O §4º do art. 40 da CF/88, com a redação dada pela EC nº 47/05, excepciona, em seus três incisos, nos termos definidos em leis complementares, a possibilidade do servidor público se aposentar com requisitos e critérios diferenciados (menos rigorosos) dos estabelecidos na regra permanente do §1º deste mesmo artigo.
Isto é, o servidor portador de deficiência; ou o que exerça atividade de risco ou ainda o que exerça atividade que prejudique sua saúde ou a integridade física, desde que exista lei complementar específica regulamentando a matéria, poderá se aposentar com requisitos menos rigorosos do que os exigidos para os servidores que não estão submetidos a tais condições.
A redação do §4º do art. 40 da CF/88 encontra-se assim vazada:
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
I portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Ordinariamente, se não fossem essas circunstancias penosas e desfavoráveis a que estão submetidos alguns servidores, eles deveriam se aposentar pelas regras normais, as chamadas regras permanentes contidas no §1º do art. 40 da CF/88, sobretudo as voluntárias, tendo que implementar os requisitos nelas exigidos, ou ainda pelas regras de transição criadas pelas emendas constitucionais, caso implementassem os requisitos nelas também exigidos.
Portanto, não podemos nunca olvidar que os requisitos e critérios diferenciados são a exceção. A regra é a de que todos os servidores titulares de cargo efetivo estão inseridos no comando do art. 40 da CF/88. Desta forma, podemos concluir que as aposentadorias especiais do §4º não são regras de aposentadoria propriamente autônomas, visto que estão umbilicalmente ligadas às regras permanentes do §1º. Tratam-se de exceções contidas no contexto das regras permanentes. Esta é a primeira conclusão.
Outra conclusão a que podemos chegar é a de que o §4º refere-se apenas e tão somente a requisitos e critérios diferenciados para a concessão da aposentadoria e não como critério do cálculo dos proventos. Isto quer dizer que o servidor que se enquadrar em um dos três incisos do referido §4º, terá o direito, desde que lei complementar assim estabeleça, de se aposentar com critérios de idade e/ou tempo de contribuição menos rigorosos do que os critérios de idade e/ou tempo de contribuição exigidos nas regras permanentes do §1º, para os servidores que trabalham em condições normais.
Não foi intuito do legislador reformador oferecer um critério de cálculo mais vantajoso ao servidor submetido a circunstancias fáticas e funcionais que lhe desfavoreçam e dificultem o exercício de suas funções. O legislador, claramente, limitou esta compensação unicamente aos requisitos de elegibilidade para a obtenção da aposentadoria, e o fez de forma fulgente na redação §4º do art. 40 da CF/88.
Pois bem, como é de conhecimento público, atualmente, os três tipos de aposentadoria especial do §4º, em face da ausência de leis complementares específicas que disciplinem a matéria, por inércia do Legislativo Federal, estão sendo concedidas por força das seguintes decisões e normas:
- Quanto ao inciso I – servidor portador de deficiência: por força Lei Complementar nº 142/2013, conforme decisão do STF no Agravo Regimental interposto no MI nº 5126/DF
- Quanto ao inciso II - servidores que exerçam atividades de risco: por força da Lei Complementar nº 144/2014, que deu nova redação ao art. 1º da LC nº 51/85
- Quanto ao inciso III - servidores com atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física: por força do que estabelece a Súmula Vinculante 33 do STF.
Com relação aos incisos I e III do §4º do art. 40 da CF/88, o STF determinou que se aplicasse o regramento do RGPS até que lei complementar específica do RPPS disciplinasse a matéria. Já com relação ao inciso II, as leis complementares que estão sendo aplicadas são próprias do RPPS.
Ocorre que, independente do §4º estar sendo implementado por força de normas do RGPS ou mesmo que fosse por força de normas específicas do RPPS, eventualmente já editadas, o que importa dizer é que, em qualquer destas circunstâncias, o §4º dirige-se apenas aos critérios e requisitos de elegibilidade para a concessão do benefício e não aos critérios de cálculo dos proventos.
Conforme ressaltado parágrafos acima, os servidores que se aposentam pelas regras especiais do §4º, evidentemente estão abrangidos pelo regime de que trata o art. 40 da CF/88, regime este que adotou uma nova forma de cálculo insculpida nos §§§ 1º, 3º e 17, com a nova redação da EC nº 41/03, em c/c o art. 1º da MP nº 167 de 20/02/2004, atual Lei nº 10.887/2004.
O novo critério de cálculo dos proventos, trazido pela legislação acima esposada e que, efetivamente, entrou em vigor no dia 20/02/2004, com a publicação da MP nº 167, substituiu a integralidade (última remuneração no cargo efetivo) pela média das contribuições vertidas ao longo da vida do servidor. Portanto, quem se aposentar após a MP nº 167/04, pelas regras permanentes do §1º do art. 40 da CF/88, com a exceção da aposentadoria por invalidez, por força da EC nº 70/12, terá que se submeter ao cálculo da média aritmética simples. E este novo critério de cálculo, certamente, se aplica também às aposentadorias concedidas com base nos três incisos do §4º do art. 40 da CF/88, já que estão inseridos neste contexto normativo, como não poderia deixar de ser.
Agora, para melhor ilustrar onde queremos chegar, tomemos como exemplo a aposentadoria especial do inciso II do §4º do art. 40 da CF/88, servidor que exerce atividade de risco:
Quando a alínea “a” do inciso II, do art. 1º da LC 51/85, com redação dada pela LC nº 144/14, estabelece que a aposentadoria voluntária do homem será com proventos integrais, independentemente da idade, após 30 anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, ela não está se referindo à integralidade como critério de cálculo com base na última remuneração do servidor no cargo efetivo. Absolutamente, não.
Ela se refere apenas ao fato de que se o homem alcançar 30 anos de tempo de contribuição, sua aposentadoria será integral e não proporcional. Sua aposentadoria representará 100% sobre o resultado de um cálculo que poderá ser a média ou a última remuneração do servidor no cargo (integralidade). Portanto, a expressão “proventos integrais” utilizada na norma acima, não define o direito à integralidade. É muito importante que o intérprete não confunda “direito a proventos integrais” com “direito à integralidade”, são coisas distintas, embora muito tênue a linha que as define.
Na aposentadoria voluntária do art. 1º da LC 51/85, os proventos serão sim integrais, mas só terão direito à integralidade aqueles que tiverem implementado os requisitos nela previstos, antes do dia 20/02/2004, data de publicação da MP nº 167/04, que regulamentou o cálculo da média aritmética simples. Se o implemento dos requisitos se der após esta data, o cálculo deverá ser obrigatoriamente pela média. Este raciocínio serve apara as outras modalidades de aposentadoria especial, insculpidas nos incisos I e III do §4º do art. 40 da CF/88.
Destarte, em quaisquer das hipóteses do §4º, o cálculo dos proventos deverá observar se os requisitos da regra, sejam aquelas emprestadas do RGPS, sejam as do RPPS, foram implementados antes ou após a MP nº 167/04. Se antes, integralidade. Se depois, média.