A sociedade, como um organismo vivo, mudou ao longo do tempo; e com ela as leis. O próprio CPC/73 sofreu diversas reformas, algumas bastante profundas (como a disciplina da tutela antecipada e do processo sincrético).
Ocorreu que apesar das reformas perpetradas no diploma, a coerência do sistema ficou comprometida e as normas ineficientes perante a alta litigiosidade que se instaurou principalmente após a Constituição Federal de 1988.
A razoável duração do processo passou a ser direito constitucionalmente previsto e a figura do Juiz Gestor uma exigência.
Nesse contexto, vislumbrou-se a necessidade de um novo código; de um diploma que estivesse em consonância com a atual Constituição e com a verdadeira instrumentalidade do Processo. Um conjunto de normas sistematicamente coerente e atento à nova realidade social. Nesse sentido, foi concebido o Novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em 2016.
Analisando os índices do antigo e do novo Código de Processo Civil já é possível verificar grandes mudanças e inovações.
O antigo CPC, Lei n. 5.869 de 11 de janeiro de 1973, com aproximadamente 1.220 artigos, é organizado em 5 (cinco) livros:
Livro I – Do Processo de Conhecimento
Livro II – Do Processo de Execução
Livro III - Do Processo Cautelar
Livro IV – Dos Procedimentos Especiais
Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias.
O Novo CPC, Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015, tem 1.072 artigos e é dividido em 2 partes: uma geral e outra especial.
A Parte Geral tem 6 (seis) livros:
Livro I – Das Normas Processuais Civis
Livro II – Da Função Jurisdicional
Livro III – Dos Sujeitos do Processo
Livro IV – Dos Atos Processuais
Livro V – Da Tutela Provisória
Livro VI – Da Formação, da Suspensão e da Extinção do Processo.
Já a Parte Especial tem 4 (quatro) livros:
Livro I – Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença
Livro II - Do Processo de Execução
Livro III – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais
Livro Complementar - Disposições Finais e Transitórias
Percebe-se que de certa forma o novo CPC remeteu os livros do antigo CPC para a chamada Parte Especial e extraiu desses mesmos livros temas reputados como gerais para tratamento uniforme nos diversos processos e ritos. Esta mudança na organização do Código ensejou o aumento do número de Livros e a repartição do novo diploma em Parte Especial e Parte Geral.
Na Parte Geral, o novo Código introduz suas disposições mencionando a ordem constitucional, buscando trazer a lume a ideia de um direito processual atento à Constituição Federal, fundamento de existência e de validade de todo o ordenamento jurídico.
Nesse sentido, desde logo estampa o novo diploma que: “Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
Esta atenção à Constituição ocorre porque, conforme exarado na exposição de motivos, deve-se “deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais”[1].
Então, além de inovar toda a estrutura de organização das normas processuais, o novo CPC se adequa perfeitamente à nova ordem constitucional homenageando o neoconstitucionalismo e a força normativa da Constituição.
Trata-se de verdadeira evolução do sistema que culminou também com outras mudanças inseridas no novo Código. Uma dessas mudanças, de grande importância, foi a extinção do livro relativo ao processo cautelar. Agora o novo CPC trata do tema na parte geral, Livro V “Da tutela provisória”, consagrando as já nomeadas pela doutrina “tutela da evidência e da urgência”.
Esta mudança é sensível, pois a sociedade contemporânea vive uma realidade instantânea. As informações circulam cada vez mais rápido e as demandas exigem na mesma medida mais tutelas provisórias. Com o novo regramento, a tutela provisória passou a ser tratada de forma mais condizente com a atual “Era da informação e reação”.
A atual Era também é da quantidade. São mais de 90 milhões de demandas em trâmite no Brasil[2]. Por isso, o Poder Judiciário atualmente se guia por números, relatórios, metas e gerenciamento. Mas somente isso não soluciona o alto índice de demandas no Brasil. Neste ponto, o Código de Processo Civil é fundamental e, por isso, o novo diploma busca um processo simples e célere.
Para ser célere, o processo conta com diversos instrumentos. Um deles é a observância dos precedentes. Friamente pode-se dizer que o Brasil conta com quatro instâncias (na Justiça Comum: 1º e 2º graus, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) e muitos recursos.
