1. Bases políticas e ideológicas na construção de um novo projeto de desenvolvimento.
1.1 Raízes históricas de um novo arranjo público-privado.
Ao longo da história podemos observar constantes modificações no entendimento do conceito de público e de privado. Interessante abordar que tais entendimentos muitas vezes são sujeitos de uma constante mobilidade de seus respectivos limites teóricos. O que faz com que, ainda aos tempos atuais, seja muito difícil encontrar conceito unívoco tanto para o público quanto para o privado.
Como exemplo dessa confusão conceitual, podemos citar a Igreja Católica, ainda na idade média, quando da constituição do que hoje compreendemos como Estado, e como a relação destes com o mercado foi concebendo o entendimento moderno dos conceitos de público e de privado. Nesse sentido:
"la construción del Estado y el desarrollo del mercado irán perfilando el sentido “moderno” de la escisión entre la esfera pública y privada, la cual atravessará los tres poderes feudales: Iglesia, soberania y estamento señorial. Con la reforma religiosa se “privatiza”, pues abre la primera esfera de autonomía privada garantizada, y la Iglesia, por su parte, se establece como una corporación de derecho privado". (RABOTINIKOF, N., 1997: 26)
Reflexos dessa mobilidade conceitual, temos que, com o estabelecimento do capitalismo como modo de produção consolidado no cenário internacional, os Estados têm percorrido diversos e diferentes caminhos na busca da manutenção da plenitude de suas atividades. A provisão do desenvolvimento e a intervenção econômica do Estado são dois temas que atraem o interesse de todos os tomadores de decisão e dos gestores públicos na tentativa de se compor um modelo de Estado que consiga estabelecer uma relação de equilíbrio entre o tamanho da máquina estatal e as exigências do capital.
Assim, fruto dessa transição dos limites do Estado e da sua relação permanente com o mercado observou-se o surgimento de uma inovadora forma de interação entre a esfera pública e a esfera privada: as Parcerias Público-Privadas (PPP).
Concebida no Reino Unido, o projeto político de Public-Private Partnerships, ou de Parceria Público-Privadas (PPP), partiu da necessidade de superar uma realidade de intenso contingenciamento de gastos estabelecida, em boa medida, pelo recém-assinado Tratado de Maastricht, marco fundamental no processo de unificação europeia, ao estabelecer metas de livre comércio, pessoas, serviços e capital na Europa. Portanto, no que diz respeito aos investimentos públicos em infra-estrutura e em programas sociais no país, se tal realidade não esgotara, limitara bastante a sua capacidade.
A realidade estabelecida a partir de então incentivou mudanças de natureza estrutural no Estado, indicando para uma reforma, ou mesmo para ajustes ao novo ambiente comunitário instituído por Maastricht. Fruto desses ajustes foi justamente a forma de contratação de ativos públicos, materializada nas PPP, ou seja: “O programa tinha por objetivo mudar a forma de contratação de obras e serviços públicos, saindo da maneira tradicional de aquisição de ativos para uma lógica de compra de serviços” (BRITO, B & SILVEIRA, A: 2005).
Diferentemente das privatizações, que significavam total e permanente alienação dos ativos públicos à iniciativa privada, as PPP’s são espécie de concessão de serviços públicos, envolvendo inclusive o retorno do empreendimento concedido, sob a forma de ativos em infra-estrutura.
Dessa maneira, a contratação de projetos de PPP foi concebida como forma de investimento na realização de serviços públicos, sem que estes representassem necessariamente um comprometimento financeiro imediato das contas públicas. Seria forma de postergar ou de dirimir o aporte imediato de recursos públicos em serviços essenciais, assim como possibilitar a contratação de diversos outros projetos simultaneamente.
A possibilidade de se angariar novos meios de financiamentos para os projetos do Estado continuava sendo o principal motivador da euforia dos gestores públicos por essa parceria, mas a necessidade de aliar a esse objetivo uma melhora na eficiência da prestação do serviço público era fundamental.
É verdade que uma das vantagens de se instituir uma parceria que inclua o aporte de capital privado é a possibilidade de antecipar um benefício econômico e social que só seria possível no longo prazo. Isso, no entanto, está invariavelmente associado a um comprometimento de receitas futuras. (BRITO, B & SILVEIRA, A: 2005)
No Brasil, essa modalidade de contratação de ativos públicos é internalizada no ordenamento jurídico nacional após implementação de uma larga reforma do estado com clara inspiração neoliberal, assim como nas experiências de países da América Latina, como Chile e México, na reestruturação de seus respectivos mecanismos de provisão de suas malhas infra-estruturais e de serviços públicos.
