Muito se discute sobre a construção de um país melhor e mais justo. Dedicar-se à construção de uma sociedade menos desigual, na qual a efetivação de direitos não dependa da cordialidade, dos laços de sangue e dos amigos do rei, é um projeto que está presente na Constituição da República de 1988, mas que não sairá do papel sem a luta por sua concretização.
A nossa sociedade está fundada em bases ainda muito vinculadas à herança rural e escravocrata, sendo comum invocar os ideais liberais ao vento, as palavras estrangeiras com gosto, ao mesmo tempo em que seres humanos são tratados como objeto e a palavra “povo” exclui a grande maioria da população.
Apesar da industrialização e do crescimento das cidades, da vinda de povos de várias partes do mundo para cá, o que formou uma singularidade na nossa formação, seguimos desterrados em nossa própria terra, apegado a outros modelos de sociedade e presos ao tratamento com naturalidade das injustiças e das desigualdades sociais.
A sensação de que certas coisas sempre foram de determinada forma, sem possibilidade de mudança, ou o recurso a uma suposta passividade do povo brasileiro na superação de seus problemas dão a tônica no senso comum na hora de justificar nossos insucessos e as disparidades socioeconômicas.
Ao mesmo tempo, a tradição apegada aos brasões e à fidalguia, às posições decorrentes das conquistas decorrentes de esforço pessoal, cujo descendente direto são as posições no Estado, com as togas de juízes e promotores, faz dos ocupantes desses cargos detentores de um título, e não portadores de um dever na efetivação do projeto constitucional.
As instituições do sistema de justiça colocam-se frequentemente acima da maior parte da população, de forma intocada e distante, valendo-se das pompas e circunstâncias, dos salões acarpetados, das togas e do linguajar improdutivo. Perpetuam a desigualdade invocando a letra fria da lei, mantendo o status quo em favor da harmonia entre os poderes constituídos e do combate a qualquer subversão dos princípios sobre os quais se funda a ordem constituída.
Discutir o país que queremos e que devemos construir passa pela superação desse estado de coisas e pela derrubada dessa barreira.
É necessário que as injustiças perpetradas cotidianamente deixem de ser consideradas um mero acidente nas instituições do sistema de justiça, devendo a complexidade das questões ser efetivamente considerada para uma aplicação mais justa do direito, em que o distanciamento da toga, do linguajar e da verdade dos códigos ceda ao reconhecimento dos direitos, em contraponto à frieza do papel e perto de uma realidade concretamente vivenciada.
Ao Ministério Público, em especial ao Ministério Público Federal (MPF), instituição aliada da sociedade civil na concretização de direitos, está reservado um papel proativo na interlocução com movimentos sociais e com os cidadãos, sem hierarquia, apresentando-se como parceiro nas lutas pela efetivação do projeto constitucional e na compreensão da realidade que vai além da abstração das leis.
Não cabe ao MPF substituir o protagonismo da sociedade no dever de reivindicar direitos, debater os nossos problemas e construir soluções. Deve, sim, o MPF estar junto, fazer contribuições, veicular demandas e, sempre que necessário, especialmente quando imprescindível, exercer o seu papel institucional. Assim, em constante movimento, contribui para o fortalecimento da nossa democracia e da apropriação por todos de seus aparatos.