Neste ponto, o papel dos precedentes é de suma importância. Apesar da independência que conta todo Magistrado, deve a decisão judicial observar a tese jurídica que já é pacífica nas Cortes Superiores, conferindo estabilidade, segurança jurídica e isonomia a sociedade. Deve-se ao máximo evitar a chamada “justiça lotérica”.
Claro que isso não significa engessamento do sistema, até porque o Magistrado pode excepcionar o entendimento já firmado da Corte Superior demonstrando sua inaplicabilidade no caso concreto. Isso inclusive é expressamente previsto no novo CPC (art. 489, inciso VI).
Além da estabilidade e isonomia, a observância dos precedentes desagua na contenção de recursos e, logo, contribui para a celeridade processual.
Visando também conter a alta quantidade de processos, novos institutos foram criados com inspiração no direito estrangeiro, já que a atual época é de interpenetração das civilizações[3].
O novo Código inspirado no direito alemão introduziu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Por meio deste incidente, serão identificados os processos que tenham a mesma questão de direito para decisão conjunta.
Este incidente combate a coexistência de decisões conflitantes em um cenário de multiplicação expressiva de demandas repetidas.
Outro viés que foi fortemente abordado pelo novo CPC é o relativo aos métodos de solução de conflitos. A conciliação ganhou destaque e teve tratamento específico na Seção V e na Parte Especial, Livro I, Capitulo V.
Isso porque “entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz[4]”. Trata-se de uma releitura do que significa a verdadeira paz social buscada pelo Poder Judiciário na solução de conflitos.
Essas são só algumas medidas tomadas pelo novo CPC para que haja celeridade e uniformidade nos diversos processos existentes.
Ressalta-se também o tratamento especial dado pelo novo diploma à cooperação internacional que passa a ter capítulo próprio.
Cuida-se de um avanço sintonizado com a globalização há muito tempo existente, que elimina fronteiras e exige diálogo constante entre os Estados. O que antes era regional, hoje não mais o é. Isso é um viés internacional que não poderia passar despercebido pelo novo Código.
Outra sensível inovação foi a feita no “Livro III – Dos Sujeitos do Processo” que tratou sobre as despesas, os honorários advocatícios e as multas de forma mais minuciosa do que o CPC/73. Além disso, abordou o tema da gratuidade da justiça, matéria até então disciplinada quase exclusivamente pela Lei n. 1.060/50.
A intervenção de terceiros passou também por mudanças não menos importantes. O Título III da Parte Geral trata da assistência, da denunciação da lide e do chamamento ao processo, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sobre o amicus curiae. A oposição passou a ser tratada na Parte Especial, Título III, Capítulo VIII.
Quanto aos pronunciamentos do juiz, existem três pontos relevantes no novo CPC: i) o art. 203, § 1o, buscou estancar a polêmica existente e trazer um novo conceito de sentença; ii) a fundamentação da sentença foi tratada de forma meticulosa pelo art. 489; em especial, destaca-se a parte que considera não fundamentada qualquer decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; e iii) o art. 12 passou a prever o julgamento conforme a ordem cronológica dos processos.
Além disso, alguns já demonstraram preocupação com o que prevê o art. 10: “juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Vislumbro que a intenção do dispositivo é de conferir prévio contraditório sobre fundamentos sensíveis capazes de definirem o resultado da demanda. O artigo não exige que o fundamento tenha surgido das partes. O juiz verificando que existe algo relevante no processo que por equívoco ou por outra razão não foi abordado, deve colocar o tema em pauta para então decidir.
Enfim, o presente artigo teve por fim apresentar uma visão panorâmica do novo CPC, indicando alguns pontos que sofreram mudança na nova codificação. Não se busca esgotar o tema neste exíguo espaço, mas tão somente introduzir a ideia em que se funda o novo CPC. Pontos específicos do novo diploma merecem análise profunda em artigos próprios que logo serão publicados. De toda forma, já é possível verificar a evolução normativa promovida pelo novo diploma que certamente muito contribuirá para a justiça brasileira.
Notas
[1] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3
[2] http://www.amab.com.br/noticias/detalhe/noticia/2409-justica-em-numeros-aponta-quase-100-milhoes-de-processos-em-tramite-no-pais/?cHash=116fee3cbc5ad315d0b340dae4a7bb47
[3] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3
[4] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3