vinga o ponto de partida para a determinação conceitual do Direito. Radbruch, na análise da idéia de justiça, torna mais profunda sua teoria ao afirmar que [7] a forma primitiva de justiça é a distributiva cujo relativismo, isto é, a igualdade em tratar pessoas diversas constitui a sua essência muito embora este conceito de igualdade entre pessoas é figura ideal, visto que no mundo real impossível é esta igualdade ontologicamente falando. Porém, o Direito, ainda em Radbruch [8], não se constrói exclusivamente sobre a idéia de justiça, pois aquele é a realidade que tem o sentido de achar-se a serviço desta idéia. O preceito jurídico é a realidade e a justiça reside na tendência a adequar as relações humanas entre si no sentido da igualdade. Definir o Direito como complexo de normas gerais que visam a vida relacionante é obtê-lo dedutivamente apreendendo-o da própria idéia do Direito, terá natureza apriorística e pré-jurídica, pois não são os fenômenos jurídicos que essencialmente são jurídicos, pelo contrário, é o Direito quem determinará quais são os fenômenos que se revestirão do caráter de juridicidade, admitindo-se que a relação causal entre fenômenos e conceitos não é uma relação espaço-temporal, mas metafísica, conceitual e apriorística.

Giorgio Del Vecchio [9], investigando o mesmo tema, prelecionou que,afastando o carater positivista na busca definitória da realidade jurídica, a definição lógica indicará o limite de toda possível experiência jurídica. Del Vecchio inicia sua exposição,auxiliando-se do desenvolver histórico-evolutivo do conceito de Direito, meandrando as atitudes cépticas iniciadas com o movimento céptico que negava a existência do Direito, mas as perspectivas principais dos cépticos eram os ordenamentos jurídicos positivados que, devido à sua instabilidade e variabilidade, somados a amalgamação entre Direito e Justiça, dificultavam imensamente a edução a uma única e substancial definição porém, nesta crítica sobreleva-se a sua mais preciosa intenção, que é a de resolver contradições empiricistas no sentido de atingir o conceito.

Sob outro ponto de vista da realidade jurídica, surgiu a idéia do Direito Natural que, segundo a tradição, é o critério absoluto do justo, porém, este critério é mutável, como também mutável é o justo, servindo apenas como princípio deontológico que apoiará idealmente o Direito, nunca conceitualmente, visto que o conceito deve abranger todos os possíveis sistemas jurídicos, inclusive os injustos, avaliados, podemos assim dizer, subjetivamente como tal.diversa perspectiva metodológica, objetivando distinguir o empírico do ideal, consiste em obter os elementos comuns do mundo jurídico através dos vários ordenamentos existentes, concluindo que a variabilidade do Direito Positivo, contrariando os cépticos, não é absoluta, porém esta discussão não é suficiente para atingirmos uma concepção lógica do Direito, pois, como vimos, esta deve abranger toda a realidade fenomenológica jurídica, sendo que a mutação do Direito Positivo corresponde à sua necessidade de adequar-se ao processo evolutivo-social no qual está inserido, é regulador e dele obtém as suas fontes formais e materiais. Resulta disto a inconsistência de uma definição fundamentada no conteúdo, elegendo como cerne para a solução de tal problema a noção de universais, da qual discorrem clássicos filósofos ministrando que os conceitos seriam figuras apriorísticas distintas da realidade sensível ou reflexo desta, aprioridade lógica e não temporal que, aplicada ao Direito, exige que este enquanto noção universal seja qualificado de premissa, princípio da fenomenologia jurídica, conseqüência natural da forma lógica universal que grava o Direito de adiaforia no conteúdo axiológico dos fenômenos jurídicos. Todavia, esta prevalência lógica da forma não faz tal definição formal, antes material, pois não devemos confundir matéria com conteúdo, sendo este o que justifica aquela. Concludentemente, entendemos que, para Del Vecchio, Direito não é forma, sua essência, sua matéria é que é forma universal. Portanto, dada a primariedade lógica da matéria enquanto idéia a priori, cremos ser tal concepção tal concepção material.


5. CONCLUSÃO

Retomando a problemática definitória do Direito lançada preliminarmente, concluiremos em dúplice viés despolarizado, atendo-se por um lado ao ontologismo do presente estudo e por outro, reflexo imperfeito, arriscar um novo ângulo de percepção do fenômeno jurídico, fomentando, desta forma, a contradição que, segundo Hegel, é o motor do pensamento.

