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Direitos fundamentais:

evolução e efetividade no Estado constitucional brasileiro

Agenda 05/04/2015 às 15:36

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais pressupõe, muitas vezes, sua própria limitação no campo individual em prol da coletividade.

RESUMO: No Estado de Direito Liberal, as Constituições são concebidas como mecanismos através dos quais os governos pudessem regular as varias situações que lhe fossem favoráveis. A Democracia era vista somente como um processo de eleição, exercitado por um governo legitimado pela maioria. Não se pode afirmar que havia espaço para reivindicações, mesmo que mínimas, para o que se compreenda hoje como Direitos Fundamentais. No Estado de Direito Social, o Estado adotou uma postura intervencionista, aumentando sua atuação no sentido de estimular o crescimento e desenvolvimento em atividades ligadas nas áreas de saúde, educação, previdência social dentre outras. Nessa nova forma de Estado, a solidariedade substituiu a individualidade, o interesse coletivo inicia sua prevalência sobre o interesse individual. Os Direitos Fundamentais começa a ocupar seu espaço, de forma legítima, em atenção aos cidadãos. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe alterações significativas para a democracia brasileira. Com a institucionalização do Estado Democrático de Direito, os parâmetros de tratamento dos direitos e garantias dos cidadãos foram modificados. Passa-se a reconhecer, sobretudo, a necessidade da concretização dos direitos fundamentais. É indispensável, no Estado Democrático de Direito, a concreta e plena realização prática dos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Estado Natural. Estado Liberal. Estado Democrático de Direito. Direitos Fundamentais. Constituição.

SUMÁRIO: 1. Introdução: 2. A passagem do homem do Estado Natural para o Estado de Sociedade Civil; 3. Evolução do Estado Liberal do Estado de Direito; 4. O Estado Democrático de Direito e a perspectiva que assumem os Direitos Fundamentais; 5. Considerações finais; 6.Referências.


1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, cumpre considerar que a proposta de dissertar sobre a evolução do estado de natureza para o estado de sociedade civil, tem como objetivo demonstrar o surgimento do direito subjetivo, e que o nascimento do Estado deu-se preponderantemente para resguardar direitos tidos como naturais, tais como a vida e a liberdade e que na vigente Constituição Federal alçaram nível constitucional, afirmando os direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa. Esses direitos estão representados em duas dimensões, quais sejam, dimensão subjetiva e objetiva. A primeira corresponde aos direitos mais elementares, em termos de gerações, indicando o caminho cumulativo da evolução desses direitos no tempo. Já a segunda origina-se do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos do ordenamento constitucional. As evoluções na forma dos Estados até a atual concepção de Estado Democrático de Direito, cujos direitos fundamentais participam da sua essência, repousa na ideia de valorização do ser humano por meio de ações do Estado, ou que este dispõe ao cidadão, e, invariavelmente pelo Direito.

Outrossim, busca-se demonstrar que o direito subjetivo se mostra como caminho para a demonstração de que é possível tornar eficazes direitos resguardados na forma da lei e, muito embora a Constituição de 1988 seja rígida formalmente, não deve ser interpretada da mesma forma. A Constituição de 1988 possibilita uma interpretação mais extensiva, na medida em que sem alterar a letra da lei, é possível a criação e existência de novos direitos e garantias fundamentais que podem surgir com as mudanças sociais, políticas e econômicas, como de fato ocorreram desde a evolução do Estado de Natureza para o Estado de Sociedade Civil até o atual Estado Democrático de Direito.

2 A PASSAGEM DO HOMEM DO ESTADO NATURAL PARA O ESTADO DE SOCIEDADE CIVIL

O Estado Natural ou Estado de Natureza é um estado anterior a sociedade civil. Contratualistas como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Thomas Hobbes trataram sobre o tema em clássicos da literatura inglesa e francesa. Na concepção de Locke, o homem é livre e independente, dotado de autonomia e igualdade, em um Estado de Natureza. Nesse Estado Natural, anterior à existência de qualquer sociedade, todos os homens têm a prerrogativa para punir todo aquele que atente contra sua integridade física, sua liberdade ou posses. Nesse sentido, todos os homens são verdadeiros executores da lei da natureza. (GALUPPO, 2003, p. 222).

