O Direito do Consumidor brasileiro existe para equilibrar relações, desestimulando o fornecedor ou o prestador de serviço de condutas desleais ou abusivas em face do consumidor. No entanto, para que se configure uma relação de consumo e tenha-se a aplicação das normas do Direito do Consumidor, devêm estar presentes 03 (três) elementos, os quais são: o fornecedor, o produto ou prestação de serviço e o consumidor como destinatário final.
Para aplicação da legislação no âmbito do Direito do Consumidor, a doutrina majoritária brasileira baseia-se na teoria finalista, a qual define que consumidor será a pessoa física ou jurídica, que adquira ou utilize o produto ou serviço como destinatário final fático e econômico, é o que afirma o professor Bruno Miragem.
“Nosso entendimento é de que consumidor é pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final fático e econômico, isto é, sem reempregá-lo no mercado de consumo com o objetivo de lucro.”[1]
O Referido conceito encontra-se tipificado no código de defesa do consumidor (Lei n°. 8.078/90), especificamente no artigo segundo do codex.[2]
A aplicação da teoria finalista chega ao ponto de ser injusta, eis que uma pessoa jurídica, uma microempresa, onde seus sócios ou proprietários, em regra, são pessoas simples, leigas, sem formação superior, não tendo condições de visualizar, entender e superar problemas técnicos, informacionais de utilização do produto ou serviço, fica excluída da proteção do código consumerista, por não ser destinatária final do produto ou serviço.
No entanto, para superar a exclusão à proteção do código de defesa do consumidor, em especial, da pessoa jurídica não destinatária final de serviço ou produto, surgiu uma corrente doutrinaria e jurisprudencial oriunda do Superior Tribunal de Justiça, denominada teoria finalista mitigada ou aprofundada, a qual vem sendo, amplamente, aplicada nos julgados brasileiros.
Essa nova teoria apresenta a definição de consumidor de forma mais ampla, considerando que a pessoa jurídica ou pessoa empresária pode ser considerada consumidora, mesmo na hipótese de adquirir produto ou serviço e emprega-lo com insumo ou reemprega-lo no mercado de consumo, ou seja, sem ser destinatário final.
Para alcançar essa nova premissa, primeiramente, deve-se analisar o artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor[3], o qual considera equiparado ao consumidor toda a pessoa determinável ou não, exposta às práticas previstas nos capítulos V e VI da própria Lei n°. 8.078/90.
Portanto, quando se fala em exposição às práticas previstas no código de defesa do consumidor, trata-se das práticas que evidenciam a vulnerabilidade da pessoa física ou jurídica, onde essas, fazem jus à mesma proteção devida aos consumidores destinatários finais. Ou seja, a teoria em apreço exige apenas a retirada do bem do mercado de consumo e a existência de algum tipo de vulnerabilidade para reconhecer a relação de consumo. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça:
DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONCEITO DE CONSUMIDOR. CRITÉRIO SUBJETIVO OU FINALISTA. MITIGAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. EXCEPCIONALIDADE. VULNERABILIDADE. CONSTATAÇÃO NA HIPÓTESE DOS AUTOS. PRÁTICA ABUSIVA. OFERTA INADEQUADA. CARACTERÍSTICA, QUANTIDADE E COMPOSIÇÃO DO PRODUTO. EQUIPARAÇÃO (ART. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus polos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. - São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. - Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro, Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Julgamento: 18/04/2005 Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA Publicação: DJ 09.05.2005.
Verifica-se que tal entendimento é empregado pela doutrina brasileira:
“Este é o caso que se percebe na relação entre pequenos empresários e bancos, entre pequenos e grandes empresários, ou ainda quando um dos contratantes não seja, e não deve ser, especialistas ou ter conhecimento sobre as características do produto ou serviço que adquire. Nestas situações, a aplicação do CDC, antes de se apresentar como imperativo a proteção do consumidor, converte-se em garantia de proteção do contratante vulnerável, com o objetivo de promover o equilíbrio contratual e a proteção da boa-fé, por intermédio das normas de proteção.”[4]
“O consumidor é uma definição ampla de seu alcance material. No CDC, o consumidor não é uma definição meramente contratual (o adquirente), mas visa também proteger as vítimas dos atos ilícitos pré-contratuais, como a publicidade enganosa, e das práticas comerciais abusivas, sejam ou não comparadas, sejam ou não destinatárias finais.”[5]
Portanto, conclui-se que a previsão legal do artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor foi inserido no diploma legal baseado na vulnerabilidade, sendo um critério básico para definição de consumidor e aplicação das normas de proteção previstas no código de defesa do consumidor, mesmo o consumidor sendo pessoa jurídica e não sendo destinatário final do produto ou serviço.
