1. CONTEÚDO PRAGMÁTICO: PROJETO GENOMA HUMANO
1.1. HISTÓRICO
Para contextualização do projeto genoma humano é necessário entender que nada disto seria possível sem o desenvolvimento da genética como um todo. Para tanto, é importante destacar: (i) descoberto dos cromossomos (1888, WALDEYER, Wilhem) e (ii) Descrição do Funcionamento e Estrutura do DNA (1953, WATSON, James D. e CRICK, Francis H. C.).
O assunto sobre o sequenciamento genético tem registros em meados dos anos 80, na França. Em 1984, o cientista Robert Sinsheimer idealizou a criação de um instituto que pudesse fazer o sequenciamento do genoma humano, e posteriormente, em 1986, através de um encontro científico realizado na cidade de Santa Fé, nos Estados Unidos, o assunto voltou a ser discutido.
O grande objetivo dos encontros e discussões a respeito deste assunto, era, sem dúvida:
“O interesse no mapeamento genético era a busca de uma melhor compreensão de como se dão os “efeitos da radiação sobre os seres humanos e seus genes[1]”.
Após o encontro acima citado, outros órgãos e instituições se interessaram pela pesquisa, pois apesar de demandar tempo e dinheiro, este seria o maior projeto desenvolvido na área biológica.
Somente no ano de 1988, o projeto começou a criar forma através da fundação da HUGO (“Human Genome Organization”), uma organização que tinha o intuito de aprofundar-se nas pesquisas sobre o assunto, contava com a participação de cientistas e pesquisadores do mundo todo.
Oficialmente, o Projeto Genoma Humano teve inicio em 1990, contando com a participação de Canadá, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e Japão. Aos poucos, mais de 50 países ingressaram no Projeto, inclusive o Brasil.
1.2. CONCEITO
“O genoma é o conjunto de toda informação de um determinado organismo, contido em seu material genético DNA (ácido desoxirribonucléico) ou mesmo RNA (ácido ribonucléico) no caso de alguns vírus. O DNA é uma macromolécula orgânica que possui a informação contida na sequência de suas bases (adenina, timina, guanina e citosina); quando necessário, essa informação é disponibilizada para a célula na forma de uma molécula de RNA mensageiro (cópia de uma pequena porção do DNA total). Essa molécula de RNA mensageiro será posteriormente lida e traduzida na forma de uma proteína, no citoplasma da célula.”[2]
“A biologia molecular tem fornecido as ferramentas básicas para os geneticistas se aprofundarem nos mecanismos moleculares e principalmente nos que influem na variação das doenças e, com isso, a divulgação da sequência do genoma humano abriu uma nova era para a medicina.”[3]
Em síntese, a representação do mapeamento genético nada mais é do que a representação gráfica do posicionamento dos genes no genoma humano através de um processo de fragmentação do DNA, catalogação das suas seis bilhões de bases e reconstituição da sua sequencia original.
O mapeamento genético humano é eficaz para estudo de conhecimentos diagnósticos e terapêuticos para muitas das doenças genéticas até então incuráveis.
Contudo, ao ampliar este estudo nos esbarramos em questões bioéticas ao definir a natureza jurídica do genoma humano. E foi neste diapasão que entramos na esfera do direito, ao discutir sobre sua natureza visamos a qualidade de vida do homo sapiens sapiens, ao manipular geneticamente este material humano nos deparamos com a proteção do gênero humano.
A proteção legal deste instituto (o genoma humano) é indiscutível ao tratarmos como um direito indisponível de toda a pessoa, e na esfera dos seus genes todas as pessoas são iguais apesar do instituto ser tratado como uma certa unicidade.
Seu amparo legal no nosso ordenamento se deu na própria Constituição Federal ao permitir o estudo genético no seu artigo 225, § 1º, II, V. Ademais, convém lembrar que a Carta Magna estabelece uma gama de direitos individuais e coletivos que resguardam, dentre eles, o direito à vida (artigo 5º, caput), o direito à integridade física e moral, a dignidade humana (art. 1º, inciso III) , bem como a saúde como direito de todos e dever do Estado (artigo 196).
1.3. LEI DE BIOSSEGURANÇA
Com o avanço das pesquisas sobre este instituto fez-se necessário adequar o ordenamento jurídico a fim de regulá-las e garantir que não infringissem nenhum direito fundamental, como a vigente Lei nº 11.105/2005, então denominada de “Lei de Biossegurança”.
Tornou-se um mecanismo importante para regular o uso de técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados e, expressamente, veda a manipulação genética de células germinais humanas, bem como autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança.[4]
1.4. ASPECTOS JURÍDICOS DO PROJETO “GENOMA HUMANO
1.4.1. CONTEXTUALIZAÇÃO
“O Projeto Genoma Humano (PGH) iniciou-se em 1990 para decifrar o código genético humano e sua alterações e em 2003 concluiu-se o sequenciamento dos três bilhões de bases do DNA da espécie humana. Os objetivos do PGH em saúde envolvem a melhoria e simplificação dos métodos de diagnóstico de doenças genéticas, otimização das terapêuticas e prevenção de doenças multifatoriais”[5].
