RESUMO: Diante da nova conjuntura jurídica nacional, bem como da maior visibilidade do Supremo Tribunal Federal nos meios de comunicação, impende-se destacar, uma das muitas acertadas decisões em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nesse passo, o trabalho a seguir apresentado demonstrará o entendimento jurisprudencial acerca dos dispositivos constitucionais que consagram o regime especial do pagamento de precatórios, quais sejam: o art. 100 da Carta Fundamental e o artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), objetos de impugnação pela via abstrata no controle de constitucionalidade.
Palavras-Chave: Inconstitucionalidade, Precatórios, Morosidade, Inadimplência, Execução.
ABSTRACT
IMPLEMENTATION PROCESS AGAINST PUBLIC FINANCE: ANALYSIS OF CONSTITUTIONAL AMENDMENT NO 62/2009 (PEC FROM TRICKERY) THE UNDERSTANDING OF LIGHT JURISPRUDENTIAL FEDERAL SUPREME COURT.
ABSTRACT: Given the new national legal situation as well as the increased visibility of the Supreme Court in the media, incumbent highlight, one of many good decisions in place of the unconstitutionality lawsuit. In this step, the work presented below demonstrate the jurisprudential understanding of constitutional provisions that enshrine the special arrangements for payment of writ, namely: Art. 100 of Fundamental Charter and Article 97 of the Temporary Constitutional Provisions Act (ADCT), challenged the abstract objects via the control of constitutionality.
Keywords: Unconstitutional, Precatórios, Arrears, Trickery, Execution.
INTRODUÇÃO
A abordagem do referido tema é criada no afã de proporcionar reflexões acerca das arbitrariedades que o Estado, enquanto abstração, representado por indivíduos eleitos e legitimados por meio da vontade geral, desrespeita os jurisdicionados, que presenciam a sucumbência do seu direito frente ao descumprimento de ordens judiciais, definitivas e cogentes, emanadas pelo poder judiciário.
Nesse passo, será demonstrada a perene inconstitucionalidade de fato levada a efeito pelos Estados-membros, tendo em conta que antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988 a República Federativa do Brasil já era devedora. É o que se infere da redação consignada no art. 33, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Não bastasse a morosidade no pagamento das dívidas, a República Federativa do Brasil acumula atualmente um débito de aproximadamente R$ 94.000.000.000,00 (noventa e quatro bilhões de reais) em precatórios, conforme o levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2013.( http://g1.globo.com/)
Nesse contexto, o presente artigo abordará o endividamento institucional provocado pelo acúmulo de dívidas oriundas de condenações contra o Poder Público.
O referido tema chamou atenção a partir de discussões em ambientes de trabalho e em relacionamentos corporativos dentro de instituições acadêmicas e organizacionais, acerca do longo lapso temporal do qual o poder público dispõe para quitar obrigações, em decorrência do transito em julgado de decisões judiciais proferidas em seu desfavor.
Portanto, levando em consideração as premissas iniciais já abordadas, o trabalho aqui apresentado objetiva responder as seguintes indagações: Até que estágio a morosidade do pagamento das dívidas públicas se adequam ao conceito indeterminado e vago referente a proporcionalidade e razoabilidade na duração dos processos judiciais? A simples afirmação do direito ao caso concreto é, por si, suficiente para a satisfação de pretensões resistidas em face do Poder Público? A natureza das dívidas alimentares, submetidas a “fila” dos precatórios, se coaduna com a proporcionalidade externada em nossa Carta Política? Esta ineficiência é decorrente da insuficiência de recursos orçamentários ou da má administração da maquina estatal? Reserva do Possível em detrimento do mínimo existencial, há essa possibilidade?
1. DA EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
A bem da verdade, o pagamento de dívidas mediante precatório, na atual realidade brasileira, constitui uma prerrogativa institucional, que, em regra, torna ineficaz ou até mesmo inócua a prestação jurisdicional no âmbito dos Estados.
Não se está, com isso, querendo desprezar a Supremacia do Interesse Público, mas garantir que o plano orçamentário seja organizado de forma racional e não movido por gastos de cunho político, como àqueles verificados por ocasião do julgamento das ADIS 4.357 e 4.425.