Atente-se aos ensinamentos de Thomas Hobbes no qual o homem é o lobo para os demais, ensejando a regra do mais forte. Aí está presente um constante estado de guerra e nocividade. Os direitos são universais e inerentes a todos os seres humanos, anteriores a existência da sociedade civil (GALUPPO, 2003, p. 224).

Entretanto, apesar dessas prerrogativas, e da existência de uma autotutela aos extremos, a fruição de direitos é duvidosa e incerta, uma vez que está sempre sujeita a intervenção alheia.  Diante dessas incertezas, o homem é obrigado a abandonar esse estado que embora lhe confira inúmeros direitos, a efetivação se torna inimaginável frente aos temores. Em razão disso, foi necessário que os homens se unissem em sociedade para preservação de direitos que lhes eram inerentes, os direitos naturais. Daí o surgimento do Contrato Social, instrumento criador do Estado. Fernando Armando Ribeiro, em precisas lições, discorre acerca desta doutrina:

Segundo tal doutrina, o contrato social seria o instrumento hábil a operar a passagem do estado de natureza para o estado de sociedade civil. Estado de natureza seria aquele em que o homem gozaria da máxima liberdade (arbítrio), de um suum decorrente da sua própria natureza humana. Já o estado de sociedade civil é marcado pela alienação da liberdade por parte do homem em prol do poder civil, tendo em vista maior segurança jurídica. (RIBEIRO, 2004, p. 82).

O homem “entrega” todos os seus direitos e arbítrios ao Estado em troca de segurança. O estado de sociedade civil é marcado pela transmissão da liberdade do homem a favor do poder civil, com o objetivo de obter segurança jurídica. Aquele passa a poder exigir do outro determinada situação que emana os direitos subjetivos. E por meio de um contrato o homem cria um Estado que pode protegê-lo (GALUPPO, 2003, p. 223). Segundo Alexandre Travessoni Gomes “as teorias contratualistas pretendem resolver o problema da legitimação do poder político, estabelecendo os limites da legitimidade da submissão dos cidadãos ao poder do Estado” (2000, p. 83).

Os principais teóricos da doutrina contratualista são Thomas Hobbes, Jonh Locke e Jean-Jacques Rousseau. Hobbes sustenta a ideia de um utilitarismo, uma vez que os pactos e convenções sociais não são da natureza humana, mas necessários frente a nocividade e instabilidade de sua ruptura (GOMES, 2000, p. 84). Acreditava que o homem seria mal por natureza, preocupado com as questões de interesses próprios e não alheios. A sociedade é fruto exclusivo do temor da violência e seus danos. Daí a necessidade de limitação recíproca de egoísmo. Nessa perspectiva, a lei é a justiça e o monarca é a expressão do justo. Essa noção do justo, só pode ser decorrente dos laços contratuais, num propósito de auto-limite humano. O cumprimento do contrato social, da convenção que os homens fazem entre si, tem por fim a conveniência e a necessidade de estabilidade, de difícil alçada no estado de natureza. O descumprimento do pacto, do contrato social, retroage ao estado de guerra e nocividade. Por isso, faz-se necessária a obediência de preceitos legais e do próprio Direito, que só pode existir por meio da estruturação e existência do Estado.

Outro representante do contratualismo é John Locke. Partindo do pressuposto de que todos são iguais, livres e árbitros de si, Locke não acredita no caos e nocividade existente no estado de natureza. Pelo contrário, prevê a existência de uma ordem anterior a existência da sociedade civil. Para Locke, a ordem é mantida mediante a obediência da lei da natureza em que ninguém poderá violar o outro em sua vida, liberdade e propriedade (RIBEIRO, 2004, p. 90). Na obra literária “o Segundo tratado sobre o governo civil”, Locke (2006, pág. 85) ensina que para se fazer respeitar o direito natural e consequente conservação da humanidade, cabe a cada indivíduo zelar pelo cumprimento desse estado de direito natural. Nesse sentido, todos os indivíduos são dotados de legitimidade para punir aquele que não esteja em consonância com este estado. Assevera ainda que de nada aproveitaria a lei da natureza, bem como todas as demais leis, se não houvesse ninguém capaz de punir para preservar os inocentes e refrear os agressores. Se neste estado de natureza todos são capazes de punir, há de fato de existir equidade perfeita, donde não há superioridade de um em detrimento de outro.