Com o avanço do PGH será possível determinar eventuais predisposições a doenças crônicas e trata-las preventivamente antes mesmo do aparecimento de sintomas, além, é claro, de administrar tratamentos combinados com a especificidade genética de cada paciente.
Tornou-se paradigmático elencar as eventuais transformações que os avanços nas pesquisas poderão ocasionar, sejam elas benéficas ou maléficas.
Na busca da natureza jurídica do genoma humano, ou seja, sua designação explícita por uma norma, buscam-se as relações sociais em que o genoma humano está fincado. Procuram-se a sua utilidade, valor econômico, moral e ético desse bem.
De acordo o Naves (2007, p.57-58) é fácil relacionar os dados genéticos com os direitos de personalidades, outros doutrinadores arguem sobre ser um direito subjetivo.
Ao incluirmos os bens genéticos como direitos humanos, estamos nos referindo à proteção do indivíduo ante as ilegalidades do Estado e por isso, se regula pelas normas de caráter internacional.
Outrossim, quando tratamos sobre a classificação jurídica da informação referente à Genética, o estudo de documentos internacionais sobre dados genéticos humanos, “(...) do ordenamento jurídico brasileiro, assim como de ordenamentos estrangeiros, e, ainda, da bibliografia especializada, nos leva a identificar alguns consensos, mas também algumas contradições”.[6]
1.4.2. DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS
Para regular o assunto no âmbito do direito internacional, foram promulgadas diversas declarações, dentre elas temos:
- Código de Nuremberg
- Declaração de Inuyama.
- Declaração de Bilbao sobre o Direito ante o Projeto Genoma Humano,
- Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina
- Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina
- Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, de 2003.
- Resoluções nº 1.358/1992 e 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina
Na Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos da UNESCO (2004), temos como referência princípios fundamentais para resguardar os direitos de personalidade, pautando como requisito essencial o consentimento prévio e formado para a seleção, tratamento, utilização e conservação dos dados genéticos.
Em razão dos progressos da biotecnologia, a Argentina e o Brasil preocupam-se no sentido de encontrar os instrumentos para defesa da identidade genética, porém, ainda existem controvérsias quanto ao local dos dados genéticos no ordenamento jurídico.
As controvérsias sobre o limite de alcance da pesquisa genética se dá na definição dos direitos de personalidade como não absolutos e extrapatrimoniais, além é claro de sua vitaliciedade, contudo, necessários, intransmissíveis e imprescindíveis.
Para Naves, a classificação dos dados genéticos como direito subjetivo e não de personalidade se dá “Portanto, os dados genéticos incorporam natureza múltipla, indeterminável a priore. A partir desta situação jurídica da personalidade, os dados genéticos, podem ser enquadrados, ora como direito subjetivo; como dever jurídico, faculdade, direito protestativo, sujeição, ônus e poder”.[7]
1.4.3. PRINCÍPIOS BASILARES
Regem a construção ética do PGH o: (i) princípio da privacidade ao determinar que os resultados dos dados genéticos mapeados não poderão ser comunicados a terceiros sem o expresso consentimento do indivíduo; (ii) o princípio da autonomia ao tratar sobre a voluntariedade e transparência dos testes; (iii) princípio da justiça, garantindo a proteção legal aos direitos dos mais vulneráveis, como crianças e portadores de deficiências mentais; (iv) princípio da igualdade, que rege o acesso igualitário aos testes, independentemente de origem racial, geográfica, étnica e socioeconômica;
Lauda sobre o assunto o artigo 1º e 5º, III, X e XLI da Constituição Federal prevendo a não submissão à tortura ou tratamento desumano e degradante; inviolabilidade de intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas; punição em relação à discriminação que atente direitos e liberdades fundamentais; além de tantos outros artigos que reportam à necessidade de observação a referido princípio.
Ainda sobre o assunto, versou a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, em seu artigo 2º, legitimando e advertindo que cada indivíduo tem direito ao respeito por sua dignidade e seus direitos humanos, independentemente de suas características genéticas. Elucida ainda que o indivíduo não poderá ser reduzido às suas características genéticas, devendo ser respeitada sua singularidade e diversidade.[8]
2. DISCUSSÃO SOBRE O PGH: PRÓS E CONTRAS
A problemática sobre o PGH percorre, principalmente, três prismas: (i) pesquisadores e o novo conhecimento; (ii) comunidade empresarial e transformação em produtos; e (iii) sociedade e cultura.
Sendo de grande relevância e preocupação os fins e modos de utilização que este avanço poderá ocasionar, seja de interesse puramente econômico quanto interesse humanitários.
O projeto visa tratar o potencial de doente que um indivíduo poderá ter, sem que para isto esta doença tenha se manifestado, definindo a afecção pelo genótipo, pelo que está inscrito no DNA e não mais pelo fenótipo, pelo estado presente da pessoa. Várias discussões no congresso já foram travadas por esse motivo existe uma preocupação quanto à divulgação das informações genéticas, caso possa interferir com a privacidade das pessoas, podendo eventualmente prejudicá-las.