1.2 Fatores econômicos
Originária do excesso de liquidez do sistema econômico global, as seguidas crises financeiras das últimas décadas incapacitaram muitos Estados em aumentar os seus gastos com investimentos, em infraestrutura principalmente, e limitaram o direcionamento dos gastos públicos com a manutenção da máquina pública. Cenário este que, na América Latina, acabou por forçar regimes contracionistas, em menor ou maior grau.
Verifica-se, no caso brasileiro, que os investimentos em infraestrutura foram diretamente atingidos por essa realidade.
"A partir dos anos 1980, os governos passaram a enfrentar, em maior ou menor grau, restrição na sua capacidade de investimento. Seja por conseqüência do aumento dos gastos sociais e de previdência, seja por uma necessidade premente de estabelecer uma disciplina fiscal para atender a limites de déficit e de dívida, o fato é que se iniciou um processo de contenção do gasto, que resultou na limitação da capacidade de financiamento público do investimento". (BRITO, B & SILVEIRA, A: 2005)
Partindo desse pressuposto, a discussão passou a se dar a partir da necessidade de se constituir um Estado moderno. Estado este, que não crie empecilhos ao funcionamento do mercado e, ao mesmo tempo, saiba atuar eficientemente num mundo globalizado diminuindo seus conflitos em geral. Dessa maneira, entende-se como superado o debate entre Estado mínimo x Estado forte. (cf. Dupas, 2000).
Assim, políticas públicas que buscam redirecionar a atuação do Estado para a percepção deste novo modelo de desenvolvimento podem ser citadas como exemplos claros de superação desse debate, e refletem, mesmo que “empiricamente”, a tentativa de se avançar na construção de um modo convergente de interesses distintos. Assim, entende-se a tentativa de o Estado em voltar a se refortalecer politicamente e aumentar a eficiência na provisão da sua malha de políticas de bens e serviços públicos.
Em outras palavras, o processo de privatização de empresas estatais, o qual teve função protagonista no processo de encolhimento do Estado e que serviu de retórica para resolver justamente este atraso no progresso econômico e social no Brasil, foi superado. Importante, entretanto, destacar que a iniciativa de se entregar o controle das estatais à iniciativa privada teve, de acordo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a função de:
"Intensificar o processo de competição no atendimento dos serviços e elevar a eficiência no setor e a competitividade da indústria nacional pela redução do custo Brasil; aumentar o estoque de receita que ajuda na redução da dívida pública, além de desonerar os cofres públicos de prejuízos acumulados por empresas deficitárias; liberar um maior aporte de recursos para o governo federal concentrar esforços nas políticas sociais (saúde, educação, habitação, segurança pública, etc.); e impulsionar o mercado acionário doméstico atraindo investidores externos e capitalizando as empresas". (PÊGO, B. PEREIRA, F. et al.: 1999)
Passados quase vinte anos do ápice da privatização no Brasil, observa-se que o famoso custo Brasil ainda não recuou, assim como a dívida pública brasileira. Pelo contrário, observamos um aumento significativo dos gastos com políticas de estabilização social, o que não significou necessariamente um aumento na qualidade de vida da população.
Esta notável incapacidade de investimento público em infraestrutura forçou o Estado a buscar novas formas de financiamento para investimentos nessa área. O déficit infraestrutura tem alijado a capacidade de crescimento econômico sustentado do país e, consequentemente, a sua possibilidade de estabelecer bases para o desenvolvimento de uma sociedade de bem-estar.
A obsolescência infraestrutura e as amarras econômicas que prendiam o Estado ao aumentar os investimentos nessas áreas fizeram com que ele fosse buscar novas formas de financiamento para o incremento da sua infraestrutura. Se por um lado as restrições fiscais o impediam de se autofinanciar, por outro lado, o excesso de liquidez do capital no mercado financeiro, originário em boa medida de uma disfunção na relação oferta-demanda entre o modo de produção global e a capacidade de consumo e distribuição de renda, fazia com que estivesse em abundância sob o controle da iniciativa privada. Dessa maneira, restava ao Estado caminhar em direção a iniciativa privada como meio de financiar o aumento dos aportes básicos à população.