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Para o contratualista inglês John Locke, o Estado civil existe para assegurar a observância da lei da natureza. Logo, o contrato social é o único meio capaz de garantir a ordem e tirar o homem do estado de natureza. Locke surge como o pensador que considera o homem no estado de natureza como possuidor de direito anterior ao contrato, o direito de liberdade, como condição para a realização do pacto. A liberdade humana é que dá condições ao homem para pactuar e para fundamentar o direito de propriedade. Liberdade e propriedade são os elementos de seu pensamento, consolidado no século XIX para a maturidade das garantias individuais. Todo homem é naturalmente livre e nada pode submetê-lo a qualquer poder sobre a terra, salvo por seu próprio consentimento. É preciso, portanto, considerar em que condições a declaração pela qual um indivíduo faz conhecer seu consentimento será considerada como suficiente para sujeitá-lo às leis de um governo qualquer.

(...) Aquele que por um acordo propriamente dito e qualquer declaração expressa deu seu consentimento para fazer parte de qualquer comunidade social está perpétua e indispensavelmente obrigado a ser e permanecer seu súdito, e nunca poderá ficar de novo na liberdade do estado de natureza; a menos que alguma calamidade provoque a dissolução do governo a que ele estava submetido ou que qualquer ato público o impeça de continuar sendo um de seus membros. (2006, p. 154-156).

A obra “Do Contrato Social”, de Jean-Jacques Rousseau, é peça fundamental para a compreensão da teoria contratualista deste autor. Para Rousseau, quando o individuo adere ao pacto social, cede todos os seus direitos e propriedades em prol da comunidade. Assim agindo, o individuo terá a consciência de que a partir daí não terá direitos ou deveres diferentes daqueles previamente ajustados pela vontade geral. (RIBEIRO, 2000, p.97). Mas, o contrato de Rousseau não é permanente. Segundo este pensador, o Estado Legislativo tem o dever de editar normas gerais e quando inexistirem ou esse se manter omisso, o cidadão não estará mais vinculado a esse contrato e não tem o dever de obedecê-lo.

Em Rousseau, é possível observar a concepção igualitária do homem, em que todos possuem uma vontade racionalizada, encarada quando todos, na expressão de suas vontades individuais, reúnem-se para legislar.

Pode-se inferir, segundo RIBEIRO (2004), que Rousseau buscava um processo legislativo democrático e constitucional, com garantias pessoais para o caso de descumprimento pelo Estado do pacto social feito entre os indivíduos. Nesse sentido, o Estado conferia direitos subjetivos ao cidadão, e sua inobservância criava para um individuo uma situação jurídica de cumprimento de obrigações pelo Estado decorrentes do contrato social.

Para Rousseau, os homens são naturalmente bons e teriam criado uma sociedade natural em que reinava a paz entre os indivíduos. O primeiro pacto entre os homens teria sido leonino, forçado de indução de uns pela má-fé de outros. Surge a teoria do segundo contrato que viria libertar o homem da sujeição e de privilégios, como um modelo social no qual o principio de igualdade tem significado político.

Rousseau já investiga as possibilidades deontológicas do governo do povo pelo povo, sem alienar o cidadão de sua liberdade, nem mesmo para se formalizar seus representantes parlamentares.

3 EVOLUÇAO DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO DE DIREITO

Foi com John Locke, um dos principais pensadores do contratualismo, que nasceu a ideia do Liberalismo.

