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Alienação parental: a proteção da criança e do adolescente à luz da garantia constitucional

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Agenda 23/03/2015 às 00:13

2. ALIENAÇÃO PARENTAL E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES FAMILIARES

2.1. CONCEITO DE ALIENAÇÃO PARENTAL. DIFERENÇA ENTRE ALIENAÇÃO PARENTAL E SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL

É de extrema relevância o estudo acerca da alienação parental, sobretudo no que concerne ao tratamento jurídico dispensado pelo Estado à família vítima dessa prática, como também nas medidas que possam ser tomadas para que tal problema seja combatido.

Com o advento da Lei 12.318/ 2010, passou a existir efetiva tutela sobre os casos de alienação parental, cujo artigo 2º da mesma dispõe sobre o conceito legal da Alienação Parental, in verbis:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vinculo com este. (BRASIL, 2010).

Não obstante o conceito legal seja tão recente, tal prática vem sido estabelecida há algum tempo. O psiquiatra americano Richard Gardner foi um dos primeiros a identificá-la ao observar os transtornos apresentados pelas crianças cujos pais, em processo de separação, disputavam a guarda e um dos genitores exercia uma campanha denegritória para que houvesse uma ruptura dos laços afetivos entre o filho e outro genitor.

Ainda na análise do que é Alienação Parental com o escopo de buscar na atividade jurisdicional conhecimentos práticos e teóricos atinentes à matéria em estudo, fora realizada entrevista com a Excelentíssima Senhora Juíza de Direito Maria de Fátima Lucia Ramalho, da 4ª Vara de Família da Comarca de João Pessoa, Paraíba (2014, Apêndice A), a qual aduziu que:

É a situação em que a mãe ou pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro cônjuge. São sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro. Na linguagem mais popular nós podemos dizer que um pai ou uma mãe fica jogando a criança contra o outro para que ele rompa os laços afetivos.

Com efeito, esse empreendimento nefasto e cruel apresenta-se com mais freqüência através de pressões psicológicas, ou atitudes que impeçam fisicamente do genitor visitar o menor. No entanto, é possível que se dê “à custa de agressividade e maus tratos”, segundo observou em entrevista a Senhora Cristiana Vasconcelos, Promotora de Justiça de Família e Sucessões na Comarca de João Pessoa, Paraíba (2014, Apêndice B).

Desse modo, na alienação parental o genitor, em geral detentor da guarda, não aceitando a conjugalidade desfeita, revestido de um sentimento neurótico e egoísta, utiliza-se de um sem número de estratégias para difamar o outro genitor e, por fim, afastá-lo do menor.

Acerca do alienador, Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 55) afirma:

A alienação parental opera-se ou pela mãe, ou pelo pai, ou no pior dos casos pelos dois pais. Essas manobras não se baseiam sobre o sexo, masculino ou feminino, mas sobre a estrutura da personalidade de um lado, e sobre a natureza da interação antes da separação do casal, do outro lado.

A alienação parental tem sido empreendida com maior freqüência por aquele genitor que detém a guarda, por ficar mais tempo com as crianças. Não obstante, pode ser promovida pelo genitor que não detém a guarda, que se utilizará dos momentos em que estará com o filho para manipulá-lo de todos os modos.

Além disso, terceiros também poderão promover a alienação parental. É nesse sentido que o art. 2º da Lei 12.318/2010 atribui esse fator a outros além do pai ou da mãe. Vasconcelos (2014, apêndice B), afirma que “o alienador pode ser um avô, uma avó, um irmão que não seja do mesmo pai, um tio. Então, há várias formas de alienação praticada por pessoas diferentes”.

Não se pode negar que, muita das vezes, esse papel alienador é exercido pela mãe que, revestida pelo sentimento de abandono e rejeição, tende a buscar vingança a qualquer preço, não importando se repercutirá maior dano sobre o filho. Nesse sentido, Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 56) afirma:

O que dificulta a punibilidade da maioria das mães durante suas manobras de AP é que, para compor sua “personagem” de “mãe protetora”, “zelosa”, que “se sacrifica” pelo filho para compensar o pai “omisso” e “ausente”, elas são, de fato, boas mães, são carinhosas e afetivas, cuidam dos filhos, preocupam-se com seu bem-estar, estão atentas às suas necessidades etc. O problema é que têm todos esses comportamentos para encobrir as manobras para afastar o outro pai do convívio com os filhos.