Diferentemente de outras políticas de desestatização, esse novo arranjo público-privado, materializado nas PPP’s, na forma da lei 11.079/2004, deu-se sob uma nova maneira de concessão de serviços púbicos. Tal interação juridicamente consorciada entre a esfera pública e privada, é um exemplo de uma alternativa encontrada para tentar suprir a demanda por bens e serviços públicos básicos, sem que isso representasse necessariamente um imediato impacto sobre as contas públicas.
"Forma de provisão de infra-estrutura e serviços públicos em que o parceiro privado é responsável pela elaboração, financiamento, construção, e operação de ativos que posteriormente são transferidos ao Estado. O setor público torna-se parceiro na medida em que ele é comprador, no todo ou em parte, do serviço disponibilizado. O controle do contrato passa a ser por meio de indicadores relacionados ao desempenho na prestação do serviço, e não mais ao controle físico-financeiro de obra". (BRITO, B & SILVEIRA, A: 2005)
Buscou-se, portanto, uma convergência entre os interesses privados e os interesses públicos. Assim, caminha-se novamente para a realização do entendimento da necessidade de se construir um novo modelo de Estado, o qual não retorna à atividade de atuar exclusivamente como financiador único do desenvolvimento econômico e social, porém, também não atua minimamente em aspectos econômicos. Embora, dessa maneira começasse a atuar em consonância com interesses da esfera privada a fim de uma maior eficiência na gestão e administração de ações de desenvolvimento social e econômico.
Com o intuito de incrementar a qualidade do serviço público prestado, as reformas do Estado não apenas trabalham com a questão da reforma econômica, mas também com a forma de atuação e interação com o meio social, o que é significativamente importante para as mudanças na forma de administração pública. E é justamente por esta necessidade de aumento na eficiência da prestação dos serviços públicos que a esfera pública busca novas alternavas de gestão.
Assim, fruto desse novo modelo de administração pública que busca constituir o que chamamos de Estado moderno, as PPP’s, refletem a percepção, de muitos, de que a iniciativa privada é mais eficiente e, assim, é inevitável substituir métodos burocráticos tradicionais por procedimentos mais ágeis e seguros concebidos no âmbito da dinâmica privada.
"A partir de fins da década de 1970 e, sobretudo, durante os anos 1980 e começo dos anos 1990, várias respostas têm sido oferecidas a esses problemas, sob a ótica da doutrina do New Public Management, que visa, principalmente, a substituir os métodos burocráticos por métodos manejados pelo mercado para a provisão de bens e serviços produzidos pelo governo. O que se faz é procurar criar mercados para a maioria dos serviços, separando-se a elaboração de política da elaboração do serviço (ou da execução de políticas). Para tanto, abre-se a provisão de serviços à concorrência e desenvolvem-se vínculos contratuais entre os provedores dos serviços, os consumidores e os financiadores, de modo a criar as figuras de “vendedores” e de “compradores” de bens e serviços, necessárias para que o mercado funcione". (CUNILL GRAU, N., 1998: 218)
A abertura do Estado para a consorciação com a esfera privada sugere, não somente, uma maior aproximação entre ambas as partes, mas, em boa medida, uma sobreposição do privado sobre o público. Já que este último, incapaz de equivaler-se em fôlego de investimento, é obrigado a abrir mercado para a iniciativa privada como forma de manter sua burocrática em funcionamento.
Essa abertura traz para dentro da estrutura de Estado, não apenas o questionado ganho de eficiência da iniciativa privada, mas sobretudo a dinâmica de mercado desta, observada na mudança das relações de trabalho. Além do mais, uma árdua missão na interação com o meio social, já que a identificação do que é marcado e do que é Estado torna-se comum e teoricamente mais embaraçada.
Como abordado, esse problema, sob a figura de uma analogia dos compradores e dos vendedores, CUNILL GRAU nos leva a uma reflexão que permite o seguinte questionamento: apesar de ser clara a identificação da figura dos compradores e do serviço prestado, quem são os vendedores? Ou melhor, compra-se o serviço de quem? Do público, do privado?
Esses novos modelos de gestão de políticas públicas caminham para o entendimento de que os organismos públicos estatais são semelhantes aos da iniciativa privada. E devem ser, caso ainda não sejam, tão eficientes quanto a esfera privada, pois respondem aos mesmos incentivos e cobranças.
