RESUMO: Analisando a distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados por Estado da Federação nota-se uma evidente desproporcionalidade entre estados mais e menos populosos. Um amplo debate sobre essa questão é encontrado entre autores da área, levando em consideração a adoção do critério de território e não apenas o de população para determinar a quantidade de parlamentares por Estado. Basicamente, o presente artigo procurou dar uma visão geral sobre este debate a nível federal, buscando trazer algumas sugestões de debate para o âmbito da Assembléia Legislativa, a serem desenrolados em outros estudos mais aprofundados.
PALAVRAS-CHAVE: representação, poder legislativo, federalismo.
Introdução
A democracia direta, tal como praticada na Grécia Antiga, tornou-se inviável nos dias atuais. Os motivos são óbvios: em Atenas, por exemplo, o território em que o povo exercia a democracia direta era pequeno e o próprio corpo de cidadãos era reduzido, já que mulheres e escravos estavam excluídos do processo, logo, era possível que cada indivíduo exercitasse a sua vontade política perante os demais sem precisar de intermediários. Nos dias atuais, os Estados-Nação têm territórios, via de regra enormes, e um conjunto de cidadãos que ultrapassa em muito os limites da viabilidade da democracia direta.
Instaurados os regimes democráticos, optou-se pelo sistema de democracia tido como mais adequado à atual configuração do Estado: o sistema representativo. Esse modelo é adotado na esmagadora maioria dos países democráticos, no entanto, cada um adota um sistema eleitoral e institucional para operacionalizar tal padrão de democracia. Tais modelos não estão isentos de falhas, e constantemente são rediscutidos, sendo frequentemente apontadas novas alternativas.
Dentre tais debates está o que trata da desproporcionalidade na distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados por Estado, já que no Brasil, adota-se além do critério populacional, o critério territorial. Ou seja, Estados da federação menos populosos têm direito a uma representação mais expressiva levando em conta o seu território. Os defensores deste modelo sustentam a opinião de que minimizam-se assim as desigualdades regionais em termos econômicos e sociais, compensando tais diferenças com a maior possibilidade de competição política, especialmente no que diz respeito a distribuição dos recursos federais.
Já os críticos defendem que este modelo fere um principio democrático (one man, one vote), em que todos os votos têm o mesmo valor num processo eleitoral. Da forma como o sistema opera, o voto de um eleitor de Roraima, o estado menos populoso do Brasil, vale cerca de quinze vezes mais do que o voto de um eleitor de São Paulo, que concentra a maior população em comparação a outros estados.
Neste artigo, divido em três partes, apresenta-se primeiramente um breve resgate conceitual sobre o modelo representativo. Em seguida, é tecida uma discussão sobre os posicionamentos existentes em relação à desproporcionalidade no Poder Legislativo, especialmente no que tange a Câmara dos Deputados, levando em consideração as perspectivas do modelo majoritário e modelo consensual. Na terceira parte, apontam-se alguns pontos a serem discutidos sobre o mesmo debate, só que voltado às Assembleias Legislativas, tomando como exemplo o caso do Rio Grande do Sul.
1. Modelo representativo: breve revisão conceitual
Primeiramente, para clarear o sentido da discussão que segue, faz-se necessário explanar brevemente sobre o conceito de representação. No direito privado, quando um cidadão passa uma procuração, por exemplo, para seu advogado representa-lo numa causa judicial, ou outra forma de procuração contratual, o mesmo está delegando ao seu representante um mandato imperativo, ou seja, ele é seu representante, mas só pode agir de acordo com as suas determinações ou interesses.
As primeiras teorias sobre representação política foram pronunciadas há muito tempo por autores como Pitkin, que a entendia pura e simplesmente como uma autorização formal para que houvesse governo, Rosseau, o grande teorizador da Representação Política que tinha exatamente esta concepção, de que o mandatário agisse restritamente dentro das determinações do mandante, numa relação de articulação e sintonia, e por fim, Montesquieu, que acrescentou a isso tudo a idéia do voto imperativo, ou seja, que toda vez que os representantes políticos agissem de maneira contrária as determinações dos representados, que eles fosses sumariamente substituídos.