Quando o alienador inicia sua campanha denegritória contra o outro genitor, passa a ter uma atitude extremamente controladora e simbiótica com o filho. Dessa forma, o genitor alienador torna-se o universo da criança, representando o único em que ela confia, não permitindo que seja independente. Tratando do vínculo simbiótico, Maria Antonieta Pisano Motta (2007, p. 40) expõe que:

A simbiose é clara quando ao exame de determinadas situações encontramos crianças incapazes de autonomia no fazer e no pensar, reportando-se para tudo e a todos os momentos ao genitor alienador que funciona como “ego auxiliar” sem o qual essas crianças parecem incapazes de sobreviver.

Outra característica freqüente no alienador é a “vitimização”. Por meio dessa atitude, aquele que promove a alienação parental passa a exprimir emoções falsas para então poder manipular terceiros, encobrindo sua perversidade e egoísmo. Nesse momento, ocorre uma inversão de funções entre o genitor e a criança, pois esta se vê na obrigação de protegê-lo. É a chamada parentalização, caracterizada quando os filhos cuidam dos seus pais.

Iniciados os atos de alienação parental, o genitor alienador passa a construir uma relação inabalável com o filho, tornando-se unos, manobrando o menor para afastá-lo do outro genitor a qualquer preço. Para tanto, utiliza-se das mais nefastas armas. Seu intento é convencer o filho de um fato e fazê-lo repetir. Logo, o pai passa a ser considerado um invasor, um estranho. Segundo Rosana Barbosa Cipriano Simão (2007, p. 14), “o objetivo do alienador é distanciar o filho do outro genitor. Isso se dá de diversas formas, consciente ou inconscientemente”.

Ocorre que, essa atitude do alienador irá atingir negativamente o universo psicossocial da criança que refletirá as emoções do genitor, tornando-se dependente do mesmo. Diante dessa guerra de emoções, o menor se vê em um dilema insolúvel repercutindo em um verdadeiro conflito de lealdade. Para Maria Antonieta Pisano Motta (2007, p. 52):

Os conflitos de lealdade caracterizam-se como a necessidade imposta às crianças de escolher entre seus pais. Quando vítimas desse conflito elas tendem a defender, tomar partido, proteger um dos genitores e a renegar, afastar-se e acusar o outro, o que as leva a intenso sofrimento.

Por fim, urge esclarecer a diferença entre Alienação Parental e Síndrome da Alienação Parental. Com efeito, a alienação parental é o ato pelo qual o alienador inicia sua campanha contra o ex-cônjuge, denegrindo-o diante do filho, induzindo a criança a afastar-se do genitor.

A Síndrome da Alienação Parental, por sua vez, representa a contribuição da criança dirigida à difamação do outro genitor, proveniente do ato de alienação parental. Aqui o menor alienado atinge pessoalmente o outro genitor baseado nas falsas premissas instaladas na sua memória pelo alienador.

Para Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 45):

A sua primeira manifestação é uma campanha de difamação contra um dos genitores por parte da criança, campanha essa que não tem justificação. O fenômeno resulta da combinação da doutrinação sistemática (lavagem cerebral) de um dos genitores e das próprias contribuições da criança dirigidas à difamação do progenitor objetivo dessa campanha.

Com efeito, os atos de alienação parental vão programando gradativamente o menor com o objetivo de tornar o genitor alienado um completo forasteiro na relação, ocasionando a perda do afeto entre eles. “A criança é manipulada e usurpada nos seus direitos por via de conseqüência”, reflete Vasconcelos (2014, Apêndice B). Ao Estado cabe coibir tal prática, evitando que atinja seu grau mais elevado e que os efeitos da Síndrome sejam irreversíveis.

2.1.1. Acusação de Abuso Sexual

Os artifícios empregados pelo genitor alienador para atingir seu objetivo maldoso podem ser variados. A atitude mais grave é aquela que condiciona o menor a formular ou confirmar falsa acusação de abuso sexual contra o outro genitor.

A essa altura, o desequilíbrio psicológico apresentado pelo alienador é tão grande que ele irá forjar ou ajudar o filho a fabricar fatos inverídicos. Assim, ainda que o fato não tenha ocorrido, o genitor alienante irá conduzir suas atitudes de maneira que leve a crer que o evento efetivamente aconteceu. Desse modo, a criança ou adolescente passa a lembrar, sentir, e até mesmo reagir às suas lembranças como se as tivesse vivido.

