RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo estudar a questão da (in)comunicabilidade dos jurados e a falta da motivação das decisões proferidas pelo conselho de sentença. Dessa forma é necessário que seja feita uma análise da estrutura do júri ao longo da história, e uma análise dos princípios constitucionais penais que regem o referido instituto. O Júri possui patamar de garantia fundamental formal, devendo ser respeitado, porém tal respeito não quer dizer que seja necessário manter o procedimento do Júri na forma em que se encontra hoje. Para que haja exercício pleno de democracia no Júri é necessário rever o procedimento.
Palavras-chave: Tribunal do Júri; incomunicabilidade dos jurados; motivação das decisões dos jurados; fundamentação das decisões judiciais, íntima convicção.
ABSTRACT
This work aims to study the issue of juror’s incommunication and the lack of motivation in the decisions made by sentence council. In this way is necessary a review about de jury structure over the history, and a review about the criminal principles guiding the jury. The Court Jury has a level of fundamental of formal fundamental guarantee, and must be respected, but this respect does not means is necessary keep the procedure of Jury as it is today. To exist the full exercise of democracy in the Jury is necessary review the procedure.
Keywords: Jury; incommunicado detention of jurors; lack of motivation in the jurors decisions; justification for all judicial decisions.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende estudar a instituição do tribunal do Júri, focando-se na questão da incomunicabilidade dos jurados e a falta de motivação de suas decisões, estudando, para tanto, ambas as posições acerca da questão.
Ao longo do primeiro capítulo será analisada a história da instituição e evolução do Tribunal do Júri, focando-se nos sistemas de Júri inglês, francês e americano, juris que influenciaram o procedimento brasileiro em momentos diversos, após se analisar o júri na história mundial será feita análise centralizada no Brasil, estudando-se o Júri desde o Império até a sua positivação na Constituição Federal de 1988.
Após a análise histórica será estudado o procedimento em si e seus princípios reguladores, fazendo-se ampla revisão bibliográfica sobre o Júri e os princípios constitucionais penais e processuais, ainda no segundo capítulo será estudado o procedimento, analisando de forma perfunctória as duas fases procedimentais do Tribunal do Júri.
Ao final será avaliada a questão da incomunicabilidade e a falta de motivação das decisões proferidas pelos jurados, apresentando os argumentos necessários para que entenda porque tais questões seriam, ou não, inconstitucionais, apresentando-se em seguida uma forma de desvencilhar tais questões do Tribunal do Júri, para que assim o Tribunal do Júri se aproxime mais de um caráter de democracia.
Concluindo, se o Júri passou por tantas reformas é necessário se estudar por que até hoje ele permanece arraigado aos decréscimos, nunca progredindo, somente regredindo. No processo penal é inadmissível o que ocorre com o Júri, pois a Constituição Federal brasileira de 1988 é o que há de mais moderno em proteção aos direitos e garantias, e deve ser aplicada em todos os níveis de processo, não somente onde o legislador resolva aplicá-la.
1 O TRIBUNAL DO JÚRI
O Tribunal do Júri é um instrumento de democracia que vem sendo aprimorado ao longo da história da humanidade. Hodiernamente o Tribunal do Júri é adotado em grande parte do mundo, tendo especial relevância em duas das principais famílias do Direito, a Commom Law e o Direito Romano-Germânico. Assevera Vicente Greco Filho (2012, p.217) que o marco inicial do Tribunal do Júri no Brasil é anterior à independência do país, estando o Júri presente desde a primeira Constituição (1824).
A ideia de um julgamento imparcial e que seja dotado de maior caráter de justiça, é o que primeiramente atrai a atenção para o Tribunal do Júri. Possuindo uma história conturbada, principalmente no Brasil, o Júri é um mister de princípios e contradições, sendo que quando tais contradições são confrontadas, grande parte dos expoentes em Direito Processual Penal mostram-se indecisos, não sabendo precisar de que lado estão.
Vendo o Tribunal do Júri sob um aspecto mais simples, pode-se facilmente perder-se em tamanho exercício de democracia, esquecendo-se dos defeitos que a muito assolam o Tribunal do Júri, principalmente no Brasil, desse modo é necessário que àquele que vá estudar qualquer aspecto relacionado com o Júri primeiramente realize uma contextualização histórica, principiológica e metodológica do procedimento escalonado do Tribunal do Júri.
{C}1.1 A história do Tribunal do Júri
Inúmeros argumentos são levantados ao se discutir a origem do Tribunal do Júri, para Guilherme de Souza Nucci (2014, p.41), em que pese ser a Magna Carta (1215) o marco histórico da positivação do Júri em sua forma atual, o julgamento pelo povo existe muito antes de tal marco, a exemplo região da Palestina, onde o tribunal dos vinte e três era o competente para julgar os crimes punidos com pena de morte, tal tribunal existia nas vilas que possuíssem mais de 120 famílias e sua composição era de pessoas escolhidas entre os padres, levitas e os principais chefes de família de Israel.
Existia, também, na Grécia antiga o Tribunal de Heliastas, e em Esparta os Éforos, ambos compostos pelos cidadãos das Polis Gregas e com competência que hoje se assemelharia a jurisdição comum (NUCCI, 2014, p.41).
Em suma, há hoje grande controvérsia sobre a origem de fato do dito Tribunal Popular, o que bem aponta Rogério de Laura Tucci (1999, p.12):
Há quem defenda, com respeitáveis argumentos, que os mais remotos antecedentes do Tribunal do Júri se encontram na lei mosaica, nos dikastas, na hilieia (tribunal dito popular) ou no Areópago grego; nos centeni comitês, dos primitivos germanos; ou, ainda, em solo britânico, de onde passou para os Estados Unidos e, depois, de ambos para os continentes europeus e americanos.
Segundo Paulo Rangel (2012, p.43) a posição mais aceita pela doutrina é de que o Júri remonta à segunda metade do século XII, precisamente ao reinado de Henrique II, em 1166, na antiga Inglaterra, porém nessa época a competência do Júri era somente cível, passando a possuir competência criminal após um certo período.
1.1.1 O nascimento do Júri: o júri na Inglaterra
É praticamente impossível estudar o Tribunal do Júri sem dar especial enfoque ao sistema processual inglês, sistema que deu origem ao Tribunal do Júri nos modelos que vigoram hoje (RANGEL, 2012, p.41), e para tal estudo é necessário uma contextualização histórica.
Flávia Lages de Castro (2007, p.185) expõe que em meados de do século XII, início do século XIII, a Inglaterra passava uma conturbada situação, pois, após a ascensão de João da Inglaterra (João Sem-Terra) ao trono inglês o povo britânico passou a temer tanto por seus bens, como por suas vidas.
Diante de tal situação os nobres ingleses resolveram revoltar-se contra o Rei, fazendo-lhe assinar o documento que hoje é conhecido como o primeiro texto que levou ao surgimento do constitucionalismo, a Magna Carta de 1215, documento que pela primeira vez positivou o Júri. Afirmava a referida Carta em seu artigo 48:
Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país.
É notável a preocupação dos Barões da época com o poder absoluto do déspota, e foi através da referida carta que os cidadãos, pela primeira vez, limitaram o alcance absoluto do poder da monarquia. Sobre tal assunto e em referência ao artigo supra citado aponta Flávia Lages de Castro (2007, p.187):
Este mesmo artigo indica claramente a necessidade de ‘julgamento pelos pares’, ou seja, pessoas iguais ao réu, o que é colocado como cristalização legalizada do sistema de julgamento por júri que já havia existido não muito objetivamente no Direito Romano e que existia na Inglaterra desde antes do reinado do pai de João Sem-Terra.
Desde Roma havia o hábito de em casos de cobrança de tributos se perguntar às pessoas importantes da localidade sua opinião, era a iquisitio. Este mesmo processo foi transferido para o Direito germânico. Já no reinado de Henrique II o sistema de inquisitio, antes de caráter meramente administrativo, passou a ser usado também em demandas entre particulares na área cível.
A partir do período do rei Henrique surgiram duas instituições judiciárias: o assize e a jurata, o primeiro dizia respeito a demandas entre proprietários; a segunda, a questões envolvendo o curso de um julgamento que não dissesse respeito a proprietários. A jurata acabou por absorver o assize. O que a Magna Carta fez, portanto, foi indicar em uma legislação importante que um julgamento com júri seria necessário para diminuir ou acabar com a liberdade do indivíduo.
De tudo que fora aqui explanado, pose-se inferir que, o surgimento do Júri inglês é um marco importantíssimo para a história geral da ora estudada instituição, pois foi através do inconformismo do povo (no caso dos ingleses somente o povo que interessasse, ou seja os nobres) que positivou-se na dogmática jurídica o Tribunal do Júri.
1.1.2 A popularização do júri: o júri na França
Após todo processo político enfrentado na Inglaterra a instituição do Júri ganhou forças, porém sua verdadeira expansão não ocorreu até 1789, o marco da Revolução Francesa e da popularização do Júri na Europa Continental.
Durante o século XVII a França passava um momento extremamente delicado, o governo do então monarca Luís XIV era baseado no absolutismo e na distinção social, tanto que o rei dissolvera o Conselho de Estado e passou a governar somente com e para aqueles que pertencessem a nobreza, tal situação apenas piorou com o tempo, chegando ao ponto de Luiz XIV dissolver os órgãos judiciários e centralizar quase todo o poder em suas mãos, o que ocorreu através da união de todos os tribunais ao tribunal do rei (CASTRO, 2007, p.201).
Tantas foram as violações e tamanhas foram as atrocidades cometidas durante esse período que durante o século XVIII, no governo de Luís XVI, a massa, agora impulsionada pela ideologia do iluminismo, e pelas inúmeras revoluções que eclodiram em toda a Europa, revoltou-se contra a coroa, evento que foi chamado de Revolução Francesa.
Movidos pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade o povo francês despojou a coroa e todos os nobres, e buscando quebrar a vínculo com o governo anterior e proteger os cidadãos dos abusos de seus governos foi instituído o Tribunal do Júri na França.
A partir deste momento o Tribunal do Júri ganhou o status de ideal de igualdade e democracia, sendo adotado por quase todas as nações ocidentais (NUCCI, 2014, p.42).
1.1.3 O Júri nos Estados Unidos
O Júri americano é hoje, graças aos filmes hollywoodianos e as proporções culturais e econômicas gigantescas que os Estados Unidos das Américas possuem, o modelo de julgamento mais conhecido do mundo, sendo, portanto, de suma importância seu estudo. O processo de formação do sistema jurídico americano decorre diretamente de sua descendência com a commom law e seu processo de rompimento com a referida família de direito.
Até a independência dos Estados Unidos, as 13 colônias, como eram conhecidas na época, passaram por inúmeros enclaves com a coroa inglesa, sendo que ao longo desses conflitos os americanos passaram por inúmeros problemas o que acabou desencadeando no rompimento das colônias com o coroa, o que se deu em 1776 (CASTRO, 2007, p.237), após a independência os EUA promulgam sua primeira e única constituição, com a redação que vigora quase que integralmente até hoje.
O texto constitucional americano é um dos mais simples do mundo, possuindo somente os direitos e garantias fundamentais e as principais questões sobre a organização do estado americano. Para o presente trabalho o que interessa no texto constitucional americano é o art. 3º, Seção II, item 3, da referida constituição, preceitua o artigo:
O julgamento de todos os crimes, exceto em caso de crime de responsabilidade será feito por Júri e esse julgamento realizar-se-á no Estado em que os crimes tiverem sido cometidos; mas, quando não sejam cometidos em nenhum dos Estados, o julgamento ocorrerá na localidade ou localidades que o Congresso designar por lei.
Ainda sobre o texto constitucional americano a 6ª emenda prevê que “em todos os processos criminais, o acusado tem direito a ser julgado por um júri imparcial do local onde o crime foi cometido”.
Com advento da independência e a promulgação do texto constitucional americano todos os crimes, exceto os de responsabilidade, passaram a ser de apreciação obrigatória do Tribunal do Júri, porém dada a não especificação da forma com que esses julgamentos deveriam ocorrer e a independência dos entes federados, cada estado tem o direito de regulamentar o seu Júri, sendo vedado aos estados a mitigação dos direitos fundamentais constantes na constituição e em suas emendas (NUCCI, 2014, p. 57).
Como o Júri americano baseia-se no sistema de Júri inglês, existe, no Júri federal e alguns estados, o sistema de grand jury, sistema esse no qual a decisão que seria o equivalente americano da pronúncia deve ser tomada pelo grande júri, Júri esse formado por 23 cidadãos bastando a maioria dos votos para que seja julgada procedente a acusação.
O pequeno Júri tem um número variável de jurados, na justiça federal ele é composto por 12 jurados, porém esse número varia nos estados, sendo o número mínimo 6 jurados. No sistema americano é possível que, para a escolha do conselho de sentença sejam feitas perguntas para os jurados, de modo que as partes conheçam os posicionamentos dos jurados de antemão, tal procedimento é conhecido como voir dire, sendo que as partes têm direito a fazer recusas peremptórias ou imotivadas (chalenge without cause), sendo que o número de recusas é limitado, podendo o juiz presidente aumentar o número de recusas de acordo com seu entendimento (NUCCI, 2014, p. 58).
Quanto ao quórum para a condenação é sabido que na justiça federal e em alguns estados exige-se que o julgamento se dê por unanimidade, sendo que para se chegue a uma decisão é possível o debate entre os jurados numa sala reservada para tais atos (RANGEL, 2012, p.47).
Em suma o Tribunal do Júri nos EUA decorre diretamente das garantias constitucionais dos cidadãos não podendo ser mitigado pelo estado, exceto nos casos em que o acusado requeira o julgamento pelo juiz singular, pois, por ser uma garantia individual o cidadão pode afastá-la, se assim desejar.
