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A banalização das execuções envolvendo astreintes

Agenda 15/06/2016 às 11:08

Os sujeitos do processo devem colaborar para que a tutela jurisdicional prestada pelo Estado seja efetiva e eficaz, não podendo o Judiciário ser utilizado como meio para obtenção de vantagem econômica.

O cidadão, ao buscar o Judiciário para a resolução de determinada contenda, tem sua esperança calcada na efetividade da tutela jurisdicional, que poderá ser viabilizada através do seu direito de ação, previsto em nossa Carta Magna principiologicamente, o qual garante ao jurisdicionado o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada[1].

Entretanto, após árdua e onerosa tramitação, nem sempre a demanda tem o seu fim quando há a entrega da tutela à parte vencedora, pois, por mais incrível que pareça, nasce o interesse do vencedor no sentido de que o feito ainda permaneça em tramitação, não para que seja lhe garantida a efetividade do provimento jurisdicional, mas em decorrência do fato de que ele tenha se tornado fonte de proveito econômico, muitas das vezes, indevidamente, dada a sua própria inércia e falta de cooperação.

Grande exemplo disso, e é aqui que concentramos nossa explanação, ocorre nas execuções de astreintes impostas para o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer, nas quais a parte, não mais se importando com seu direito que teria sido ferido, agora se volta para o valor da multa arbitrada a ser executada e que poderá ser revertida ao seu favor.

Antes de continuarmos, como cediço, o magistrado poderá determinar as providências que entender cabíveis para que seja assegurado o resultado prático nas ações que tenha por objeto cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, conforme disposto no art. 461, do Código de Processo Civil[2], o que, na grande maioria das vezes, é representada pelo arbitramento de astreintes, caracterizadas por serem periódicas e com a finalidade coercitiva, e não repressiva ou punitiva[3].

As astreintes, nesses casos, tem a finalidade de pressionar psicologicamente o réu para que a obrigação seja cumprida nos exatos termos do pedido do autor[4], ou seja, é um mecanismo utilizado para que o processo tenha a sua real efetividade, de modo que toda a marcha processual e o reconhecimento do direito da parte interessada não tenha se tornado inócua ou imprestável.

Nestes casos, cotidianamente na prática forense, é comum encontrarmos situações em que a parte vencida, muitas das vezes de forma desatenciosa ou não dispondo de recursos suficientes para tanto, dão azo à existência de execuções de astreintes que, devido aos altos valores atingidos, tornam-se o principal ponto perseguido pelo exequente, deixando de lado a tutela específica do direito material.

Levando em consideração tais circunstâncias, é neste ponto que surgem algumas perguntas chaves do nosso texto: até que ponto as astreintes são realmente devidas? Podem elas tomar o lugar da tutela específica do direito material? Qual o papel do magistrado diante de tais ocorrências? E a parte: como ela deve se portar e qual a postura a ser exigida da mesma pelo magistrado?

Em nossos tribunais, diariamente, multiplicam-se as ações em que podemos observar os pedidos de obrigação de fazer ou não fazer e que as partes vencidas dão de ombros para as determinações judiciais, ou simplesmente causam embaraços para o seu cumprimento, quando não, obviamente, estes já preexistam, o que é comumente observado em se tratando de instituições financeiras e empresas de telefonia.

Frisa-se, e aqui é importante fazermos essa colocação, que ao mencionar as empresas acima não se trata de preconceito ou de uma distorção da realidade, mas geralmente, em se tratando de obrigações de fazer ou não fazer e da inércia quanto ao seu cumprimento, atingindo as astreintes valores astronômicos, estes casos se repetem com as mesmas, sendo mais comum, portanto, vê-los a elas relacionados.

São inegáveis, neste aspecto, que surgem casos em que, erroneamente e de forma aberrante, a execução da multa aplicada pelo magistrado toma lugar da tutela, seja ela antecipatória, cautelar ou final, de modo que a parte não mais busca a satisfação do seu direito, mas sim, acaba até mesmo por postergá-lo, almejando, precipuamente, o proveito econômico que tem oportunidade de obter com o descumprimento da parte vencida.

Em se tratando de eficácia, a multa coercitiva produz efeitos imediatamente, sendo que desde o momento em que intimado pessoalmente o demandado para fazer ou deixar de fazer algo, a multa é eficaz[5]. Todavia, já tendo conhecimento desta eficácia, em atitude de má-fé, a própria parte deixa de praticar atos de cooperação, podendo chegar, até mesmo, a causar empecilhos ao cumprimento da obrigação, para que o valor das astreintes acumule e quando a si revertidas, haja o seu enriquecimento.

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Nestes casos a má-fé e deslealdade da parte é clara, havendo inegável abuso processual, o que é limpidamente explicitado no trecho doutrinário a seguir transcrito:

“Entre os casos de abuso processual ofensivos do dever de boa-fé e lealdade, deve-se incluir a conduta maliciosa da parte que retarda a execução da sentença ou da medida antecipatória para se beneficiar com o exorbitante avolumar da multa judicial (astreintes), que às vezes se transforma em ruína do devedor e em verdadeiro enriquecimento indevido do credor.[6]”

Contrariamente à atitude maliciosa, a parte, maior interessada na efetividade da tutela do seu direito, deverá adotar todas as providências necessárias e indicadas pelo magistrado para que seja mitigado o seu próprio prejuízo, uma vez que o seu descumprimento é ato ilícito que viola a cláusula geral da proteção da boa-fé objetiva[7].