A respeito desse grave nível da Alienação Parental, Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 101), afirma:

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O genitor alienador utiliza-se de diversos recursos, estratégias (nem sempre legítimas...) de excluir o alienado da vida dos filhos. Possivelmente a mais grave, a mais devastadora e a mais ilícita de todas seja a indução dos filhos a formular falsas acusações de abuso sexual contra o pai alienado. Isso porque, além de ser um ato lesivo à moral, e que depreciará para sempre a reputação daquele que recebe a acusação, em determinados momentos da vida dos filhos essa manobra encontra guarida em alguma fase do desenvolvimento psicossexual infantil, bem como na importante questão da fantasia e do desejo.

A dificuldade reside na identificação do que seja abuso sexual e o que é falsa acusação de abuso sexual inserida no contexto da alienação parental. O genitor que sofre acusação de abuso, sem tê-lo feito, certamente terá considerável mácula na sua imagem perante toda a sociedade.

Ocorre que, a denúncia de abuso sexual deve ser considerada com muita cautela, visto que existe uma linha muito sensível entre a verdade e a falsa acusação. Encaminhada tal acusação ao Juiz, é possível que o mesmo, em nome do Poder Geral de Cautela e dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Proteção Integral da Criança ou do Adolescente, defira medida cautelar determinando o afastamento entre o genitor e o filho. Para tanto, é necessário a cooperação de equipe multidisciplinar para averiguar o caso concreto em tempo hábil a não causar maiores prejuízos à relação parental. Conforme expõe Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 124):

O que acontece, porém, é que as acusações inverídicas de molestação sexual servem para interromper definitivamente as visitas do genitor afastado. Com isso, as dramatizações do genitor alienador e da criança envolvida na alienação (induzida pelo alienador) passam a convencer os profissionais chamados a prestar os serviços: conselheiros tutelares, delegados, psicólogos, assistentes sociais, médicos, promotores e juízes, especialmente se tais profissionais forem despreparados e desconhecerem a possibilidade de uma acusação ser falsa.

Desse modo, a aferição da denúncia com total empenho dos profissionais especializados, verificando a relação do menor com os genitores, e avaliando cada um dos envolvidos permitirá concluir se o fato procede ou se decorre de mais uma artimanha utilizada para disputar a guarda e interromper a relação entre o genitor que foi acusado e o filho. Ana Surany Martins Costa (2010), destaca:

Operante é o papel da Psiquiatria/Psicologia no âmbito do Direito por permitir, quando possível, a produção de provas (laudos) que auxiliam o Judiciário a ter uma correta e justa valoração da prova em casos em que haja suspeita de SAP e/ou denúncia de abuso sexual, tendo por leme o fim máximo da ciência jurídica que é o alcance da justiça social, através da decretação de um decisium justo.

Com efeito, quanto mais houver demora na investigação do fato e realização da perícia maior será a possibilidade de dano na relação parental, visto que a suspensão cautelar das visitas pode culminar em um total afastamento entre o alvo das acusações e sua prole, e assim, resultar em uma situação irreversível e repleta de seqüelas.

Nesse sentido, diante da acusação de abuso sexual é necessária uma rápida atuação do Judiciário agregada à intervenção de uma equipe técnica especializada, permitindo averiguar a veracidade das alegações, além da manutenção das visitas, sendo estas monitoradas, para que o vínculo entre a criança e o genitor não seja destruído.

2.2. PODER PARENTAL E GUARDA COMPARTILHADA NO CONTEXTO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

2.2.1. Dissolução da sociedade conjugal e poder parental

O casamento é uma instituição passível de ser dissolvida. Não existe mais uma obrigatoriedade de caráter perpétuo para o casamento assim como também não há para a união estável. Desse modo, chegando ao fim o afeto entre os cônjuges ou companheiros, o caminho é o divórcio ou a dissolução da união estável.

Diante do fim de uma convivência conjugal repleta de sentimentos e emoções, não é de estranhar-se que o processo de dissolução da mesma também envolva muitas questões emocionais.

Logo, essa dissolução pode se dar de forma amistosa, sem turbulências, tornando menos traumático esse processo. Entretanto, essa dissolução pode se dar em um contexto de sentimentos negativos envolvendo as partes. E é nesse último aspecto que podem ocorrer as disputas pela guarda dos filhos.

