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A lei de improbidade administrativa e sua aplicabilidade aos agentes políticos

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Agenda 24/05/2015 às 10:13

A Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) deve ser aplicada a todo e qualquer agente público, independentemente de estar sujeito a outras sanções de natureza civil, penal ou político-administrativa. A matéria está em discussão no STF.

1.      Introdução

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) representa um marco importantíssimo na construção de um estado democrático de direito e na implementação de instrumentos de controle eficazes e capazes de zelar pela moralidade na administração pública, além de compor, junto com outros dispositivos legais, o conjunto de medidas à disposição dos órgãos de persecução para o atingimento de suas competências institucionais.

O intuito da lei foi o de atingir todo aquele que atentasse contra a probidade da administração pública, sem considerar exceções de qualquer espécie. No entanto, em junho de 2007, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Reclamação 2138/DF, após fazer distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF/88, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF/88 e disciplinado pela Lei 1.079/50, entendeu que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF.

A questão ainda é polêmica e atual. O STF não possui entendimento firmado em relação a duas questões primordiais inerentes ao assunto em tela: primeiro, não se decidiu se há ou não foro especial para os agentes políticos nas ações de improbidade administrativa; segundo, não se firmou entendimento acerca da aplicabilidade ou não dos dois regimes aos agentes políticos (o da lei de improbidade e o dos crimes de responsabilidade).

O plenário do STF iniciou em 19/11/2014 o julgamento de um agravo regimental na Pet 3240, que discute a competência da Corte para julgar atos de improbidade administrativa contra agente político. O único a votar até então, o atual relator do processo, Min. Teori Zavascki, manifestou-se no sentido de que o Supremo possui competência para julgar o caso. Na sequência, um pedido de vista do ministro Barroso suspendeu o julgamento. Pelo voto do relator, não há fundamento para eximir os agentes políticos da aplicação da lei de improbidade, entendimento que será defendido neste artigo nos itens seguintes.


2.      Moralidade e probidade administrativas

A moralidade administrativa como um dos princípios reitores da administração pública consolidou seu status com o advento da Constituição Federal no caput do artigo 37. Na sequência, o parágrafo 4° do mesmo artigo imputou uma série de sanções ao sujeito ativo condenado por improbidade administrativa, o que nos permite concluir que a probidade é espécie do gênero moralidade administrativa.[1]

No mesmo sentido, Marcelo Figueiredo também afirma que a probidade seria espécie do gênero “moralidade administrativa”, sendo que o “núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa; verdadeiro norte à Administração em todas as suas manifestações”.[2]  

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

...

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.           


3.      Sujeito ativo na improbidade administrativa

O sujeito ativo do ato de improbidade administrativa será aquele que pratica o ato de improbidade, o que concorre para esta prática, ou ainda, o que extrai vantagens indevidas a partir do ato praticado. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/92) identifica em seu texto dois grupos de sujeitos ativos, quais sejam, os agentes públicos e terceiros.[3]

O artigo 1° da Lei 8.429/92 informa que serão punidos na forma da lei os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, seja servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

O art. 1°, § único, da lei ainda sujeita às penalidades os atos de improbidade praticados contra entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas, cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Pelo texto pode-se constatar que a lei tem caráter nacional e sua aplicação não se dará apenas no âmbito da administração pública federal, mas também nos Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios, e suas entidades, além disso, incluiu no universo de possíveis sujeitos ativos os agentes públicos quer sejam ou não servidores.

A intenção do legislador pelo que pode ser extraído do artigo 1º foi no sentido de incluir no âmbito de sua abrangência toda e qualquer pessoa que se relacione com a Administração no sentido mais amplo possível, incluindo os agentes políticos, desde que respeitadas as disposições constitucionais conforme será demonstrado mais adiante.[4]

No direito, encontramos vários conceitos para “agente público”, dependendo das diversas definições legais expressas em textos esparsos no ordenamento, no entanto, a lei de improbidade definiu em seu artigo 2° o que deve ser considerado agente público para os fins a que se destina.

Logo, para a lei de improbidade, nos termos do artigo 2°, reputa-se agente público, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição[5], nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades já mencionadas no artigo primeiro. É muito amplo, portanto, o conceito de agente público para fins de aplicação da lei de improbidade administrativa.