{C}1.2 O Júri no Brasil
No Brasil a instituição do Tribunal do Júri remonta a 1822, sendo que nessa época o Júri era o órgão responsável pelo julgamento dos delitos de imprensa (GRECO FILHO, 2012, p.217), há de se ressaltar que a instituição do Júri no Brasil se deu antes da independência e que tal instituição não existia em Portugal, assim o marco do Júri encontra-se no Brasil colônia e sua instituição se deu após o alastramento da instituição pelo mundo ocidental, assim assevera Nucci (2014, p.42):
[...] há de se considerar que o Brasil, às vésperas da independência, começou a editar leis contrárias aos interesses da Coroa ou, ao menos, dissonantes do ordenamento jurídico de Portugal. Por isso, instalou-se o júri em nosso País, antes mesmo que o fenômeno atingisse a Pátria Colonizadora. Assim em 18 de junho de 1822, por decreto do Príncipe Regente, criou-se o Tribunal do Júri no Brasil, atendendo-se ao fenômeno de propagação da instituição corrente em toda a Europa. Pode-se dizer que, vivenciando os ares da época, o que ‘era bom para a França o era também o resto do mundo’.
No início a composição do Tribunal do Júri era de 24 juízes de fato, sendo que estes deveriam ser cidadãos “bons, honrados, inteligentes e patriotas” sendo que a tais juízes cabia o julgamento dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, podendo haver a revisão das decisões tomadas pelos jurados, desde que pelo Príncipe Regente.
Após sua instituição o Tribunal do Júri sofreu inúmeras alterações, vindo inclusive a sofrer algumas mitigações, o que será tratado a seguir.
1.2.1 O júri durante o império
Com o advento da independência em 1822 o Brasil passara a ser um Estado soberano, porém sem legislação própria, o que acarretou na aplicação das leis portuguesas que não conflitassem com as brasileiras (CASTRO, 2007, p. 350 e 351), e é nesse clima de incerteza que nasce a primeira Constituição Brasileira, de certo modo imposta pelo então Imperador D. Pedro I.
O contexto em que a Constituição do império nascia era extremamente complicado, citando Rangel (2012, p.60):
[...] a primeira Constituição da história do Brasil nascia de cima para baixo, ou seja, foi imposta pelo Imperador ao povo que representava uma minoria branca e mestiça que votava e tinha participação na vida política.
Assim o verdadeiro caráter da legislação da época podia ser visto até mesmo na forma em que a Constituição fora criada.
Após a Constituição de 1824 o Tribunal do Júri teve sua competência ampliada, julgando agora não só os crimes de imprensa, mas causas tanto cíveis, quanto penais, desde que a lei assim determinasse. A lei modificou a competência do Júri inúmeras vezes, como bem aponta Gilmar Ferreira Mendes (2012, p.678):
O júri surgiu no Direito brasileiro com o Decreto Imperial de 18-6-1822 e destinava-se exclusivamente a julgar os crimes de imprensa. Esse júri seria composto de 24 jurados, autorizando-se a recusa de 16 nomes e compondo-se o conselho de jurados com 8 nomes. Posteriormente, foram instituídos o júri de acusação (lei de 20-9-1830). O Código de Processo Criminal, de 29-11-1832, ampliou a competência do Tribunal do júri. Essa ampliação de competência seria revista pela Lei n. 261, de 3-12-1841, tendo o Regulamento n. 120, de 31-1-1842, suprimido o júri de acusação. O Decreto n. 707, de 9-10-1850, excluiu do âmbito do júri o julgamento dos crimes de roubo, homicídios praticados em municípios de fronteira do Império, moeda falsa, resistência e tirada de presos. A Lei n. 2.033, de 1871, voltou a ampliar a competência do júri.
Pode-se notar que o júri foi um instrumento de suma importância para o império e teve sua competência ampliada e mitigada ao longo de todo período imperial.
A efetivação do Júri ocorre anos após sua instauração, no período conhecido como Regência (1831-1840), é num contexto histórico perturbado pela saída do Imperador e ascensão ao trono de seu filho D. Pedro II que o Júri ganha força no Brasil, porém mantendo o caráter de segregação do império
Após sua regulamentação pelo Código de Processo Criminal do Império (1832) o Júri passou a permitir que fossem jurados apenas os eleitores, como no referido período somente votava a “elite” do país, era apenas essa elite que participaria do corpo de jurados, gerando assim uma enorme discrepância entre os réus e o corpo do Júri, pois muitas vezes os réus eram pessoas da mais baixa classe social.
Assim em seu momento de expansão no território brasileiro o Júri carecia de legitimação, não podendo ser considerado um instrumento de democracia.
Após sua regulamentação o Júri passou a ser um procedimento bifásico, dividido aos moldes do sistema inglês em Grande Júri ou Júri de Acusação (grand juty) e Pequeno Júri ou Conselho de Sentença (petty jury), tal divisão visava proteger o cidadão da persecução penal, dessa forma para que o réu fosse remetido ao julgamento pelo conselho de sentença era necessário que a acusação fosse julgada procedente, não pelo Magistrado togado, mas sim pelos juízes leigos.
Em que pese o sistema de escolha dos jurados carecer de legitimidade nessa época, o procedimento de julgamento propriamente dito era muito mais lídimo, pois para que a acusação fosse julgada procedente era possível que os jurados dialogassem entre si, nascendo assim, no Brasil, o Júri democrático, onde as decisões eram fundamentadas e quem decidia se o réu deveria ou não ir ao julgamento pelo conselho de sentença era um corpo de 23 jurados que não poderiam participar do conselho de sentença.
Após um curto período de tempo a instituição do Júri sofre um terrível ataque, pois após a abdicação do trono por D. Pedro I, o período da Regência foi extremamente conturbado ocorrendo várias revoltas, dessa forma, após todos problemas que passara a Coroa para se manter no poder ela e seus aliados dão um duro golpe na instituição do Júri, em 1841 morria o Grande Júri e a comunicabilidade entre os jurados, duas instituições que jamais retornariam ao ordenamento jurídico brasileiro (MENDES, 2012, p.678).
Tais reformas se deram como uma forma de opressão do Império para com seus súditos após as revoltas que ocorreram durante a Regência, tanto que, como aponta Rangel (2012, p. 67, 68 e 69) a reforma, pautada no sistema francês, diga-se de passagem napoleônico e portanto autoritário, teve a intenção de retirar das mãos do povo a decisão se o acusado deveria ou não ir a um julgamento popular, retirando tal decisão das mão dos jurados e passando-a ao Estado, que decidia por meio das autoridades policiais e dos juízes municipais se acusação devia, ou não, ser levada ao Tribunal do Júri.
As reformas processuais ocorridas após o fato supracitado tiveram como escopo a facilitação da condenação, todas as reformas a partir daquele momento até a República visaram aumentar o poder punitivo do Estado para que este pudesse conter as insurreições e rebeliões que ocorriam por todo Império do Brasil.
Em 1889 morria o Império e com o nascimento da República o Direito brasileiro tomava outro rumo, em busca de um sistema jurídico que se amoldasse aos novos ideais surge a Constituição de 1891 e os Estados Unidos do Brasil.
1.2.2 Da República Velha a Era Vargas
Com a proclamação da República muitos dos valores herdados da França, do Ancien Régime e do Regime Napoleônico foram abandonados, sendo que a grande influência para a nova constituinte foi a Constituição do EUA, tanto que o Estado brasileiro passara a se chamar Estados Unidos do Brasil (CASTRO, 2007, p. 415).
A princípio pouca cousa fora mudada com relação ao Tribunal do Júri, nesse sentido demonstra Rangel (2012, p.74):
[...]a Constituição quando mantinha o júri, impedia que leis posteriores pudessem alterar sua essência e, caso assim o fizessem, seriam inconstitucionais.
A expressão é mantida a instituição do júri impedia que se fizesse qualquer alteração na sua essência por qualquer lei ordinária, mantendo-se o status quo. Ou seja, o júri deveria ser mantido do jeito que estava.
Rui Barbosa citado por Frederico Marques, dizia que a intenção manifesta na Constituição de 1891 foi determinar que o júri, nos seus elementos substanciais, continuasse a existir tal qual era sob o regime anterior. Logo, qualquer alteração que não respeitasse a essência do júri seria inconstitucional.
Assim em que pese ter sido mantida a instituição, sua reforma era necessária para que sua aplicação angariasse um patamar mais elevado de democracia, o que não ocorreu.
Durante o período da República Velha o Júri mantinha a antiga composição de 12 jurados, sendo mantida a fórmula do regime anterior para os julgamentos.
Após o colapso da República Velha e a Revolução de 1930 foi necessário que se criasse um novo sistema jurídico penal e processual penal, para que se legitimasse o novo estado, assim o Júri é novamente atingido, tendo sua soberania e independência cerceadas, conforme bem aponta José Carlos Macedo de Pinto Ferreira Júnior (2014, p.181 e 182):
Nesse ambiente político, o júri ingressa na Constituição de 16 de julho de 1934 (art. 72. É mantida a instituição do júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei) em pleno governo provisório de Getúlio Vargas, após a chamada Revolução de 1930, em que Washington Luís, foi basicamente deposto. Interessante notar que, na constituição de 1934, o júri estava dentro do capítulo do Poder Judiciário e não mais na declaração de direitos do cidadão, como na Constituição de 1891. Na verdade, a Constituição de 1934 avançou muito, pois confiou ao critério do legislador ordinário, não só a organização do Júri, mas também a enumeração das suas atribuições. Na Constituição brasileira de 1937 nada fora disposto a respeito do Tribunal do Júri. Em verdade a ditadura empregada por Getúlio Vargas promoveu o mais violento ataque contra o Tribunal do Júri já realizado em solo brasileiro, uma vez que a Constituição brasileira de 1937 possibilitou uma discussão quanto à possível extinção do Júri.
[...]
No ano subsequente, em 1938, o Júri passou a ser regulamentado expressamente através de Decreto-Lei nº167 que foi a primeira lei nacional de Processo penal do Brasil republicano.
Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, p.142) relembra que o Tribunal do Júri, durante a Era Vargas, quase foi mitigado de nosso ordenamento jurídico, tanto que tais mitigações refletem até hoje na composição do Tribunal do Júri, que à época mencionada deixou de ser 12 jurados passando ao ínfimo número de 7 jurados.
Assim o Estado Novo, como toda forma de poder autoritário, abre mão de instrumentos de democracia para legitimar suas ações, sobre tal questão demonstra Rangel (2012, p.77):
O júri, então, passa a sofrer a influência do novo regime e da nova classe que assume o poder, logo, sua independência e soberania foram cerceadas. O déspota tem de ter o júri sob o controle, e a melhor forma é retirando sua soberania, silenciando-o e diminuindo seu número para sete. Até porque a escolha dos jurados era feita por conhecimento pessoal do magistrado, o que, por si só, faz com que recaia sobre aqueles que pertencem à classe detentora do poder. A lei penal, seja processual, seja penal material, sempre foi um instrumento de legalização do arbítrio estatal, não obstante faltar legitimidade a seus atos. Não se pode confundir a legalidade (estar previsto em lei) com a legitimidade (harmonia com os postulados da vida humana como bem supremo e com o qual não se admite transação).
Reafirmando o que ocorrera no império infere-se desse contexto que, toda vez que um poder autoritário chega ao governo ele tenta suprimir a democracia, atacando primeiramente os direitos e garantias inerentes ao estado democrático de direito, por via direta, o Júri.
Há de se ressaltar que em que pese terem havido reformas, o Código de Processo Penal fora elaborado nessa época, permanecendo válido e antiquado até a presente data.
Porém, toda ditadura tem seu fim, e com o fim da Era Vargas era necessário se reafirmar a democracia, o que se deu de forma extremamente brusca, deixando o Brasil numa era de incertezas até 1964.
1.2.3 Da Ditadura à redemocratização
Com fim da era Vargas inúmeros problemas surgiram, o Brasil passava por outra fase de revoltas, dessa vez da classe trabalhadora, sobre tal época aponta Castro (2007, p.525):
O período de 1945 a 1964, chamado por alguns de ‘experiência democrática’ foi, portanto, uma fornalha prestes a explodir. De um lado o operariado urbano desejoso de maior participação e melhorias de vida, junto com eles uma massa crescente de despossuídos que ocupavam os morros e periferias das cidades; de outro lado a elite, acostumada a não ter muitos problemas para impor sua vontade; no meio a classe média urbana, nova e extremamente ansiosa em parecer-se em consumo e pensamento com os da classe alta. Em suma, um barril social de pólvora.
E é no meio desse mar de chamas que os militares dão o golpe, impondo seu regime a partir daquele momento, inúmeras foram as violações aos direitos humanos, porém todas feitas à minguas de provas ou acobertadas pelo Estado, assim o Júri foi mantido durante a constituição de 1967 e a Emenda de 1969, sem possuir porém suas características basilares, como o sigilo das votações, a soberania e a plenitude de defesa (NUCCI, 2014, p.43).
Por fim, após duras perdas no decorrer de sua história, o Tribunal do Júri galga novamente o patamar de garantia fundamental na Constituição Federal de 1988, assim vejamos o art. 5º, inciso XXXVII da referida Constituição:
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Portanto a partir da CF/88 o Tribunal do Júri passou a ser o responsável para o julgamento pelo julgamento dos crimes dolosos contra a vida, com seus princípios e regras próprias, questões que serão discutidas no próximo capítulo.