Por ocasião dessa disputa em alguns genitores é deflagrado um comportamento alienante, dando-se início aos atos que irão culminar no afastamento progressivo do outro progenitor.

Acerca do momento em que pode dar início esse comportamento alienante Evandro Luiz Silva e Mário Resende (2008, p. 27) afirmam que:

Apesar de muitos autores entenderem que o comportamento alienante, descontrolado e sem nenhuma proporção com os fatos da realidade nasce com a separação do casal, entendemos que são comportamentos que remetem a uma estrutura psíquica já constituída, manifestando-se de forma patológica quando algo sai do seu controle. São pais instáveis, controladores, ansiosos, agressivos, com traços paranóicos, ou, em muitos casos, de uma estrutura perversa. Referidos sintomas podem ficar parcialmente controlados, durante parte da vida, ou no caso, do casamento, mas em muitos eclode com toda a sua negatividade e agressividade ante a separação litigiosa. A perversão pode ser dissimulada em pequenas atuações, que também passa meio despercebido durante o casamento. Mas de fato, estavam lá, não é a separação que os instaura, ela apenas os revela.

Apesar da separação entre os pais gerar o fim da conjugalidade, não irá alterar o exercício da autoridade parental. Dessa maneira, o genitor que não detiver a guarda também deverá assumi-lo.

Historicamente, na antiguidade, a autoridade parental ou poder familiar estava atrelado à autoridade do chefe de família – pater­ ­– que possuía um aspecto marcadamente patrimonial, mas que ia, além disso, atribuindo legitimidade sobre a vida e sobre a morte do filho.

No Brasil, o código de 1916 atribuía o pátrio poder ao pai, exercendo a mãe apenas na falta deste. Com o advento da Constituição Federal de 1988 foi consagrada a igualdade entre homens e mulheres, sendo imperioso que houvesse mudanças no instituto. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, houve oficialmente uma mudança de interpretação e nomenclatura. Desse modo, o agora chamado poder familiar passou a ser exercido igualmente pelo pai e pela mãe.

Leciona Cáio Mário da Silva Pereira (2004, p. 421):

Ademais, cumpre observar que tais textos legislativos refletem o dinamismo da atual sociedade, a qual impõe que ambos os genitores tenham condições de gerir a vida de seus filhos, em igualdade de condições, em face da inserção das mulheres no mercado de trabalho, bem como à intervenção masculina na administração dos lares, ambiente outrora restrito ao domínio feminino, o que torna o exercício do poder familiar comum aos genitores.

Diante da nova perspectiva de família consagrada pela Constituição Federal de 1988, o pai e a mãe ao exercerem o poder familiar sobre os filhos devem priorizar os direitos fundamentais destes, enquanto seres em desenvolvimento, garantindo a Proteção Integral e o Melhor Interesse do menor.

A respeito desse dever imposto pelo Estado, Maria Helena Diniz (2003, v.5, p. 447) afirma que:

O poder familiar consiste num conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos.

Esse novo modelo familiar permitiu que a criança e o adolescente sejam assegurados pela ordem constitucional de modo que a autoridade parental necessitou ser readequada à despatrimonialização do Direito de Família.

Assim, a autoridade parental concebida atualmente não mantém qualquer relação com a idéia de poder nem obediência. É um múnus atribuído pelo Estado para benefício do menor. É um “conjunto de atribuições aos pais cometidas tendo em vista a realização dos filhos menores como criaturas humanas e seres sociais”. (CARVALHO; 1995; p. 175).

Importante ressaltar que, a autoridade parental deve ser exercida conjuntamente, em igualdade de condições, pelos pais, não guardando relação com a conjugalidade desfeita. Além disso, o poder parental é irrenunciável, não havendo possibilidade dos pais desobrigar-se de tal atribuição; é imprescritível, visto que o não exercício não os faz perdê-la; por fim, é inalienável e indisponível, não podendo ser transferida para outrem a qualquer título.

A esse respeito, Ana Carolina Brochado Teixeira (2009, p. 111) afirma:

A autoridade parental atribui a ambos os pais a titularidade, o exercício, o poder e o dever de gerenciar a educação dos filhos, de modo a moldar-lhes a personalidade, a proporcionar-lhes um crescimento com liberdade e responsabilidade, sem falar no dever de zelo do seu patrimônio.