Utiliza-se em direito administrativo a definição de agente público para abranger os agentes políticos, os agentes colaboradores e os servidores públicos em geral, no entanto, para a lei de improbidade também se incluem neste rol os empregados de empresas públicas e de sociedades de economia mista, além das entidades beneficiadas por auxílio ou subvenção estatal.

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, o rol dos agentes públicos incluem:

(a) Os agentes políticos (parlamentares de todos os níveis, Chefes do Poder Executivo federal, estadual e Municipal, Ministros e Secretários dos Estados e dos Municípios); (b) os servidores públicos (pessoas com vínculo empregatício, estatutário ou contratual, com o Estado); (c) os militares (que também têm vínculo estatutário, embora referidos na Constituição fora da seção referente aos servidores públicos); e (d) os particulares em colaboração com o Poder Público (que atuam sem vínculo de emprego, mediante delegação, requisição ou espontaneamente).[6]

 Os terceiros que podem ser responsabilizados pela lei de improbidade administrativa são mencionados no artigo 3°, e dizem respeito àqueles que mesmo não sendo agentes públicos, induzam ou concorram para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Neste caso, se exige a presença necessária de um agente público concorrendo com o terceiro para que ao terceiro seja imputada uma sanção por improbidade, ou ainda, um agente público sendo induzido pelo terceiro.

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4.      Prerrogativas dos parlamentares

A aplicação total e irrestrita da lei de improbidade administrativa aos servidores públicos[7] não suscita maiores discussões tanto nos tribunais quanto pela doutrina, no entanto, o mesmo não se pode dizer acerca da aplicação da Lei 8.429/92 em relação aos agentes políticos.

Di Pietro[8] nos traz importantes observações envolvendo a proteção que recebem os Parlamentares quanto ao exercício de seus mandatos, quais sejam, a inviolabilidade (imunidade material) por suas opiniões, palavras e votos e a imunidade parlamentar.

O artigo 53 da CF/88 assegura que “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos”, assegurada a mesma garantia aos Deputados estaduais (art. 27, §1°, CF/88) e aos Vereadores na circunscrição do Município (art. 29, VIII, CF/88). Sendo assim, se algum Parlamentar praticar, no exercício do seu mandato, ato considerado como crime de opinião, restará afastada sua responsabilidade nas áreas criminal, penal e administrativa, não sendo possível aplicar a lei de improbidade administrativa nesses casos.

Quanto à imunidade parlamentar (art. 53, §§ 2° e 3°, CF/88), esta somente se refere à responsabilidade criminal e como a improbidade administrativa constitui infração de natureza civil, nada impede que neste caso se aplique a lei aos parlamentares, lembrando que a imunidade parlamentar também se aplica aos Deputados estaduais (art. 27, §1°, CF/88), mas não se aplica aos Vereadores por falta de previsão Constitucional. As leis orgânicas municipais podem prever imunidades parlamentares aos seus vereadores, mas neste caso não terão o condão de afastar a aplicação de normas constitucionais como no caso da que diz respeito à improbidade administrativa.

No entanto, ao se processar um parlamentar por improbidade administrativa, se for o caso de aplicação de perda do mandato, somente a casa respectiva poderá aplicar a medida por ser de competência exclusiva conforme dispositivo constitucional (art. 55, II e IV, CF/88).

Em relação ao art. 55, II, CF/88, “perderá o mandato o Deputado ou Senador cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar”, Marcelo Figueiredo complementa que:

O Parlamento não poderá continuar a contar em seus quadros com uma figura condenada por improbidade administrativa no decorrer de seu mandato. A sua condenação, ainda que civil, é motivo mais do que suficiente para ensejar (possibilitar) a perda de mandato por ausência de decoro. Cremos que, se o ato de improbidade não foi cometido no exercício do mandato, não se vinculou a afinidade parlamentar, não há que se falar em perda do mandato. É, em síntese, necessária uma relação jurídica entre o ato de improbidade e o exercício do mandato.[9]

Na outra hipótese em que o parlamentar poderá perder o mandato, art. 55, IV, CF/88, “perderá o mandato o Deputado ou Senador que perder ou tiver suspensos os direitos políticos”, o art. 15, V, CF/88, inclui entre as hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos a improbidade administrativa, logo, nada impede que esta pena seja imposta, mas neste caso, a perda do mandato será “declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa” (art. 55, §3°, CF/88).