No entanto, para compreender melhor a aplicação da teoria que coloca a vulnerabilidade como ponto determinante para o reconhecimento da relação de consumo, é necessário conhecer todos os aspectos que caracterizam a vulnerabilidade.
A vulnerabilidade sendo um regulador do campo de aplicação da legislação consumerista, desenvolveu 04 (quatro) espécies: técnica, jurídica, fática e informacional
A vulnerabilidade técnica é evidenciada quando o consumidor, pessoa jurídica, não tem como visualizar ou entender questão especificas de utilização e funcionamento do produto ou serviço, ou seja, é a ausência de conhecimentos técnicos sobre o produto ou serviço adquirido. Tal entendimento é exposto pela doutrina do professor Bruno Miragem:
“A vulnerabilidade técnica do consumidor se dá em face da hipótese na qual o consumidor não possui conhecimentos especializados sobre o produto ou serviço que adquire ou utiliza em determinada relação de consumo. O fornecedor, por sua vez, presume-se que tenha conhecimento aprofundado sobre o produto ou serviço que ofereça. É dele que se exige a expertise e o conhecimento mais exato das características essenciais do objeto da relação de consumo. O que determina a vulnerabilidade, neste caso, a falta de conhecimento específico pelo consumidor e, por outro lado, a presunção ou exigência destes conhecimentos pelo fornecedor”[6]
A vulnerabilidade jurídica envolve a debilidade do consumidor em relação à falta do conhecimento sobre matéria jurídica ou outros ramos da área científica, tais como: Economia e Contabilidade, entre outros.
Já, a vulnerabilidade fática ou socioeconômica é uma espécie mais ampla, que abrange, genericamente, diversas situações concretas de reconhecimento de debilidade do consumidor, porém, caracteriza-se, principalmente, no aspecto econômico.
Por fim, a vulnerabilidade informacional decorre, em regra, no ato contratual, onde a fornecedora/prestadora de serviço deixa de prestar as informações completas e necessárias para o uso correto e seguro do produto ou do serviço. Ou seja, quando não há, no momento pré e pós contratual, esclarecimento dos riscos do produto ou serviço, das eventuais falhas que poderão ocorrer, as medidas de segurança a serem tomadas etc.
Inclusive, a questão da informação é de importância extrema, pois é um fator que caracteriza a vulnerabilidade do consumidor, mesmo sendo ele pessoa jurídica, que é tratado com apelo pela nossa doutrina:
“Em resumo, na sociedade atual é na informação que está o poder, a falta desta representa intrinsecamente um minus, uma vulnerabilidade quanto mais importante detida pelo outro.”[7]
Portanto, pode-se concluir que a aplicação do código de defesa do consumidor, por meio da teoria finalista mitigada, é uma interpretação mais ampla, aprofundada e madura dos princípios basilares do Direito do Consumidor, sendo que, a teoria em estudo permite avaliar, no caso concreto, se a pessoa jurídica, ainda que adquirente de insumos ou reempregando o produto no marcado de consumo, pode ser protegida pelas normas consumeristas.
[1] MIRAGEM. Bruno. Direito do Consumidor. Ano 2008. pág. 83. Revista dos Tribunais.
[2] Artigo 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
[3] Artigo 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
[4] MIRAGEM. Bruno. Direito do Consumidor. Ano 2008. pág. 85-86. Revista dos Tribunais.
[5] BENJAMIM. Antônio Herman V. Manual do Direito do Consumidor. Ano 2009. 3ª Ed. pág. 83. Revista dos Tribunais
[6] MIRAGEM. Bruno. Direito do Consumidor. Ano 2008. pág. 63. Revista dos Tribunais
[7] BENJAMIM. Antônio Herman V. Manual do Direito do Consumidor. Ano. 2009. 3ª Ed. pág. 83. Revista dos Tribunais