Nesse sentido é o entendimento de Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha, quando aduz:
O poder Público que, em tese, é o maior interessado em que a Constituição seja obedecida, na realidade brasileira, é um dos maiores, senão o maior, cliente e devedor da justiça. Demonstra, assim, não somente desrespeito pela sociedade que o legitima enquanto poder, mas, no que por ora interessa, à Constituição por força da violação à ordem por ela estabelecida.(CUNHA, 2008, p. 24)
Não diverge da opinião acima delineada, o posicionamento do ilustre professor e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso (2010), ao aduzir, em Artigo Científico, uma provável flexibilização jurisdicional em prol da Fazenda Pública, ao se referir a causas envolvendo o FGTS, o Cofins e o IPI, perante o Supremo Tribunal Federal. Como bem asseverou o ilustre jurista:
Em questões que envolvem a Fazenda Pública, estudos empíricos certamente demonstrariam uma atuação favorável ao Erário revelada emblematicamente em questões de vulto (...). Em todas elas a Corte alterou ou a sua própria jurisprudência ou a do Superior Tribunal de Justiça dando ganho de causa à União (BARROSO, 2010, p. 30)
Associado a esse entendimento, e no mesmo trabalho cientifico supracitado, o eminente professor, corretamente, explicitou que o poder jurisdicional nem sempre é imperativo, prescindindo, em determinadas hipóteses, de aceitação social. No que tange aos precatórios, asseverou que:
Em tema de intervenção federal, a despeito do manifesto descumprimento por Estados da Federação do dever constitucional de pagar precatórios, a Corte igualmente optou por linha jurisprudencial que não desmoralizasse suas decisões, diante das dificuldades financeiras dos entes estatais. (BARROSO, 2010, pag. 32)
- DA IMPENHORABILIDADE DOS BENS PÚBLICOS E A POSSIBILIDADE DE SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS
No atual ordenamento jurídico a regra que prevalece é a de impenhorabilidade dos bens públicos, conforme se infere da leitura do art. 100 do Código Civil, associado aos artigos 648 e 649, I, do Código de Processo Civil.
Entrementes, essa impenhorabilidade já admite exceções, como no caso expresso da ressalva contida no final do art. 100, do Código Civil, quando preceitua que:
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar. (BRASIL, 2002)
De sua vez, o art. 101, do mesmo Diploma Legal, pontua a regra da alienabilidade dos bens públicos dominicais.
Constata-se, portanto, que a impenhorabilidade de bens públicos não é absoluta, constitui, em verdade, regra de proibição, mas admite exceções.
No caso dos precatórios, havendo preterição na ordem do pagamento ou na ausência de “não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito” torna-se possível o “seqüestro” do valor devido, constituindo, assim, mais uma exceção à impenhorabilidade dos bens públicos, vejamos:
§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva (BRASIL, 1988)
Embora a Constituição refira-se a sequestro, a compreensão doutrinária e jurisprudencial adota o entendimento de que se trata, na verdade, de um arresto. Nesse sentido se posiciona Leonardo Carneiro Cunha, na obra “A Fazenda Pública em Juízo”, quando aduz que:
O referido seqüestro nada mais é do que um arresto, sendo imprópria a designação de seqüestro. Tal arresto, contudo, não ostenta a natureza de medida cautelar, consistindo numa medida satisfativa, de natureza executiva, destinada a entregar a quantia apreendida ao credor preterido em sua preferência. (CUNHA, 2014, pag. 372)
Quer isso dizer que o referido arresto pode ser levado a efeito apenas depois do transito em julgado da sentença condenatória, por esse motivo a referida medida não ostenta natureza de medida cautelar, mas, tão somente, de medida satisfativa.
Considerando, dessa forma, a disposição contida na parte final do art. 818, do Código de Processo Civil (“o arresto se resolve em penhora”), resta concluir ser plenamente cabível a penhora de bens públicos nas hipóteses de preterição ou não alocação orçamentária no processo de pagamento das dívidas públicas mediante precatório. Como bem salientou Leonardo Carneiro Cunha:
Há quem defenda que tal medida somente possa ser encetada em face da Fazenda Pública, incidindo o seqüestro sobre rendas públicas, e não sobre o valor do pagamento feito com quebra da ordem de preferência dos precatórios, abrindo-se uma exceção ao princípio da impenhorabilidade dos bens públicos.
Sendo certo que, não se está falando apenas de penhora de bens públicos imóveis, mas de patrimônio público consubstanciado na verba necessária à satisfação do débito inscrito em precatório. Como bem ponderado por Leonardo Carneiro Cunha “Em tal situação, o sequestro atinge verbas públicas, ou seja, recursos financeiros da própria entidade executada.”.
- CONCEITO DE PRECATÓRIO
Ademais, convém analisar, preliminarmente, o conceito do objeto de estudo sobre o qual circundam as celeumas acerca da exeqüibilidade e a forma de resolução de obrigações nas quais o poder público figura como executado, qual seja, o precatório.
Etimologicamente, a palavra “precatório” deriva do verbete latim “precatorius”, que significa prevenir, acautelar. Na prática, o poder judiciário informa ao poder executivo a existência de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado em desfavor dos entes públicos, objetivando que estes, procedam à inclusão dos valores afetos aos precatórios no plano orçamentário subseqüente, com vistas ao repasse do numerário devido à conta especial, que permanecerá sobre administração e responsabilidade dos Tribunais de Justiça de cada estado. Nesse sentido é o parágrafo 5º, do Art. 100, da Constituição Federal ao aduzir que:
É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
Conforme as lições de Leonardo Carneiro da Cunha, a título exemplificativo:
[...] o precatório inscrito até 1º de julho de 2010, deverá o correlato valor ser pago até o dia 31 de dezembro de 2011. Caso o precatório somente seja inscrito após o dia 1º de julho de 2010, haverá a perda de um exercício financeiro, devendo ser incluído no orçamento seguinte para ser pago até o dia 31 de dezembro de 2012 [...] (CUNHA, 2014. p. 328.)