O mesmo raciocínio se aplica aos Deputados Estaduais nos termos do artigo 27, §1°, CF/88, sendo que para os Vereadores, por falta de previsão constitucional, não há o mesmo entendimento, sendo possível inclusive a aplicação da pena de perda da função pública diretamente através da ação civil por improbidade administrativa.


5.      Ação de improbidade e autoridades mencionadas no art. 52, incisos I e II, CF/88

No artigo 52, I e II, e § único da CF/88 encontramos uma disciplina específica que estabelece competência privativa do Senado Federal para o processamento e julgamento dos crimes de responsabilidade das autoridades nele previstas. Em relação aos crimes comuns essas autoridades são julgadas pelo STF (art. 102, I, CF/88).

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;

...

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

A condenação por crime de responsabilidade com a aplicação da perda do cargo com inabilitação para o exercício da função pública por oito anos se reveste de julgamento puramente político.

Para Di Pietro, segundo interpretação puramente literal do dispositivo, a especificidade do caso aparenta referir-se apenas aos crimes de responsabilidade praticados por estas autoridades, restando fora do alcance do dispositivo os atos de improbidade administrativa, já que nem sempre correspondem a ilícitos penais, estando portanto fora do alcance do artigo 52.

No entanto, mediante interpretação sistemática da Constituição Federal, é nítido o entendimento de que o intuito do constituinte foi o de não permitir que as autoridades que ocupassem cargo de tamanha relevância no contexto político nacional não fossem julgadas por outras autoridades, salvo o STF para os casos de crimes comuns, ou o Senado Federal em relação aos crimes de responsabilidade. Logo, não faz sentido, que a mesma pena de perda do cargo, que também pode ser aplicada no caso de improbidade administrativa, pudesse ser decretada por autoridade de nível inferior.[10]

Não significa dizer, seguindo este mesmo raciocínio, que a estas autoridades não se aplique a Lei 8.429/92, o que se permite concluir é que quando processados por improbidade administrativa passível de sanção com perda do cargo, deverão ser julgados pelo Senado Federal. Nada impede que sejam aplicadas as demais sanções previstas na lei de improbidade administrativa, dentre outras sanções possíveis tal como previsto no parágrafo único do mesmo artigo 52 da CF/88, ao mencionar “sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”, seja por crime comum ou ainda por improbidade administrativa.

Situação diversa se refere ao Presidente da República, e somente em relação a esta autoridade. O artigo 85, V, CF/88, inclui nos crimes de responsabilidade aqueles que atentem contra a probidade na administração.

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

...

V - a probidade na administração;

Seria, portanto, o Presidente da República, o único agente político constitucionalmente autorizado a ser processado exclusivamente pelo Senado Federal independente de qual sanção seria aplicável no caso de cometimento de ato de improbidade administrativa.


6.      Ação de improbidade e agentes políticos mencionados no art. 102, I, c, CF/88

Os agentes políticos são aqueles encarregados de traçarem as diretivas essenciais à organização política do país, determinando os rumos estratégicos a serem percorridos para o atingimento da finalidade essencial de bom funcionamento do Estado.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, são agentes políticos apenas “o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas pastas”, além de incluir os “Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores”.[11]

A transitoriedade no exercício de suas funções é traço característico dos agentes públicos, já que sua investidura se dá em regra mediante eleição. Parte da doutrina amplia o conceito de agente político para albergar os Magistrados, os membros do Ministérios Público e dos Tribunais de Contas. Não é a posição adotada por Carvalho Filho e Di Pietro, para quem, respectivamente:

... o que caracteriza o agente público não é só o fato de serem mencionados na Constituição, mas sim o de exercerem efetivamente (e não eventualmente) função política, de governo e administração, de comando e, sobretudo, de fixação das estratégias de ação, ou seja, aos agentes políticos é que cabe realmente traçar os destinos do país.[12]

São, portanto, agentes políticos, no direito brasileiro, porque exercem típicas atividades de governo e exercem mandato, para o qual são eleitos, apenas os Chefes dos Poderes Executivo federal, estadual e municipal, os Ministros e Secretários de Estado, além de Senadores, Deputados e Vereadores. A forma de investidura é a eleição, salvo para Ministros e Secretários, que são de livre escolha do Chefe do Executivo e providos em cargos públicos, mediante nomeação.[13]

Independentemente da posição doutrinária adotada em relação à conceituação de agentes políticos, o artigo 102, I, c, CF/88 nos traz importante nota no que diz respeito à competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento das infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade dos agentes políticos elencados:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

...

