A TRAGÉDIA DO CARF
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República aposentado
Enquanto o brasileiro está lutando para apresentar, dentro da ética e das leis, sua declaração anual de imposto de renda, a imprensa relata investigação promovida na operação chamada de Zelotes, onde se analisam condutas contra o erário.
A ética é a ciência da conduta. Nesse entendimento a norma ética constitui, na visão de Kant, um verdadeiro imperativo categórico, porquanto sua violação acarreta penalidade, seja de natureza moral, como o remorso, o arrependimento, a censura, a desconsideração pública, a má fama, como a de natureza jurídica, como as que surjam da conduta própria da improbidade, suas penas, e ainda as sanções de natureza penal e administrativa.
Zelote ou zelota significa alguém que zela pelo nome de Deus.
Aprendi com o meu pai: o homem correto deve cumprir as leis, respeitar o próximo e pagar seus tributos.
Autuadas as empresas eram contatadas por quadrilhas via “captadores”, que poderiam ser consultorias ou escritórios de advocacia, para tentar reverter a multa ou fazer lobby em órgãos do governo.
Esses escritórios têm como sócios ex-integrantes do Carf, conselho que julga, em segunda instância, casos em que o contribuinte já foi autuado.
No desenrolar, a investigação na operação Zelotes identificou que conselheiros do Carf ligados a esses escritórios revertem as multas e são pagos por isso. Soube-se que, em alguns casos, o próprio conselheiro procurava empresas ou escritórios após detectar situações reversíveis no Carf.
Tudo isso fere o senso ético, no país em que a corrupção é o seu maior mau, um mal que vem desde a colonização. Que o digam os “donos do poder”.
O crime de corrupção está na ponta de lança. É de amargurar o que foi dito por um conselheiro: “É só pagar a taxa”.
Era uma organização criminosa voltada contra o erário com o objetivo de desmoralizá-lo e esfacelá-lo.
Era o esquema que funcionava envolvendo empresas, advocacia, Carf. Apontados pela Polícia Federal como integrantes de uma organização criminosa, conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais(Carf), lobistas e advogados investigados na Operação Zelotes movimentaram R$1,2 bilhão, em 21.541 operações bancárias. A maior parte foi movimentada por uma das empresas de fachada criadas para dissimular a realização de negociações com empresas que sofreram autuações milionárias da Receita Federal.
Segundo o delegado que comandou a operação, as empresas pagavam propina de até 10% para que os grupos "manipulassem" vereditos do Carf em processos de casos que envolvem dívidas tributárias de R$ 1 bilhão a R$ 3 bilhões, anulando ou atenuando cobranças da Receita.
O pagamento era feito pelas empresas aos "captadores". Após ficar com sua fatia, eles repassavam o resto para as quadrilhas, que por sua vez sacavam os valores e os distribuíam aos envolvidos.
Que vergonha!
Corrupção ativa, corrupção passiva e ainda um crime continuado.
Aparece o crime de corrupção passiva, nos seguintes termos, no artigo 317 do Código Penal: ¨solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.¨
Como bem disse Heleno Claudio Fragoso(Lições de Direito Penal, Parte Especial, volume II, pág. 416) a venalidade de funcionários é crime torpe, que atinge a administração pública de várias formas, comprometendo a eficiência do serviço público e pondo em perigo o prestigio de toda a administração.
A corrupção do agente público, na forma de corrupção passiva, corresponde a ação do particular que a promove ou dela participa e que se denomina corrupção ativa. Na forma de receber, o crime é bilateral, sendo inconcebível a condenação do agente a do corresponde autor da corrupção ativa.
O crime é tipicamente formal e se consuma com a solicitação ou recebimento da vantagem indevida ou aceitação da promessa de tal vantagem, sem que se exija outro resultado.
Por sua vez, o delito de corrupção ativa se materializa no fato do particular oferecer(exibir ou propor para que seja aceita) ou prometer(obrigar-se a dar) vantagem indevida a funcionário público para levá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, que, por óbvio, deve se enquadrar nas atribuições do funcionário. O crime é formal que se consuma com o simples oferecimento, ainda que não aceito, ou com a promessa. Pode praticar o crime qualquer pessoa, inclusive o funcionário, que não aja como tal.
Na redação anterior à Lei 10.763, de 12 de novembro de 2003, previa-se uma pena de reclusão de 1(um) a oito(oito) anos e multa. Era essa pena a mesma imposta à corrupção ativa(artigo 333 do Código Penal). Com a Lei 10.763 a punição para o crime de corrupção passiva passou a ser de 2(dois) a 12(doze) anos e multa, a mesma pena a seguir para o crime de corrupção ativa.