O Liberalismo é uma corrente de pensamente que teve inicio no século VII, com Locke. No Liberalismo, formula-se as ideias essenciais de um Estado Constitucional protetor de liberdades e propriedades dos cidadãos, além da divisão de poderes e do pluralismo liberal.

É uma doutrina que privilegia os interesses privados. Protege o cidadão contra qualquer forma de opressão, seja do Estado ou de grupos distintos. O Estado Liberal é sustentado pela ideia de limitação do poder governamental e garante as liberdades individuais, a constitucionalidade, a tripartição do poder, o pluripartidarismo e a representação política.

Essa doutrina tem como núcleo a liberdade, mais especificamente, a liberdade negativa, porque implica a ausência de interferência na liberalidade de escolha dos indivíduos. Para que isso seja possível, é necessário que o Estado atue somente quando necessário e o mínimo possível, configurando um Estado Constitucional, limitado em seus poderes.

Em um estudo sobre a passagem do Estado Liberal ao Estado Social, José Luiz Quadros de Magalhães (2002) ensina que o processo de formação dos Direitos Fundamentais se inicia na Inglaterra e marca o inicio da insubsistência da forma de governo monárquica que cedeu espaço ao Liberalismo.

As revoluções francesa e norte-americana tiveram grande contribuição para formação neste novo estilo de estado, o Estado Liberal, porque foram a partir destas revoluções que se consolidaram os princípios liberais, mormente os econômicos. Retificou-se, logo, o Estado Liberal que aos poucos alcança toda a Europa. Entretanto, afirmou-se o Liberalismo e não a Democracia (MAGALHÃES, 2002, p. 42-43).

Em importantes lições, José Luiz Quadros Magalhães ensina que a ideologia liberal se demonstra individualista, baseada na busca dos interesses individuais. O conteúdo dos Direitos Fundamentais nessa época seriam os Direitos Individuais relativos à liberdade e à igualdade’ (2002, p. 43).

Os liberais democráticos defendiam a ideia de que todos deviam participar do poder político. Acreditavam que cabia ao cidadão eleger seus governantes e que a melhor forma de governar é por meio do voto universal, livre e secreto, em eleições periódicas. (VILANI, 2002, p. 51).

Segundo Vilani (2002), o liberalismo, quando visto não apenas como produto de interesses econômicos, pode ser reconhecido por deixar seu legado à modernidade, com forma primeva na garantia de direitos. Conforme aquele autor, “ao enfatizar o respeito à individualização, ao proclamar a fecundidade das diferenças e da pluralidade de pontos de vista, forneceu as bases para os ‘direitos fundamentais do homem.” (VILANI, 2002, p. 53).  

A proteção de direitos individuais teve como resultado um capitalismo selvagem e escravizador. O século XIX foi alvo de miséria social que se alastrou desde a Revolução Industrial até a consolidação do Liberalismo, que foi duramente criticado e combatido pelos ideários marxistas. “O Estado não podia mais se omitir perante a realidade e os problemas sociais e econômicos” (MAGALHÃES, 2002, p. 44). As Constituições posteriores à Primeira Guerra Mundial passaram então a voltar sua atenção para o social.            

O Estado Social surge, assim, para atender os anseios sociais. Logo, esse Estado se propõe a atender as exigências da coletividade assumindo, ao contrário do Estado Liberal, obrigações positivas. Importante destacar que o Estado Social objetivava garantir os meios para que os direitos individuais, anteriormente consagrados, pudessem ser realmente usufruídos.

Nessa mesma linha, ensina José Luiz Quadros de Magalhães:

Se o liberalismo proclama a liberdade de expressão e de consciência, deve toda a população ter acesso ao direito social á educação, para formar livremente sua consciência política, filosófica e religiosa, e ter meios e capacidade de expressar essa consciência (2002, p. 46).

Assim, em linhas gerais, é importante dizer sobre a perspectiva que assumem os direitos fundamentais no Estado Liberal e no Estado Social. No Estado Liberal há primordialmente a garantia das liberdades individuais aliadas a uma política abstencionista do Estado.