Nas teorias políticas, a representação como é concebida agora, apareceu com o autor Bruske. Não tão renomado quanto os anteriores, mas igualmente importante para o tema, este fez oposição às conclusões de Rosseau e Montesquieu, dizendo que os eleitores elegem seus representantes, mas finda a eleição, estes não são mais representantes dos eleitores, e sim, membros de um Parlamento, membros de toda uma nação. Dessa forma, passa-se a conceber a idéia de que o representante político recebe, ainda que de maneira implícita, um mandato de confiança por parte dos eleitores que o autoriza a tomar decisões de forma autônoma em todas as questões que chegarem ao seu arbítrio. Conforme Tavares (1999, p. 44),
Há, em suma, duas concepções, que se excluem mutuamente, acerca das relações entre representantes e representados e da natureza do mandato representativo: ou o representante é simplesmente o portador de uma delegação, segundo a concepção arcaica e privatista desse instituto e, portanto, submetido ao controle e à responsabilização permanentes pelo distrito que o elegeu (...); ou é investido de responsabilidade independente, essencial ao mandato representativo moderno, de acordo com o qual, ainda que eleito por uma circunscrição, ele representa o universo do corpo político e, enquanto tal, seus critérios e decisões não são suscetíveis de serem controlados por, ou subordinados a, qualquer parcela do eleitorado.
Sendo assim pode-se apresentar como conceito de representação política, uma relação entre o conjunto de cidadãos que formam uma comunidade política e seus representantes. Basicamente, isso quer dizer que os representados, os eleitores, autorizam os representantes nas urnas, através do voto, a tomarem as decisões por eles, consentindo com suas opiniões por antecipado, assumindo-as e adotando-as como se fossem tomadas pessoal e individualmente.
Para Bobbio (2000, p. 458), o Estado representativo é aquele no qual:
(...) existe um órgão para as decisões coletivas composto por ‘representantes’, mas pouco a pouco assume também o outro significado de Estado no qual existe um órgão decisório que, através de seus componentes, representa as diferentes tendências ideais e os vários grupos de interesse do país.
Em outras palavras, o sistema representativo brasileiro, adotado também pela maioria das democracias mundiais nos tempos atuais, provoca uma parcial (para não exagerar usando o termo total) desconexão entre eleitores e eleitos, de modo que “o poder do povo” em decidir, que dá origem a palavra “democracia”, seja retirado e substituído pelo “poder do povo em eleger quem vai decidir”. Resumindo, os eleitores através do voto autorizam os Deputados e outros representantes, por antecipação, a tomar decisões de forma autônoma, sendo que tais representantes passam a usufruir da legitimidade que possuem através do voto de confiança de cada cidadão e do resultado final das urnas.
O modelo representativo foi o mais adequado à Democracia Liberal, predominante na contemporaneidade. Este modelo, basicamente, tem definições de quem representa (o político), a que tipo de controle este será submetido (eleições), mediante quais mecanismos é autorizado a representar (voto) e quem é o representado (eleitor/população). Embora vagamente, pode também estabelecer o conteúdo do mandato representado, como programas de governo, prioridades, etc.
O eleitor emprega seu voto como mecanismo de accountability, ou seja, avalia seu desempenho enquanto representante e pode com isso, recompensa-lo com um novo voto ou puni-lo com a escolha de outro representante. Daí a tese de que as eleições induziriam um comportamento mais responsável por parte do representante, que estaria sempre sendo avaliado, temendo uma punição da eleição seguinte. Porém a questão do representante agir de acordo com as preferências do representado, se encontra longe de uma resolução dentro da teoria democrática.
2. Desproporcionalidade na representação política no Poder Legislativo: questões em debate
O sistema representativo é predominante na democracia moderna. Através dele, o eleitor transfere seu poder decisório a um representante, que passa, a partir dessa autorização que se dá pelo voto, a tomar as decisões. Adotado como o mais adequado nas democracias contemporâneas, o sistema representativo veio a calhar para resolver o impasse de como operacionalizar o “poder do povo” em territórios grandes com enormes contingentes populacionais, que impossibilitam a aplicação hoje, da democracia direta tal qual como era na Grécia Antiga.
Em Atenas, os cidadãos da polis não delegavam a outras pessoas, a representantes, o poder de decisão. Eles mesmos iam até a Ágora, e decidiam eles mesmos as questões que lhe diziam respeito. Esse modelo de democracia direta é hoje, impossível de ser aplicada, se comparadas às dimensões territoriais e populacionais de Atenas, que aproximadamente deveria abrigar seis mil cidadãos, com Estados Nacionais constituídos atualmente, compostos por territórios enormes e milhões de cidadãos.
