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Da perda de mandato parlamentar por condenação criminal

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Agenda 09/04/2015 às 06:01

2. ASPECTOS GERAIS SOBRE IMUNIDADES PARLAMENTARES

2.1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Nas palavras de Alexandre de Moraes (2014:460), as imunidades parlamentares são "garantias funcionais, normalmente divididas em material e formal, são admitidas nas Constituições para o livre desempenho do ofício dos membros do Poder Legislativo e para evitar desfalques na integração do respectivo quórum necessário para deliberação".

Estas garantias estão elencadas na Constituição Federal, em seus arts. 53. ao 56, sendo inerentes ao cargo, e não à pessoa detentora do mandato eletivo. Isto é, são verdadeiras prerrogativas garantidoras do exercício legislativo, que permitem ao respectivo parlamentar exercer com segurança e destemor sua função típica, explanando sem receio suas críticas e pensamentos. Isto explica o fato da imunidade não ser estendida aos suplentes, por tais garantias se relacionarem com o exercício da função de parlamentar. Enquanto suplentes, estarão afastados destas prerrogativas. Caso venham, no decorre do mandato, tomar posse por qualquer motivo justificável, farão jus às mesmas garantias, pois estarão exercendo função legislativa.

Por essas garantias não serem inerentes à pessoa e sim à função legislativa que o parlamentar exerce, convém ressaltar que as imunidades parlamentares são irrenunciáveis, não podendo o parlamentar dispor de sua imunidade por não se tratar de garantias subjetivas, e sim de prerrogativas dada à função ocupada, adquiridas a partir da diplomação e perpetuadas até o fim do mandato eletivo, conforme estabelecido no art. 53, §2º da Constituição Federal. Conforme a análise de Michel Temer (2008:131), por ser o Brasil uma democracia híbrida, isto é, uma democracia representativa com peculiaridades de uma democracia direta, mister que se garanta “a atividade do parlamentar para garantir a instituição. Confere-se a deputados e senadores prerrogativas com o objetivo de lhes permitir desempenho livre, de molde a assegurar a independência do Poder que integram”.

As imunidades parlamentares se ramificam em duas espécies: as imunidades formais ou processuais, elencadas art. 53,§§ 2º a 5º, da Constituição Federal e que tratam das regras sobre prisão e processo criminal dos parlamentares, e as imunidades materiais, elencada no caput do art. 53, que prevê a inviolabilidade civil e criminal pelas opiniões, votos e palavras dos parlamentares no exercício desta função.

Nesta dogmática, conclui-se que à luz da independência harmoniosa dos Poderes, prevista no art. 2ª da CRFB/1988, as imunidades desempenham papel fundamental numa democracia, visto buscarem proteger o congressista de perseguições e abusos dos demais poderes, evitando, desta forma, que a função típica do parlamentar seja exercida inadequadamente. Corroborando com este entendimento, anota o professor Alexandre de Moraes (2014:456):

“Dessa forma, imprescindível a existência das imunidades parlamentares à prática da democracia, significando verdadeira condição de independência do Poder Legislativo em face dos demais poderes e garantia da liberdade de pensamento, palavra e opinião, sem a qual inexistirá Poder Legislativo independente e autônomo, que possa representar, com fidelidade e coragem, os interesses do povo e do país, pois, e é sempre importante ressaltar, estas imunidades não dizem respeito à figura do parlamentar, mas à função por ele exercida, no intuito de resguardá-la da atuação do Executivo ou do Judiciário, consagrando-se como garantia de sua independência perante outros poderes constitucionais”.