Valendo lembrar, que este é o procedimento apenas para pagamento/repasse das verbas à presidência o respectivo Tribunal de Justiça vinculado ao ente devedor, devendo haver, posteriormente, o respeito à “fila dos precatórios” conforme será abordado doravante.
Considerado esse contexto, o trabalho a seguir apresentado demonstra a ineficiência da execução dos provimentos jurisdicionais proferidos em detrimento do Poder Público, valendo ressaltar, que integram o conceito de poder público, os entes da administração direta, autárquica e fundacional, por estarem submetidos integralmente ao regime jurídico administrativo. As empresas estatais (Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas) não se submetem ao regime de precatórios, por expressa previsão constitucional, conforme prevê os art.s 100 e 173, §1º, II, ambos da Constituição Federal, submetendo-se, portanto, ao regime jurídico de direito privado.
Há exceções, entretanto, para sociedades de economia mista prestadoras de serviço público em regime não concorrencial, que, por prestarem serviço público e possuírem capital eminentemente público, submetem-se ao regime dos precatórios, fazendo jus ao tratamento peculiar dispensado à Fazenda Pública, tal como restou fixado no RE 712.648/RS, bem como no caso da Empresa Pública de Correios e Telégrafos (ECT).
Convém salientar, por oportuno, que o tema “precatório”, dada sua peculiar natureza, tangencia vários outros ramos do direito, como o direito orçamentário, o direito financeiro e o direito processual civil (mormente em matéria de execução de dívidas contra a fazenda pública), além suscitar discussões polêmicas, principalmente no que se refere à vinculação dos magistrados ao respectivo orçamento do ente devedor e à própria cláusula da reserva do possível, importada da doutrina Alemã e de aplicação discutível no atual ordenamento jurídico vigente.
A despeito de todos esses pontos, que, inevitavelmente, serão abordados no presente artigo, o tema em questão limita-se à discussão em torno dos parâmetros utilizados pelo poder judiciário no plano de pagamento de dívidas em decisões judiciais proferidas contra o poder público, além de responder a algumas indagações, para uma melhor compreensão do que ocorre no atual panorama jurídico nacional, além de opinar acerca de eventuais possibilidades de mitigação da atual morosidade na execução dos precatórios.
Nessa linha de abordagem, constata-se que a “resposta” do judiciário de forma apenas abstrata, exteriorizada mediante um provimento jurisdicional em um fólio, não garante, por si, a fiel satisfação dos interesses de quem pleiteia em juízo, sendo a execução do julgado, portanto, fase salutar para a efetivação e manifestação real do poder estatal na garantia de direitos previstos constitucionalmente, principalmente àqueles elevados ao patamar de direitos fundamentais.
Ora, o Brocardo que aduna: “Narra-me os fatos e te darei o Direito” deve ser repensado, eis que a postulação em juízo e o respectivo provimento jurisdicional em sede cognitiva não esgotam o conteúdo axiológico do princípio de acesso ao judiciário, insculpido no artigo 5º, inciso XXXV, da Magna Carta. Em verdade, na hipótese em apreço, mais adequado é utilizar a seguinte frase: “Narra-me os fatos, dar-te-ei o direito e executarei o que foi afirmado em juízo”.
Restando, dessa forma, evidenciado que a execução do julgado é fase crucial para a satisfação do direito pleiteado, e deve, portanto, ser efetivada de forma razoável e proporcional, em consonância com os princípios constitucionais externados no art. 5º da Constituição Federal, mormente após a emenda nº 45, que fez introduzir no regime constitucional o princípio da “razoável duração do processo”.
Embora o referido princípio constitua um conceito jurídico indeterminado, não se pode permitir que o Estado ultrapasse o limite do razoável, quitando suas obrigações em períodos longos, muitas vezes retribuindo aos herdeiros de quem realmente deveria ser o destinatário da sanção pecuniária, dada a morosidade com a qual é efetuado o pagamento das dívidas estatais oriundas de títulos executivos judiciais.
É matéria assente, tanto na doutrina quanto na jurisprudência das Cortes Superiores, a possibilidade de execução, fundada em título executivo judicial ou extrajudicial em face da Fazenda Pública. Nesse sentido, bem pontuou Leonardo Carneiro da Cunha, ao asseverar que:
Com efeito, quando se propõe uma demanda de conhecimento contra o Poder Público e este é condenado ao pagamento de uma quantia, não há previsão orçamentária, nem rubrica específica para satisfação da obrigação reconhecida na sentença. Se a obrigação não for de pequeno valor, é necessária a expedição de precatório para que se proceda com a previsão orçamentária e seja, então, realizado o pagamento nos termos do art. 100 da Constituição Federal. (...) Diversamente, quando há um título executivo extrajudicial que imponha ao Poder Público o pagamento de quantia certa, já há previsão orçamentária e rubrica específica para pagamento. Em outras palavras, ao firmar o contrato ou subscrever o documento que se encaixa na previsão contida no art. 585, do CPC, a Fazenda Pública já assumiu a dívida. Se não paga no prazo ajustado, está a dar causa ao ajuizamento da execução (A Fazenda Pública em Juízo, 12ª Edição revista e atualizada, pg. 159.)