O enfoque mercadológico do “New Public Management” ou do “the entrepreneurial management paradigm” assume implicitamente que o setor público e o setor privado são essencialmente semelhantes e respondem aos mesmos incentivos e processos; que as agências governamentais podem ser visualizadas como corpos empresariais que funcionam melhor em ambiente de mercado competitivo; e que as agências centrais de administração devem estar subordinadas às prioridades e processos de orçamento. (CUNILL GRAU, N., 1998: 222)
Segundo esse pensamento, é o princípio da legitimação do argumento que sustenta que a eficiência da administração do setor privado é superior à da administração pública. Assim, independente da melhora da alocação dos investimentos e dos gastos públicos, a solução para se atingir esse objetivo seria a transferência da ação implementadora e executora das políticas públicas do Estado à iniciativa privada, seja por meio de privatizações ou de contratações externas.
Estes questionamentos refletem a coexistência das seguintes forças: a adequação do Estado à condição de parceiro, podendo, neste caso, ser compreendida como assunção da insuficiência do mesmo em prover todas as necessidades básicas à população. Assim como pode ser entendida como um trabalho paralelo de forças na tentativa de aumentar o volume de transferência de recurso do Estado, ou seja, de criar demanda ao capital privado.
1.3 O debate público x privado e a sociedade.
Na América Latina, o entendimento dessas medidas não se resume exclusivamente à iniciativa do Estado em participar desse processo. Entende-se a necessidade de que as forças que compõem a esfera privada e o meio social reforcem a busca de uma interação com a esfera pública. Dessa forma, o processo de reforma é ampliado do contexto econômico e social para o plano político.
"Houve um momento, não faz muito tempo, em que muitos acreditaram que a política estava morta: o mercado impessoal e o saber tecnocrático se encarregariam de levar-nos ao desenvolvimento. O mercado, porém, pressupõe a segurança jurídica dada pelas instituições. E a tecnocracia não diz para quê nem para quem, mas apenas como. Por isso, nestes últimos anos, os economistas e os organismos de desenvolvimento voltaram os olhos para as instituições, para as opções e para os conflitos. Vale dizer, voltaram a descobrir a política (embora prefiram não dizer isso)". (MARTÍNEZ, E.: 2003)
É justamente a partir da descoberta da funcionalidade de uma esfera de atuação por outra que se inicia a concepção de um processo cooperativo, neste caso uma parceria pró-desenvolvimento. Ao atuar sob as normas de um Estado de direito, democrático e liberal, a concertação entre as partes é mais do que necessária para se aprofundar os valores democráticos e impedir a particular trajetória segregadora do processo de acumulação do capital, em sua natural tendência de monopolizar sua atuação entre as demais.
Esse novo modelo de articulação público-privada exige novas formas de administração pública, já que o “ressurgimento” da política como a ação mediadora de conflitos e de representação das vontades populares é fundamental para esta nova concertação público-privada. Ação esta que tem como uma das principais missões estabelecer o serviço público como social, e impedir o entendimento da esfera pública de que a comunidade ao invés de usuária passa a ter um caráter meramente de cliente no uso daquele serviço, apesar do antagonismo da percepção privada.
"Será cada vez mais procurado esse tipo de “co-produção”, se o aumento da atividade legislativa fizer com que o setor público se considere mais como instituição geradora de normas que como instituição de serviços, dada a importância que o debate público atribui à proteção de bens públicos, do meio ambiente ou da própria concorrência". (CUNILL GRAU, N., 1998: 234)
Este referido “ressurgimento” da política representa o que podemos chamar de uma ruptura com o hiato neoliberal, já que a ação política como um agente definidor dos limites do Estado e com claro papel complementar à ação indutora do desenvolvimento da classe tecnocrática e das forças que compõem o mercado, foi restabelecida como altamente necessária ao respeito à atividade democrática de ação popular, ao exigir uma melhora na cobertura e na eficiência da provisão de bens e de serviços públicos.
Portanto, o debate sobre o modelo, não apenas de desenvolvimento, mas de Estado, que está em curso de sua construção, volta à voga. Agora, mais forte, a ideia da criação de um Estado que seja capaz de assegurar o desenvolvimento equânime da sociedade e ainda atuar com eficiência no cenário econômico global. (cf. Bresser, 2000).