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

Sobre os crimes de responsabilidade mencionados no referido dispositivo constitucional, sua disciplina encontra respaldo na Lei n° 1.079/50, enquanto que as infrações penais comuns estariam normalmente regulamentadas na legislação penal distribuída no ordenamento seja no código penal ou então na legislação penal especial.

No entanto, nos idos de 2002, no dia 20 de novembro, o assunto adquiriu notória polêmica quando o Supremo Tribunal Federal interrompeu, naquela data, o julgamento da Reclamação 2138/DF (RCL 2138/DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 16/06/07, Boletim n° 471, de 20/06/07, do STF).

A Reclamação discutia o foro privilegiado e a aplicação da lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/92) aos agentes políticos. Segundo a tese que prevaleceu, do relator Min. Nelson Jobim, os agentes políticos não podem ser julgados pela lei de improbidade administrativa porque já estariam submetidos a regime especial de responsabilidade, previsto anteriormente pela Lei 1.079/1950, que prevê os crimes de responsabilidade.

Já na época, antes mesmo da publicação do acórdão no sentido da tese do relator, o assuntou causou perplexidade e descontentamento na doutrina. Para Alexandre de Moraes, “tal posicionamento em que pese a excelência de seus defensores, enfraquecerá o combate à improbidade administrativa e tornará mais ineficaz a luta contra a corrupção no Brasil”.[14]

O artigo 37, §4°, CF/88 não excepcionou nenhum agente público que tenha cometido ato de improbidade administrativa, muito menos a Lei 8.429/92 o fez, pelo contrário, informou que serão punidos na forma da lei os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, seja servidor ou não.

Apesar da indignação doutrinária e da opinião pública acerca do tema, além do Ministério Público como encarregado da ação civil por improbidade administrativa, o entendimento que prevaleceu na corte foi no sentido de que os agentes políticos referenciados no artigo 102, I, c, CF/88, não se sujeitam ao processamento pelo cometimento de infrações previstas na lei de improbidade administrativa.

Essa não parece ter sido a decisão mais acertada segundo a melhor doutrina, conforme será demonstrado, e também pelo que preceituam os valores republicanos e do pacto federativo.

Carvalho Filho[15] nos indica três entendimentos possíveis no que diz respeito à responsabilização dos agentes políticos em relação aos atos de improbidade por eles praticados, senão vejamos:

a)      Primeira possibilidade – a primeira interpretação indica que a ação de improbidade nos termos previstos na Lei 8.429/92 (lei de improbidade administrativa) seria uma ação independente das ações que dizem respeito aos crimes comuns e daquela prevista na Lei 1.079/50 (lei dos crimes de responsabilidade). Por este entendimento a lei de improbidade existiria independente das demais, sendo possível sua aplicação plena e concomitante.

b)     Segunda possibilidade – segundo esta interpretação, sendo o sujeito ativo do ato de improbidade administrativa um agente político, a Lei 8.429/92 não poderia ser aplicada em hipótese alguma. O argumento principal desta tese se basearia no fato de que os agentes políticos teriam um regime próprio de responsabilidade, diferentemente do que seria válido para os demais agentes públicos. Também agrega argumentos a esta interpretação o fato de que em tese as sanções previstas na Lei 8.429/92 estariam carregadas de um forte conteúdo penal, e que por isso não faria sentido sua aplicação, justamente por já estarem previstas consequências até mesmo menos gravosas na legislação penal. Concluindo, estariam afastados da aplicação da Lei 8.429/92, por “indicação constitucional”, os sujeitos previstos nos artigos 52, I e II, e 102, I, c, todos da CF/88. Este entendimento, conforme já mencionado, foi o conteúdo do acórdão referente à Reclamação 2138/DF e é um dos posicionamento do STF a respeito desta possibilidade, ainda, segundo o Supremo, é o STF e não o juízo de primeiro grau que tem competência para processar e julgar Ministro da própria Corte, segundo o que ficou decidido na Pet. QO 3211 DF, de relatoria do Min. Marco Aurélio.