O procedimento do Tribunal do Júri permaneceu basicamente inalterado pelos últimos 50 anos, sendo a única modificação relevante a reforma procedimental da lei 11.689/2008, porém mesmo com essa reforma o Tribunal do Júri não se adequou aos princípios constitucionais, sendo que até hoje o Tribunal do Júri brasileiro mantém as máculas que sofreu durante todo seu período histórico, e hoje não representa o ideal de democracia que poderia representar, caso se amoldasse aos princípios garantias constitucionais, nesse sentido o Júri durante o Império era bem mais “democrático” que o Júri atual, e o que houve al longo da história desta instituição fora um retrocesso, uma involução, e não o contrário.
A composição atual do Tribunal do Júri pende tanto democracia quanto para a arbitrariedade, como bem demonstra Eugênio Pacelli (2014, p.719):
E o Tribunal do Júri, no que tem, então, de democrático, tem também, ou melhor, pode ter também, de arbitrário.
E isso ocorre em razão da inexistência do dever da motivação dos julgamentos. A resposta à quesitação pelo Conselho não exige qualquer fundamentação acerca da opção, permitindo que o jurado firme seu convencimento segundo lhe pareça comprovada ou revelada (aqui, no sentido metafísico) a verdade. E, convenhamos, esse é realmente um risco de grandes proporções. Preconceitos, ideias preconcebidas e toda sorte de intolerância podem emergir no julgamento em Plenário, tudo a depender da eficiência retórica dos falantes (Ministério Público, assistente de acusação e defesa).
Enfim, bom ou ruim, o Júri tem previsão constitucional.
Assim, o procedimento do Júri merece ser revisto para que no mínimo garanta àqueles que serão pelo Tribunal do Júri, que, no mínimo, sua condenação será motivada, e caso tal motivação não seja idônea, ou afaste princípios como o in dubio pro reo possa haver pelo menos a revisão de tal decisão, mesmo que seja para remeter a causa a um novo Júri.
2 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI
O Tribunal do Júri, tal qual todo procedimento processual, é regido por inúmeros princípios, uns próprios e exclusivos do júri, a exemplo da plenitude de defesa, outros aplicados a todos procedimentos penais. Para melhor estudar a temática proposta no presente trabalho, é necessário abordar, ainda que superficialmente, os princípios mais relevantes para o Tribunal do Júri e sua aplicação no referido instituto.
Princípio, como assevera Nucci (2014, p.25) é “a causa primária ou o elemento predominante na constituição de um todo orgânico”, dessa forma princípios constitucionais são normas reguladoras que irradiam sua essência para as demais normas do ordenamento jurídico, servindo como base para todas as outras normas.
Os princípios próprios do Tribunal do Júri estão descritos no artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal de 1988, são eles a plenitude de defesa, a soberania dos vereditos e o sigilo das votações. Por estar contido no rol de direitos e garantias fundamentais o Tribunal do Júri e seus princípios são cláusulas pétreas, não podendo ser mitigados e nem mesmo perder sua essência. Já os princípios processuais penais aplicados ao júri a serem estudados são a fundamentação de toda decisão judicial e o in dubio pro reo, princípios que militam a favor de todos os acusados no sistema processual penal hodierno.
{C}2
{C}3
{C}3.1 Princípios reguladores do tribunal do júri
O caráter democrático do Tribunal do Júri é assegurado, na maior parte, pelos princípios constitucionais exclusivos do mencionado procedimento, através das normas constitucionais o legislador tenta garantir que o procedimento do Júri possa ocorrer de forma lídima, assegurando que tal instituto possa exercer sua jurisdição de forma plena e imparcial.
O Júri e seus princípios são cláusulas pétreas pois estão elencados no rol de direitos e garantias fundamentais, não podendo sofrer alterações tendentes a abolir ou suprimir sua eficácia. Conforme aponta Mendes (2012, p.190):
No tocante aos direitos e garantias individuais, mudanças que minimizem a sua proteção, ainda que topicamente, não são admissíveis. Não poderia o constituinte derivado, por exemplo, contra garantia expressa no rol das liberdades públicas, permitir que, para determinada conduta (e. g., assédio sexual), fosse possível retroagir a norma incriminante.
Esses direitos e garantias individuais protegidos são os enumerados no art. 5º da Constituição e em outros dispositivos da Carta.
O Júri no direito brasileiro tornou-se uma garantia indispensável ao cidadão por ocasião da Constituição de 1891, por influência do disposto na Constituição americana (NUCCI, 2014, p.39).
Ao longo da história da instituição do Júri vários princípios foram modificados e alguns até suprimidos pelas reformas constitucionais, e hoje, com um Código de Processo Penal de 1941, resistem inúmeros resquícios de tais reformas, havendo uma inversão da lógica jurídica, fazendo com que a aplicação das normas infraconstitucionais sobreponha os princípios gerais de direito. Ao que assevera Nucci (2014, p.24):
Salientamos, desde logo, a sua relevância jurídica, pois um ordenamento coerente parte dos princípios constitucionais para interpretar e aplicar as normas infraconstitucionais – e não o oposto. Infelizmente, no Brasil, tem sido hábito de operadores do Direito dar aplicabilidade quase absoluta ao disposto no Código de Processo Penal (e leis especiais correlatas), desprezando-se o disposto na Constituição Federal. Age-se como se a lei ordinária fosse mais importante do que a norma constitucional. E, pior, do que o princípio constitucional.
É preciso ocorrer uma autêntica mudança de mentalidade, adaptando-se o texto da lei ordinária ao que consta da Constituição Federal. Somente assim estaremos no caminho em busca do Estado Democrático de Direito, algo que, longe de ser utópico, depende do esforço de todos os operadores do Direito.
É clara a sobreposição das normas ordinárias, e cada vez mais pode ser visto que, em que pese grande parte da doutrina velar pela constitucionalização dos procedimentos processuais, é o inverso que tem ocorrido no ordenamento jurídico brasileiro.
{C}3.1.1 Plenitude de defesa
A ampla defesa e o contraditório são princípios que militam em favor de todos os acusados em processos administrativos e judiciais, ambos institutos estão assegurados no artigo 5º, inciso LV do Constituição Federal de 1988, assevera o inciso LV “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, como princípios elementares do processo penal tais institutos devem ser observados em todo e qualquer procedimento penal, sendo mitigado apenas o contraditório durante a investigação inquisitorial (inquérito), pois tal procedimento constitui fase pré-processual, precedendo, portanto, de contraditório.
Entende-se como contraditório a possibilidade do acusado participar do processo defendendo-se de todos os atos da acusação, na mesma intensidade e extensão (Pacceli, 2014, p.43-44). Tal instituto decorre da dialética do procedimento penal, onde ambas as partes tentam formar o convencimento do juiz, tendo, é claro, interesses diversos e conflitantes.
Ampla defesa, por outro lado é um instituto mais complexo, pois possui caráter fundamental para a validade do processo, tanto que na falta de advogado o acusado tem direito a um defensor público, sendo que a falta deste acarretará na nulidade do processo. Outro caráter importante da ampla defesa é a possibilidade de nulidade por falta de defesa técnica (a ideia de técnica, nesse caso, remonta a qualidade), podendo-se considerar indefeso mesmo o réu com patrono constituído nos autos. Desse modo a ampla defesa é assegurada juntamente com todos os meios e recursos decorrentes dela. A doutrina de Greco Filho discorre sobre tal assunto (2012, p.35):
[...] o inciso LV assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (art. 133); e e) poder recorrer da decisão desfavorável.
É certo que a ampla defesa é garantia para todos os litigantes em processo judicial e administrativo, porém no Júri o princípio regente é a plenitude de defesa, modalidade bem mais complexa do que a ampla defesa.
Para a doutrina moderna (TOURINHO FILHO, 2012, p.152, NUCCI, 2014, p.24, MENDES, 2012, p.678) a plenitude de defesa é um princípio mais complexo e mais abrangente do que a ampla defesa, pois, poderia muito bem o legislador omitir tal instituto, visando tão somente que se reproduzisse aos acusados no procedimento do júri a ampla defesa, porém ao garantir aos acusados a plenitude de defesa, o legislador ampliou os direitos dos acusados de crimes dolosos contra à vida, justamente por se tratar de uma situação grave que causa imenso temor no seio social à que pertence o acusado.
Justamente a diferenciação de vocábulos utilizados pelo legislador permite inferir do texto constitucional a diferença entre ampla defesa e plenitude de defesa, nesse sentido aponta Nucci (2014, p.25):
Amplo é algo vasto, largo, copioso, enquanto pleno equivale a completo, perfeito, absoluto. Somente por esse lado já se pode visualizar a intencional diferenciação dos termos. E, ainda que não tenha sido proposital, ao menos foi providencial.
O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus do Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos.
É certa a diferença entre os institutos hora estudados, porém, como tal diferenciação pode interferir no processo?
Em dois momentos fica clara a plenitude de defesa, primeiramente com relação ao interrogatório do réu no plenário do Júri. Nesse momento, se o réu apresentar tese de defesa que não seja utilizada pela defesa, deve o juiz presidente adicioná-la aos quesitos, dessa forma o réu no procedimento do Júri exerce a autodefesa (PACELLI, 2014, p. 47).
Outro claro exemplo da plenitude de defesa diz respeito ao réu indefeso. No procedimento comum pode o juiz, ao verificar que a defesa apresenta teses incompatíveis com as provas colhidas nos autos, não utilizar-se dos argumentos defensivos e absolver o acusado por outros fundamentos, não sendo necessário considerar o réu indefeso e nomear lhe outro advogado, porém no plenário do Júri, caso ocorra tal situação, o jurado, juiz leigo, não tem o conhecimento jurídico necessário para sanar uma defesa deficiente, dessa forma, caso venha a defesa a argumentar infundadamente, de forma de diferente das provas colhidas nos autos, deve o juiz presidente julgar o réu indefeso e dissolver o conselho de sentença, para que não se deixe prejudicar o réu (NUCCI, 2014, p.25 e 26).
É necessário ressaltar que a plenitude de defesa é indispensável ao modelo atual de julgamento no Júri, tendo em vista a forma com que os jurados tomam suas decisões, pela íntima convicção (FERREIRA JUNIOR, 2014, p.187), tema que será abordado junto ao sigilo das votações.
Ainda acerca da plenitude defesa é necessário ressaltar a possibilidade da defesa se valer de argumentos extrajurídicos. Tal possibilidade surge de dois fatores, a própria plenitude de defesa e a forma de julgamento utilizada pelos jurados (BANDEIRA, 2007, p. 474).
Uma vez que os jurados decidem de acordo com sua íntima convicção, podendo decidir por fatores completamente exógenos ao processo, é necessário que a defesa possa utilizar todos os meios possíveis para sustentar sua tese, não encontrando sua fundamentação atrelada aos argumentos jurídicos, como no caso do procedimento comum (BANDEIRA, 2007, p. 475).
A plenitude de defesa é um princípio de suma importância para o procedimento do júri, sua extensão deve ser plena, abarcando todos os atos e todos os momentos processuais, em suma, a busca da defesa perfeita é o real significado da plenitude de defesa.
{C}3.1.2 Soberania dos vereditos
O princípio da soberania dos vereditos é um dos mais antigos princípios regentes do júri, ele é, em suma, parte da essência do Tribunal do Júri, pois de nada valeria o julgamento popular sem a garantia da força de suas decisões.
Em que pese a primeira vista ser a soberania dos veredictos uma questão simples, afinal o próprio vernáculo “soberano” diz muito a respeito desse princípio, a aplicabilidade da soberania dos veredictos é uma questão extremamente complicada, pois é sabido que ela pode muito bem ser relativizada, sobre isso aponta Pacceli (2014, p.718):
No que se refere as demais características do Tribunal do Júri, veremos que apontada garantia da soberania dos veredictos deve ser entendida em termos, tendo em vista ser possível a revisão de suas conclusões por outro órgão jurisdicional (os tribunais de segunda instância e os tribunais superiores), sobretudo por meio da denominada ação de revisão criminal.
A relativização neste momento estudada decorre principalmente de dois motivos, o direito ao duplo grau jurisdição, e a excepcionalidade da revisão criminal, ação que somente pode ser manejada quando dentro de umas das hipóteses do artigo 621 do Código de Processo Penal (PACELLI, 2014, p.718).
Tribunais togados tendem a invadir o mérito das decisões dos jurados, afirmando desconhecerem os jurados as posições jurisprudenciais e os dispositivos legais pertinentes para o julgamento da causa, tal forma de adentrar o mérito não pode existir em nosso sistema processual (NUCCI, 2014, p.31), ao menos não enquanto a íntima convicção for a forma de valoração das provas no Tribunal do Júri.
Dito isso é necessário distinguir quando pode ser relativizada a decisão do conselho de sentença, e como deve ser feita tal relativização, afinal pode o Tribunal revisor em uma revisão criminal absolver o réu de plano? Ou então pode o Tribunal de apelação alterar a sentença dos jurados? A resposta pode ser encontrada por toda doutrina, e soa quase uníssona, a exemplo disso assevera Nucci (2014, p.31):
E se o Júri Errou? Vamos a algumas hipóteses: a) ‘errou’ ao avaliar, à sua maneira, as provas exibidas em plenário pelas partes? No máximo, valendo-se do duplo grau de jurisdição, ocorrerá apelação e, provida esta, outro Conselho de Sentença promoverá a devida revisão do julgado anterior; b) ‘errou’ porque não lhe foram oferecidas todas as provas, logo, existe prova inédita, o que tornaria indispensável outro julgamento? Basta que o Tribunal, em apelação ou revisão criminal, remeta o caso a novo júri.
