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Considerações sobre as cláusulas gerais processuais

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Agenda 21/03/2015 às 13:13

[1] A partir do século XVIII e, especialmente no século XIX em diante as relações sociais tornaram-se mais complexas, carecendo de amparo legal que garantisse a certeza jurídica, de forma a permitir o pleno desenvolvimento social. Foi neste cenário é que surgiram as grandes codificações europeias. E conhece se como principais expoentes tais como o Código de Napoleão (1804) e o Código Civil alemão (BGB) e o Código Civil Italiano. A fase de expansão exigiu grandes mudanças estruturais da sociedade contemporânea, quando se passou a explorar a força de trabalho em prol de maior retorno econômico. Mas os trabalhadores se sentiam explorados e escravizados passaram a buscar seus direitos e garantias, revelando senso crítico aos acontecimentos oriundos dos objetivos capitalistas. Pois em uma sociedade pluralista provida dos mais diferentes ambientes culturais e econômicos, ocorrendo transformações em alta velocidade, houve a necessidade de buscar um sistema legislativo que, de alguma forma, acompanhasse as novas relações emanadas da sociedade. E a noção de centralidade do código civil, como o regente mor das relações privadas fora fadada ao insucesso posto que não atendesse mais e nem acompanhava o avanço das relações sociais e jurídicas. Aos poucos as leis esparsas começaram a ter relevância no ordenamento jurídico, principalmente os microssistemas jurídicos, tais como Estatuto da Infância e da Adolescente, Estatuto do Idoso, o CDC e, tantos outros. Com a constitucionalização do direito civil deu-se a abertura do sistema. Gustavo Tepedino demonstrou com astúcia o surgimento deste novo paradigma: "O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio direito civil, através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação central, que já não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por ele desenvolvidas e os ricos delas decorrentes.".  Assim a Constituição assumiu o papel de unificar o sistema jurídico, conformando a elaboração e aplicação de várias searas jurídicas, entre estas, a cível, a processual civil, para que possa dirimir eventuais conflitos existentes nos diversos ramos da Ciência Jurídica. Trouxe a realidade mudança de atitude, pois deve o jurista interpretar o C.C. segundo a Constituição e não a Constituição, segundo o Código, como aconteceria nos tempos passados.

[2] Vale frisar que o processo judicial eletrônico deverá estar sujeito às mesmas formalidades essenciais que o processo tradicional, no tocante a ser obedecido o procedimento legalmente previsto para apuração da verdade, em uma sucessão concatenada de atos processuais, em que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa que estão umbilicalmente ligados ao princípio do devido processo legal.

[3] Percebe-se que a distinção entre texto ou dispositivo, norma ou regra de conduta e valor ou objetividade jurídica, que são institutos claramente diferenciados. O texto consiste nos símbolos gráficos que pretendem expressar o significado, o conteúdo e a extensão das regras de conduta, assim, o texto é sempre finito e limitado. A norma tem no texto seu ponto de partida, mas vai além deste, como é o caso, por exemplo, do texto contido no inciso LVI do art. 5º são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, do qual podem se extrair várias normas, entre elas são admissíveis no processo todas as provas obtidas por meios lícitos.

[4] A partir de um texto constitucional ou legal ou contratual (seja dispositivo, artigo, parágrafo, cláusula e, etc) podemos extrair diversas normas de conduta para o caso concreto, que inspiraram autores em apontar infinitas possibilidades normativas na resolução dos casos concretos.

[5] Nomografia é ciência cujo objeto é a escrita das leis. A técnica de redação das leis guarda características próprias em cada país, embora cada vez mais se internacionalize por força de modelos adotados pelas declarações universais, tratados e demais atos internacionais, inclusive e principalmente aqueles formulados querem por pessoas jurídicas de direito público ou agentes.

[6]  Karl Engisch referiu-se à cláusula geral como “conceito multissignificativo” e Canaris apontou a impossibilidade da dogmatização destas normas, porquanto, a concretização da valoração e a formação de proposições jurídicas só podem operar diante do caso concreto ou em face de grupos de casos considerados como típicos.

[7] Questionando firmemente o dogma da subsunção, Alexy lembra que sua superação é contemporaneamente um ponto de unanimidade da discussão metodológica: "Ninguém mais pode afirmar seriamente que a aplicação das normas não é senão uma subsunção lógica às premissas maiores abstratamente formuladas". Assim a sentença vista como uma ordem concreta não perde necessariamente conexão com o paradigma subsuntivo. Enfim, a sentença realiza o processo de transformação da norma jurídica do mandato abstrato em mandato concreto, mediante a sentença, o mandato toma forma, se individualiza e se concretiza.

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[8] A cláusula geral funciona como catalisador de realização de justiça social e apesar das advertências de Franz Wieacker. Devemos promover o manejo responsável a fim de permitir a concretização de direitos fundamentais e de atuação de um Judiciário cidadanizante.