Já no Estado Social, além das liberdades consagradas no Estado Liberal, entram em cena as prestações materiais como mecanismo de realização dos direitos individuais de toda a sociedade, pois, nas palavras de José Luiz Quadros de Magalhães, “para ser livre o homem tem de estar liberto das carências materiais.”(2002, p. 46). Logo, O Estado Social tem o escopo de realmente efetivar as garantias e liberdades individuais através de uma política assistencialista.

O Estado Social, assim, é o Estado prestador de benefícios à população, é aquele que além de garantir liberdades individuais, garante também o acesso à educação, à saúde, ao trabalho. Dessa forma, diferencia-se do Estado Liberal, porque deve propiciar a população os meios de efetivamente alcançar as liberdades individuais.

Já ao se iniciar o estudo acerca do Estado de Direito, entende-se necessário traçar algumas de suas características.

O Estado de Direito pressupõe a regulamentação pelo direito das atividades desenvolvidas pelo estado no exercício do poder; divisão dos poderes do Estado, ou seja, separação das funções legislativa, executiva e judiciária; reconhecimento dos direitos fundamentais dos indivíduos e ainda o reconhecimento da inalienabilidade desses direitos; legalidade dos atos da administração pública, uma vez que estes estão sob controle jurisdicional.

Acredita-se, portanto, que o Estado de Direito norteia-se por dois princípios importantes, a inalienabilidade dos direitos fundamentais reconhecidos aos indivíduos e a limitação do poder estatal.

O Estado de Direito foi idealizado por doutrinadores alemães que o conceberam como um Estado de Direito racional, o Estado realizador dos princípios da razão, preservando a vida em comum das pessoas.

Segundo Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, essas ideias básicas foram as ideias que, inicialmente, na primeira metade do século XIX, projetaram os seguintes pontos de desenvolvimento da teoria do Estado de Direito:

  1. Rejeição à ideia do Estado como criação divina, substituída pela concepção do Estado como comunidade a serviço do interesse comum de todos os indivíduos;

  2. Certa limitação às tarefas e aos objetivos estatais, mais inclinados á preservação da liberdade e à segurança das pessoas e da propriedade privada, ou seja, atividade do Estado voltada com ênfase à garantia da liberdade individual das pessoas, assegurando-lhes a possibilidade de pleno desenvolvimento;

  3. Organização do Estado e regulamentação de suas atividades segundo princípios racionais, o que envolvia, de um lado, o reconhecimento de direitos básicos da cidadania-proteção da liberdade pessoal, da fé e da consciência individuais, da liberdade de imprensa, da livre movimentação de pessoas e da liberdade de contratação e de aquisição, a igualdade jurídica e a garantia do direito de propriedade - de outro, a independência de juízes, visando a se obter segurança na administração no exercício da função jurisdicional, o predomínio da lei e a representação do povo junto á atividade legislativa do Estado;

  4. Aceitação do chamado princípio da divisão dos poderes, como distribuição de competências entre as diversas forças políticas do Estado. (DIAS, 2004, p. 152).

4 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A PERSPECTIVA QUE ASSUMEM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A teorização do Estado Democrático de Direito para Canotilho (1999, p. 27), centra-se em dois pontos fundamentais, “o Estado limitado pelo direito e o poder político legitimado pelo povo”. Logo, pode-se dizer, em linhas gerais, que o Estado Democrático de Direito é fruto da conjugação dos princípios que sustentam a democracia como fonte de legitimação do exercício do poder pelo povo e o daqueles que preconizam o Estado limitado pelo direito, ou seja, o Estado sujeitando-se ao direito.

Daí parece-nos claro dizer que é no Estado Democrático de Direito que os direitos subjetivos podem ser plenamente realizados, uma vez que, segundo Vilani (2002, p. 61) é típica do Estado Democrático de Direito a ampliação do espaço público mediante a criação de mecanismos constitucionais de participação dos cidadãos nos assuntos de governo e de controle das ações estatais pela sociedade civil.