c)      Terceira possibilidade – por esta última interpretação possível, entende-se que as Leis 1.079/50 e 8.429/92 poderiam conviver harmoniosamente no sistema, observando-se apenas sua aplicação em relação aos agentes políticos quando a sanção respectiva tiver natureza política (perda do cargo / suspensão dos direitos políticos), uma vez que nesses casos o processamento deveria se dar em observância à lei de responsabilidade e conforme disposição constitucional. No entanto, sendo a infração passível de outras sanções que não estas de natureza eminentemente política, quais sejam, multa civil, reparação de danos, proibição de benefícios creditícios ou fiscais, entre outras, aplicar-se-ia normalmente a lei de improbidade administrativa. Ademais, vale relembrar que o próprio caput do artigo 12 da Lei 8.429/92, abaixo reproduzido, ressalta a independência entre as instâncias quando o assunto diz respeito à prática do ato de improbidade, além de ser possível identificar em seus incisos a natureza das sanções aplicáveis, ou seja, quando são de natureza político-administrativa e também quando são de natureza puramente administrativa.

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

 Considerando-se as três soluções possíveis apresentadas, a que atua em prol da harmonização do sistema como um todo parece ser a terceira, já que possibilita o processamento dos agentes políticos por improbidade administrativa, respeitando, contudo, a prerrogativa do foro especial quando a pretensão se referir à aplicação de sanção com a perda do cargo.

Nesse mesmo sentido, também Di Pietro nos deixa a lição de que a improbidade administrativa e o crime de responsabilidade são apurados em instâncias distintas, sendo distintos também seus objetivos. Todos os agentes públicos, sem exceção, estão sujeitos a sanções civis, penais, administrativas e político-administrativas, em esferas de atuação independentes entre si, não havendo previsão constitucional para isentar os agentes políticos em nenhuma hipótese, até mesmo porque é justamente desta categoria de agentes públicos que se espera um maior grau de responsabilidade e compromisso com a probidade administrativa, sendo assim, o normal seria que respondessem com maior rigor pelas infrações cometidas no exercício dos seus cargos. Também nesse sentido foi o voto do Min. Joaquim Barbosa, acompanhando o voto vencido do Min. Carlos Veloso na indigitada Reclamação 2138/DF.[16]

A matéria ainda carece de uniformização, tanto no STF quanto no STJ há necessidade de se firmar o devido entendimento, primeiramente com relação ao cabimento ou não de ação de improbidade administrativa em face dos agentes políticos referenciados nos dispositivos constitucionais acima apontados, e em segundo lugar qual seria o foro competente para decidir sobre essas questões.

Em julgamento de Agravo Regimental na Pet. 3240, que discute a competência do STF para julgar atos de improbidade administrativa contra agente político, mais uma vez o assunto volta à pauta. O relator do processo, Min. Teori Zavascki, manifestou-se no sentido de que o STF tem competência para julgamento. O julgamento foi suspenso em função de um pedido de vista do Min. Barroso. Neste caso, o recurso foi interposto após decisão proferida pelo Min. Ayres Britto determinando a baixa dos autos para o juiz de primeiro grau um uma ação de improbidade administrativa na qual o réu é um Deputado federal.

Apesar da defesa sustentar a existência de decisão na Corte no sentido de reconhecer a inexistência de dois regimes distintos (improbidade administrativa e crime de responsabilidade) para os agentes políticos, o relator entendeu que o STF ainda não firmou sua posição a respeito deste tema, que envolve a discussão de duas questões: a) a primeira seria a aplicação ou não da lei de improbidade em relação aos agentes políticos; b) a segunda questão envolvida seria em relação ao foro especial quando a pauta diz respeito ao processamento das ações de improbidade administrativa em face dos agentes políticos.

Ao lado desta perspectiva caminha como precedente no STF a Pet. 3923 QO/SP[17] de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, julgada na mesma seção em que se decidiu pela inaplicabilidade da lei de improbidade aos agentes políticos referidos no art. 102, I, c, CF/88 (Rcl 2138/DF). Na Pet. 3923 QO/SP, decidiu-se que em relação a Deputado federal, no caso concreto, não há que se falar em inaplicabilidade da lei de improbidade.

Sobre o autor
Andre Luiz da Silva dos Santos

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Administrativo Disciplinar pela ESAF/UNIFOR. Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo e Direito Público (dupla titulação) pela Università degli Studi di Roma "Tor Vergata"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Andre Luiz Silva. A lei de improbidade administrativa e sua aplicabilidade aos agentes políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4344, 24 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37888. Acesso em: 24 nov. 2024.

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