Tais hipóteses de revisão das decisões do Conselho de Sentença, como bem demonstrado por Nucci (2014, p.31), não podem os Magistrados togados, de forma alguma, tomar uma decisão terminativa, devendo, sempre que verificar alguma incongruência que poderia levar a um resultado diverso daquele obtido no Júri, remeter a questão a um novo julgamento, respeitando-se, assim, a soberania dos veredictos. Com relação a revisão da sentença pelo tribunal de apelação, Greco Filho (2012, p. 197) discorre no seguinte sentido:
[...]se a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos. Esta hipótese é denominada apelação pelo mérito e, em virtude da preservação da soberania dos vereditos, somente pode ser, por esse motivo, utilizada uma vez. Qualquer que seja a parte que interpôs a apelação pelo mérito, se conhecida e provida, esgota-se a via recursal e não pode ser interposta, pelo mesmo motivo, posteriormente, por qualquer das partes, quer o segundo julgamento tenha repetido o primeiro, quer tenha sido diferente, e ainda que a apelação anterior tenha sido de apenas parte da decisão. Interposta a apelação porque a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, se tiver razão o apelante, o tribunal anula o julgamento e remete o réu a novo júri. Tendo em vista a indivisibilidade da sessão de julgamento, ainda que a apelação tenha sido parcial, o novo julgamento será integral, não se podendo apelar pelo mérito da segunda decisão provocada por apelação anterior pelo mérito. Isto significa, também, que o segundo julgamento poderá ser atacado nas outras alíneas do inciso III do art. 593, mas não mais pela alínea d. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos é a que afronta a corrente probatória dominante e inequívoca dos autos, no sentido da condenação ou da absolvição. Se os autos contêm duas correntes ou versões probatórias, a decisão não será manifestamente contrária à prova dos autos e não será anulada.
Desse modo é clara que a hipótese de apelação criminal somente pode ensejar um novo júri, não podendo o Tribunal rever no mérito a decisão tomada no conselho de sentença, pois tal conduta configuraria uma invasão de competências, além de uma afronta direta a soberania das decisões do Conselho de Sentença.
Do mesmo modo ocorre com a revisão criminal, que ao contrário dos processos comuns, onde a revisão criminal pode ensejar uma absolvição pelo próprio órgão revisor, a revisão criminal dos processos julgados pelo tribunal do júri pode, no máximo, possuir a mesma extensão da apelação, nesse caso, se o tribunal verificar que o surgimento de novas provas pode ensejar a absolvição do réu, deve ele remeter a processo para um novo julgamento pelo Tribunal do Júri, garantindo-se, assim, a soberania dos vereditos (NUCCI, 2014, p.32).
Destarte a posição acima descrita, os Tribunais Superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, demonstraram, ao longo de sua história, possuírem entendimento divergente da doutrina adotada no presente trabalho. O STF por meio do recurso extraordinário com agravo nº 674151/MT, manifestou-se no sentido da possibilidade da absolvição do condenado no Tribunal do Júri pelo tribunal revisor, afirmando ser a soberania dos vereditos um princípio relativo, que, em detrimento da ampla defesa e do juízo rescisório do tribunal revisor pode ser sobrepujado por uma absolvição proferida por juízes togados.
Analisando a situação exposta ao longo dessa seção infere-se que, ainda que a soberania dos vereditos seja um princípio de extrema importância, sua relativização pode ocorrer, desde que, em recurso de apelação, quando deverá o tribunal, verificando ser a sentença manifestamente contrária as provas dos autos, remeter o processo a novo julgamento pelo júri, ou então em revisão criminal, hipótese em que há duas correntes, uma afirmando que o máximo que tribunal poderia fazer é remeter os autos a novo julgamento, e a outra afirmando que pode sim o tribunal revisor absolver o réu, não sendo necessário a realização de um novo júri.
{C}3.1.3 Sigilo das votações
Dentre os princípios regentes do Tribunal do Júri o sigilo das votações é um dos mais complexos, pois, é em razão do sigilo que o atual sistema procedimental do Júri adota como forma de convencimento a íntima convicção, sendo que o jurado tem sua participação no processo limitada a duas falas, “sim” e “não” (PACELLI, 2014, p. 718).
Aponta a doutrina (GRECO FILHO, 2012, p. 197, FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, 2010, p. 68) que o sigilo das votações tem por objetivo livrar o jurado de qualquer manifestação que possa macular seu livre convencimento, sendo que para isso o sigilo das votações da origem a um princípio infraconstitucional, o da incomunicabilidade dos jurados, nesse diapasão é necessário que toda a manifestação por parte dos jurados seja controlada pelo juiz presidente, e que durante a sessão plenária os jurados não demonstrem, de forma alguma, a sua intenção de voto, não podendo se comunicar com os outros jurados acerca da suas conclusões sobre o caso. Corroborando com esse entendimento, aponta Pacelli (2014, p.718):
O sigilo das votações impõe o dever de silêncio (a regra da incomunicabilidade) entre os jurados, de modo a impedir que qualquer um deles possa influir no ânimo e no espírito dos demais, para fins da formação do convencimento acerca das questões de fato e de direito em julgamento. Dessa maneira, aos olhos da lei, estaria melhor preservada a pluralidade da decisão.
Para Rangel (2012, p. 81) existe uma patente diferença entre o sigilo das votações e a incomunicabilidade dos jurados, segundo ele o sigilo visa evitar que o jurado sofra influência sobre seu voto, sendo assim externo, para o público e as partes, não influindo, necessariamente, na comunicação entre os jurados. Por outro lado a incomunicabilidade visa tão somente garantir que o jurado decida por si, sem haver influência de estranhos.
Ainda sobre o sigilo das votações existe uma discussão, hoje superada por maioria da doutrina, acerca da sala secreta.
A sala secreta é o local onde os jurados se reúnem para a votação, dessa forma o julgamento ocorre longe das vistas do público em geral, participando deste momento apenas os jurados, o juiz presidente, o membro do Ministério Público, o advogado do réu e os serventuários da justiça.
Para aqueles contrários a sala secreta (BANDEIRA, 2007, p.467), a existência de tal sala feriria a publicidade dos atos do Poder Judiciário, princípio disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, sendo portanto inconstitucional, porém, do mesmo modo que a Constituição de 1988 vela pela publicidade dos atos jurisdicionais, existe dispositivo acerca do sigilo das votações no Tribunal do Júri, sendo, portanto, a Sala Secreta uma exceção ao princípio da publicidade (NUCCI, 2014, p.30).
A votação na sala secreta visa assegurar aos jurados a livre manifestação de vontade, coibindo interferências externas que poderiam viciar a vontade dos jurados, e até mesmo acarretar na nulidade do processo ou dissolução do conselho de sentença.
Outro ponto interessante a destacar sobre o sigilo das votações é explicitado por Nucci (2014, p.30), segundo seus apontamentos o julgamento não é secreto, pois é acompanhado pelo Ministério Público, pelo assistente de acusação, pela defesa e pelos funcionários do judiciário, além de ser conduzido pelo juiz presidente da sessão, sendo que tal prerrogativa visa justamente evitar que haja alguma mácula na imparcialidade e no julgamento feito pelos jurados.
No âmbito da legislação processual existem inúmeras cautelas, todas tomadas com intuito de salvaguardar o voto secreto, a exemplo disso temos os parágrafos 1º e 2º do artigo 483 do Código de Processo Penal, seguindo sua instrução quando a votação atingir a maioria dos votos em um sentido (sim ou não) nos quesitos referentes a materialidade e autoria o juiz presidente passará para próximo quesito, se for o caso, ou encerrará a instrução, absolvendo desde logo o réu, deixando de colher os demais votos, e, dessa forma, mantendo o sigilo dos votos.
Outra medida tomada para que seja mantido o sigilo é a disposta no artigo 487 do Código de Processo Penal, segundo a redação do referido artigo, no momento das votações o oficial de justiça recolherá em duas urnas as cédulas dos jurados, sendo uma urna destinada aos votos e a outra urna destinada a cédulas não utilizadas (Eugênio Pacelli e Douglas Fischer, 2014, p.975).
Como visto ao longo do texto o sigilo das votações e a incomunicabilidade são institutos que visam protege a livre manifestação de vontade dos jurados, devendo ser observados em qualquer julgamento no Tribunal do Júri. O sigilo das votações é uma garantia constitucional, já a incomunicabilidade decorre da legislação infraconstitucional, não podendo haver confusão entre ambos institutos, que atuam de forma diferente no procedimento do Tribunal do Júri.
{C}3.2 Procedimento do tribunal do júri
A análise feita ao longo desta seção será extremamente sucinta, pois o estudo acerca do procedimento do Júri não é objetivo principal desta pesquisa, dessa forma apenas serão pontuadas algumas questões procedimentais de forma sintetizada e objetiva, para que se compreenda o funcionamento do rito escalonado do Júri.
O Tribunal do Júri é um procedimento especial, compreendendo-se entre os artigos 406 e 497 do Código de Processo Penal. O procedimento do júri é escalonado, e para a grande maioria da doutrina o Júri é um procedimento bifásico, sendo que instrução divide-se em duas fases. A primeira fase conhecida como judicium accusationis ou sumário de culpa, pode ser considerada como um juízo de admissibilidade, pois ao final da instrução o juiz singular irá decidir se o processo deve ou não ser submetido ao julgamento do plenário do júri (MENDES, 2012, p.682).
Nucci, por sua vez, afirma que o rito do Júri é trifásico, afirmando ser a fase de preparação para o julgamento uma fase procedimental autônoma, não podendo ser vinculada a fase do judicium causae, porém tal entendimento é minoritário.
A segunda fase, nomeada de judicium causae, ou fase de julgamento, é o momento do julgamento propriamente dito, é na segunda fase onde os jurados se reunirão e se manifestarão pela condenação ou absolvição do acusado, a segunda fase desenvolve-se em sua essência no plenário do júri, onde ocorrerá a nova colheita de provas (provas testemunhais) e os debates, sendo decidido o mérito do caso após os debates (GRECO FILHO, 2012, p.218).
{C}3.2.1 Sumário de culpa ou judicium accusationis
A ação penal do Tribunal do Júri inicia-se, na grande maioria dos casos, pela denúncia, sendo que é possível que ação se dê por queixa, porém, somente no caso de ação penal privada subsidiária da pública (TOURINHO FILHO, 2012, p.155).
A denúncia no caso do procedimento do júri em pouco difere da denúncia de outras ações penais, sendo que a principal diferença está no direcionamento da denúncia, uma vez que, mesmo que seja endereçada ao juiz presidente do Tribunal do Júri, a denúncia deve, além de inaugurar a fase do judicium accusationis, ter em vista a possibilidade da pronúncia do réu e a instrução em plenário, desta forma a denúncia é direcionada tanto para o magistrado responsável pelo sumário de culpa quanto para os jurados, juízes naturais para o julgamento do mérito da causa (FISCHER, PACCELI, 2014, p.879-880).
Oferecida a denúncia esta passará por um juízo de admissibilidade, podendo o juiz rejeitá-la, quando verificar não estarem presentes os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, ressalte-se que os requisitos de admissibilidade são os mesmos independente do procedimento criminal. Recebida a denúncia será determinada a citação do acusado para que responda a acusação, por escrito, no prazo de dez dias (RANGEL, 2012, p.98).
Na resposta a acusação o réu poderá apresentar tudo que interesse sua defesa, porém, diferentemente do procedimento comum, não cabe no procedimento do júri a absolvição sumária do artigo 397 do Código de Processo, sendo avaliada as questões suscitadas pela defesa somente por ocasião do julgamento da primeira fase do processo (RANGEL, 2012, p. 99).
Oferecida a resposta a acusação, e ouvido o Ministério Público, se for o caso, o juiz determinará as diligências necessárias e designará a audiência de instrução, nos termos do Código de Processo Penal:
Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.
§1o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz.
§2o As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
§3o Encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código.
§4o As alegações serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez).
§5o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação e a defesa de cada um deles será individual.
§6o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.
§ 7o Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.
§8o A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo.
§ 9o Encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.
Conforme demonstrado a audiência segue uma lógica, devendo-se primeiro ouvir os esclarecimentos dos peritos, após passasse a inquirição das testemunhas, seguindo a mesma ordem lógica do artigo 400 do Código de Processo Penal, sendo ouvidas primeiro as testemunhas da acusação e após as da defesa, após isso será realizado o interrogatório do acusado, findo o qual passará a instrução a fase dos debates (PACELLI, 2014, p. 720).
Nos debates realizar-se-á o oferecimento de alegações finais orais, tendo cada parte vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, para fazer suas considerações, ao assistente de acusação será deferido o tempo de dez minutos para falar, sendo que sua vez será após a fala do Ministério Público e havendo assistente de acusação o tempo de fala da defesa será acrescido de mais dez minutos (MOUGENOT, 2012. P.110).
Ao contrário do rito comum, o rito do júri não traz norma específica acerca da realização das alegações finais por memoriais, porém a jurisprudência vem aceitando tal hipótese, tornando-se essa a praxe em muitos tribunais.
Findo os debates passará o juiz a decisão, que podem ser de quatro tipos diferentes. Nesse momento processual o juiz poderá pronunciar o réu, impronuncia-lo, desclassificar o delito, ou absolver o réu sumariamente.
A decisão de pronúncia é mais comum e para que ela ocorra é necessário somente que haja indícios de autoria e provas da materialidade do fato. Nesse momento processual vigora uma máxima, o in dubio pro societate, segundo tal princípio estando o juiz em dúvida acerca do caso deve ele remeter o caso ao julgamento pelo plenário do júri, pronunciando o réu. Tal decisão deve analisar de forma pouco aprofundada os fatos expostos no processo, pois, caso contrário, pode o juiz influir no julgamento da lide pelos jurados (TOURINHO FILHO, 2012, p.163 e 164).