O acesso e a divulgação dos dados genéticos, de forma indevida, ofendem a intimidade da pessoa, colocando em risco sua autonomia, parte integrante da personalidade, impede ou dificulta o acesso ao trabalho e à contratação de seguro particular de saúde e de vida, apresentando risco de estigmatizarão e discriminação social.
Em síntese, a relação dicotômica liberdade de investigação versus limites à investigação retrata a tensão entre direitos fundamentais. De um lado, o exercício de um direito que, ao resguardar a capacidade criativa do homem, assegura o progresso da ciência, voltado ao bem-estar individual e social, direito esse que pressupõe a experimentação com seres humanos, sem a qual a medicina não poderia avançar na luta contra enfermidades e na busca do alívio do sofrimento. De outro, os direitos à vida e à integridade corporal, bem como o respeito à dignidade humana, que podem ser violados no trabalho de investigação ou experimentação.
E ainda, o conhecimento de tais características e suas propensões poderão ensejar, em um plano mais radical, a tal “limpeza étnica” ensejada tempos atrás pelos genocídios aos judeus e portadores de doenças especiais.
Desta forma, ao passo que o conhecimento dos dados genéticos poderá avançar tratamentos médicos e cura de doenças, a linha é tênue a capacidade do ser humano e os interesses econômicos envoltos deste, gerando, com isto, grande instabilidade e preocupação quanto ao seu uso errôneo ou discriminatório, por exemplo.
3. CONCLUSÃO
A identificação dos genes que respondem pelas características normais e patológicas de todo ser vivo será no futuro próximo o fator responsável pelo mapeamento do código genético. Com o conhecimento deste patrimônio, o homem poderá formar um banco de dados que permitirá o controle sobre os genes e suas mutações, podendo introduzir materiais produzidos pela tecnobiociências quando alguma condição adversa se impuser.
O PGH gerou várias expectativas, dentre elas, a possibilidade de rastrear genes associados a doenças e comportamentos e, mais ainda, de intervir geneticamente no ser humano, trazendo benefícios sociais. Contudo, haja vista a novidade, complexidade e amplitude do assunto, é natural que existam opiniões discordantes e questões ainda abertas, com relação a como isto deve ocorrer. Portanto, por um lado deve-se evitar o radicalismo intransigente, mas, por outro lado, também são inaceitáveis as flexibilizações motivadas por interesses pessoais ou grupais. Tudo deve ser feito a favor da pessoa, respeitando principalmente a sua autonomia.
Neste ínterim, permanecem as questões de saber quais são direitos do homem de usufruir dessa era genômica e quais os limites éticos para não haver abuso na aplicação desta nova tecnologia. Nesse tempo avassalador do progresso científico, há o perigo da pulverização do objetivo da ciência genômica, que é o bem-estar da humanidade e o crescimento do grau de desempenho científico, em que antes valem a utilidade e eficiência da descoberta do que a verdade sobre as leis intrínsecas do fenômeno.
Nós consideramos que as pesquisas devem avançar desde que amparadas por um forte controle jurídico estatal quanto ao seu uso e divulgação, evitando, ou mitigando, com isto, os efeitos provenientes da utilização indevida destes dados. A esfera e a grande questão é: “Confiar ou não no homem?” O conhecimento é poderoso, e deve ser ponderado sobre qualquer hipótese.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBANO, 2004, p. 24
CORREA, 2009, p.23.
FLORIA-SANTOS M, Nascimento LC. Perspectivas historicas del Proyecto Genoma y la evolución de la enfermería. Rev. bras. enferm. 2006;
FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA BIOÉTICA. RODRIGUES, Maria Rafaela Junqueira Bruno. São Leopoldo, 2006.
MANIPULAÇÃO DO GENOMA HUMANO: Ética e Direito. GOULART, Maria Carolina Vaz. SILVA, Paulo Mauricio. SALES-PERES, Silva Helena de Carvalho. SALES-PERES, Arsênio. Revista Ciência Saúde Coletiva, Volume 15, Rio de Janeiro, 2010.
NAVES, 2007, p.111-114.
NELSON DL, Cox MX. Leningher. Princípios de Bioquímica. 3ª ed. São Paulo, Sarvier; 2002.
VENTER JC et al. The sequence of the human genome. Science 2001;
[1] ALBANO, 2004, p. 24
[2] 1. Nelson DL, Cox MX. Leningher. Princípios de Bioquímica. 3ª ed. São Paulo: Sarvier; 2002.
[3] Venter JC et al. The sequence of the human genome. Science 2001; 291:1304-1351.
[4] Fundamentada no artigo 1º, da Lei de Biossegurança: “Art. 1º Esta lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado (OGM), visando a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente”
[5] Floria-Santos M, Nascimento LC. Perspectivas historicas del Proyecto Genoma y la evolución de la enfermería. Rev. bras. enferm. 2006; 59(3):358-361.
[6] CORREA, 2009, p.23.
[7]NAVES, 2007, p.111-114.
[8] FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA BIOÉTICA. RODRIGUES, Maria Rafaela Junqueira Bruno. São Leopoldo, 2006.