Essa necessária participação de ambos na vida dos filhos dá margem à possibilidade da aplicação da Guarda Compartilhada, instituto que permite a continuidade do pleno exercício da autoridade parental.

2.2.2. Da Guarda Compartilhada

Ainda que tenha havido uma ruptura dos laços familiares, aos pais cabe garantir que seja mantido o vínculo afetivo. Não é isso, porém, que se vê na prática quando um dos pais movido por suas frustrações e decepções, impulsiona-se a retaliar o outro genitor, utilizando-se da disputa pela guarda do filho como instrumento de vingança, gerando o conseqüente afastamento e quebra do vínculo afetivo entre o menor e seu progenitor.

Nesse sentido, Maria Antonieta Pisano Motta (2008, p. 37) afirma que:

A criança tem necessidade de continuidade de seus vínculos psicológicos fundamentais e necessita que haja estabilidade nos mesmos. Estas características devem, igualmente, estender-se a todas as relações emocionalmente significativas para as crianças, sejam familiares, amigos, vizinhos, professores ou colegas de escola. As crianças vivem o afastamento de um dos genitores como uma perda de grande vulto (ainda que não saibam disto) e permanente. Sentem-se abandonadas e vivenciando profunda tristeza.

Há algum tempo, quando a relação conjugal se rompia, era costume atribuir a guarda à genitora. No entanto, após a evolução do instituto familiar, a criação, guarda e cuidado dos filhos não é mais exclusivo da mulher. Com a saída da mulher para o mercado de trabalho, o homem passou a exercer influências na rotina dos menores, assumindo papéis iguais ou, até mesmo, mais importantes que aquela.

A esse respeito, Douglas Phillips Freitas (2012, p. 89) afirma:

O fato é que, ao pugnar pelo melhor interesse para a criança, deve o julgador levar em conta os critérios estabelecidos em lei, a orientação dada pelos profissionais que auxiliam o juízo (equipe multidisciplinar) e, de forma alguma, preconceitos sexistas.

Atualmente, na atribuição da guarda deve-se atentar para a igualdade entre os genitores, a relação afetiva entre estes e o menor, além de fiel observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

O atual Código Civil prevê que a guarda será unilateral ou compartilhada. Aplicada a guarda unilateral, um dos pais permanece com o filho em sua residência, enquanto o outro detém apenas o direito de visita, além dos encargos financeiros. Esse modelo de guarda não retira a autoridade parental do genitor que apenas visita, mas é fato que altera muito o seu exercício. Segundo Fabíola Santos Albuquerque (2006, p. 31):

Se ambos os cônjuges são iguais e durante a convivência exerciam o poder familiar conjuntamente, por que, na hipótese de dissolução do vínculo conjugal, aquele exercício precisa ser praticado de modo separado e exclusivo? Por essas razões é que o modelo de guarda exclusiva revela-se incompatível com as vicissitudes por que passa a família. Se o princípio norteador é o melhor interesse da criança, como justificar, para o principal interessado, que em razão da dissolução do vínculo jurídico dos pais ele será obrigado a aceitar, que, a partir daquele momento, passará a viver apenas com um e ser visitado pelo outro?

Urge lembrar que, esse modelo de guarda torna viável a prática de alienação parental, resultado de disputas traumatizantes por meio das quais os genitores procuram ganhar a todo custo a guarda, como se troféu fosse.

Considera-se que uma das maneiras para que sejam minimizados, ou até mesmo neutralizados, os efeitos da alienação parental é a fixação da Guarda Compartilhada. Esse instituto baseia-se no sistema em que ambos os genitores detém a autoridade sobre os filhos, de modo que as decisões importantes relativas a estes devem ser tomadas conjuntamente.

Nesse modelo de guarda existe um exercício conjunto da autoridade parental, um compartilhamento das responsabilidades, das decisões que afetam a vida do menor.

Em tese, a guarda compartilhada iria favorecer o menor no sentido de que não seria mais arma de vingança dos pais, visto que ao compartilharem os cuidados e responsabilidades entre si estariam priorizando do desenvolvimento saudável do filho, tanto psicológico como social, amenizando os traumas.

Entende Douglas Phillips Freitas (2012, p. 95) que:

A aplicação desse instituto também significa que os genitores passam a tomar as decisões sobre os filhos de forma conjunta e consensual, pois ambos fazem parte do dia a dia da criança ou do adolescente, não mais existindo a figura do cônjuge visitante. O filho, consequentemente, sente menos os efeitos da separação dos pais.