A decisão de impronúncia, por outro lado, é prolatada pelo juiz quando ele verificar inexistirem provas mínimas acerca da materialidade e/ou autoria do fato, nesse caso o juiz deverá impronunciar o acusado, sendo que, até a prescrição do delito pode o Ministério Público formular outra denúncia, desde que fundada em novas provas, e reiniciar a persecução penal contra o acusado (RANGEL, 2012, p. 162).
A desclassificação é a decisão dada pelo juiz quando ele verificar que o crime perpetrado pelo réu foi diverso dos crimes dolosos contra a vida (artigos 121 à 128 do Código Penal), nesse caso deve o juiz desclassificar o delito e remeter os autos ao juízo competente para o julgamento do delito (GRECO FILHO, 2012, p.220).
A última modalidade de decisão a ser tomada pelo juiz é a absolvição sumária do réu, tal decisão denota um juízo de certeza, sobre tal decisão apontam Fischer e Pacelli (2014, p.898):
Como regra, insiste-se, os delitos dolosos contra a vida deveriam ser examinados apenas pelo Tribunal do Júri. Contudo, as peculiaridades do procedimento e da jurisdição do Júri popular, integrado por leigos, recomendam a adoção de algumas cautelas, reservando-se ao Poder Judiciário a apreciação de algumas questões ligadas à real existência de crime doloso contra a vida.
Assim deverá o magistrado, ao analisar os processos, verificar se existe a possibilidade de absolvição sumária, que se dará quando patente uma das seguintes hipóteses: (a) provada a inexistência do fato; (b) provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (c) o fato não constituir infração penal; (d) demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Dessa forma cria-se um filtro, para que um réu claramente inocente não seja remetido ao crivo de um tribunal leigo.
Da decisão de pronúncia caberá Recurso em Sentido Estrito (artigo 581, inciso IV do CPP), já das decisões de impronúncia e de absolvição caberá apelação (artigo 593, incisos I e II do CPP).
Após todo esse andamento, certificada a preclusão da denúncia, inicia-se uma nova fase processual, a fase de julgamento ou judicium causae.
{C}3.2.2 Fase de Julgamento: judicium causae
Após o deslinde da primeira fase do procedimento do júri e havendo a pronúncia do réu, inicia-se a fase de julgamento, que, em razão do pouco espaço disponível, será dividido em três partes distintas, a fase de preparação de julgamento, o alistamento e convocação dos jurados, e a instrução em plenário ou a sessão plenária do Tribunal do Júri.
Após a alteração feita pela Lei 11.689/08 o procedimento do júri foi simplificado, excluindo institutos como o libelo acusatório e a contrariedade ao libelo (PACELLI, 2014, p.735). O procedimento hodierno de preparação para o julgamento é extremamente célere, sendo composto por poucos atos.
Primeiramente é feita a intimação descrita no artigo 422 do Código de Processo Penal, nesse momento as partes têm a oportunidade de indicar as provas que pretendem produzir, apresentando o rol de testemunhas que serão ouvidas em plenário, até um máximo de cinco testemunhas, além disso podem as partes juntar documentos e requerer novas diligências (MOUGENOT, 2012, p.138).
Após a fase do 422 do CPP os autos irão conclusos ao juiz, que verificará se existe a necessidade de realização de novas diligências. Existindo novas diligências o juiz ordenará que sejam realizadas, após, ou quando não houverem diligências, o juiz emitirá um relatório do processo, determinando após isso sua inclusão em pauta para o julgamento (FISCHER, PACELLI, 2014, p.910).
O alistamento dos jurados está descrito nos artigos 425 e 426 do Código de Processo Penal, como os artigos são auto explicativos não será necessário um aprofundamento com relação ao procedimento em si, conforme descrito do Código de Processo Penal:
Art. 425. Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 1º Nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial, com as cautelas mencionadas na parte final do § 3o do art. 426 deste Código.
§ 2º O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado.
Art. 426. A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri.
§ 1º A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva.
§ 2º Juntamente com a lista, serão transcritos os arts. 436 a 446 deste Código.
§ 3º Os nomes e endereços dos alistados, em cartões iguais, após serem verificados na presença do Ministério Público, de advogado indicado pela Seção local da Ordem dos Advogados do Brasil e de defensor indicado pelas Defensorias Públicas competentes, permanecerão guardados em urna fechada a chave, sob a responsabilidade do juiz presidente.
§ 4 º O jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído.
§ 5º Anualmente, a lista geral de jurados será, obrigatoriamente, completada.
Como visto, o processo de alistamento de jurados é algo simples, sendo que hoje, grande parte das varas do tribunal do júri utilizam uma lista de eleitores emitida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de sua região para fazer o alistamento de jurados, tal método é o mais apropriado, pois, dessa forma, a lista formulada conterá pessoas de diversos setores da comarca, não preterindo, nem preferindo, nenhuma classe social, ou grupo individual de pessoas (Rangel, 2012, p. 187).
No momento da organização da pauta de julgamento o Código de Processo Penal traz uma ordem a ser seguida pelo juiz, devendo o juiz dar preferência, primeiramente aos réus presos, dentre os presos terá preferência àquele preso a mais tempo, e aos outros, em pé de igualdade, serão julgados primeiro, àqueles a mais tempo pronunciados.
Após designadas as sessões de julgamento, será feito o sorteio dos jurados, sendo que o sorteio deverá ocorrer entre o décimo quinto e o décimo dia útil antes da instalação da sessão, o sorteio será presidido pelo juiz e acompanhado por um membro do Ministério Público, um membro da Defensoria Pública e um membro da OAB. Serão sorteados vinte e cinco jurados para a sessão e estes serão intimados por qualquer meio hábil. Realizadas todas as fases anteriormente descritas inicia-se a fase julgamento, ou o Plenário do Júri (TOURINHO FILHO, 2012, p.203).
Iniciada a sessão plenária o juiz certificará estar presente o número mínimo de jurados para o início da sessão e passará ao sorteio. Durante a formação do conselho de sentença será observado o disposto nos artigos 448 e 449 do Código de Processo Penal, sendo descartados assim os jurados impedidos e os suspeitos.
No sorteio dos jurados, cada parte poderá recusar imotivadamente três juradas, sendo essas as chamadas recusas peremptórias (TOURINHO FILHO, 2012, p.203 e 204).
Após o sorteio e formado o conselho dos jurados o juiz colherá o compromisso dos jurados e dará início ao julgamento.
Iniciado o julgamento é feita a inquirição das testemunhas, ressalte-se que o procedimento do Tribunal do Júri segue uma ordem diferente dos demais procedimentos penais, pois as perguntas serão formuladas primeiramente pelo Juiz-Presidente, sendo que depois dele é que será dada palavra a acusação e a defesa, nessa ordem. O mesmo ocorre com o interrogatório do réu, ele será feito primeiramente pela acusação, depois, pela defesa, não havendo a hipótese do interrogatório presidido pelo juiz (LOPES JUNIOR, 2014, p.753).
Após as inquirições e interrogatórios serão iniciados os debates, sendo que, primeiramente será dada palavra ao Ministério Público por uma hora e meia, seguido pelo assistente de acusação, quando houver, após será dada palavra a defesa que falará por mais uma hora e meia, há hipóteses de dilatação desse tempo (art. 447, § 2º, do CPP), porém não será aprofundado tal assunto em razão da natureza deste trabalho.
Após a fala da defesa será dada palavra ao Ministério Público, para que esse informe se deseja ir a réplica, caso em que será concedida mais uma hora para a réplica, indo o Promotor a réplica a defesa deverá ir a tréplica, podendo falar por mais uma hora. Caso haja concurso de agentes será o tempo da defesa e da acusação acrescido de uma hora, e dobrado o tempo da réplica e tréplica.
Findo os debates o juiz verificará se os jurados estão prontos para julgar, em caso positivo serão recolhidos a sala secreta onde se iniciará a votação. Durante a votação estarão presentes os serventuários da justiça, o Juiz-presidente, a acusação e a defesa.
As votações serão feitas por meios de quesitos, que serão respondidos pelos jurados com um “sim” ou um “não”, os quesitos primeiramente deverão preencher os chamados requisitos legais, são eles:
I – a materialidade do fato;
II – a autoria ou participação;
III – se o acusado deve ser absolvido;
IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
Além desses quesitos serão ainda formulados, quando necessário, quesitos sobre a tentativa, a desclassificação, e demais requisitos requeridos pelas partes e deferidos pelo Juiz-Presidente. Durante a votação, serão tomadas cautelas para que seja mantido o sigilo dos votos dos jurados (subseção 2.1.3), após votação o juiz presidente proferirá a sentença, nos moldes dos artigos 492 e 493 do Código de Processo Penal. Lida a sentença em plenário encerra-se o julgamento pelo Tribunal do Júri, sendo cabível apelação da sentença do Tribunal do Júri.
Em suma, tais aspectos demonstram a complexidade do rito do Júri e a necessidade de um estudo elaborado sobre algumas questões, o que será feito a seguir.
3 A NECESSIDADE DE UMA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA PARA FINS DE CONSTITUCIONALIDADE VERTICAL DO TRIBUNAL DO JÚRI
O estudo da instituição do Tribunal do Júri é extremamente complexo, principalmente quando estudadas as questões acerca da incomunicabilidade dos jurados e a motivação de suas decisões.
Sabe-se que tais questões dividem a doutrina, sendo parte da doutrina amplamente favorável a manutenção do instituto do Tribunal do Júri nos moldes em que se encontra hoje, e outra parte favorável a necessidade da reforma do referido instituto, visando a sua constitucionalidade com a Carta Política de 1988.
Ao longo deste capítulo serão abordados posicionamentos favoráveis e contrários acerca de questões complexas que envolve a (in) constitucionalidade do Júri.
Serão abordados os temas: da possibilidade de normas constitucionais serem inconstitucionais, a valoração das provas pelos jurados, a incomunicabilidade dos membros do conselho de sentença, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais e a possibilidade de reforma do instituto do Tribunal do Júri.
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{C}6.1 Da possibilidade de normas constitucionais serem inconstitucionais
O Tribunal do Júri é tido como a mais democrática das instituições judiciárias, é perante o plenário do Júri que serão decididos os processos penais relativos aos crimes dolosos contra à vida, e é justamente por sua seriedade e seu poder discricionário de decisão que tal instituto deve ser revisado.
Antes de necessariamente adentrar o tema proposto no presente trabalho é necessário ressaltar que o Tribunal do Júri e seus princípios estão dispostos na Constituição Federal de 1988, constituindo o rol dos direitos e garantias fundamentais, logo, não seriam passíveis de modificações que venham a mitigar o referido instituto.
Dessa forma é necessário estabelecer um parâmetro à mutabilidade das normas constitucionais, principalmente as cláusulas pétreas, e é tal questão que passa agora a ser estudada, sob o enfoque da possibilidade das normas constitucionais serem inconstitucionais.
A teoria das normas constitucionais inconstitucionais foi formulada pelo jurista alemão Otto Bachof. Afirma o jurista existir, antes da constituição, o direito supralegal, que seriam uma gama de princípios norteadores do próprio texto constitucional.
Afirma André Luiz Carvalho Estrella (2004, p.50) que a partir do momento em que os princípios norteadores passam a compor o cerne da norma ou princípio constitucional essas tornam-se legitimas, buscando assim a efetivação do direito supralegal.
Sobre tal assunto discorre Daniza Maria Haye Biazevic (2009, p.159):
[...]Há Princípios constitucionais tão elementares, sendo expressão tão evidente de um direito anterior mesmo à Constituição que tais situações limitam o legislador constitucional. Assim, seria possível admitir que o próprio poder constituinte originário também é em um determinado ponto falho, criando contradições ou antagonismos que apenas posteriormente serão identificados.
Verificando-se a presença de tais princípios supralegais, resta ainda a questão: quando a norma constitucional pode ser considerada inconstitucional? Para Bachof (2009, p. 38-40) existem várias hipóteses de inconstitucionalidade da norma, sendo que para o presente estudo somente será aprofundada a inconstitucionalidade da norma em virtude de conflito com norma constitucional de grau superior.
Dessa forma, existindo conflito entre normas constitucionais, resta ao aplicador do direito verificar qual é a classificação da norma, e se estas se encontrão em patamares diferentes, caso em que deverá a norma hierarquicamente inferior ser preterida em face da norma superior (BIAZEVIC, 2009, p.159).
No presente estudo é possível vislumbrar um conflito aparente de normas constitucionais, em especial, entre a alínea b do inciso XXXVIII do artigo 5º e inciso IX do artigo 93, ambos da Constituição Federal de 1988.
Ao longo da pesquisa pretende-se mostrar as posições acerca dos referidos institutos legais, discutindo, primeiramente, sobre o possível conflito e sua pretensa solução.
No direito brasileiro não é admitida a tese de Bachof, tanto que, quando instado, o Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de inconstitucionalidade de nº 815-3, proposta pelo Estado de Rio Grande do Sul, declarou-se incompetente para analisar a constitucionalidade de dispositivo constitucional original, revelando, dessa forma, que no Brasil a análise da constitucionalidade de dispositivo constitucional originário é algo incabível, posição que não deve prevalecer.
Para Mendes (2012, p.1436) não é possível omitir a questão da possibilidade de inconstitucionalização da norma constitucional, pois existe uma forte corrente que admite a possibilidade de inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias.
Afirma Mendes (2012, p.1440) que a Suprema Corte Alemã já admite que certos princípios possuem status de norma constitucional não escrita, assim a ofensa a estes princípios gera a inconstitucionalidade da norma.