Para melhor ilustrar o objeto da ideia que se pretende desenvolver, faz-se necessário reportar ao conceito geral de Direito Subjetivo. Para Vicente Ráo (1997, p. 537) o direito subjetivo é a faculdade de agir de conformidade com o que a norma dispõe (facultas agendi). Segundo RÁO (1997), “O poder de ação conferido pela norma depende da vontade de seu titular”. 

E ainda segundo Vicente Ráo:

A faculdade a ser exercido se traduz em ato de vontade destinado à consecução dos bens, materiais ou imateriais, de valor individual ou social, necessários ou úteis a conservação e ao aperfeiçoamento do próprio titular, ou de outrem, ou da coletividade.(RÁO, 1997, p. 537). 

Sendo assim, é no Estado democrático de Direito que os indivíduos, pelas faculdades conferidas por normas amparadas constitucionalmente, terão condições de agir de forma a alcançar a proteção e o respeito jurídico pelos novos fatos sociais resultantes do pluralismo, fruto do dinamismo da sociedade complexa da qual os indivíduos fazem parte.

É pela ampliação do espaço público, característica própria do Estado Democrático de Direito, que surge a possibilidade de efetivamente buscar o patrocínio jurídico aos estilos de vida diferenciados e as novas situações sociais que se apresentam.

Nessa perspectiva, é de extrema importância a compreensão de que os direitos fundamentais passaram e passam pela evolução histórica, na medida em que devem corresponder as necessidades e anseios da sociedade do tempo presente. Assim, no Estado Liberal os direitos fundamentais correspondiam às garantias e liberdades formais que possuíam os indivíduos, e no Estado Social, por sua vez, houve a necessidade de que os direitos fundamentais assumissem uma perspectiva de materialização dessas garantias.

No Estado Democrático de Direito os direitos fundamentais devem estar intrinsecamente relacionados com a prática da cidadania, com a participação efetiva dos indivíduos no espaço público para que seja possível alcançar a cobertura jurídica para as novas demandas sociais em termos de direitos fundamentais, de modo a ocorrer à progressiva ampliação desses direitos.

Importante ressaltar as precisas lições de Menelick de Carvalho Neto:

E os direitos fundamentais só poderão continuar como tais se a própria Constituição, como a nossa expressamente afirma no § 2° do seu artigo 5 °, se apresentar como moldura de um processo  de permanente aquisição de novos direitos fundamentais. Aquisições que não representarão apenas alargamento da tábua de direitos, mas na verdade, redefinições integrais dos nossos conceitos de liberdade e de igualdade, requerendo nova releitura de todo o ordenamento á luz das novas concepções dos direitos fundamentais. (2003, p.155).

Assim, diante da dimensão subjetiva que possuem os direitos fundamentais, é preciso que, tendo em vista a complexidade da sociedade, os direitos fundamentais assumam uma significação que seja inclusiva, flexível, de modo a assegurar no Estado Democrático de Direito prerrogativas que sejam plurais.

Se a faculdade de agir que a norma confere ao indivíduo se mostra como ferramenta eficaz para atender as demandas sociais que buscam o respaldo jurídico aos novos fatos sociais, também é verdade que os direitos fundamentais consagrados na Constituição assumem uma dimensão objetiva na realidade de uma sociedade altamente complexa como a que vivemos.

E quando se fala em dimensão objetiva, se quer dizer que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais liga-se ao reconhecimento de que tais direitos, além de incorporarem certas prestações do Estado, consagram também os valores mais importantes de uma sociedade, ou seja, os direitos fundamentais não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, antes valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins que esta se propõe a seguir.

Desse modo, pode-se dizer que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais pressupõe, muitas vezes, algumas limitações a estes direitos em prol da coletividade, ou seja, a liberdade que os direitos fundamentais possuem é uma liberdade que deve ser concebida no meio social e não individual.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição de 1988, com o modelo de Estado constitucional construído sobre os direitos fundamentais e os ideais democráticos, consagrou em seu preâmbulo o Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. O Estado passa a reconhecer, em uma ordem jurídica onde se fortalece cada vez mais a supremacia da Constituição, a efetivação dos direitos fundamentais. Ao contrário do período do liberalismo, os direitos não são absolutos, inalienáveis; podem ser mitigados frente o confronto com outros direitos de mesma hierarquia.

