A audiência de custódia tem sido um tema bastante discutido no cenário jurídico brasileiro, principalmente no que diz respeito a questão estrutural de que cada Estado possui para a sua real efetivação.
De acordo com o artigo 310 do Código de Processo Penal, o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante deverá: I - relaxar a prisão ilegal; II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Dentre as medidas que podem ser adotadas pelo magistrado, temos que com o advento da Lei 12.403/2011 a prisão deverá ser adotada como a ultima ratio entre as cautelares possíveis. Entretanto, o que obervamos na prática é o encarceramento exacerbado decorrente da prática de pequenos delitos, onde as medidas cautelares não são utilizadas como regra e a homologação do auto de prisão em flagrante não é tida como exceção.
Uma alternativa que pode reduzir o encarceramento descontrolado é a adoção da audiência de custódia entre os entes federativos. No cenário jurídico atual, a autoridade judicial somente tem contato com o Acusado apenas na audiência de instrução e julgamento, no qual devido ao volume cada vez maior de processos são marcadas meses após o encarceramento do indivíduo.
Com a utilização da audiência de custódia, o juiz terá contato com o Acusado em até 24 horas após a sua prisão, proporcionando-lhe subsídios maiores para decidir com clareza sobre o que fazer no caso concreto.
A audiência de custódia foi inserida no Brasil em virtude da ratificação de Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estabelece em seu artigo 9.3 que: “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença”.
No mesmo sentido, a Convenção America sobre Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto São José da Costa Rica, leciona em seu artigo 7.5 que: “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”.
Com a adoção da audiência de custódia começamos a ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. A diretora da Human Rightss Watch Brasil destaca ainda que a audiência de custódia já está “internalizada na legislação de vários países vizinhos como a Argentina, Colômbia e o Chile”.
Destaca-se que o atendimento imediato à pessoa detida é uma recomendação internacional, tendo em vista que esta medida diz repeito a um instrumento de prevenção e combate à tortura. Conforme pesquisa da Human Rights Watch Brasil realizada em 5 estados brasileiros, foram catalogados 64 casos de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, no qual em sua grande maioria, ocorreram em abordagem policial.
Desta forma, a audiência de custódia colabora no combate e na prevenção da tortura e de tratamento cruel, desumano ou degradante na medida em que dispõe que a pessoa detida, agredida ou não, tenha a oportunidade de encontrar com um juiz fisicamente em 24 horas, possibilitando a instauração de um processo para saber as circunstâncias da prisão, bem como de responsabilizar o agente público nos casos em que se identifique sinais de violência por ele praticado.
Outro ponto a ser destacado é que a audiência de custódia vem amenizar de alguma forma o elevado número de presos provisórios no Brasil, tendo em vista que uma das funções da audiência de custódia é verificar a legalidade e as circunstâncias da prisão, possibilitando a aplicação de uma medida alternativa.
Vale lembrar que as normas de Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos são de eficácia plena e imediata, sendo que o Estado possui a obrigação de assegurar que um direito seja protegido.
No Brasil, o Senador Antonio Carlos Valadares, autor do projeto de lei que visa alterar o atual artigo 306 do Código de Processo Penal, disciplina no respectivo projeto de lei sobre a audiência de custódia:
“Art. 306. (...)
§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública”.
Tal projeto de lei recebeu uma emenda substitutiva apresentada pelo Senador João Capiberibe após estar em trâmite na Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, aprovada por unanimidade e alterando a sua redação:
“Art. 306. (...)
§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
§ 2.º A oitiva a que se refere o § 1.º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
§ 3.º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.
§ 4.º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2.º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código”.
Destaca-se que o Projeto de Lei do Senado apresentado pelo Senador João Capiberibe possui uma descrição precisa sobre a audiência de custódia, não abrindo margens para interpretações sobre a autoridade a quem o preso deve ser conduzido ou a respeito do prazo em que tal medida deve ser viabilizada, bem como a de cercar a realização da audiência de custódia das garantias do contraditório e da ampla defesa quando prevê a imprescindibilidade da defesa técnica no ato.
Em 26 de Novembro de 2013 o Projeto de Lei do Senado 554/2011 foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), em seguida chegou na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde foi distribuído para o Senador Humberto Costa (relator).
Na data de 25 de Junho de 2014 o Projeto de Lei do Senado 554/2011 recebeu uma emenda substitutiva de autoria do Senador Francisco Dornelles, no qual alterou a versão original para acrescentar que a audiência de custódia também poderá ser feita mediante o sistema de videoconferência:
“Art. 306. (...)
§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, pessoalmente ou pelo sistema de videoconferência, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública”.
Como justificativa para a alteração, o Senador Francisco Dornelles destaca que: “A diminuição da circulação de presos pelas ruas da cidade e nas dependências do Poder Judiciário representa uma vitória das autoridades responsáveis pela segurança pública”, e conclui afirmando que “O deslocamento de presos coloca em risco a segurança pública, a segurança institucional e, inclusive, a segurança do preso”.
Dentre os tribunais espalhados pelos Estados do Brasil, o Tribunal de Justiça de São Paulo no dia 22 de Janeiro de 2015, de forma inédita e pioneira editou o Provimento Conjunto n. 03/2015 da Presidência e da Corregedoria Geral de Justiça para regulamentar as denominadas audiências de custódia. O respectivo ato normativo determina a apresentação da pessoa detida em até 24 horas ao juiz competente com o devido auto de prisão em flagrante.
Prevê ainda o Provimento que as audiências de custódia serão realizadas na presença do Ministério Público e de advogado, no qual os presos terão contato prévio com os defensores.
Na audiência será informado ao acusado da possibilidade de permanecer em silêncio, bem como de não responder às perguntas formuladas e então serão realizadas indagações sobre a qualificação e condições pessoais do preso, bem como acerca das circunstâncias objetivas da prisão, não sendo admitidas perguntas próprias da instrução.
Após ser estabelecido o contraditório entre as partes na audiência de custódia, o juiz decidirá sobre a medida mais adequada ao caso concreto, podendo requisitar exame clínico e de corpo de delito do acusado nos casos em que constatar a necessidade de perícia para apurar eventuais abusos cometidos durante o ato ou mesmo determinar o devido encaminhamento assistencial.
Entretanto, para que ocorra a regulamentação da audiência de custódia em âmbito nacional, é necessário que cada Estado da federação tenha estrutura suficiente para a realização das audiências de custódia.
Em grande parte dos Estados brasileiros, devido a falta de servidores públicos, não há efetivo suficiente para a realização de escoltas, bem como delegacias e fóruns carecem de estruturas adequadas para atender toda a sociedade.
Um ponto de suma importância que vem sido defendido pela maior parte dos defensores da audiência de custódia referes-se ao fato de que ela não pode ser realizada pelo mesmo juiz que conduzirá a instrução do processo e julgará o feito.
Nesse sentido, o Provimento Conjunto 04/2015 da Presidência e da Corregedoria Geral de Justiça estabelece um escalonamento para a implantação dessas audiências, no qual no dia 24 de Fevereiro de 2015 tais audiências foram realizadas pelos juízes do Departamento de Inquéritos Policiais da Capital (DIPO), que não serão os mesmos juízes a julgarem os feitos.
Portanto, no intuito de cumprir o que prevê os Tratados Internacionais, a regulamentação das audiências de custódia é medida de extrema necessidade, tendo em vista que trata-se de valiosas garantias instrumentais do princípio da ampla defesa, do devido processo legal e devem ser implementadas no ordenamento jurídico brasileiro o mais breve possível.