O constituinte de 1988 optou pelo Estado Democrático de Direito, dessa definição de estado surgem inúmeros desdobramentos, sendo que para o presente trabalho o que interessa é a natureza do processo judicial. Sobre isso aponta Machado (2011, p.33):
Consoante já visto alhures, a Constituição da República de 1988 optou por consagrar, em seu art. 1º, o Estado Democrático de Direito que tem, como um de seus desdobramentos, o processo como instituição constitucionalizada, definindo-se pela conjunção dos princípios do contraditório, isonomia e ampla defesa. O processo rege e é pressuposto de legitimidade de toda criação, transformação, postulação e reconhecimento de direitos pelos provimentos legiferantes, judiciais e administrativos.
Assim, é inadmissível em um Estado Democrático de Direito que uma decisão judicial possa ser despida de fundamentação, tal questão é afronta ao contraditório, pois é praticamente impossível atacar uma decisão tomada sob julgo da íntima convicção, a fundamentação das decisões é uma garantia do jurisdicionado, e assim como aponta Ocar Valente Cardoso (2012, p.102) a motivação é um princípio, dever, direito e garantia, devendo ser respeitada em todas esferas, sejam judiciais ou administrativas.
{C}6.2 Da (in) constitucionalidade do tribunal do Júri
A inconstitucionalidade do Tribunal do Júri é um assunto extremamente delicado, sendo que aqueles que a defendem muitas vezes carecem de argumentos sólidos para tal entendimento.
Conforme o entendimento de Nucci (2014, p.944) o Júri é uma garantia individual, intimamente ligada ao devido processo legal. Para o doutrinador a instituição do Júri é a única legitimada a cercear a liberdade daqueles que cometem crimes contra à vida, sendo, porém, uma garantia formal, não compondo o rol dos direitos supraestatais.
Aponta Tourinho Filho (2012, p.137) que a importância do Júri vem sendo diminuída em todo mundo, não sendo mais uma instituição tão difundida no mundo, sendo que na América do Sul somente o Brasil admite o Júri.
O Júri é para alguns a mais democrática das instituições do poder judiciário, possuindo extrema importância.
Ainda que a falibilidade dos jurados possam comprometer o julgamento tal aspecto não difere tanto do julgamento pelo juiz togado.
A manutenção do Júri é algo defendido por vários juristas, nesse sentido afirma Ferreira Junior (2014, p.190):
Ademais, não concordamos com o posicionamento (minoritário) de que o Júri apresenta uma afronta a Constituição, ao princípio da publicidade e da motivação das decisões judiciais, pelo contrário, o Júri é uma instituição fruto do amadurecimento da própria democracia, uma vez que a vontade popular é exercida diretamente e não mediante representação de quem quer que seja.
Vislumbre-se que é este o devido processo legal constitucionalmente previsto no caso da prática de crimes dolosos contra a vida.
Destarte, entende-se que é importante a permanência do Júri, uma vez que satisfaz os anseios da sociedade no julgamento dos crimes considerados de maior gravidade e ofensa ao bem jurídico ‘vida’.
Por fim, cabe destacar que a Carta Política brasileira de 1988 preserva o Júri e seus princípios como cláusulas pétreas, não podendo haver supressão, nem sequer por Emenda Constitucional, assim, faz-se importante que permaneça íntegro e imutável, respeitando-se suas prerrogativas, principalmente a da soberania dos veredictos, que é a prevalência da decisão emanada da vontade popular.
Tal posicionamento, em que pese ser o majoritário, peca em algumas questões. É correto afirmar que o instituto do Júri não deve ser suprimido, porém, mantê-lo imutável é algo que não se pode admitir.
Conforme visto nos capítulos anteriores a instituição do Tribunal do Júri surgiu como uma forma de retirar das mãos do déspota o poder de julgar, entregando ao povo seu próprio destino, porém, no Brasil atual a magistratura não mais representa a vontade do soberano, gozando de plena independência (BIAZEVIC, 2009, p.161).
O juiz é a manifestação da vontade do Estado, e por conseguinte, do povo, não mais é necessário que o próprio povo venha a sentar no lugar de juiz, fazendo as vezes de jurado, pois o Estado, como manifestação do povo, possui seus próprios meios de julgar e exercer seu poder.
O Júri cumpriu importante papel na transição do sistema inquisitorial, trazendo ao processo a figura do juiz cidadão, reacendendo as discussões sobre o processo penal e trazendo legitimidade as decisões judiciais, porém, os mesmos argumentos de séculos passados são o que mantém acesa a instituição do Júri, sendo que os juristas repousam sobre tal assunto, pouco modernizando o procedimento que permanece basicamente o mesmo desde a década de 40.
A constitucionalidade do Júri é algo que já se encontra enraizado nas mentes dos juristas, porém, a simples manutenção de um instituto, sem que se adeque sua estrutura a constituição, torna tal procedimento inconstitucional, ainda que temporariamente, até que sua organização obedeça a ordem constitucional vigente.
3.2.1 Das decisões judiciais e a necessidade de motivação e publicidade
O princípio da motivação das decisões é um grande avanço do constituinte de 1988, tal princípio passa a existir em nosso ordenamento jurídico como forma de coibir arbitrariedades e discricionariedades do poder judiciário, impondo a tal poder a necessidade de que todas as suas decisões sejam motivadas.
Tal princípio surge de uma necessidade básica, pois, o momento de redemocratização do país necessitava de certas medidas visando coibir os abusos vividos durante o regime ditatorial imposto em 1964.
Hoje impera nas cortes brasileiras, exceto no Júri, a necessidade de fundamentação, o que possui certos aspectos de extrema importância, como afirma L.G. Grandinetti Castanho de Carvalho (2009, p.211):
O Tribunal Constitucional da Espanha, [...], resumiu a importância da fundamentação de todas as decisões judiciais: a motivação é essencial para o controle da atividade jurisdicional pelos tribunais superiores e pela sociedade; a motivação deve visar ao convencimento das partes processuais acerca da correção da decisão; e, finalmente, é indispensável para o exercício efetivo do direito de defesa, já que a parte prejudicada deve conhecer as razões da decisão para melhor refutá-las.
Carvalho (2009, p.212) mostra a importância da fundamentação, e ainda explana sobre a inconstitucionalidade das decisões não fundamentadas. Para ele toda decisão que afete direito fundamental ou constitucional deve ser fundamentada, pois caso não o faça, a decisão acarretará em cerceamento de defesa, pois o sujeito não poderia defender-se de uma decisão arbitrária.
Já para Sérgio Humberto de Quadros Sampaio (2007, p.21) a motivação não é um direito absoluto, tampouco aplicável a qualquer decisão, para o doutrinador existem exceções ao princípio da fundamentação, uma delas a do Tribunal do Júri, que julga pela íntima convicção, não sendo necessário fundamentar suas decisões.
No mesmo sentido aponta Antonio Scarance Fernandes (2007, p.140), para ele a decisão dos jurados é uma exceção ao princípio da motivação, uma vez que a própria constituição garante o sigilo da votação.
Para Oscar Valente Cardoso (2012, p. 96) a motivação possui um aspecto quádruplo, sendo ela princípio, dever, direito e garantia. Como bem explana o doutrinador, a aplicação da motivação serve para legitimar o poder judiciário, que ao contrário dos poderes executivo e legislativo, legitimados através dos votos, é legitimado a posteriori, através do exercício de suas funções. Afirma Cardoso (2012, p.99 e 100):
A Constituição brasileira de 1988 exige a motivação das decisões judiciais, e comina a pena de nulidade para a sua ausência [...].
É, ao mesmo tempo, um princípio processual, um dever do julgador, um direito individual e uma garantia para a Administração Pública.
Como princípio constitucional do processo, expressamente previsto no art. 93, IX, constitui uma norma de caráter geral e abstrato, um standard ou mandado de otimização, incidente sobre os processos judiciais.
Afirma José Vinicius de S. Rocha (2007, p.242-243) que para a real aplicabilidade da motivação é necessário que haja coerência, substância e que a decisão seja impregnada dos princípios de justiça e pacificação social, exigindo dessa forma uma postura ética por parte do julgador, pois as decisões judiciais são uma forma de acautelar o seio social, sendo necessário razoabilidade em seu conteúdo, para que o jurisdicionado possa, ao fim dos processos, ter, ao menos, a sensação de uma decisão justa.
É necessário ainda ressaltar que os destinatários da fundamentação não são apenas os procuradores das partes, afirma Fabio Caprio Leite de Castro (2003, p. 137) existirem quatro categorias de destinatários: “São elas: as partes da causa; as pessoas que não possuem formação jurídica, informadas essencialmente pela imprensa; os demais magistrados e juristas; o próprio magistrado que faz a decisão.”. Assim a fundamentação da decisão deve atingir todas essas categorias, para melhor se adequar ao universo jurídico.
Dessa forma, é possível notar que motivação é uma garantia constitucional aplicada a todos os litigantes em processo judicial, não sendo possível sua mitigação, exceto, para parte da doutrina, no caso do Tribunal do Júri.
Para outra parte da doutrina a motivação deve imperar nos processos levados ao procedimento do Júri da mesma forma que os demais processos. O Júri é um órgão do poder judiciário, dessa forma o mesmo princípio imposto ao demais órgão judiciários é também oponível ao Tribunal do Júri.
Para Lopes Junior (2014, p.770) a forma atual de julgamento é uma afronta direta ao devido processo legal e à motivação das decisões, pois a forma de julgamento pela íntima convicção é um predomínio do poder sobre a razão, e nas palavras do doutrinador: “E poder sem razão é prepotência.”.
Conforme aponta Lopes Junior (2014, p.770) o livre convencimento dos jurados é demasiadamente amplo, permitindo aos jurados julgar a partir de elementos que não se encontram no processo, fazendo com que o julgamento ocorra muitas vezes pela aparência. Nesse sentido aponta Lopes Junior (2014, p. 770):
Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor, ao julgamento pela “cara”, cor, opção sexual, religião, posição socioeconômica, aparência física, postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de (des)valor que o jurado faz em relação ao réu. E, tudo isso, sem qualquer fundamentação.
Para os doutrinadores favoráveis a motivação das decisões (MACHADO, 2011, p. 30; RANGEL, 2012, p.271) do Júri, o aspecto da amplitude no julgamento pelo Conselho de Sentença torna ilegítima sua decisão, pois nem mesmo o poder inquisidor tinha nas mãos tamanho poder de discricionariedade.
Existe ainda a questão do duplo grau de jurisdição, conforme o Código de Processo Penal a decisão tomada pelo Conselho de Sentença poderá se caçada caso o julgamento se mostre explicitamente contrário às provas dos autos (TOURINHO FILHO, 2012, p.463), porém, como pode o Tribunal de apelação saber como foram valoradas as provas dos autos, se não há, sequer, uma fundamentação?
Para o efetivo direito ao duplo grau de jurisdição é necessário que as decisões tomadas pelo Conselho de Sentença tenham fundamentação calcada nas provas dos autos, tal questão é um requisito para o direito ao contraditório, a ampla defesa e a garantia do devido processo legal.
Para juristas mais radicais a falta de motivação das decisões baseada puramente no sigilo das votações é algo completamente contrário ao norte de um Estado democrático de Direito. Nesse sentido aponta Francisco Nogueira Machado (2011, p.33):
[...]Todavia, apesar de concordarmos com a garantia de comunicabilidade dos jurados, o que o autor entende como sigilo do voto é uma máscara que encobre a nefasta vedação da exposição dos fundamentos da decisão à crítica através do contraditório e da ampla defesa. De fato, o modelo da convicção íntima do julgador, amplamente admitido pela doutrina pátria em relação à decisão proferida pelo conselho de sentença, possibilita que o réu seja julgado sob o ponto de vista do Direito Penal do autor, pois, se as razões motivadoras da condenação ou absolvição se quedam escondidas no âmago de cada jurado, a privação da liberdade do réu estará condicionada à visão que cada julgador em particular terá de sua pessoa.
Neste passo, tanto a incomunicabilidade quanto a decisão desmotivada tornam a decisão emanada do tribunal do Júri manifestamente inconstitucional, na medida em que possibilitam a supressão da liberdade humana à revelia do processo, pois, considerado o contraditório como princípio institutivo, consoante ensina a teoria neoinstitucionalista, e a relação do contraditório com a fundamentação da decisão é umbilical25, a única conclusão a que se pode chegar é a de que a decisão desmotivada e isoladamente deliberada violam a matriz do devido processo legal (art. 5º, LVI) e o próprio Estado Democrático de Direito (art. 1º).
O entendimento da doutrina favorável a aplicabilidade da motivação de todas as decisões judiciais no procedimento do Júri é bem fundamentado, mostrando que realmente é necessário rever o procedimento do Tribunal do Júri, e adequá-lo à ordem constitucional vigente, caso contrário o Júri permanecerá legitimando arbitrariedades e disfarçando-as de democracia.
3.2.2 Da ofensa a organização do Poder Judiciário
Aqueles que criticam o Tribunal do Júri (BIAZEVIC, 2009, p.163) apontam que, não sendo os jurados juízes de direito, e não constando o Tribunal do Júri no rol dos órgãos do poder judiciário, a existência do Júri geraria uma ofensa a organização do poder judiciário, pois, o Júri é um órgão político, onde o cidadão exerce seu direito ao sufrágio.
Muitos apontam o despreparo e o desconhecimento de causa dos jurados como pontos contra o Júri, o que realmente pode ser levado em conta, porém, no sistema atual de julgamento (íntima convicção) a despreparo dos jurados pouco influência no resultado do julgamento, pois, ainda que o jurado conheça as provas do processo, prevalece sobre as provas a sua vontade.