3. PECULIARIDADES DO PROCESSO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
O tramite da execução contra a Fazenda Pública, segue o rito dos art. 730 e 731, do CPC, havendo citação do ente devedor para, na pessoa de seu representante legal, opor embargos do devedor no prazo de 30 (trinta) dias. Nesse sentido é o art. 1º-B, da Lei 9494/97.
Justamente por decorrer de regra constitucional, a expedição do precatório, ou da requisição de pequeno valor, depende do transito em julgado, cabendo, nesse ponto, uma observação importante. É que para inclusão no plano orçamentário, a dívida deve estar incontroversa, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, motivo pelo qual, somente podem ser incluídos no plano orçamentário, aqueles créditos reconhecidos por trânsito em julgado da sentença que julga os embargos do devedor.
Sendo assim, não havendo a oposição de embargos, ou sendo estes rejeitados, será determinada a expedição do precatório respectivo.
Convém assinalar, que as condenações de pequeno vulto, sujeitam-se a procedimento próprio, regulado pelos juizados especiais, conforme a Lei 9.099/95 e a Lei 10.259/2001. Constitucionalmente, essa regra está prevista nos art.’s 100, §3º e no art. 87, ambos da Constituição Federal, ao disciplinar as Requisições de Pequeno Valor (RPV).
Sendo assim, aquelas condenações que, na esfera federal não ultrapassarem 60 salários mínimos e, na esfera estadual, não ultrapassarem 40 salários mínimos, serão pagas mediante as requisições de pequeno valor, que, por sua vez, ressalte-se, possuem uma forma de quitação mais célere, se comparadas ao atual regime de pagamento de precatórios. Frise-se, que pode haver renúncia do valor excedente aos parâmetros definidores da competência nos juizados, com vistas ao julgamento do feito nos referidos órgãos, e possibilidade de levantamento dos RPV’s.
Nesse contexto, em atenção à nova ordem constitucional de elevar a um digno patamar os direitos fundamentais, consagrados nas linhas iniciais da Carta Magna de 1988, convém assinalar as premissas do devido processo legal (artigo 5º, LIV), do direito a propriedade e a liberdade (artigo 5º, XXII), da garantia a razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII), bem como os princípios da segurança jurídica e proporcionalidade (artigo 5º caput) como pressupostos basilares norteadores da atuação jurisdicional, ambos utilizados como parâmetros para o controle de constitucionalidade que será abordado doravante.
De mais a mais, fazendo um cotejo entre os princípios constitucionais consagrados no artigo 5º da Carta Republicana e a morosidade no cumprimento, por parte do Poder Público, das decisões judiciais definitivas, torna-se fácil a constatação da inconstitucionalidade material que permeia os dispositivos que consagravam o regime especial de pagamento dos precatórios, denominado pejorativamente de “PEC do Calote” ou “calote institucional”.
4. ASPECTOS RELEVANTES DO JULGAMENTO DAS ADINS 4.357 E 4.425
É bem verdade, que a emenda n 62/2009 trouxe algumas modificações na carta magna que são discrepantes com os princípios elencados no art. 5º, do mesmo diploma legal. Algumas inovações, inclusive, permitiam que o credor ofertasse ao Estado descontos, com a finalidade de receber com maior celeridade a dívida reconhecida judicialmente, entre outras discrepâncias legislativas que serão abordadas nas linhas seguintes.
Muito embora alguns juristas, e até ministros do Supremo Tribunal Federal defendessem a inovação legislativa, sob o argumento de que esta inovação veio conferir celeridade à morosidade de anos a fio, não se pode corrigir um erro com outro, como restou sedimento no julgamento das referidas ADI’s.
Em sendo assim, a análise do regime especial de pagamento de precatórios trazidos pela Emenda Constitucional nº 62, de 9 de Dezembro de 2009, deve ter, como ponto de partida, os direitos e garantias fundamentais, que servirão de parâmetros mínimos para o aplicador do Direito se pautar na construção normativa que emanará do caso concreto. Nesta linha de raciocínio, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil juntamente com a Associação dos Magistrados Brasileiros e o Conselho Nacional da Indústria (CNI) impetraram a ADI 4.357 e a ADI 4.425, respectivamente.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente os pedidos veiculados nas referidas ADI’s, julgando alguns trechos dos parágrafos do artigo 100 inconstitucionais e declarando na íntegra a inconstitucionalidade no artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
O polêmico pagamento de precatórios nos termos dos dispositivos encartados pela emenda nº 62, de 2009, bem como os meios interpretativos utilizados pelo órgão de cúpula do judiciário para a declaração de inconstitucionalidade que permeia a referida emenda, nos termos do julgamento ora abordado, reflete a morosidade, e inconstitucionalidade na demora para satisfação de direitos judicialmente reconhecidos.