No Brasil, uma discussão recorrente é a desproporcionalidade nesta representação. Se cada homem tem direito a um voto, e o voto de todos tem valor igual perante a lei, já que os princípios democráticos se assentam na igualdade e na proporcionalidade, não poderiam haver discrepâncias entre os votos de um Estado Federado em relação a outro. No caso brasileiro, essa desproporcionalidade existe na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. No Senado, ela é mais simples de entender, já que o sistema eleitoral é majoritário: o numero de Senadores que representam 8% do eleitorado brasileiro é maior do que o número de senadores que representam os outros 90% (STEPAN, 1999, apud Costa 2010). A paridade entre os Estados Federados ocasiona que, por exemplo, o território mais populoso tenha o mesmo número de representantes do menos populoso.
Já na Câmara Federal essa desproporcionalidade é mais discrepante. Ela é resumidamente, a diferença gritante entre os representantes (o número de deputados por Estado e Distrito Federal) e representados (população), resultando em unidades sobre-representadas, o caso dos Estados do Norte e Nordeste, e unidades sub-representadas, como São Paulo e outros estados do Sul e do Sudeste.
Um outro ponto é agravante no aumento dessa desproporcionalidade: trata-se da criação de novos Estados Federados. A Constituição Federal estabelece critérios apenas políticos para criação de um novo Estado, não havendo qualquer exigência em termos de indicadores populacionais, econômicos ou sociais, sendo necessária apenas a aprovação da população interessada através de plebiscito, e da Câmara Federal através de Lei Complementar.
No Brasil, em 1962, foi criado o Acre, em 1979, Mato Grosso do Sul foi desmembrado de Mato Grosso, e na década de 80, foram instituídos os Estados de Rondônia, Roraima, Amapá e Tocantins, que foi uma subdivisão de Goiás. Via de regra, todos Estados pobres e com número baixo de habitantes, mas que passaram a ter direito ao piso de representação, ou seja, oito deputados. Cinco desses estados significaram o aumento de 40 cadeiras na Câmara Federal, e ainda, a criação de seis novos Estados significou 18 cadeiras adicionais no Senado.
Evidente que a criação de novos Estados vem motivada por vantagens indiscutíveis, tanto políticas quanto econômicas. As vantagens políticas estão ligadas ao aumento da representação citado acima, e as econômicas, contemplam a adesão a competências tributárias exclusivas e ainda, o direito a uma fatia do Fundo de Participação dos Estados.
Basicamente, dando um exemplo simplório, seria como desmembrar a Região Noroeste do resto do Rio Grande do Sul, transforma-la em Estado Federativo através de plebiscito e Lei Complementar, passar a ter direito à arrecadação de impostos exclusivos, receber parte no FPE, e o mais interessante, passar a ter direito de eleger oito deputados (no mínimo) e três senadores.
O Artigo 14 da Constituição Federal de 1988, pela qual somos regidos atualmente neste país, estabelece que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. Mais adiante, no mesmo texto constitucional, o Artigo 45, parágrafo primeiro, estabelece que o sistema eleitoral brasileiro será regido por lei complementar, baseado em critérios proporcionais, em que nenhum Estado poderá ter menos de oito (8) deputados e mais de setenta (70).
Pois bem. O Artigo 45 da Constituição viola o principio da igualdade evidenciado no Artigo 14, visto que, estabelecendo um piso mínimo de 8 deputados para os Estados menos populosos, porém, com dimensões territoriais maiores, e ainda, um teto de 70 deputados para os Estados mais populosos, ocasiona uma sobre-representação de alguns estados da Federação.
Um exemplo clássico é a disparidade entre São Paulo e Roraima. Este ultimo, com o menor colégio eleitoral do país, possui 8 deputados, enquanto se fosse considerar a população, lhe caberia apenas um. Já São Paulo, que soma o maior eleitorado, tem 70 deputados enquanto ser-lhe-ia possível ter 112. Em outras palavras, o voto do eleitor de Roraima vale quinze vezes mais do que o eleitor de São Paulo, visto que um representante roraimense se elege com 20 mil votos, enquanto o paulista precisa de quase 300 mil votos, em tese, para se eleger.