O “dever de contribuir” de todos os envolvidos na relação processual, também se estende à fase executiva, situação em que já temos delineados os “vencedores” e “perdedores”, de modo que ao exequente também cabem deveres a fim de que mitigue o prejuízo que suportou, não fazendo da demanda apenas mais um meio de ganho financeiro fácil e sem limites.

Surge, aqui, importante aspecto correlacionado ao princípio da cooperação, caracterizado como um diálogo entre as partes, no sentido de troca de informações, de municiar o magistrado com todas as informações possíveis e necessárias para melhor decidir[8].

Esta espécie de “diálogo” foge completamente à acepção técnica da palavra e é reproduzido na esfera material a partir das próprias atitudes desenvolvidas pelas partes no sentido da efetivação da tutela jurisdicional. Exemplo: uma instituição financeira foi condenada no sentido da realização de uma obrigação de fazer consistente no restabelecimento de um produto em favor de um determinado indivíduo; após a condenação, trânsito em julgado e intimação para cumprimento da obrigação, para a efetivação do procedimento, a instituição vencida alega que é necessário o autor proceder-lhe à entrega de determinado documento; após intimado, o autor entrega o documento pretendido e é possibilitado o cumprimento da obrigação.

Vê-se claramente pelo exemplo mencionado, apesar da sua simplicidade, que a cooperação entre as partes é essencial para a efetivação da tutela jurisdicional, sendo de tamanha importância que até mesmo foi abrangida pelo novo código de processo civil já sancionado, o que pode ser observado pelo seu artigo 6º, que dimensiona que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”[9].

Lado outro, percebendo o magistrado que o objeto da demanda passou a ser o proveito econômico que a parte poderá obter com a execução das astreintes, deverá ele agir com cautela e buscar o resultado prático da sua decisão, evitando o enriquecimento sem causa e que o Judiciário se torne apenas um meio de obtenção de vantagens econômicas.

Uma das medidas que pode ser utilizada de maneira eficaz será a modificação do valor ou da periodicidade da multa, permitido pelo parágrafo 6º, do art. 461, do Código de Processo Civil, juntamente com a sua percepção no tocante à observação da proporcionalidade entre o valor da multa e o bem jurídico tutelado pela decisão, o que ainda poderá ser realizado até mesmo após o trânsito em julgado (AgRg nos EDcl no REsp 1099928/PR[10]).

Verifica-se desse modo, que tendo as astreintes a finalidade de constranger a parte vencida para que seja cumprida a decisão judicial, é necessário grande cuidado para que a multa não se torne mais atrativa que a própria satisfação da obrigação (AgRg no AREsp 580478 / TO[11]).

A partir do que foi exposto, conclui-se que o dever de cooperação, boa-fé e lealdade processual, mostram-se de extrema importância nas execuções envolvendo obrigações de fazer e não fazer, as quais são atingidas por multas cominatórias em caso de descumprimento, pois deve a parte contribuir para que seja efetivada a tutela jurisdicional, não postergando o seu direito para a obtenção de vantagem econômica, bem como mitigando o seu próprio prejuízo, a fim de que seja viabilizado o cumprimento e efetividade das decisões judiciais.


REFERÊNCIAS

[1] JUNIOR, Nelson Nery. NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e legislação constitucional – 2ª ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 178.

[2] Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

[3] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado/Coordenador: Pedro Lenza. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 601.

[4] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Pauto : METODO, 2011, p. 109.

[5] MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil: comentado artigo por artigo – 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 430.

[6] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento – 55ª ed. vol. I. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 438.

[7] BRAGA, Paulo Sarno. CUNHA, Leonardo Carneiro da. DIDIER JR., Fredie. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil – 5ª ed. vol. 5. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2013, p. 476.

[8] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil. Volume 1. 6ª. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo/SP: Saraiva, 2012, p. 220.

[9] Lei 13.105, de 16 de março de 2015.

[10]  “Esta Corte já decidiu que o artigo 461, § 6º, do Código de Processo Civil permite ao magistrado alterar o valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença.” (STJ – AgRg nos EDcl no REsp 1099928/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 17/11/2014).

[11] “Tendo em vista que a finalidade da multa é constranger o devedor ao efetivo cumprimento da obrigação de fazer, tal penalidade não pode vir a se tornar mais atraente para o credor do que a própria satisfação do encargo principal, de modo a proporcionar o seu enriquecimento sem causa.” (STJ – AgRg no AREsp 580.478/TO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 21/11/2014).

Sobre o autor
Jhonatta Braga Barros

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva, Servidor público estadual junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Jhonatta Braga. A banalização das execuções envolvendo astreintes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4732, 15 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37822. Acesso em: 22 nov. 2024.

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