O Tribunal do Júri não ofende a organização do poder judiciário, tampouco é um órgão inconstitucional, na verdade os argumentos a favor do Júri como órgão do poder judiciário são inúmeros e conforme aponta Nucci (2014, p.945) a doutrina majoritária entende ser o Tribunal do Júri parte integrante do Poder Judiciário, apontando para tanto os seguintes argumentos (NUCCI, 2014, p.945):
a) o Tribunal do Júri é composto de um Juiz Presidente (togado) e de vinte e cinco jurados, dos quais sete tomam assento no Conselho de Sentença. O magistrado togado não poderia tomar parte em um órgão meramente político, sem qualquer vínculo com o Judiciário, o que é vedado não
945/1419 somente pela Constituição, mas também pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional;
b) o art. 78, I, do CPP determina que ‘no concurso entre a competência do Júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do Júri’, vindo a demonstrar que se trata de órgão do Judiciário;
c) o art. 593, III, d, do CPP, prevê a possibilidade de recurso contra as decisões proferidas pelo Júri ao Tribunal de Justiça, não tendo qualquer cabimento considerar que um “órgão político” pudesse ter suas decisões revistas, em grau de apelação, por um órgão judiciário;
d) a inserção do Júri no capítulo dos direitos e garantias individuais atende muito mais à vontade política do constituinte de considerá-lo cláusula pétrea do que a finalidade de excluí-lo do Poder Judiciário;
e) a Constituição Estadual de São Paulo, como a de outros Estados da Federação, prevê, taxativamente, ser ele órgão do Judiciário (art. 54, III).
É possível notar que os argumentos a favor do Júri como órgão do Poder Judiciário são bem fundamentados, revelando que, ainda que digam o contrário, o Júri é sim um órgão do Poder Judiciário.
Os aspectos do Tribunal do Júri não o tonam uma instituição inconstitucional, a constitucionalidade do Tribunal do Júri é algo quase pacífico, o máximo que poderia ser discutido é a adequação do Tribunal do Júri a alguns princípios constitucionais, passando o Júri a ser uma instituição formal e materialmente constitucional e legítima.
3.2.3 A exigência de incomunicabilidade entre os membros que compõem o conselho de sentença
Para parte da doutrina (TOURINHO FILHO, 2012, p.141; ALBERNAZ, 1997, p.157; GOMES, 2010, p.55) a incomunicabilidade é um consectário lógico do sigilo das votações, sendo impensável a comunicação entre os jurados antes dos votos, ou até mesmo uma deliberação acerca dos votos, para essa parcela da doutrina a incomunicabilidade é uma forma de resguardar a íntima convicção de cada jurado, deixando claro que o princípio da motivação de todas as decisões encontra sua aplicabilidade barrada pela íntima convicção no Tribunal do Júri.
Afirma Tourinho Filho (2012, p.142) que o sistema de julgamento adotado no Brasil é o mais conveniente, para ele a comunicabilidade poderia influir de forma decisiva no ânimo dos jurados, pois um jurado com um discurso mais firme poderia muito bem influir no julgamento, convencendo os outros. Sobre essa questão aponta Tourinho Filho (2012, p. 142):
O nosso Código de Processo Penal estabeleceu sistema diverso: os jurados ficam incomunicáveis. Não podem conversar. Tal sistema parece-nos melhor. Ao tempo do Império um jurado mais “bem-falante” poderia exercer influência nos demais. Era, pois, um mal, embora possa parecer mais democrático... Nos Estados Unidos, o líder dos jurados, o foreperson, ao que tudo indica, conduzindo os passos a serem tomados para a decisão, que deve ser unânime, exerce certa influência sobre os outros, o que não parece ser um bom sistema, muito embora se trate de um povo altamente politizado. Quem assistiu ao filme “Doze homens e uma sentença”, com Henry Fonda, que o diga...
Seguindo tal entendimento, a incomunicabilidade é um requisito essencial para o julgamento imparcial, pois dessa forma não há influência nas opiniões dos jurados, que podem manifestar sua vontade de forma livre e imparcial.
Hodiernamente qualquer manifestação de vontade dos jurados acerca de sua opinião, caracteriza nulidade, não podendo os jurados de forma alguma influir na opinião dos demais. Tal argumento, parece, à primeira vista, um argumento válido, pois, a livre manifestação de vontade dos jurados é justamente o que difere o Tribunal do Júri dos demais órgãos da justiça e para muitos, tal discricionariedade do Júri é o que revela seu caráter de justiça democrática. Sobre tal tema apontava Ruy Barbosa (1950, p.90):
Ao Júri, pelo número de julgadores, sem prevenção de espírito e hábitos profissionais, sem dependência direta do governo, e pelas recusações, que o réu pode exercer, tornando-os, em maioria, juízes de sua confiança e verdadeiros árbitros, pela experiência de vida e trato das circunstâncias em que o crime ocorreu – é possível confiar-se, sem controle, na solução da maioria, independentemente das razões em que se funde...Tal sigilo, aliás, visa sobretudo a fidelidade do julgamento de consciência, porque exclui responsabilidade pelo voto. Nem tudo o que se pensa de alguém é possível ou lícito dizer, sem graves riscos; de modo que, para ser sincero, há mister, muitas vezes, decidir sem explicar, o que amplamente se reconhece em matéria de voto político, de que o sigilo é condição essencial. Assim, o segredo do voto do jurado, não deve ser somente faculdade, mas imposição, pela índole do juízo e para evitar constrangimentos
Tal forma de julgamento é basicamente a mesma desde 1946, e para os defensores da composição atual do Tribunal do Júri era essa a intenção do constituinte de 1988, pois em suas palavras, ao “reconhecer” a instituição do Júri, o constituinte recepcionou o Tribunal do Júri, na forma em que era seu rito, legitimando, assim, todo o procedimento. Nesse sentido aponta Márcio Schlee Gomes (2010, p.08):
Veja-se que o sistema baseado no sigilo de votações e voto de consciência, sem comunicação entre jurados, perdura há quase um século no sistema judiciário brasileiro. Já havia sido adotado e, em 1941, foi expresso no Código de Processo Penal. Mesmo que alguns façam diversas ponderações sobre a ideologia vigente na época, não se pode perder de vista que em 1946 a Constituição manteve o Júri, nos mesmos moldes, sendo o que se seguiu até 1988 e os dias atuais.
Existem, então, dois fortes argumentos para os defensores da incomunicabilidade, a questão histórica e a questão constitucional.
É necessário ressaltar, porém, que o argumento histórico carece de razoabilidade, pois, não é por ser usado desde 1941 que o procedimento atual do Júri não deva sofrer alterações, como inclusive já sofreu, através da reforma da Lei nº 11.689, de 2008.
Em relação ao aspecto constitucional do Júri, a parcela da doutrina que defende a incomunicabilidade, afirma que, qualquer reforma tendente a abolir a incomunicabilidade, atacaria, também, o princípio do sigilo das votações, o que não pode ser admitido, em razão da força normativa da Constituição Federal e do patamar de Cláusula Pétrea do Tribunal do Júri, que não pode sofrer alterações tendentes a abolir ou mitigar sua essência (TOURINHO FILHO, 2012, p.137).
A votação é sigilosa pela força normativa da Constituição, e para doutrinadores clássicos a incomunicabilidade é corolário lógico do sigilo. Sobre o sigilo afirma Ferreira Junior (2014, p.188):
No caso do Júri, busca-se resguardar a serenidade dos jurados, leigos que são, no momento de proferir o veredicto, em sala especial, longe das vistas do público. Não se trata de ato absolutamente secreto (secreto é o voto), mas apenas de publicidade restrita, envolvendo o juiz togado, o órgão acusatório, o defensor, os funcionários da justiça e, por óbvio, os sete jurados componentes do Conselho de Sentença.
Assim, com base, principalmente, nestes argumentos, parte da doutrina defende a manutenção do Tribunal do Júri nos moldes atuais, mantendo, dessa forma, a incomunicabilidade dos jurados, e a decisão por íntima convicção.
Existe também a doutrina que diverge desse pensamento, para tal parcela da doutrina, a fórmula atual do Tribunal do Júri é uma plena afronta a Constituição, principalmente ao princípio da motivação de todas as decisões judiciais, o que será discutido posteriormente.
A doutrina favorável às reformas no procedimento do Júri (LOPES JUNIOR, 2014, p.768; RANGEL, 2012, p.81, MACHADO, 2011, p. 34) tece inúmeras críticas aos argumentos apresentados pela doutrina contrária comunicabilidade e a motivação das decisões, a começar pela falta de novos argumentos capazes de ensejar a manutenção da forma atual do Júri, pois como bem demonstrado nos parágrafos anteriores, muito se fala da manutenção do sigilo e da incomunicabilidade, porém, tais argumentos são, em grande parte, repetitivos, e até mesmo antiquados, rememorando posições de saudosos juristas, que a muito não contribuem efetivamente com a dogmática jurídica atual.
Segundo Lopes Junior (2014, p.768) o estudo acerca do Tribunal do Júri encontra-se em limbo extremamente perigoso, o repouso dogmático, que no caso do Tribunal do Júri, deixa de ser objeto de críticas e estudo, simplesmente por ter, com o advento da Constituição Federal de 1988, alçado patamar de cláusula pétrea.
Para Lopes Junior (2014, p.768) a Constituição Federal de 1988 abre um leque de possibilidades, pois, em sua redação, fica claro que a instituição do Tribunal do Júri é suscetível de reformas, e estas podem ocorrer de forma ampla, resguardados, é claro, os princípios norteadores do Tribunal do Júri.
Com relação a comunicabilidade, é necessário ressaltar que para aqueles que defendem a comunicabilidade como regra, não há confusão entre o sigilo e incomunicabilidade, sendo esses institutos diferentes, cada um com sua respectiva aplicação, não devendo ser confundidos, assim afirma Rangel (2012, p.81 e 82):
Há uma enorme confusão entre a incomunicabilidade e o sigilo do voto. O sigilo visa evitar que se exerça pressão sobre a votação dos jurados, seja com perseguições, ameaças, chantagens, vantagens ou qualquer outro expediente que possa perturbar a livre manifestação do conselho de sentença.
[...]
O sigilo, portanto, é externo, para o público e para as partes, não, necessariamente, entre os jurados, até porque seria ingênuo achar que os jurados não comentam, entre si, suas impressões e seus sentimentos em relação ao fato objeto de julgamento, quando estão nos intervalos. Somente o neófito, ou o teórico, distante do Júri, pode assim pensar.
Entretanto, fala-se da incomunicabilidade, da ausência de expressão verbal entre os jurados na hora do julgamento, no momento em que a liberdade do outro está sendo decidida entre aqueles que o chamam de seus pares. A incomunicabilidade assegurada na lei é ‘para que o jurado decida por si, sem influência estranha.
Dessa forma, aqueles que defendem a comunicabilidade, assim como os que defendem a incomunicabilidade, encontram amparo legal, diferindo, apenas, na interpretação dada por cada um.
Do mesmo modo que os defensores da incomunicabilidade se utilizam do histórico do referido instituto para legitimar o atual procedimento do Tribunal do Júri, a reciproca também é válida, pois doutrinadores atuais, afirmam que o histórico do Júri apenas reforça a ideia de que certos aspectos, perdidos ao longo das reformas sofridas pelo Tribunal do Júri, foram mitigados em momentos conturbados da história, não devendo tais mudanças prevalecerem sob a égide de uma nova constituição. Sobre a questão histórica afirma Rangel (2012, p.270):
O Júri brasileiro do Império (desde 1822) e do início da República-Júri federal (até 1938) – era composto por 12 jurados, que discutiam o caso penal entre si. O Júri de hoje (desde 1938 até nossos dias) é composto por sete jurados que decidem o fato/caso penal incomunicáveis, entre si. Se o Brasil é um Estado Democrático de Direito (art. 1º da CR), o número de jurados deveria passar para 12, número originário de sua formação no País, e a decisão do Júri deveria ser por maioria qualificada na qual uma condenação somente poderia se dar, pelo menos por 10 x 2 dos jurados; menos do que isso, a absolvição seria medida imperiosa em respeito à liberdade do indivíduo.
Portanto, os argumentos apresentados pela doutrina que defende a manutenção dos moldes atuais do Júri possuem dois lados, podendo ter sua essência mudada de acordo com o leitor.
Outro argumento usado pela doutrina que defende o procedimento atual é a questão do Júri representar, na forma atual, a democracia, onde cada um julga e vota de acordo com seu foro íntimo, não tendo sua vontade maculada. Tal argumento, assim como os outros, é uma via de mão dupla, pois, afinal, seria o procedimento atual do Júri uma forma de exercício de democracia?
Para a doutrina contrária a manutenção dos moldes atuais de Júri a resposta é simples, não. Lopes Junior (2014, p.768) afirma que declarar o Júri uma instituição democrática é no mínimo algo temerário, uma vez que tal afirmativa reduz a democracia a uma representatividade formal. Aponta Lopes Junior (2014, p.769):
Um dos primeiros argumentos invocados pelos defensores do Júri é o de que se trata de uma instituição ‘democrática’. Não se trata aqui de iniciar uma longuíssima discussão do que seja ‘democracia’, mas com certeza o fato de sete jurados, aleatoriamente escolhidos, participarem de um julgamento é uma leitura bastante reducionista do que seja democracia. A tal ‘participação popular’ é apenas um elemento dentro da complexa concepção de democracia, que, por si só, não funda absolutamente nada em termos de conceito.