Da análise do conflito definitório do Direito, distinto da idéia de conceito a priori, leva-nos a conceber que a comunicação humana não atingiu o máximo de excelência na tarefa de transmitir conceitos através dos signos, das definições, pois do ato perfeito do cognitivo humano contrapõe-se o imperfeito lingüístico do qual se utiliza, porém, adotando tal preliminar, quanticamente, traspassaremos de uma direção à outra deste movimento conclusivo, observando as perspectivas das definições reais. Enquanto as definições formais admitem o Direito como estrutura sancional, as materiais buscam atingir a sua essência, a qual acreditamos estar manisfesta em sua multiplicidade visto que enquanto forma, abdica-se do seu conteúdo axiológico, enquanto matéria, intangível está, lingüística e empiricamente, a sua essência e, enquanto fenômeno cognitivo a priori admite diversas pluralidades, pluralidades que tornam-se conjunto de singularidades que, não sendo repetíveis, são racionalmente cognoscíveis, sendo este o caminho a se atingir a síntese definitória do Direito, forma, matéria e cognição a priori.


6. NOTAS

1..KANT, Crítica da Razão Pura, F.C.G., Lisboa, 1985, pp. 102-103. O Tema da Razão na Filosofia Contemporânea. Disponível em :

<http:www.terravista.pt/Nazaré/1250/Kant_ed.htm>. Acesso em : 17 dez. 2002.

2 Miguel Duclós. As teorias da significação segundo Alston e a crítica de Hacking. Consciência Home Page. Disponível em :

< http://www.consciencia.org/contemporanea/alsthacki.shtml>. Acesso em : 17 dez. 2002.

3 Idem, ibidem.

4 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, 6ª ed., Trad. Dr. João Batista Machado, Armênio Amado, Coimbra, 1984, pp. 60/65.

5 Idem, ibidem, pp. 267/285.

6 Gustav Radbruch, Filosofia do Direito, 6ª ed., Trad. Cabral de Moncada, Armênio Amado, Coimbra, 1979, pp. 86/93.

7 Idem, ibidem, p. 89.

8 Idem, ibidem, p. 91.

9 Giorgio Del Vecchio, Lições de Filosofia do Direito, 2ª ed., Trad. António José Brandão, Armênio Amado, Coimbra, 1951, pp. 235/237.


7. BIBLIOGRAFIA

ADEDATO, João Maurício. Filosofia do Direito : uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmann), São Paulo:Saraiva, 1996.

DUCLÓS, Miguel. As teorias da significação segundo Alston e a crítica de Hacking. Consciência Home Page. Disponível em :

< http://www.consciencia.org/contemporanea/alsthacki.shtml>. Acesso em : 17 dez. 2002.

KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1992. O Tema da Razão na Filosofia Contemporânea. Disponível em : <http:www.terravista.pt/Nazaré/1250/Kant_fj.htm>. Acesso em : 17 dez. 2002.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, F.C.G., Lisboa, 1985. O Tema da Razão na Filosofia Contemporânea. Disponível em :

<http:www.terravista.pt/Nazaré/1250/Kant_ed.htm>. Acesso em : 17 dez. 2002.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ªed., Trad. Dr. João Batista Machado, Coimbra : Armênio Amado, 1984.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3ª ed., Trad. Luís Carlos Borges, São Paulo : Martins Fontes, 1998.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 20 ªed., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1991.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro : Forense, 1985.

PINHO, Ruy Rebello e NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Instituições de Direito Público e Privado. 27 ª ed., São Paulo : Atlas, 1999.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 6ªed. revista e acrescida dos últimos pensamentos do autor, Trad. Cabral de Moncada, Coimbra : Armênio Amado, 1979.

DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. 2ª edição correcta e actualizada segundo a 7ª e última edição italiana, Tradução de António José Brandão. Coimbra : Armênio Amado, 1951.

Sobre o autor
Ricardo Kuklinsky Sobral

procurador da Fazenda Nacional em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOBRAL, Ricardo Kuklinsky. Germinando o definiendum.: Um resultado da cognição apriorística do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3714. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!