Há a necessidade de se recuperar o modelo de debate que desejamos e de reproblematizar os papéis redistributivos do Estado[...] Sob este quadro destaca-se, em especial, a responsabilidade que cabe ao Estado na obtenção da equidade social. Responsabilidade que oferece um critério para delimitar seu tamanho e que serve para demonstrar que nem tudo o que, do ponto de vista econômico, seja aconselhável privatizar pode ser privatizado, se interessa preservar o bem-estar geral. Essa exigência também chama a atenção para a importância de se recuperar a poupança pública para que o Estado possa financiar a defesa e a ampliação dos direito sociais. (CUNILL GRAU, N., 1998: 235)
1.4 As Parcerias Público-Privadas e o Princípio Constitucional da Eficiência
No plano jurídico interno, o ajuste constitucional às novas práticas de direção da Administração Pública, em implementação desde o ano de 1995, foi sobretudo possibilitado pelos novos dizeres trazidos pela Emenda Constitucional nº 19/98, também conhecida como reforma administrativa.
A emenda Constitucional nº 19/98 que “modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências” é tratada pela maioria dos juristas como a norma que insere no ordenamento jurídico pátreo o princípio da eficiência, como um dos princípios norteadores da administração pública.
Cabe destacar o artigo 3º da referida Emenda, in verbis:
“ Art. 3º O caput, os incisos I, II, V, VII, X, XI, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XIX e o § 3º do art. 37 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação, acrescendo-se ao artigo os §§ 7º a 9º:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”
Interessante destacar que o princípio da eficiência, embora vincule o perfil da administração pública e da ação de seus agentes, continua sendo um conceito jurídico indeterminado. Para corroborar com essa ideia, o jurista baiano Paulo Modesto afirma que, do ponto de vista jurídico, a imposição de atuação eficiente à Administração Pública refere duas dimensões da atividade administrativa indissociáveis, sendo elas:
- A dimensão da racionalidade e da otimização no uso dos meios;
- A dimensão da satisfatoriedade dos resultados da atividade administrativa pública.
Verificamos, portanto, que o princípio da eficiência tem como bases formadoras as duas dimensões acima destacadas, porém, não relacionadas alternativamente, mas de forma conjugada.
Na primeira dimensão de eficiência, para o nobre jurista baiano, o ponto de vista jurídico contempla a ideia de economicidade como fundamento para tratar a eficiência como qualidade da ação administrativa que maximiza os recursos na obtenção de resultados previstos.
Já na segunda dimensão de eficiência, o autor trata a eficiência como “qualidade da ação administrativa que obtém resultados satisfatórios ou excelentes, constituindo a obtenção de resultados inúteis ou insatisfatórios uma das formas de contravenção mais comuns ao princípio”.
O conceito jurídico de eficiência, diferentemente do compreendido pela ciência econômica que o apresenta como sendo um simples problema de otimização dos meios, leva em consideração tanto a otimização dos meios, quanto a qualidade do agir final.
Assim, MODESTO delimita o Princípio da Eficiência como sendo, in verbis:
“A exigência jurídica imposta aos exercentes de função administrativa, ou simplesmente aos que manipulam recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização de finalidades públicas assinaladas por lei, ato ou contrato de direito público.” (MODESTO, P; 2006)
Nesse diapasão, a eficiência ao assumir o invólucro formal de princípio constitucional, passa a impor e a vincular a atividade administrativa a esses preceitos fundamentais. Sendo a sua justa aplicação fundamental para a compreensão e desenvolvimento de algo mais amplo que é o princípio da boa administração.
No que toca, especificamente às PPP, observa-se que a lei 11.079/2004, em seu artigo 4º, determina que na contratação das Parcerias Público-Privadas serão, ou deverão ser, observadas algumas diretrizes, sendo elas, in verbis:
Art. 4o Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:
I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade;
II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução;
III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;
IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;
V – transparência dos procedimentos e das decisões;
VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;
VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.
Embora a citada lei não faça qualquer referência ao termo princípio, o objetivo das diretrizes destacadas nos incisos do artigo 4º da Lei nº 11.079/2004 garante a aplicação dos princípios constitucionais da administração pública, dispostos no artigo 37, CF.
Ou seja, observamos que no rol de diretrizes do artigo 4º da Lei nº 11.0179/2004 estão contemplados princípios do ordenamento jurídico brasileiro referentes à administração pública em geral, constitucionais ou não, como os princípios da publicidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência. Além de outros como o princípio da responsabilidade fiscal.