4.1 – SISTEMÁTICA DOS PRECATÓRIOS
Consoante o artigo 100 e parágrafos da Constituição Federal, existe uma ordem de preferência no recebimento dos precatórios. Sendo assim, os portadores de doenças graves ou maiores de 60 anos que façam jus ao recebimento de verbas alimentares oriundas de condenações contra o poder público possuem prioridade no recebimento dos débitos, conforme dispõe o § 2º. Nesse sentido:
§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, WWW.PLANALTO.GOV)
Secundariamente, possuem prioridade no recebimento dos débitos contra a Fazenda Pública, os credores de verbas alimentares que não sejam portadores de doenças graves e não tenham 60 anos ou mais, consoante a disposição contida no § 1º, verbis:
§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, WWW.PLANALTO.GOV)
Por fim, considerando a ordem cronológica de apresentação dos precatórios, bem como as ordens de preferência acima delineadas, terão direito ao recebimento dos débitos públicos, aqueles credores de verbas não alimentares.
4.2 – DISPOSITIVOS JULGADOS INCONSTITUCIONAIS
Tanto o caput quanto o § 1º do artigo 100, permanecem constitucionais, a celeuma acerca da constitucionalidade passa a ser verificada com mais afinco a partir da análise do § 2º, mais especificamente, o trecho “na data da expedição do precatório”, vale dizer, segundo a redação do § 2º, apenas terão direito à prioridade máxima no recebimento de precatórios, aqueles credores que possuírem 60 anos na data da expedição do precatório.
Consoante o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, a expressão “na data da expedição do precatório” está em confronto com o princípio republicano da igualdade, uma vez que, devido à burocracia, entre a data da expedição do precatório e o pagamento do referido débito, passam-se alguns anos; por essa razão, esse trecho do dispositivo foi declarado inconstitucional.
A orientação correta quanto à análise do requisito etário, portanto, deve ser feita no momento do efetivo pagamento do precatório e não na data da sua expedição.
Por conseguinte, também foram declarados inconstitucionais o § 9º e o §10º do artigo 100, por prescreverem regime de compensação unilateral obrigatória entre o débito que o credor da Fazenda Pública tem para receber e eventuais débitos que este credor, possa ter com a Fazenda Pública situada na localidade do seu domicílio.
Consoante a intelecção dos dispositivos supramencionados, os Tribunais, antes de expedir os precatórios, solicitarão às Fazendas Públicas devedoras a existência ou não de débitos do credor, inscritos ou não em dívida ativa, para que seja procedido o abatimento no valor que este tem a receber.
Nesse sentido:
§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. § 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, WWW.PLANALTO.GOV)
O plenário do Supremo Tribunal Federal, em atenção a este dispositivo, verificou que a compensação acima delineada afronta os princípios constitucionais do devido processo legal, da coisa julgada, ampla defesa e isonomia, por conferir ao poder público, extremada supremacia processual em relação ao particular. Em verdade, a ratio decidendi, utilizada para a declaração de inconstitucionalidade nesse ponto, diz respeito à violação ao princípio insculpido na Carta Magna, de que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal.
Igualmente, os autores das referida ADI’s pugnaram pela declaração de inconstitucionalidade de trechos do § 12º do artigo 100, alegando em suas razões que a expressão “independentemente da sua natureza” afronta a Constituição, se levado em consideração que os créditos tributários devidos pelas Fazendas dos entes federados, são regidos por disposições específicas.
Ainda na análise do §12º, foi declarada inconstitucional a expressão “índice oficial da remuneração básica da caderneta de poupança”, pois, segundo o entendimento esposado pela corte, o referido indexador não corrigiria a desvalorização da moeda em seu valor real, decorrente da desvalorização provocada pela inflação.
Com essa decisão, houve o que a doutrina convencionou chamar de inconstitucionalidade por arrastamento, que atingiu os termos do art. 1º-F. da Lei n.° 9.494/97, com redação dada pelo art. 5º da Lei n.° 11.960/2009, que também previa a aplicação do índice de remuneração básica da caderneta de poupança, havendo, atualmente, considerável celeuma decorrente dessa nova decisão do STF, no que tange a correção monetária. Atualmente, o STJ utiliza o indexador denominado INPC, para dívidas previdenciárias, e o IPCA-E para as demais dívidas.
Sendo assim, o objetivo da declaração de inconstitucionalidade da expressão referente à aplicação do índice da caderneta de poupança é a preservação da propriedade do credor, posto que, entre a expedição do valor e o seu efetivo recebimento haverá perda substancial do valor aquisitivo que deveria ser pago, haja vista que o índice da remuneração aplicável à caderneta de poupança não supre a desvalorização da moeda, em razão dos descompensados índices inflacionários.