[9] Segundo Carnelutti, os princípios gerais do direito não são considerados direito, dada a sua amplitude diante da norma que dele emana. Em vez disso, os princípios seriam premissas éticas ou econômicas, alcançadas pelo processo de indução do material legislativo. Para Miguel Reale, “princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”.

[10] O Novo Código Processo Civil brasileiro que ainda aguarda a sanção presidencial traz em sua estrutura uma parte dedicada com a Teoria Geral do Processo e veio valorizar as cláusulas gerais processuais, notadamente a cooperação dos sujeitos do processo.

[11] Repise-se que a multa tem natureza coercitiva e não punitiva. De modo que sem que haja violação ao princípio da correlação ou congruência, o juiz poderá majorar o valor e/ou periodicidade da multa se verificar que se tornaram insuficientes diante da persistência do réu em descumprir o comando judicial exarado em sentença, ou então, poderá reduzi-los, se verificar que se tornaram excessivos, ou até mesmo, revogar a multa. Tudo no sentido de se buscar a maior eficácia da medida coercitiva escolhida. Também é possível que a multa diária não seja propriamente diária, e se adotar outra unidade temporal, tal como semanal, mensal e, etc. enfim, o que se revele ser mais adequado e exigível ao caso concreto, conforme reza o juízo de ponderação.

[12] A guisa de exemplo e para melhor visualizar a aplicação concreta do princípio da proporcionalidade, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal já firmou jurisprudência no sentido de que a cobrança indireta no campo fiscal é inconstitucional por violar a sub-regra da adequação. Os verbetes de súmula nº 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal, em suma, impedem a adoção de providências destinadas a obstar a atividade empresarial ou profissional do contribuinte em débito enquanto não fosse pago o tributo. De acordo com o verbete nº 70, o estabelecimento não pode ser interditado como meio coercitivo para cobrança de tributos.

[13] Foi a evolução do pensamento jurídico processual que conduziu a disposição do art. 14 II do CPC que continha, em verdade, uma cláusula geral, uma norma geral de conduta que impõe a todos aqueles que qualquer forma participam do processo uma atuação em consonância com a boa-fé objetiva. O novo CPC já aprovado pelo Senado Federal brasileiro limitou-se a repetir, quase que com as mesmas palavras, em seu art. 80. II o vetusto art.14, II do CPC vigente. Propondo que é dever das partes, de seus procuradores e de todos que qualquer forma participem do processo proceder com lealdade e boa-fé. Propondo um modelo cooperativo de processo.

[14] As regras dos artigos 84 do CDC e 461 e 461-A do CPC são respostas do legislador à ideia de que tal direito fundamental exige que o juiz concentre poder para determinar a medida executiva necessária para dar efetividade à tutela jurisdicional, inclusive antecipatória. Tais regras, como já dito, instituem a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto e, inclusive, variar o montante da multa necessário ao convencimento do demandado.

[15] Vale ressaltar, que o valor da multa não é ato discricionário do juiz. Este deve estar sempre atento às balizas fornecidas pelo princípio da proporcionalidade e às peculiaridades do caso concreto. Releva notar que a multa é medida coercitiva, não tendo, portanto natureza compensatória ou ressarcitória e nem de penalidade. Tal se infere do parágrafo 2º do art. 461 do diploma processual civil segundo o qual “a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa”. Lima Guerra (1999, p.189) leciona que “a cumulatividade entre multa e perda-e-danos é a consequência lógica e natural das diferentes naturezas e finalidades dos dois institutos: a primeira visa motivar o adimplemento e a segunda define o objeto da obrigação do obrigado inadimplente”.

[16] No caso das obrigações fungíveis em que o juiz, consoante juízo de ponderação, decidirá entre o uso de medidas coercitivas ou sub-rogatórias se questiona acerca de uma ordem de preferência entre o uso das medidas coercitivas (execução indireta) e as sub-rogatórias (execução direta). Não existe uma ordem de prioridade pré-estabelecida. A opção pelo juiz da utilização de um ou outro mecanismo, ou até mesmo de ambos, ou, ainda, optando pelo uso da medida coercitiva, a escolha de qual deve ser utilizada só pode ser determinada através de um juízo de proporcionalidade que leve em consideração as circunstâncias concretas de cada caso. Dessa forma, recorre-se à regra da proporcionalidade.

[17] Mesmo contra o beneficiário da justiça gratuita é possível aplicação de multa, pois além de a gratuidade em referência não atingir o pagamento da multa, e pensar o contrário retiraria toda e qualquer força coercitiva dessa medida. Sem contar que todos os beneficiários da justiça gratuita estariam cientes e potentes a descumprir todas suas obrigações, dada a certeza que teriam no sentido de que a multa contra eles seria inócua.