2.2. IMUNIDADE MATERIAL

À luz do art. 53, caput, da Constituição Federal, é assegurada aos Deputados e Senadores a inviolabilidade civil e penal, “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, desde que enunciados no exercício da função parlamentar, não se restringindo ao espaço físico do Congresso Nacional. Isto é, um Senador do Estado do Amazonas é inviolável civil e penalmente em qualquer parte do território nacional, todavia, desde que sua manifestação seja consequência do exercício da função de parlamentar. Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que esclarece:

"(...) a inviolabilidade alcança toda manifestação do congressista onde se possa identificar um laço de implicação recíproca entre o ato praticado, ainda que fora do estrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do agente" (RE 210.917, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12.08.1998, DJ de 18.06.2001; AI 493.632-AgR, Rei. Min. Carlos Britto, j. 13.11.2007, DJE de 14.03.2008).

É absoluta a imunidade material do parlamentar que fora questionado por ato praticado dentro do espaço físico do Congresso Nacional, pois há presunção de que o mesmo agiu no exercício de suas atribuições. E relativa, por sua vez, a imunidade material do parlamentar que proferiu ato fora deste espaço físico, sendo necessário aferir, neste último caso, se houve um nexo entre o ato praticado e a qualidade de parlamentar para que este esteja resguardado, tanto civil quanto criminalmente. O STF já decidiu pela exclusão da imunidade material, “se a ocasião, o local, o propósito ou outras circunstâncias relevantes evidenciarem a total desconexão do fato com o exercício do mandato ou a condição parlamentar” (RT 648/321). No julgamento do inquérito 1.958, o mesmo Tribunal assim decidiu:

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INQUÉRITO. DENÚNCIA QUE FAZ IMPUTAÇÃO A PARLAMENTAR DE PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA, COMETIDOS DURANTE DISCURSO PROFERIDO NO PLENÁRIO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA E EM ENTREVISTAS CONCEDIDAS À IMPRENSA. INVIOLABILIDADE: CONCEITO E EXTENSÃO DENTRO E FORA DO PARLAMENTO. A palavra "inviolabilidade" significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada "conexão como exercício do mandato ou com a condição parlamentar" (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material. Denúncia rejeitada

(INQ 1.958, Redator para o acórdão o Ministro Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJ 18.02.05).

Foi com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 35/2001 que houve o acréscimo das expressões “civil e penalmente”, bem como que a imunidade refere-se a “quaisquer opiniões, palavras e votos”, reforçando o alcance desta garantia e deixando claro sua proteção sobre manifestações de pensamento e voto. Ou seja, ampliou-se a proteção, com o escopo de garantir ao parlamentar o exercício de suas atividades com a devida liberdade de que necessita, ante a importância do cargo ocupado. Neste sentido caminha o professor Pedro Lenza (2014:595), acrescentando que:

“A imunidade material, mantida pela EC n. 35/2001, é sinônimo de democracia, representando a garantia de o parlamentar não ser perseguido ou prejudicado em razão de sua atividade na tribuna, na medida em que assegura a independência nas manifestações de pensamento e no voto. Em contraposição, a garantia da imunidade processual, antes da alteração trazida pela EC n. 35/2001, vinha sendo desvirtuada, aproximando-se mais da noção de impunidade que de prerrogativa parlamentar, o que motivou a sua alteração (...).”

E salienta Pontes de Miranda (1947:30), ao analisar o art. 44, caput, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, de idêntico enunciado ao atual art. 53. da CRFB/1988, que essa imunidade material acarreta a atipicidade da conduta, em que “não se admite o processo porque não há crime; nem cabe a responsabilidade por perdas e danos, porque a irresponsabilidade do art. 44. é geral, de direito constitucional material e, pois, compreensiva da irresponsabilidade penal e da irresponsabilidade civil”.

Portanto, a imunidade material prevista no art. 53, caput, da Lei Maior, alcança a responsabilidade civil e criminal decorrentes das manifestações de pensamentos e atos praticados por parlamentares no exercício de suas funções. Dessa forma, é crucial analisar em cada caso concreto as circunstâncias dos atos manifestados e questionados para verificar a relação de pertinência com a atividade parlamentar, sendo vedada a perseguição do parlamentar em momento posterior ao término do seu mandato.