De sua vez, o § 15º do art. 100, da Constituição Federal, estabelece que os Estados, Municípios e o Distrito Federal, poderiam estabelecer um regime especial de pagamento de precatórios, sem com isso, afetar seus orçamentos anuais de forma gravosa. Segundo o referido parágrafo, isso deveria ser feito mediante a edição de uma lei complementar. Assim, alicerçado no disposto no § 15º, do art. 100, da CF, o art. 97 do ADCT, dispunha que enquanto não editada a referida lei complementar, os referidos entes poderiam pagar as dívidas mediante uma espécie de “leilão”.
Vale dizer, consoante as disposições do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o Estado poderia instituir a possibilidade dos credores oferecerem “descontos” no sentido de abdicarem de parte do seu direito, para que, com essa atitude manifestamente imoral, os precatórios fossem pagos de forma mais célere, inclusive preterindo a ordem legal de pagamentos previstos no art. 100 da Constituição Federal.
Por esse motivo, igualmente, foi declarada a inconstitucionalidade na íntegra do art. 97, do ADCT, bem como a inconstitucionalidade do § 15º, do art. 100 da Constituição Federal.
4.3 – DA PENDÊNCIA DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS
Segundo o art. 27, da Lei 9868/99, o efeito da decisão de inconstitucionalidade pode atingir situações pretéritas ou ser postergado para a garantia dos princípios da Segurança Jurídica e da Proporcionalidade. Partindo dessa premissa, urge afirmar que ainda não restaram definidos os efeitos da decisão de inconstitucionalidade veiculada nas referidas ADI’S, motivo pelo qual, a Emenda 62/2009 continua vigente para garantir que os pagamentos efetuados não sejam interrompidos.
Sendo assim, ao final do referido julgamento, foi deliberada a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, no sentido de manter os termos da emenda por um período de 5 (cinco) anos, ao final do qual, caso não fosse implementado o pagamento dos referidos débitos, segundo relator, ministro Luis Fux, deveria ser efetivada a intervenção federal nos moldes do quanto determina a Constituição Federal.
A crítica feita por esta última disposição de necessidade de intervenção federal, é que, no caso, o interventor em nada contribuiria se não dispusesse do valor para a quitação dos débitos, sendo ressaltado, portanto, a insubsistência da eficácia da intervenção federal, principalmente no momento do julgamento da Questão de Ordem suscitada pelo Ministro Roberto Barroso. Não bastasse isso, a intervenção federal, segundo alguns Ministros, consistiria em uma penalidade ao gestor, por débitos oriundos de períodos pretéritos do qual não participou.
Refletindo bem acerca dessa situação, percebe-se que o Estado, além de reconhecer sua ineficiência no pagamento de dívidas, impõe ao particular uma supremacia ilegal, tendente a estabelecer a forma de pagamento de todos os valores atrasados, que atualmente, chegaram a um estágio tal, que o adimplemento de toda a dívida, supera, em muito, as despesas do orçamento anual. Resta evidente, diante da situação ora exposta, o malferimento dos princípios mais basilares insculpidos na Carta Magna, que devem ser resguardados pelo Supremo Tribunal Federal.
O que se revela, diante do quanto exposto, é que, há a manifestação de um interesse público secundário de forma ilícita, mormente porque, como bem ponderado por ocasião da modulação dos efeitos no julgamento das ADI’s 4.425 e 4.357, há uma discrepância em relação ao quanto é disponibilizado pelos entes em precatórios e o numerário de verbas públicas destinadas ao investimento em serviços de propaganda e publicidade, consoante as informações do julgamento das referidas ADI’s, onde se pontuou a pesquisa feita junto às Secretarias da Fazenda de vários entes devedores.
Esse fato, revela que o argumento de inadimplência, sustentado na cláusula de reserva do possível não é suficiente, mas sim falacioso. Constitui dogma que reflete sim a disponibilidade, do pagamento de dívidas públicas pelo Estado, mas pode ser usado para ludibriar e fraudar credores.
Diante desse contexto, resta evidenciado de forma inexorável a violação aos princípios básicos insculpidos na Carta Magna, e a necessidade de intervenção incisiva do poder público na implementação de medidas jurisdicionais, inclusive inovadoras, para a efetivação do pagamento dos precatórios. É nesse aspecto que a atuação incisiva do Poder Judiciário adquire relevância, sendo razoável ainda se falar em necessidade de “Ativismo Judicial”, ante a ineficácia no cumprimento dos preceitos legislativos e inadimplência ante a má gestão de recursos públicos pelo poder Executivo.
Se a inércia perde lugar quando há a postulação de um direito em sede cognitiva, que se dirá de processos em fase de execução, muitas vezes frustrada, seja em razão da burocracia imposta pelo legislador, ou ineficiência e até possivelmente indícios de crime de responsabilidade levados a efeito pelo Poder Executivo no descumprimento de ordens judiciais. Situações essas nas quais, o Estado-Juiz assume papel primordial, ante a ineficiência ou descaso dos demais poderes.