A adoção, implicitamente, de princípios na resolução de conflitos, precipuamente na Constituição de 1988, constitui um pilar, uma nova forma de observância de direitos fundamentais, que são intrínsecos ao ser humano, mas não são ilimitados, uma vez que encontram limites frente a outros cidadãos com iguais direitos. Percebe-se que os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988 são, em última análise, direitos e titularidade individual, em que pese que alguns sejam de expressão coletiva.   

Por outro lado, o Estado Democrático de Direito institui direitos subjetivos amplos, que não são taxativos, mas que se estendem frente ao surgimento de um novo “pano de fundo”, seja político, econômico e vai-se consolidando pelo direito posto, pelo direito objetivo.

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Sobre o autor
Luiz Sérgio Arcanjo dos Santos

Mestre em DIREITO PROCESSUAL pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (conceito 6 CAPES), Brasil (2014-2016). Bolsista pela CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Pós-Graduação lato sensu (especialização) em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada da Universidade Católica de Minas Gerais (IEC PUC Minas), Brasil (2007-2008). Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Brasil (2000-2005). Professor no Curso de Direito nas disciplinas de Introdução ao Estudo do Direito I, Metodologia do Trabalho Científico, Direito Romano e História do Direito, Direito Processual Civil I e Direito Processual Civil II da PUC Minas (Campus Coração Eucarístico). Professor visitante no Curso de Direito da Einstein Instituição - Faculdade Sapiens - Porto Velho - Rondônia. Diretor Financeiro e pesquisador associado do Instituto Popperiano de Estudos Jurídicos - INPEJ (Presidente do Instituto Professor Doutor Rosemiro Pereira Leal). Colaborador (associado) da Associação Brasileira de Direito Processual, ABDPRO. Atuação como pesquisador e orientador do Instituto de Investigação Científica Constituição e Processo - IICCP (Grupo de Pesquisas de Direito, Constituição e Processo Professor José Alfredo de Oliveira Baracho) da PUC Minas, nas áreas de Direito Constitucional e Direito Processual - vinculado ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Autor do livro Processo e Poder Constituinte Originário: a construção do direito na processualidade jurídico-democrática (ISBN 978-85-8440-821-4). Organizador e coautor do livro Processo como democracia na contemporaneidade: colóquio em homenagem ao Professor Rosemiro Pereira Leal (ISBN 978-85-60519-88-0). Coautor do livro Direito Processual: Fundamentos Constitucionais (ISBN 978-85-9818-517-0). Coautor do livro Direito na Atualidade: uma análise multidisciplinar: volume I (ISBN 978-85-8440-834-4). Coautor do livro Estudos Avançados em Direito: volume I (ISBN 978-85-5190-460-2). Coautor do livro Teoria Crítica do Processo: contributos da Escola Mineira de Processo para o constitucionalismo democrático - volume 6 (ISBN 978-85-519-0777-1). Coautor do livro Diálogos Jurídicos Contemporâneos: Volume III (ISBN 978-85-434-1474-4). Coautor do livro Anais do Congresso de 20 anos do PPGD (ISBN 978-85-9471-085-7). Coautor do livro Novíssimos Estudos em Direito Público: volume I (ISBN 978-85-8042-104-0). Coautor do livro Novíssimos Estudos em Direito Público: volume II (ISBN 978-85-8042-799-8). Coautor do livro Novíssimos Estudos de Direito Público: volumes III e IV (ISBN 978-85-8425-285-5). Coautor do livro Novas Fronteiras do Estudo do Direito (ISBN 978-85-8040-085-2). Atuação em Direito Processual, com ênfase em Direito Processual Civil e Direito Processual Penal. Advogado (OAB/MG) e consultor Jurídico, Brasil. E-mail: luizsergiosantos@yahoo.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Luiz Sérgio Arcanjo. Direitos fundamentais: : evolução e efetividade no Estado constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4295, 5 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37468. Acesso em: 22 nov. 2024.

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