É o que leciona Alexandre de Moraes (2014:464) ao afirmar que a imunidade material além de referir-se somente aos atos funcionais, possui “eficácia temporal permanente ou absoluta, de caráter perpétuo, pois pressupondo a inexistência da infração penal ou ilícito civil, mesmo após o fim de sua legislatura, o parlamentar não poderá ser investigado, incriminado ou responsabilizado”.

2.3. IMUNIDADE FORMAL OU PROCESSUAL

A imunidade formal ou processual concedida ao parlamentar relaciona-se com a possibilidade de prisão, bem como a de instauração de processo criminal contra este parlamentar. Encontram-se previstas no art. 53, §§ 2º ao 5º(alterados pela EC n. 35/2001), e se caracterizam por ser uma dupla garantia concedida ao parlamentar, gerando a impossibilidade deste ser ou permanecer preso, bem como a possibilidade de sustar o andamento da ação penal por crimes cometidos após a diplomação.

Dessa forma, apresenta dupla composição: projetando-se sobre a prisão ou o processo, conforme elucida José Afonso da Silva (2006:353):

“A imunidade (propriamente dita), ao contrário da inviolabilidade, não exclui o crime, antes o pressupõe, mas impede o processo. Trata-se de prerrogativa processual. É esta a verdadeira imunidade, dita formal, para diferenciar da material. Ela envolve a disciplina da prisão e do processo de congressistas”.

De acordo com o art. 53, § 2º, da Carta Magna, desde a expedição do diploma, os parlamentares não poderão sofrer qualquer medida de privação de liberdade de natureza penal, processual ou civil, salvo no caso de cometimento de crime inafiançável, que, neste caso excepcional, os autos deverão ser remetidos à Casa Legislativa a que o parlamentar pertença para que, no prazo de 24 horas e pela maioria absoluta de seus membros, decidam sobre o relaxamento da prisão.

Cumpre ressaltar que a decisão da maioria absoluta dos membros da respectiva Casa não será por meio de voto secreto, como se dava antes da EC n. 35/2001. Por fim, a imunidade formal não proíbe nem suspende a realização de inquérito policial.

A imunidade formal para o processo, por sua vez, sofreu grandes alterações com a EC n. 35/2001. Tavares (2011:1256) esclarece que:

“Houve, pois, um redimensionamento da imunidade, que não é mais automática, por assim dizer. Agora, para que o processo seja suspenso, há que obter a manifestação expressa da Casa respectiva do parlamentar processado perante o Supremo Tribunal Federal. A respectiva Casa deliberará, então, não mais acerca do pedido de licença (que é automático), mas sim, agora, acerca da paralisação do processo já em trâmite normal. Trata-se de um julgamento pelos pares do parlamentar, que analisarão, nessa ocasião, a conveniência política de ver processado, naquele momento, determinado congressista”.

Assim sendo, após a supracitada emenda, não há mais necessidade de prévia autorização da Casa Legislativa a que pertença o parlamentar para o recebimento da denúncia por parte do Supremo Tribunal Federal, por crimes cometidos após a diplomação. Dessa forma, não haverá a incidência da imunidade formal em relação ao processo para crimes cometidos antes da expedição do diploma do parlamentar, podendo este ser processado e julgado pelo STF sem qualquer interferência da Casa a que pertença. De lado avesso, nos casos de crimes praticados após a diplomação, o parlamentar poderá ser processado e julgado pelo STF enquanto durar o mandato sem a necessidade de licença prévia. Todavia, qualquer partido político que detenha representação na Casa legislativa poderá requerer a sustação do andamento da ação penal, que será decidida pelo voto da maioria absoluta de seus membros. E caso haja a suspensão da ação, esta subsistirá enquanto perdurar o mandato, suspendendo, da mesma forma, a prescrição. Este é o entendimento que se extrai do art. 53. e parágrafos da Constituição Federal.