Nesse sentido foi a questão de ordem levada a efeito pelo Ministro Roberto Barroso, na ADI 4357 e na ADI 4425, onde este, acompanhando o relator, no julgamento datado de 19/03/2014, propôs 4 (quatro) sugestões inovadoras, utilizando-se inclusive de Leis Federais já vigentes, para determinar, respeitada a viabilidade, o adimplemento das obrigações consubstanciadas em precatórios, com vistas à uma maior eficiência que a situação reclama, mormente diante do desrespeito dos entes públicos no descumprimento de decisões do judiciário.
Como bem ponderado pelo magistrado, por ocasião da questão de ordem, a matéria referente ao inadimplemento dos precatórios remonta períodos antes mesmo da Constituição Federal de 1988, afirmou inclusive, que estamos diante de uma inconstitucionalidade de fato, perpetrada ao longo do tempo, e que, até o presente momento, ainda é motivo de polêmica no meio jurídico e institucional.
Asseverou com propriedade o referido magistrado, no sentido de que, a Constituição Federal, quando entrou em vigência já estabelecia uma moratória de 08 (oito) anos para o pagamento dos créditos oriundos de condenações proferidas em desfavor do poder público, e posteriormente, ante a contínua ineficácia da medida, foi editada a emenda constitucional nº 30, datada do ano de 2000, que foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Assim, na questão de ordem, o ilustríssimo Ministro sugeriu que a modulação dos efeitos da respectiva declaração de inconstitucionalidade parcial da emenda de nº 62, nos moldes do quanto dispõe o art. 27, da lei 9868/99, fosse efetivada de forma a manter a solvibilidade das entidades devedoras, adotando, para isso, a exposição de sugestões no sentido de fazer com que a modulação dos efeitos, ao seu término – após cinco anos do julgamento, conforme decidiu o relator - não se torne ineficaz, ou inócua ao final do referido prazo.
Então, foram expostas as seguintes sugestões, como medidas de transição, quais sejam: utilização compulsória dos recursos tributários depositados em contas vinculadas aos entes devedores, para o adimplemento de precatórios; a possibilidade de realização de acordos, desde que não seja violada a ordem de pagamento externada nos termos do artigo 100, da Constituição Federal, e seja respeitado o limite de desconto a ser “ofertado” pelo Estado em 25% do valor a ser pago; a viabilidade de compensação de precatórios, resguardados os direitos daqueles que ingressaram judicialmente impugnando a referida compensação com os débitos da dívida ativa e, em termos genéricos, a majoração de alíquotas das receitas dos entes públicos devedores, que não possam adimplir seu pagamento sem aumentar essa vinculação, ou em caso de impossibilidade de aumento da vinculação da receita, deve optar-se pelo impedimento destes entes em realizar despesas com publicidade e propaganda.
Ao final do julgamento onde externa-se a questão de ordem, o Ministro Dias Toffoli, solicitou vista dos autos, situação na qual foi suspensa a sessão, para superveniente decisão acerca da decisão definitiva que será tomada, apenas no que tange a modulação dos efeitos, conforme propõe o art. 27, da lei 9868/99.
Nesse aspecto, justificam-se as respeitáveis propostas do Ministro Roberto Barroso, mormente pelo fato deste se debruçar academicamente acerca do instituto do “Ativismo Judicial”, e perceber as necessidades que o caso em comento reclama, propondo uma atuação judicial incisiva, haja vista a prolongada ineficácia institucional em solucionar o impasse em torno do adimplemento das dívidas públicas oriundas de títulos executivos judiciais.
5. A APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESERVA DO POSSÍVEL FRENTE À INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA ESTATAL NO CASO EM APREÇO.
À evidencia, atualmente os gestores assumem o mandato e com ele todo o ônus devedor de décadas de endividamento público. Tal circunstância, entretanto, não pode constituir óbice ao cumprimento de decisões judiciais, sob pena, inclusive, de crime de responsabilidade.
No contexto atual, o que se vê, conforme já explicitado alhures, é que há uma desproporção entre as verbas destinadas a serviços de publicidade e propaganda, e as verbas destinadas ao pagamento dos precatórios. Em sendo assim, justificar a ineficácia estatal, sob o falacioso argumento da reserva do possível consubstancia um biombo dialético conforme os dizeres de Piero Calamandrei, quando pontua que:
Os motivos declarados são bem diferentes dos verdadeiros, e que, com muita freqüência, a fundamentação oficial nada mais é que um biombo dialético para ocultar os móbeis verdadeiros, de caráter sentimental ou político, que levaram o juiz a julgar assim. (CALAMANDREI).
Em verdade, consoante as lições do ilustre professor e Juiz Federal Dirley da Cunha Júnior, a cláusula da reserva do possível é uma doutrina de origem alemã, logo, a incorporação de dogmas doutrinários de outro Estado, deve, necessariamente, verificar o contexto socioeconômico daquele Estado no qual foi originariamente instituída a diretriz jurídica. Sendo assim, vale ressaltar que, na Alemanha, todos os direitos e garantias fundamentais são satisfatoriamente cumpridos, ao revés do que ocorre na República Federativa do Brasil.