Nesse caso, compreende-se que a renúncia do termo “princípio” pelo legislador na Lei 11.079/2004 foi em detrimento da palavra diretriz, uma vez que a entidade de direito privado da Sociedade de Propósito Específico constituída para a gerência do empreendimento consorciado não se enquadre diretamente no disposto do caput do artigo 37, CF. Embora, o serviço executado por essa SPE seja originariamente de competência da Administração Pública.
Ressalvadas essas questões, compreendemos que existe uma relação direta entre a as Parcerias Público-Privadas, como política pública, e o princípio constitucional da eficiência. Assim, o princípio da eficiência firma-se como um norte, não apenas da Administração Pública, mas também do serviço ou do empreendimento per se, seja qual for a sua natureza jurídica.
2. Conclusão
A partir do advento dessa forma de contratação de ativos públicos, observou-se um indissociável comportamento ou valores privados no ambiente público, ou seja, uma forte influência de bastiões privados à esfera pública. Assim constatamos, uma crescente interdependência entre as referidas esferas. E a partir desse entendimento de alta interdependência que se reconhece o atual modelo de fortalecimento da estrutura do Estado que hoje segue em curso no Brasil.
Podemos relacionar o desenvolvimento de alternativas novas de articulação público-privada, neste caso o das Parcerias Público-Privadas, não apenas como continuidade de um modelo de direcionamento de políticas públicas, mas provar a alta influência das transitoriedades dos valores privados na condução de um modelo de formulação de novos projetos de políticas públicas.
Os projetos de Parcerias Público-Privadas, neste caso, acompanham naturalmente essa tendência de alinhamento com as exigências das formas de atuação e gerência das políticas públicas e dos serviços públicos com valores e comumente relacionados à iniciativa privada. Assim como a sua extrema necessidade de compatibilizar esses novos meios de suporte aos serviços públicos prestados pelo Estado às suas novas “diretrizes” constitucionais, como o princípio da eficiência.
Compreende-se, por fim, a continuidade da dificuldade de conceituação dos arcabouços componentes das áreas de atuação das esferas pública e privada, bem como do conceito jurídico de eficiência. É sem dúvida mais um elemento complicador desse entendimento pleno do real comportamento e valores de uma instituição essencialmente pública e política, que vem a ser o aparelho estatal, e as suas sempre mutáveis formas de interação com a crescente força de novos atores privados e sociais.
3. Referências Bibliográficas
3.1 Livros
BINENBOJM, Gustavo. Temas de direito Administrativo e Constitucional – artigos e pareceres – Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
DUPAS, Gilberto. Atores e poderes na nova ordem global: assimetrias, instabilidades e imperativos de legitimação. São Paulo: Editora Unesp, 2005.
__________. Tensões contemporâneas entre o público e o privado. São Paulo Paz e Terra, 2003.
GRAU, Nuria Cunill. Repensando o público através da sociedade: novas formas de gestão pública e representação social. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: ENAP, 1998.
RABOTINIKOF, Nora. El espacio público e la democracia moderna. México: Instituto Federal Electoral, 1997.
3.2 Artigos Científicos
ARAGÃO, Alexandre Santos. O princípio da Eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Eletrônico. Salvador: 2006.
____________; As Parcerias Público-Privadas - PPPs no Direito Positivo Brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Eletrônico. Salvador: 2005.
BINENBOJM, Gustavo. As Parcerias Público-Privadas (PPP) e a Constituição. Revista Eletrônica de Direito Administrativa Econômico. No 2. Salvador: 2005.
Brito, Bárbara M. B. de, SILVEIRA, Antônio H. P. Pareceria Público-Privadas: compreendendo o modelo brasileiro. Revista do Serviço Público. Vol. 56 No 1 2005. Brasília: ENAP, 2005.
BRITTO, Paulo Augusto P. de. Análise fiscal e contabilização dos investimentos públicos: p caso das PPP. Brasília: CNI, 2005.
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio constitucional da eficiência. Revista Eletrônica de Direito administrativo (REDAE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 10, maio/ junho/ julho, 2007.
PÊGO, B. PEREIRA, F. etal. Investimento e financiamento em infraestrutura no Brasil:1990-2002. Textos para discussão. BNDES. Brasília: 1999.
3.3 Publicações oficiais
Lei No 11.079, de 30 de dezembro de 2004.
Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998.