Essa regra vale também para o Rio Grande do Sul, que hoje tem 31 deputados e poderia, se fosse considerado apenas o critério populacional, ter mais de 50 representantes no Parlamento. O sistema político brasileiro é cheio de ambigüidades, afinal, acumula características duais e distintas em seu âmbito: federativo, republicano, presidencialista, pluripartidário e no qual convivem o sistema eleitoral majoritário (para o poder executivo e para o Senado) e o sistema proporcional (para Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa e Câmara dos Deputados).
Olhando de um ponto de vista radical, o cálculo estabelecido pela própria Constituição fere o principio da igualdade entre os cidadãos, expresso na velha máxima “Um homem, um voto”. Porém, no sistema brasileiro, teve-se a mesma preocupação que os redatores da Constituição dos Estados Unidos em 1797, preocupando-se em evitar aquilo que chama-se a “tirania da maioria”, ou seja, a sobreposição dos estados mais populosos sobre aqueles com densidade demográfica menor e no caso brasileiro, mais pobres.
A idéia seria adotar não somente o critério populacional para aferir a quantia de cadeiras na câmara dos Deputados, mas também, levar em consideração o critério territorial, visando assim, distribuir melhor o poder político entre os Entes Federados minimizando as inúmeras e graves desigualdades em termos sociais e econômicos entre Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste em relação aos Estados do Sul e do Sudeste.
O argumento perpassa a questão orçamentária, ou seja, se alimenta na Economia Política: os estados mais populosos, com maior número de representantes, concentrariam as verbas federais para si. Com a adoção do critério territorial, supõe-se que os recursos orçamentários federais seriam mais bem distribuídos entre os Estados, privilegiando também aqueles cujo desenvolvimento sócio-econômico é desfavorecido.
Porém, não se pode dizer que essa distribuição de poder político, que causa a “distorção da proporcionalidade” (NICOLAU, 2003, p. 217), tem realmente trazido modificações significativas no crescimento de tais estados menos desenvolvidos. Porém, causa enormes discussões em torno da desproporcionalidade da representação política dos Estados Federativos no Poder Legislativo Brasileiro.
A discussão da desproporcionalidade na representação dos Estados Federativos Brasileiros tem, basicamente, dois lados distintos: o lado daqueles que defendem o principio da igualdade política acima de tudo e a adoção restrita do critério populacional para definir a alocação das cadeiras na Câmara dos Deputados – associados ao modelo majoritário de democracia – e por outro lado, aqueles que estão ligados ao modelo consensual, que prima pela estabilidade política abarcando interesses minoritários relevantes presentes no território nacional.
A definição apresentada entre modelo majoritário e modelo consensual deriva dos estudos de Arend Lijhpart (1999) apud Soares e Lourenço (2004), para o qual, o último ocasiona maior estabilidade visto que assegura a representação de minorias, evitando empurra-las para a condição de oposição. Para o autor, o poder da maioria é menos democrático, ao excluir as minorias.
No modelo majoritário, há a compreensão de que a evolução natural, se é que pode-se usar tal termo, exigiria uma representação cada vez mais igualitária dos cidadãos. A partir disso, no caso da representação no legislativo brasileiro, os defensores deste modelo sugerem a perfeita correspondência entre o percentual populacional dos Estados o número de representantes a que tem direito na Câmara dos Deputados. Este argumento considera apenas a dimensão individual da representação.
Sendo assim, o modelo federativo brasileiro adota o modelo consensual ao definir a representação não apenas pelo critério populacional, e sim, levando em conta também o critério territorial, e consequentemente, interesses relevantes presentes na sociedade brasileira, ainda que provenientes de minorias regionalizadas.
Assim, ainda pautando o raciocínio nas considerações de Lijphart (1999) apud Soares e Lourenço (2004), o sistema representativo a partir do critério territorial garante a autonomia política das unidades nacionais, incorporando sua representação. Claro que tal concepção encontra severas objeções, e a questão fica balançando entre antagonismos de opinião: para o fortalecimento da democracia, é valido concentrar esforços para tornar regiões politicamente mais iguais, ou tornar cidadãos (na condição de membros de um corpo político) mais iguais?
Em outras palavras, conforme Reis (2003, p. 15), trata-se do recorrente desconforto “entre a necessidade de aprofundar a representatividade democrática e a finalidade de ampliar a eficiência e a estabilidade das instituições”.