Por meio da guarda compartilhada dá-se a preservação dos vínculos afetivos com ambos os pais na medida em que existe uma convivência ativa havendo uma aproximação dos filhos. Aqui não haverá lugar para o sentimento de posse que toma o genitor alienador. Segundo Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 25):

Na guarda compartilhada, não existe um “detentor” único da guarda, que decide de forma unilateral, arbitrária, tirânica até, acerca dos eventos dos filhos, sem comunicar ao outro pai/mãe, situação grave e extremamente comum na guarda monoparental.

A importância desse modelo de guarda reside na possibilidade de redução dos conflitos que surgem com o fim da conjugalidade. Conflitos esses que deflagram real afronta aos princípios constitucionais que norteiam o direito de família. Além disso, é o que melhor se coaduna com a família moderna e o exercício da autoridade parental.

No entendimento de Douglas Phillips Freitas (2012, p. 96):

Com a convivência em vez de visita, certamente será evitada a mazela da síndrome da alienação parental, principalmente na guarda unilateral, pois o genitor não guardião, em vez de ser limitado a certos dias, horários ou situações, possuirá livre acesso ou, no mínimo, maior contato com a prole. A própria mudança de nomenclatura produz um substrato moral de maior legitimação que era aquele de visitante. O não guardião passa a ser convivente com o filho.

A guarda compartilhada permite a convergência da responsabilidade dos progenitores para um mesmo fim. Não significa que problemas não podem advir, nem que ela seja plenamente eficaz. É necessário na ocasião da aplicação da guarda que atente-se ao melhor interesse da criança ou adolescente.

2.3. A PROTEÇÃO AO MENOR ESTABELECIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEI Nº 12.318/2010

A carta constitucional de 1988 consagrou em seu bojo a dignidade da pessoa humana, elevando à condição de direito fundamental. Sendo assim, ao sistema jurídico brasileiro cabe assegurar condições que importem a defesa ao gozo dos direitos inerentes à pessoa.

Nessa perspectiva, Paulo Gustavo Gonet Branco (2013, p. 167) afirma que:

Os direitos fundamentais participam da essência do Estado de Direito democrático, operando como limite ao poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos.

Não obstante, tenha sido consagrado o princípio da dignidade da pessoa humana como a base de todo o ordenamento jurídico, esse mesmo princípio foi direcionado especificamente para a criança e o adolescente, sendo disposto no caput do art. 227. da Carta Magna, in verbis:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Sob essa ótica, o direito fundamental dirigido ao menor consiste em um valor que deve receber a necessária tutela do Estado. Nesse âmbito, é tarefa da incumbência do Judiciário a defesa de tal direito, buscando conferir a eficácia possível ao caso concreto, prioritariamente.

Na busca para dar maior efetividade à proteção ao menor estabelecida na Constituição Federal, editou-se a Lei n.º 12.318/2010 que trata da Alienação Parental, apresentando instrumentos para coibir tal prática, e preservar os menores das consequências advindas da mesma.

É certo que desde a década de 80 fala-se em alienação parental, e da sua influência negativa sobre o núcleo parental. Ainda que fosse uma prática freqüente nas lides de direito de família, muitos juristas negavam sua existência, outros não sabiam lidar com a mesma, tornando-se dificultoso o combate e prevenção a tal ação.

Logo, o advento da Lei nº 12.318/2010 trouxe uma importante mudança e impactou o universo jurídico brasileiro, que é bastante vinculado à produção legislativa. Não se pode mais negar a existência da Alienação Parental, muito menos as conseqüências psicossociais que desencadeiam no menor. Desse modo, a Lei da Alienação Parental, aliada aos diplomas já existentes, procurou trazer efetividade à garantia constitucional, buscando manter a estrutura familiar mesmo após o fim da conjugalidade.

A supracitada lei, em seu artigo 2º, elenca um rol exemplificativo daqueles sujeitos que podem praticar Alienação Parental, de modo que esse rol não se restringe aos genitores, como também não serão apenas os genitores que poderão sofres as consequências dos atos da mesma.

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010).

O parágrafo único do artigo 2º da Lei de Alienação Parental traz condutas exemplificativas do que poderá ser considerado ato de alienação parental, sem prejuízo de outros atos detectados por perícia e declarados pelo Juiz.