2.3.1. Foro privilegiado por prerrogativa de função

O Brasil adota o sistema de foro por prerrogativa de função, ou seja, ações penais contra determinadas autoridades tramitam nos Tribunais e não nos Juízos de primeira instância. Nas palavras de Júlio Fabbrini Mirabete (2000:186), “há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para o Estado e em atenção a eles é necessário que sejam processados por órgãos superiores, de instância mais elevada”.

Certamente houve um erro grave à não concessão do duplo grau de jurisdição à todos os indivíduos, sejam eles comuns ou parlamentares, porquanto, apesar dos órgãos superiores da justiça brasileira perceberem de maior independência no julgamento de grandes autoridades, o que se observa é a ineficiência do instituto, o que acaba por gerar a impunidade.

Alexandre Moreira (2007:01) leciona com precisão quando defende que o foro por prerrogativa de função traz problemas de cunho ético e prático. Neste sentido:

“Eticamente, tem-se uma situação em que os ministros do STF são indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado. O surrealismo da situação é visível: potenciais “acusados” são os responsáveis pela nomeação de seus julgadores! Mais ainda: esse mesmo roteiro é seguido para a nomeação do procurador geral da república, responsável pela acusação perante o STF”.

Desta forma, há, no mínimo, um amplo risco de vinculação ideológica com os políticos responsáveis pela nomeação dessas autoridades.

Em termos práticos, os Tribunais, em sua maioria, não estão preparados para receber ações penais originárias, isto é, Ministros e Desembargadores não estão habituados a interrogar réus, ouvir depoimentos de testemunhas e conduzir a prova. Conforme Moreira (2007:01), tais atividades instrutórias são típicas de juízo de primeiro grau que têm por função precípua lidar com os fatos no local onde eles ocorreram. Assim sendo, a maioria das provas são produzidas por cartas de ordem, em locais distantes do julgamento. E uma vez instaurada a ação penal, entra-se em um emaranhado burocrático de delegação de colheita de provas, já que um Ministro ou Desembargador não costuma viajar e ouvir testemunhas em ouras cidades e, se o fizer, seus processos no Tribunal ficarão parados, o que retarda a demanda em meses ou anos.

Imperioso, entretanto, ressalvar que esta ineficiência não pode ser atribuída aos Ministros ou Desembargadores, envolvidos com milhares de processos a exigir-lhes dedicação integral. O sistema que é falho, ocasionado pela previsão de uma norma ineficiente. Mas, por ser grave e por estar hoje mais do que nunca visível, precisa ser ressaltada.

Por fim, desencadeado procedimento parlamentar que vise o perecimento do mandato, leciona Ferreira Filho (2012:164) que eventual “renúncia do membro do Congresso em causa não será levada em conta até que ocorra deliberação final sobre tal questão, ou seja, sobre a perda do mandato”, evitando, desta forma, que o Deputado ou Senador se abstenha do foro privilegiado ou se aproveite de brechas legislativas objetivando fugir das consequências ocasionadas pela decretação da perda do seu mandato. Ou seja, aquele parlamentar que esteja submetido a processo que possa levá-lo à perda do seu mandato poderá renunciar ao cargo de Deputado Federal ou Senador da República. Contudo, a referida renúncia terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais descritas nos §§ 2° e 3°, do art. 55. da Constituição Federal de 1988, nos termos do Decreto Legislativo n. 16, de 24 de março de 1994. Desta forma, a renúncia só produzirá efeitos se a Casa Legislativa a que pertença o parlamentar condenado não concluir pela perda do mandato. Por outro lado, caso a Casa conclua pelo perecimento deste mandato, o parágrafo único do aludido decreto dispõe que “a declaração da renúncia será arquivada”, não produzindo efeitos porquanto já ter sido declarada a decisão pela perda do mandato.

Sobre o autor
Victor Rocha

Advogado. Pós-graduando em Ciências Criminais (Estácio de Sá) e em Direito Público (ESBAM). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Cofundador da ONG Democratizando nas Escolas. <br><br>

Informações sobre o texto

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