Concluindo este raciocínio, a justificativa para a desproporcionalidade no sistema de representação brasileiro no que se refere à Câmara dos Deputados, teria sua razão calcada no principio consociativo: diminuir o grau de igualdade entre os indivíduos para incrementar o grau de igualdade de representação de Estados e/ou regiões. Um resumo bastante útil de tal raciocínio encontra-se em Reis (1993) apud Soares e Lourenço (2004, p. 114):
O federalismo é provavelmente a forma mais clássica e o exemplo por excelência de recurso ao princípio envolvido no modelo consociativo. Não faz sentido, portanto, pretender aplicar à organização federativa o igualitarismo majoritário ou plebiscitário que vem sendo apregoado com tanto furor, o qual desconhece as coletividades intermediárias e se refere ao nível dos indivíduos. Naturalmente, é possível observar que o Senado é o lugar previsto, em nossa aparelhagem institucional, para a aplicação do princípio consociativo, assegurando-se alia representação dos estados como tal. Contudo, é discutível, em primeiro lugar, que disso decorra a possibilidade de se ignorar inteiramente aquele princípio no plano da Câmara dos Deputados.
Nos Estados Unidos, que passou por dilema semelhante a solução encontrada foi o bicameralismo: uma casa legislativa para representar os Estados e outra casa para representar os indivíduos. Teoricamente, este deveria ser o modelo no Brasil, porém, o Senado e Câmara têm funções muito parecidas, votam os mesmos projetos muitas vezes de forma concomitante e ainda fazem parte das mesmas Comissões Parlamentares de Inquérito.
Segundo Samuels e Snyder (2001) apud Soares e Lourenço (2004), com exceção de Holanda, Israel e Peru, que realizam suas eleições em um único distrito, todos os demais países que subdividem o território em distritos nas eleições legislativas, existe certo grau de desproporcionalidade. Portanto, não se trata de um privilégio do Brasil. Porém, segundo os autores, a situação brasileira é peculiar devido, não a existência da desproporção, mas sim, ao grau da mesma. Além disso, conforme Soares e Lourenço (2004, p. 115),
(...) o Senado tem tido peso e funções muito distintas entre os países; casos como a Bélgica, a Suíça e o Canadá mostram como a representação de grupos sociais relevantes pode ter vigência nas duas casas legislativas e até mesmo nas coalizões de governo do executivo nacional.
As causas de tal desproporcionalidade são apontadas por Soares e Lourenço (2004) em três dimensões: a primeira diz respeito à determinação de um número mínimo de representantes por unidade da Federação; a segunda, regras constitucionais que sub-representam estados com maior população através da definição de um número máximo de representantes ou ainda, a distribuição em intervalos crescentes, e, por fim, em terceiro lugar, a não revisão periódica do número de representantes de cada Estado comparativamente ás alterações ocorridas na população, como por exemplo, migração e crescimento populacional.
Alguns autores argumentam que uma das conseqüências da desproporcionalidade na representação dos Estados estaria beneficiando as regiões mais retrógradas do país. Soares e Lourenço (2004) em seus estudos consideram este argumento simplista e impróprio, e, além disso, não identificam relação entre desproporcionalidade distrital e desproporcionalidade partidária. E defendem que,
(...) a representação estritamente proporcional dos estados, em termos de população, levaria a uma maior concentração de poder econômico e político em uma única unidade da Federação – o estado de São Paulo –, o que contribuiria para o aumento de nossos desequilíbrios federativos, com a conseqüente ameaça de o país ficar submetido no plano político-eleitoral ao que se denomina “tirania da maioria” (SOARES e LOURENÇO, 2004, p. 126).
A tirania da maioria, um dos principais fantasmas do pensamento democrático liberal que consiste, basicamente na possibilidade da maioria, ainda que legítima, suplantar todas as minorias (NICOLAU, 1997). Há muito tempo, Tocqueville já dizia ser “ímpia e detestável a máxima de que, em matéria de governo, a maioria de um povo tem o direito de fazer tudo” (TOCQUEVILLE apud QUIRINO, 1995, p. 172).
Sendo assim, se o princípio que embasa o argumento que justifica a desproporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados, diz respeito a um mecanismo de minoração das desigualdades regionais através de uma distribuição mais justa do poder político, a situação torna-se até defensável. Sem dúvida, não seria justo Estados mais populosos como São Paulo e outros semelhantes concentrarem a maior parcela dos recursos orçamentários federais, em detrimento à outras regiões, que justamente por serem mais pobres, precisam de forma bastante incisiva de investimentos estatais.