Da leitura do artigo 3º, nota-se que a prática de Alienação Parental, inclusive, autoriza a persecução de indenização por danos morais. Essa indenização refere-se à configuração do dano moral decorrente do abandono afetivo. Aqui procura-se punir o genitor que descumpre seu dever de afeto e cuidado inerente ao novo modelo de família e de indiscutível importância na formação da personalidade da criança ou adolescente. “Os danos irreparáveis decorrentes da conduta alienatória só podem ser minorados com a sua identificação e tratamento, muitas vezes psicológico, não só do menor, como do alienante e do genitor alienado” (FREITAS; 2012, p. 37).

O abandono afetivo fere o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, norteador do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, o citado artigo 3º é claro e objetivo ao afirmar que “a prática de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente” (BRASIL, 2010).

Mais adiante, em seu artigo 6º, a Lei da Alienação parental não exclui a possibilidade de responsabilização civil decorrente da conduta imprópria do genitor alienador. Segundo Douglas Phillips Freitas (2012, p. 106):

Com o advento da Lei de Alienação Parental, a fixação de danos morais decorrentes do ‘Abuso Moral’ ou do ‘Abuso Afetivo’, advindos da prática alienatória, se tornará, certamente, consenso na doutrina e nos tribunais, permitindo, tanto ao menor como ao genitor alienado, o direito de tal pleito, pois não se trata de indenizar o desamor, mas de buscar a compensação pela prática ilícita (senão abusiva) de atos de alienação parental.

O Superior Tribunal de Justiça julgou possível a compensação por danos morais decorrente de situação de abandono afetivo. A Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial n.º 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), entendeu que:

Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança. (BRASÍLIA-DF, RE nº 1.159.242-SP. Data do julgamento 10/04/2012).

Logo, o dever de cuidado, de afeto, de zelo, viabiliza um bom desenvolvimento psicológico do menor, restando claro que a desídia quanto a esse dever por parte do progenitor resultando em abuso moral e imensurável sofrimento para os filhos irá autorizar a sua condenação civil.

Em seu artigo 4º, a Lei nº 12.318/10 determina a tramitação prioritária para os processos em que se identificam a Alienação Parental, além da possibilidade de visitas assistidas. Tal se deve em razão da necessidade de manutenção da relação parental, sem que a mesma se rompa no decorrer do tempo em que se averigua a veracidade das acusações.

Na esteira do artigo 5º, é possível a propositura de ação autônoma ou incidental. Aqui, tem destaque a equipe multidisciplinar que irá realizar perícia para identificar o problema. Com efeito, a atuação desses profissionais a longo prazo poderá impedir a instauração do caos na relação entre genitor e sua prole, ou atenuar seus efeitos danosos.

O rol exemplificativo das medidas aplicáveis pelo Juiz aos casos de comprovada Alienação Parental estão elencados nos incisos do artigo 6º, da referida Lei. Tais medidas procuram assegurar os direitos da criança ou adolescente, no que tange à sua Proteção Integral e Melhor Interesse, bem como defender o progenitor que é vítima da Alienação Parental e serão tratadas em capítulo oportuno.

Conforme tratado anteriormente, a preferência na atribuição da guarda é que ela seja compartilhada, pois assim os pais poderão exercer em igualdade de condições seu poder parental. Além de que a escolha por esse tipo de guarda afasta a possibilidade de que os genitores usem o filho como coisa, alvo de disputas acirradas, com pretensões aquém do Melhor Interesse do Menor.

O artigo 7º faz referência à aplicação da guarda, devendo ser a regra a aplicação da guarda compartilhada. Para os casos em que é completamente inviável esse modelo, excepcionalmente será aplicada a guarda unilateral. Residindo aqui ponto importante, visto que o referido artigo é claro ao afirmar que “dar-se-á preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor” (BRASIL, 2010).

Logo, na impossibilidade de compartilhamento da guarda, o Magistrado deverá atribuir a guarda ao genitor que não pratica alienação parental, que tem consciência da importância dos direitos da sua prole, de modo a garantir a convivência sadia desta com ambos os pais.

Assim, não há dúvidas de que a Lei nº 12.318/210 opera um grande avanço, elencando instrumentos que permitem uma tutela mais ágil e eficaz por parte do Estado, para então coibir tais atos reprováveis e assegurar a manutenção equilibrada e igualitária da relação familiar enquanto alicerce da nossa sociedade.

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