Democracia é algo muito mais complexo para ser reduzido na sua dimensão meramente formal-representativa. Seu maior valor está na dimensão substancial, enquanto sistema político-cultural que valoriza o indivíduo em todo feixe de relações que ele mantém com o Estado e com outros indivíduos. É fortalecimento e valorização do débil (no processo penal, o réu), na dimensão substancial do conceito.
[...]
Os jurados tampouco possuem a ‘representatividade democrática’ necessária (ainda que se analisasse numa dimensão formal de democracia), na medida em que são membros de segmentos bem definidos: funcionários públicos, aposentados, donas de casa, estudantes, enfim, não há uma representatividade com suficiência democrática.
Diante disso, e necessário que a lei tome certas cautelas, evitando-se, assim, a temida discricionariedade (PACELLI, 2014, p.719).
Outro ponto destacado pela doutrina (LOPES JUNIOR, 2014, p.771) é a inaplicabilidade do princípio do in dubio pro reo, princípio basilar do processo penal, demonstra a doutrina que, por exemplo, em uma condenação proferida pelo quantum de 4x3 existe apenas 57,14% de consenso, de convencimento, quer dizer, nesse caso existe apenas cerca de 57% de certeza de que o réu é culpado e deve ser condenado, dessa forma indaga-se, tal quórum é realmente capaz de ensejar uma condenação? É óbvio que não.
Em todo procedimento penal, exceto no Tribunal do Júri, havendo dúvida, a medida adequada é a absolvição, dessa forma, o quórum hoje exigido para a condenação é uma arbitrariedade imposta pela lei infraconstitucional, ferindo assim, princípios básicos de processo penal.
{C}6.3 Reforma constitucional do Júri
Explanadas as posições acerca da constitucionalidade do sistema da íntima convicção e da incomunicabilidade dos jurados resta ainda a elaboração de propostas acerca do tema, verificando as medidas que podem ser tomadas para a constitucionalização do Tribunal do Júri.
Seguindo o entendimento de Konrad Hesse a constituição possui força normativa, dessa forma suas normas são efetivas, devendo o Estado garantir sua aplicabilidade. Tal teoria, quando utilizada para a interpretação dos princípios constitucionais penais e processuais penais relativos ao Júri leva a seguinte questão, o procedimento adotado hoje pelo Tribunal do Júri está em consonância com as normas constitucionais?
Como visto nas seções anteriores existem duas respostas para a mencionada indagação. A primeira corrente afirma ser o procedimento atual do Tribunal do Júri constitucional, sendo desnecessária qualquer mudança com relação a fundamentação das decisões e a incomunicabilidade dos jurados.
Já a segunda corrente afirma ser o procedimento atual do Tribunal do Júri uma plena afronta à motivação das decisões, sendo necessário reformar o procedimento e atualizá-lo de acordo com as normas constitucionais.
3.3.1 Inversão ilógica da ordem constitucional
Afirma Hans Kelsen (2003, p.231 e 232) existir uma ordem nos sistemas jurídicos de um estado, sendo a constituição a norma originária do Estado, e seus princípios devem irradiar todas as demais normas, dessa forma, toda norma que contrarie os princípios constitucionais inexiste no sistema jurídico.
Em que pese estar a muito sedimentada a supremacia da constituição, há no ordenamento jurídico normas, muitas delas anteriores a Constituição de 1988, que vão de encontro com os princípios constitucionais e mesmo assim possuem plena aplicabilidade e eficácia. O jurista tende a inverter a ordem constitucional, aplicando certas normas em detrimento de diretrizes constitucionais.
Para parte da doutrina o procedimento do Tribunal do Júri é um exemplo da inversão da lógica kelseniana, afirma a doutrina de Paulo Rangel (2012, p.265) que no Direito Constitucional a interpretação da Constituição por meio da legislação infraconstitucional é algo ultrapassado e impensável na dinâmica processual hodierna.
É através da Constituição que o cidadão pode ver seus direitos garantidos, e o réu no Plenário do Tribunal do Júri é um cidadão assim como qualquer outro, devendo as normas constitucionais envolve-lo, assim como envolve os demais cidadãos, desse modo, a aplicação irrestrita da lei processual não é uma afronta apenas ao sistema normativo, é também uma afronta as garantias individuais dos cidadãos.
3.3.2 Adequação do Júri à dogmática constitucional
Para aqueles que defendem a manutenção da incomunicabilidade e da íntima convicção no Tribunal do Júri, uma reforma no referido instituto não poderia mitigar tais características do procedimento do Júri, no entanto, outros pontos do Tribunal do Júri poderiam muito bem sofrer modificações, para que assim, as decisões tomadas sob o manto da íntima convicção possam possuir maior legitimidade.
Paulo Rangel (2012, p.271) aponta inúmeros aspectos passíveis de reforma no Tribunal do Júri, dentre os quais o quórum para a condenação, o número de jurados e a idade mínima para ser jurado, tais propostas de mudança mantém os aspectos discutidos ao longo desse trabalho, dando uma segurança aos acusados levados ao julgamento pelo Tribunal do Júri.
O número de jurados no Brasil é um verdadeiro problema, um corpo de jurados tão pequeno é algo que vai de encontro com as tendências mundiais do Júri. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de jurados no Júri Federal é doze, assim como era no Brasil antes de 1938 (RANGEL, 2012, p.271). Com um maior corpo de jurados a decisão emanada passa a se aproximar de um caráter democrático, pois ainda que persista a maioria simples para a condenação, é necessário que mais pessoas se convençam da legitimidade da acusação para que o réu seja condenado.
Lopes Junior (2014, p.771) afirma que a reforma de 2008 deveria ter modificado o número de jurados, aumentando, no mínimo, para nove o número de jurados, para ele o aumento do número de jurados é algo imprescindível, tanto para legitimar o corpo de jurados, como para proporcionar a máxima eficácia do direito de defesa.
Outra reforma necessária e intimamente ligada ao número de jurados é aumento do quórum necessário para a condenação. A condenação por maioria simples é uma afronta ao princípio do in dubio pro reo, desse modo, não basta aumentar o número de jurados, é necessário, também, aumentar o quórum para a condenação, garantindo-se assim que não haja condenações existindo uma dúvida razoável.
Uma solução que atenderia tanto a questão do número de jurados, quanto o quórum necessário para a condenação é o aumento do número de jurados para montante par, pois, havendo um número par de jurados, a condenação, ainda que por maioria simples, necessitaria de uma diferença de dois jurados (LOPES JUNIOR, 2014, p.772).
Outro ponto controverso sobre a composição do corpo de jurados é a idade mínima para ser jurado, sob tal questão afirma Paulo Rangel (2012, p.271):
A lei peca, ainda, pelo vício da inconstitucionalidade quando afronta o princípio da proporcionalidade, pois não é razoável que um jurado possa ter apenas 21 anos para decidir a vida de outro igual a ele, na sua diferença, e tenha de ter 35 para ser candidato a Presidente da República. A idade para que possa um cidadão ser jurado deve ser de 35 anos, em compatibilidade com a idade mínima para que se possa candidatar ao cargo de Presidente da República. A maturidade do jurado é algo do qual não se pode prescindir.
Assim, é necessário que exista uma idade mínima para o jurado, pois a liberdade de um indivíduo não pode ser lançada à sorte de quem não tem um mínimo de experiência de vida, sendo necessário maturidade para a apreciação de uma causa onde ocorreu um atendado ao direito à vida.
Essas três reformas em nada iriam prejudicar o procedimento atual do Júri, pois não modificariam a essência do Tribunal do Júri, mantendo a íntima convicção e a incomunicabilidade dos jurados, resguardando, assim, o sigilo das votações, devendo ser aplicadas tanto no caso da manutenção da incomunicabilidade quanto no caso de sua extirpação.
Há, no entanto, modificações que somente podem ser feitas partindo-se do pressuposto da inconstitucionalidade explanada nas seções anteriores, tais modificações implicariam em uma reestruturação mais complexa, exigindo do legislador e dos operadores de direito estudos aprofundados sobre a forma de julgamento do Júri e como manter o sigilo das votações, ainda que cessada a incomunicabilidade dos jurados.
Uma possível solução é apontada Albernaz (1997, p.158), segundo Albernaz, passando os jurados a decidirem apenas com relação as matérias de fato, caberia ao juiz togado as decisões relativas as matérias de direito, desse modo, mantem-se a competência do Tribunal do Júri havendo apenas uma nova distribuição de competências.
Tal solução parece legítima, pois, como esperar dos jurados uma fundamentação a respeito de matérias essencialmente jurídicas? Ao modificar as competências, o jurado pode muito bem passar a fundamentar suas decisões, pois somente teria que motivar as decisões acerca dos fatos.
Mesmo diante de tal solução, um problema persiste, como o jurado passaria a fundamentar as suas decisões? Ou então, ainda que se mantenha a competência dos jurados para toda análise do feito, é necessário que as decisões sejam fundamentadas, como fazer?
A resposta para tal indagação pode ser encontrada no sistema americano de Júri.
O Júri Federal nos Estados Unidos é composto por doze jurados, sendo que, no início de cada sessão é escolhido um jurado presidente, ou primeiro jurado. No momento de se decidir o veredito os jurados são todos recolhidos em uma sala especial, dentro desta sala eles deliberam acerca do caso, cada qual dando seu voto, no momento do voto podem os jurados discutir livremente sobre a causa, um grande exemplo disso é o filme 12 homens e uma sentença dirigido por Sidney Lumet, após as discussões o primeiro jurado colhe os votos dos demais e profere uma única decisão, resguardando assim o sigilo das votações.
Tal modelo é hoje o mais democrático modelo de Júri, e é justamente o uso da palavra que faz desse modelo o mais apropriado. Aponta Rangel (2012, p.270) que a linguagem é a forma de expressão da democracia, pois é através da palavra que o homem expõe suas ideias, e é justamente isso que busca a justiça.
No caso da decisão do corpo do Júri, seria necessário, apenas, que o primeiro jurado elaborasse um voto escrito, explicitando as razões do veredito, dessa forma, enorme lacuna no Tribunal do Júri seria suprida, permitindo assim o mais amplo exercício das prerrogativas constitucionais do cidadão.
Para os defensores da motivação das decisões dos jurados, a comunicabilidade é algo extremamente necessário, e não feriria o princípio do sigilo das votações.
CONCLUSÃO
Após o estudo do histórico e procedimento do Tribunal do Júri é possível verificar as inúmeras mitigações sofridas ao longo da história do referido instituto no direito brasileiro.
A comunicabilidade dos jurados e a motivação de suas decisões são questões fundamentais, não devendo ser deixadas de lado por conta do repouso doutrinário acerca de tal tema, é necessário revisitar o procedimento do Júri, procurando adequá-lo à dogmática constitucional hodierna.
As posições acerca do Júri são as mais diversas, havendo aqueles que defendem ferrenhamente o procedimento atual, e aqueles que atacam até mesmo a própria existência do referido instituto.
Há correntes que tendem a apontar a inconstitucionalidade do Tribunal do Júri, ressaltando a possibilidade das normas constitucionais serem inconstitucionais. Tais argumentos carecem de razoabilidade, pois, a extinção pura e simples do Tribunal do Júri é algo inadmissível na ordem constitucional vigente.
O estudo acerca de tal tema deve ser pontuado por ambos lados, não há como simplesmente extirpar o Júri da sistemática jurídica brasileira, nem razões para manter intocado um procedimento que petrificado como o Júri.
É necessário repensar o procedimento do Júri, pois, o princípio da motivação das decisões é uma imposição a todo poder judiciário, e sendo o Tribunal do Júri um órgão do poder judiciário inexiste razão para que se escuse de tal obrigação. A motivação das decisões é uma garantia do cidadão, para que esse possa ter garantido seus direitos, e em caso de violação, poder buscar meios de reformar o ato que violou seu direito.
A linguagem é o exercício da razão, assim as decisões necessitam dispor suas razões e para o Júri é necessário que seja concedida a possibilidade da fala entre os jurados, pois tal procedimento em nada prejudicaria o sigilo das votações.
É necessário que as decisões do conselho de sentença sejam motivadas, tal questão é um imperativo lógico da constituição vigente, sendo que um Estado democrático de direito não pode admitir que alguém seja cerceado de sua liberdade por uma decisão sem fundamentação, pois, para a efetivação do princípio do contraditório é necessário que os motivos determinantes da decisão estejam presentes no corpo dela, caso contrário, como pode o acusado se defender em apelação de uma sentença desmotivada.
Dentre as opções de reforma duas se fazem indispensáveis ao procedimento do Júri, o número de jurados e a motivação de suas decisões.
O número de jurados deveria no mínimo ser aumentada para oito jurados, pois assim, mesmo com maioria simples, seria necessária uma diferença de dois votos para a condenação.
A motivação das decisões é um dever do Estado, e para sua efetivação é necessário que se extinga a incomunicabilidade dos jurados, para que esses possam discutir a causa entre si e proferir sua decisão de forma clara, através de um texto único, o qual os jurados deliberariam em sala própria.
O Tribunal do Júri representa o julgamento pelo povo, sua manutenção no Estado democrático de Direito é algo imprescindível, porém, isso não quer dizer que o Júri deva permanecer inalterado, pois a mudança é algo necessário para a manutenção do referido instituto.
A instituição do Júri não representa uma afronta à organização judiciária, pois, ele somente encontra-se disposto no rol dos direitos e garantias fundamentais por uma questão histórica, não havendo ofensa ao Poder Judiciário.
O Júri é uma instituição democrática e por isso necessita se adequar a democracia, mudanças são necessárias em qualquer ramo do direito, não pode o conhecimento se estagnar e continuar perpetuando práticas que serviram aos séculos passados, no caso do Júri mudanças são necessárias, caso contrário as decisões emanadas do conselho de sentença careceriam de legitimidade.
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