[18] Cervantes, por exemplo, foi perecer numa prisão, outro exemplo foi Balzac fora perseguido por seus credores.  Rudolf Von Ihering que, no livro A luta pelo Direito, chegou a publicar seu entendimento, discordando do desfecho proposto por Shakespeare na referida história “O Mercador de Veneza”: Ninguém em Veneza duvidava da validade do título: Os amigos de Antônio, o próprio Antônio, o doge, o tribunal, todos, enfim, estavam de acordo que o judeu estava em seu direito. Imbuído da inabalável confiança no seu direito, por todos reconhecido, é que Shylock solicita o auxílio da justiça, e o sábio Daniel, depois de tentar dissuadir o credor que clamava por vingança, na concretização de seu direito, acaba reconhecendo esse mesmo direito(...)Ao reconhecer a Shylock o direito de cortar do corpo de Antônio uma libra de carne, o juiz reconheceu-lhe também o direito ao sangue, sem o qual a carne não pode existir, e quem tiver o direito de cortar uma libra de carne, pode, se quiser, tirar menos. 

[19] Assim, já no século XIV, passou-se a lançar mão da chamada “comum opinião dos doutores”, com o fito de, com isso, fixar-se um patamar de regras e princípios que visam alcançar a certeza e a segurança na aplicação do Direito, valendo a opinião dos doutos, na ausência de lei, como uma verdadeira norma jurídica, trazendo, portanto, maior rigidez ao sistema.

A origem das cláusulas gerais prostra-se no século XIV quando se passou a utilizar a chamada comum opinião dos doutores, com o fito de, com isso, fixar-se um patamar de regras e princípios que visem alcançar a certeza e a segurança na aplicação do Direito, valendo a opinião dos doutos, na ausência da lei, como uma autêntica norma jurídica, e trazendo maior flexibilidade ao sistema.

Aconteceu, porém que ao final do século XX o paradigma da concepção fechada de sistema jurídico voltou a ser alterado, quando se deu a famosa crise da teoria das fontes, que trouxeram a cena os princípios tradicionalmente considerados como metajurídicos no campo da ciência do Direito. Deu-se assim uma nova concepção de ciência jurídica, preocupada em adaptar o Direito ao frenético dinamismo das relações sociais, levando-se em consideração o sistema jurídico composto pela norma codificada, os princípios, as máximas, as regras de experiência, usos e costumes diretivos reveladores da cultura.

[20] José Afonso da Silva (Pompéu, 30 de abril de 1925 em Minas Gerais) é um jurista brasileiro, mineiro, especialista em Direito Constitucional. Graduado pela Universidade de São Paulo (1957) é também livre docente (1969) pela mesma universidade, da qual é professor titular aposentado e onde também foi responsável pelo Curso de Direito Urbanístico, em nível de pós-graduação. É Procurador do Estado de São Paulo aposentado, além de ter sido livre docente de direito financeiro, de processo civil e de direito constitucional da Faculdade de Direito da UFMG. É membro de diversos institutos, dentre os quais o Instituto dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Constitucionalistas Democráticos, da qual foi presidente e fundador. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo de 1995 a 1999. É pai do atual professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP, Luís Virgílio Afonso da Silva.

[21] Em nome do direito fundamental à tutela executiva, o legislador preferiu estabelecer a atipicidade dos meios executivos postos à disposição do magistrado, possibilitando a ele a imposição da providência que se revele mais efetiva à luz do caso concreto, razão pela qual, não faria sentido que essa decisão ficasse sujeita aos limites do pedido formulado pelo autor. Relativiza-se, com isso, mais um princípio, o da inércia da jurisdição (art. 2º do Código de Processo Civil). Nessa linha, não estaria o juiz adstrito à medida coercitiva requerida pelo autor, podendo ele impor outra medida. Mas, nada obsta que o autor, em sua petição inicial, faça sugestão da aplicação de determinada medida atípica.

[22] É possível fazer uma primeira ponderação - em nível doutrinário e abstrato - a respeito dos meios executivos, mas é preciso deixar bem claro que essa ponderação jamais suprirá aquela reservada ao juiz diante do caso concreto. Nessa perspectiva, é possível dizer que determinadas medidas de execução direta, isto é, medidas executivas que prescindem da necessidade de constrangimento da vontade do réu, podem ser mais efetivas que a multa. Mas isso nem sempre será assim, pois há casos em que a medida de execução direta, ainda que praticada por auxiliar do juízo, implica em grande gasto de dinheiro, enquanto que em outros ela somente pode ser realizada por terceiro, que obviamente deve ser custeado. Além disso, a medida de execução direta pode gerar um dispêndio de tempo superior àquele que seria necessário para convencer o réu.

[23] A lição de Luiz Guilherme Marinoni explica que o juiz não pode ficar subordinado somente ao que está expressamente previsto em lei. Se a tarefa do juiz está subordinada à estreita previsão de meio executivo, a legislação processual poderia negar0lhe as ferramentas necessárias para o cumprimento do seu dever e para o respeito ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Não é outra senão essa a razão de o legislador processual, no art. 461 § 5º do Código de Processo Civil, lançar mão de uma cláusula geral executiva, na qual estabelece um rol exemplificativo das medidas executivas que podem ser adotadas pelo juiz, outorgando-lhe poder para, à luz do caso concreto, utilizar-se da providência que entender necessária à efetivação da sua decisão judicial.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

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