Conforme já afirmado no momento do julgamento das ADI’S 4.357 e 4.425, o Estado é devedor desde a promulgação da Carta Política. Nesse sentido já dispunha o art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, verbis:
Art. 33 - Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição.
Após a moratória de 08 (oito) anos, estabelecida no artigo supramencionado, perpetrou-se a inadimplência estatal, e ainda, após a edição da emenda de nº 30/2000, estabelecendo outra moratória, de 10 (dez) anos, o poder judiciário declarou o referido dispositivo inconstitucional e permaneceu a inércia dos entes devedores. Dessa vez, propõe o poder legislativo uma moratória de 15 (quinze) anos, fazendo transparecer, dessa forma, que o problema está apenas sendo protelado para um período subseqüente, acompanhado da incerteza acerca da quitação do passivo institucional.
Considerado esse aspecto, utilizar, dessa forma, a cláusula de reserva do possível para justificar a ineficácia perpetrada desde a promulgação da Constituição Federal, é na verdade, ludibriar os jurisdicionados, que projetam no Poder Judiciário a sua única expectativa de contemplar seus direitos a serem efetivados.
Nesse sentido, leciona o professor Dirley da Cunha Júnior, na obra “A efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível”, pontuando que:
A doutrina e a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht entendem que o reconhecimento dos direitos sociais depende da disponibilidade dos respectivos recursos públicos necessários para satisfazerem as prestações materiais que constituem seu objeto (saúde, educação, assistência, etc.). Para além disso, asseguram que a decisão sobre a disponibilidade desses recursos insere-se no espaço discricionário das opções do governo e do parlamento, através da composição dos orçamentos públicos.
Canotilho chama esse limite de reserva do possível (Vorberhalt des Moglichen, para o Tribunal Constitucional Federal Alemão) para significar que a efetivação dos direitos sociais depende da disponibilidade dos recursos econômicos. A doutrina nacional, lamentavelmente e não sem equívoco, vem acolhendo comodamente essa criação do direito estrangeiro, aceitando-a indiscriminadamente como obstáculo à efetividade dos direitos sociais.(JÚNIOR, 2008)
Feitas as considerações pertinentes, percebemos, em verdade, que há um desvio de finalidade no trato com os recursos públicos, quando prioriza-se a utilização do numerário disponível para investimento em serviços de propaganda e publicidade, prolongando-se a recalcitrância estatal no pagamento que é devido aos jurisdicionados, bem como, chancelando uma violação a direitos, consubstanciada em uma inconstitucionalidade de fato, como bem ponderado pelo Ministro Roberto Barroso, na ocasião do julgamento das ADI’S 4357 e 4425.
6. CONCLUSÃO
Do quanto relatado alhures, constata-se que o endividamento público decorrente de títulos executivos judiciais é originário da inadimplência estatal ao longo dos anos. Para disfarçar essa realidade, o Poder Constituinte Derivado editou a Emenda 62/2009, com a finalidade de conferir ao Estado supremacia em relação ao particular, mesmo quando aquele é devedor.
Não bastasse isso, em âmbito doutrinário, alguns renomados estudiosos, data vênia, utilizam dogmas estrangeiros para justificar a impossibilidade de atuação estatal, mesmo quando há possibilidade de quitação - ainda que parcial – dos referidos débitos, quando levado em conta a natureza e a prioridade do bem da vida violado pelo Estado e que carece da devida reparação.
Em verdade, o tema em torno dos precatórios ainda levanta polêmicas, porém, na realidade, o que se denomina de “ativismo judicial” pode ser a única maneira de obrigar os entes públicos a quitarem seus débitos. Não sendo assim, conforme explicitado alhures, os gestores públicos continuarão desobrigados em relação à quitação de débitos pretéritos e àqueles originados concomitantemente ao respectivo mandato.
Não se pode utilizar do argumento de que um governante não pode sofrer as conseqüências de débitos pretéritos, quando a supremacia do interesse público está em evidência. Além do que, o papel do governante exige a necessidade de satisfação do interesse público, devendo este se submeter a todos os reclames sociais, inclusive as dívidas do Estado.
A imoralidade do Estado macula sua credibilidade institucional perante a sociedade, e torna inexeqüível, do ponto de vista moral, todas as imposições institucionais, sejam decorrentes de Lei ou do Poder de Polícia, em detrimento de cidadãos, credores e carentes do exemplo que se espera daqueles que detém o poder.
7. REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 23, setembro, outubro, novembro, 2010. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-23-SETEMBRO-2010-LUIS-ROBERTO-BARROSO.pdf. Acesso em: 27 de setembro de 2014
CALAMANDREI, Piero. “Eles , os Juízes, vistos por um advogado”. Editora Martins Fontes. São Paulo. 2000. fls. 291.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. A efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível. In: NOVELINO, Marcelo. Leituras complementares de Direito Constitucional. 3 ed. Bahia: Podium, 2008. p. 349-395.
http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/11/estoque-de-precatorios-em-estados-e-municipios-e-preocupante-diz-agu.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
http://www.senado.gov.br/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf