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Direito ambiental: a atuação do sistema judiciário para tutela dos animais

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A presente pesquisa tem como objetivo o estudo e análise dos princípios constitucionais ambientais da precaução e da prevenção na proteção específica da fauna brasileira e como tais princípios são efetivados.

Resumo

A presente pesquisa tem como objetivo o estudo e análise dos princípios constitucionais ambientais da precaução e da prevenção na proteção específica da fauna brasileira e como tais princípios são efetivados pelo Ministério Público e o Poder Judiciário, em suas atuações funcionais, para identificar as causas da extinção animal e as maneiras de afasta-las, como forma de tutelar os animais. Primeiramente, será abordada a definição de cada um dos princípios, o limite de sua aplicação, onde se encontram no ordenamento brasileiro e, por fim, qual a força e natureza jurídica destes. Em seguida, estudaremos a fauna brasileira de maneira geral, o conceito de extinção e as principais causas deste processo nas espécies. Por fim, verificaremos, por meio da jurisprudência, como o sistema judiciário atua para efetivar os princípios e garantir a tutela animal, bem como se esta atuação é suficiente e como poderá melhorar.

Palavras-Chave: Princípio da precaução e da prevenção – Fauna Brasileira – Poder Judiciário.

Abstract

This research paper aims to study and analyze the constitutional and environmental principles of precaution and prevention in the specific protection of the Brazilian fauna and how such principles are used by prosecutors and the juridical system, in its functional performances, to identify the causes of extinction animal and ways away from them as a way to protect the animals. First, it addresses the definition of each principle, the limit of their application in the Brazilian legal system and, finally, what is the strength and nature of said principles. Then study the Brazilian fauna in general, the concept of extinction and the main causes of this process in species. Finally, we will verify, through case law, how the legal system works to give effect to the principles and ensure animal guardianship and if this action is sufficient and how to improve.

Key Words: Principle of precaution and prevention - Brazilian Fauna - Judiciary.

 

 

Introdução

O meio ambiente pode ser entendido como a interação dos elementos naturais, artificiais e culturais que possibilitam o desenvolvimento da vida, conforme José Afonso da Silva. A Constituição da República trata o meio ambiente de maneira integrada, não admitindo sua fragmentação: meio ambiente é o todo externo à pessoa humana, que com ela interage.

Ocorre que, a evolução desenfreada da espécie humana, sem análise de impacto no meio ambiente passou a degrada-lo.

Inúmeras são as ações humanas que degradam este meio. Dentre elas encontram-se as formas de ataque à fauna, que é elemento integrante do meio ambiente, como, por exemplo, a destruição dos habitats dos animais e a caça predatória.

A fauna nada mais é do que o conjunto de todas as espécies animais existentes em certa localidade e sua proteção é de suma importância para que se forme um ecossistema equilibrado, propiciando assim a maior interação e diversidade possível de espécies e biomas. 

Diante deste panorama, surgiu a necessidade de uma proteção jurídica do meio ambiente, ou seja, após a análise dos inúmeros impactos ambientais que a ação humana causa, foram criadas normas, com força coercitiva, para protege-lo.

Dentre os diversos elementos, a fauna é um dos que precisa de proteção do direito. O presente trabalho busca estudar a tutela da fauna brasileira pelo Ministério Público e o Poder Judiciário, efetivando os princípios constitucionais da proteção e da preservação ambiental.

Ocorre que, com o aumento da criação de riscos ambientais pela ação humana, acabou-se por constatar que os mecanismos de controle social utilizados pelos Poderes Públicos já não seriam mais suficientes.

Mariell Antonini Dias Alvares afirma:

“... com o reconhecimento da responsabilização civil do sujeito infrator e posterior aplicação da consequente medida compensatória já não seria mais suficiente para lidar com esta nova espécie de perigo anunciada no século XX...” (ALVARES, Mariell Antonini Dias. O Princípio da Precaução como instrumento adequado para resolução dos problemas ambientais de segunda geração, Revista de Direito Ambiental 71 – RT, 2013, pag.37).

Continua o referido autor dizendo:

“...este sistema de responsabilização era perfeito para os problemas ecológicos-ambientais de primeira geração, que são aqueles que possuem suas causas e efeitos conhecidos e comprovados pela ciência, mas insubsistente em relação aos problemas ecológicos de segunda geração, os quais, nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho, caracterizam-se por serem decorrência dos “efeitos combinados dos vários fatores de poluição e das suas implicações globais e duradouras como o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio, as mudanças climáticas e a destruição da biodiversidade’”. (ALVARES, Mariell Antonini Dias. O Princípio da Precaução como instrumento adequado para resolução dos problemas ambientais de segunda geração, Revista de Direito Ambiental 71 - RT, 2013, pag.38)

Em razão deste crescente fenômeno, passou-se a criar mecanismos de atuação estatal próprios para combater aqueles problemas ecológicos decorrentes de uma junção de fatores externos, fazendo surgir os princípios da prevenção e da precaução.

Sendo assim, é necessário analisar se tais princípios realmente estão sendo efetivados no Brasil para a proteção da fauna silvestre.

 

 

Os princípios constitucionais da precaução e da prevenção

A gênese do direito ambiental no ordenamento brasileiro encontra-se mais especificamente no artigo 225 da Constituição da República que diz em seu caput: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações”.

Tal dispositivo prevê um direito a um meio ambiente equilibrado a todos os cidadãos, o que perpassa pela convivência humana com todas as espécies de animais. Em seguida, impõe um dever ao Poder Público e à coletividade de defender e preservar este meio ambiente equilibrado.

O referido dispositivo, já em seu §1º, indica obrigações especificas impostas ao Poder Público para que assegure a efetividade desse direito. Em outras palavras, traz instrumentos dotados de um conteúdo normativo principiológico para se efetivar o direito ao meio ambiente.

A fauna brasileira envolve o conjunto de espécies distribuídas por todo o território nacional, sendo assim parte integrante do meio ambiente. Visando especificamente a tutela da fauna é possível destacar três dispositivos, dos quais surgem os princípios basilares do presente trabalho.

Diz o §1º do artigo 225: “Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público: I- preservar e restaurara os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II- preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (...) VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (...)”.

O manejo ecológico das espécies nada mais é do que o trato com as diversas espécies de modo a conserva-las e recupera-las, visando sempre uma biodiversidade[1]. É uma forma de gestão das espécies, tanto animais quanto vegetais, devendo levar em conta a relação destas com o meio.

Assim, é necessária a pesquisa de campo com levantamento e organização de dados, estudos sobre causas de agressão às espécies, possíveis isolamentos temporários, visando sempre atuações efetivas para a proteção da fauna.

É possível estabelecer um planejamento ecológico, com inúmeras medidas. José Afonso da Silva afirma:

“... A exigência é que se realize uma gestão ecológica planejada das espécies, incluindo o zoneamento específico, a fim de prover sobre seu manejo, que é instrumento de sua conservação ... Essas providências hão que apoiar-se em textos legislativos e regulamentares, em função do princípio da legalidade, mas a norma constitucional supramencionada já oferece ao Poder Público as bases para sua intervenção no sentido de resguardar a diversidade das espécies ...” (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2011, pag.93/94).

Preservar a diversidade e integridade do patrimônio genético é, em linhas gerais, a proteção de todas as espécies de seres vivos nos diversos biomas do Brasil, por meio dos fatores que caracterizam e daqueles que diferenciam cada uma dessas espécies.

De uma maneira geral, percebeu-se que a clássica atuação do Estado, pautada na transgressão da norma, na produção de um dano cientificamente comprovado, no nexo de causalidade entre estes, no subjetivismo do agente e na lógica compensatória, não seria suficiente para a tutela do meio ambiente, uma vez que certas condutas poderiam criar riscos irreversíveis.

Em razão disto, a postura estatal foi alterada, surgindo a ideia de atuação, não só para compensar o dano, mas também e principalmente, para evita-lo, com medidas antecipatórias.

Assim, destes três dispositivos da Constituição da República, esta ideia foi acobertada, fazendo surgir o primeiro princípio constitucional de suma importância para o direito ambiental e para a tutela animal.

Este é o princípio da prevenção, uma norma que afirma que todos os esforços devem ser no sentido de evitar a ocorrência do dano ambiental, pois, caso esse dano ocorra, é praticamente impossível a restituição ao “status quo ante”.

O artigo 225 da Constituição da República impõe o dever de preservação ao meio ambiente, que engloba a fauna. Depois, no inciso I, esse dever é novamente adotado, de forma que as espécies devem ser sempre preservadas, evitando-se o dano ambiental.

Caso não se proteja as espécies animais em extinção, estas poderão ser extintas, não havendo maneira de recupera-las, fato que ocasiona uma diminuição para a biodiversidade, importante para a própria qualidade de vida humana.

Porém, prevenir tem o significado de agir antecipadamente e para que haja essa ação antecipada, é preciso informação, o conhecimento do que se quer prevenir. Sem informação organizada e sem pesquisa não há prevenção.

Portanto, ao se falar do princípio da prevenção, entende-se que o desenvolvimento científico da humanidade já é capaz de prever quais riscos determinada atividade irá ocasionar ao meio ambiente.

Em outras palavras, caso certa atividade seja explorada ocorrerá, em certo tempo, resultados lesivos ao meio ambiente. Sendo assim, é necessário afastar a ocorrência destes riscos, com ações antecipatórias

Em razão disto, é que se exige um manejo ecológico das espécies. Somente com esta gestão organizada, identificação das espécies em extinção, o conhecimento sobre as especificidades daquela espécie e as principais causas de sua extinção é que se terá informação necessária para tomar posicionamento preventivo.

A atuação preventiva é pautada pelo conhecimento cientifico e possibilidade de determinação do risco, o que não dificulta a adoção de medidas enérgicas para evita-lo, não existindo razão para aguardar o dano.

Nesse sentido afirma Mariell Antonini Dias Alvares:

“...se já se sabe que futuramente advirá um perigo sério ao meio ambiente, não há motivo para esperar sua verificação para somente após tentar compensa-lo, especialmente se considerarmos que determinados fatos são impossíveis de serem revertidos, como se verifica em relação à extinção de uma espécie, por exemplo...” (ALVARES, Mariell Antonini Dias. O Princípio da Precaução como instrumento adequado para resolução dos problemas ambientais de segunda geração, Revista de Direito Ambiental 71- RT-, 2013, pag.40).

No entanto, desta conclusão surge um problema, quando, há uma possibilidade da ocorrência de dano ambiental caso certa atividade seja realizada, porém, falta a certeza cientifica. Em outras palavras, vislumbra-se a ocorrência do risco ambiental, porém, não há comprovação científica com relação à real ocorrência e o nexo de causalidade com o risco.

Nestas hipóteses, se deve esperar o dano ambiental ou o desenvolvimento científico para comprovação do risco ou tomar posicionamento enérgico de proteção do meio ambiente?

Para resolver a questão, surgiu o princípio da precaução, por meio do qual em toda atuação o ser humano deve tomar as medidas precavidas necessárias para não se chegar à situação de risco ambiental. Determina que não se pratique intervenções antes da verificação de que estas não serão prejudiciais ao meio ambiente. Primeiramente, é necessário avaliar o risco

Fomenta a atuação estatal em situações de potencial risco ambiental, ainda que não exista a certeza científica sobre a real ocorrência do risco e do nexo de causalidade entre a atividade e aquele.

Deve sempre existir uma prévia avaliação do risco, ainda que esta não seja comprovada cientificamente, para então geri-lo. A gestão do risco é a sua administração, adotando as melhores medidas cabíveis para afasta-lo ou diminuí-lo.

Importante citar a lição de Mariell que diz:

“... A decisão exarada com base no princípio da precaução, como visto, não precisa necessariamente conter cunho negativo, de proibição de determinada atividade ou produto ... somente deve ser tomada diante da necessidade apresentada em face de situação de risco grave possível de ser gerado ao meio ambiente ...” (ALVARES, Mariell Antonini Dias. O Princípio da Precaução como instrumento adequado para resolução dos problemas ambientais de segunda geração, Revista de Direito Ambiental 71 - RT, 2013, pag.46).

O referido autor continuou a lição citando exemplos de condutas de precaução diversas das de cunho negativo, como adotar a decisão de financiar um programa de investigação, informar a opinião pública sobre os efeitos nocivos de uma atividade, a determinação de redução da exposição do perigo, a inversão no ônus da prova, opção pelo monitoramento da atividade.

A sua conceituação foi se desenvolvendo ao longo das Convenções Internacionais, até a produção do “princípio 15 da Declaração do Rio/92”:“Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos grave ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

Importante observar que, anteriormente interpretado de forma restritiva (somente ameaça de danos graves ou irreversíveis), o princípio tem sido interpretado de maneira extensiva, englobando atividades capazes de provocar sensível alteração na biodiversidade.

Conforme se pode observar, o artigo 225 impõe o dever de defesa do meio ambiente, que engloba a fauna, ao Poder Público e à coletividade. Em seguida, no inciso VII, obriga o Poder Público a proteger a fauna das práticas que a coloquem em risco.

Portanto, está claro que o ordenamento jurídico brasileiro adotou como princípio informador do direito ambiental da precaução, de maneira que toda e qualquer atuação humana deve ser anteriormente analisada para se evitar o risco ambiental e, posteriormente, gerida para adequar o desenvolvimento à proteção da fauna.

As espécies animais que não estão em extinção, não sofrem risco iminente de sumirem da Terra também podem acabar sofrendo danos com a intervenção humana ao ambiente animal podendo levar as espécies à situação de extinção, produzindo um risco, ainda que não comprovado cientificamente.

Portanto, é necessário que as intervenções humanas sejam dotadas de precaução, para que não se chegue à situação de risco.

Assim, a conclusão a que chega é que a fauna, enquanto elemento integrante do meio ambiente, deve ser objeto de tutela jurídica. Com o desenvolvimento da doutrina ambiental, percebeu-se que esta tutela não pode se restringir à simples atuação compensatória, após a ocorrência do dano ambiental.

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Portanto, dois mecanismos devem nortear a proteção do meio ambiente, e dos animais especificamente, o princípio da prevenção, no qual há uma certeza científica sobre a ocorrência do dano ambiental caso a atividade humana seja realizada, e o princípio da precaução, no qual aquela certeza não existe, porém, não é justificativa para permitir a realização de atividades humanas.

 

 

Da força normativa dos princípios ambientais

Princípios são espécies do gênero norma, que nada mais é do que uma estrutura proposicional (expressão verbal do juízo) enunciativa de uma forma de organização ou de conduta que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória.

Toda norma enuncia um comportamento que deve ser seguido, devido o reconhecimento de um valor, ao qual é conferido um caráter de obrigatoriedade.

Os princípios são proposições lógicas de caráter geral, tidas como base das demais asserções da ciência jurídica, que orientam a elaboração, interpretação e aplicação do ordenamento.

Com uma visão mais moderna e analisando a efetividade dos direitos fundamentais contidos na Constituição surgiu uma classificação das normas constitucionais, inspirada em tese de Celso Antônio Bandeira de Mello e analisada por Luís Roberto Barroso, com três novas categorias (2009, pp. 87-118):

Normas constitucionais de organização, que disciplinam a criação e estruturação, as funções dos órgãos estatais, bem como seus limites. Normas Constitucionais definidoras de direitos, que definem os direitos fundamentais dos cidadãos. Normas constitucionais programáticas, que traçam linhas de atuação estatal, indicam objetivos e deveres específicos do Estado. Traçam diretrizes que orientam a atuação dos poderes públicos para garantir os direitos fundamentais, dentre eles o direito a um meio ambiente equilibrado.

Assim, ambos os princípios de direito ambiental são classificados como normas programáticas que trazem o dever aos Poderes Públicos de, em primeiro lugar, defender a fauna, se precavendo de possíveis riscos. Em segundo lugar, em uma situação já de risco aos animais, deve prevenir o dano ambiental.

Portanto, esses princípios informadores do direito ambiental, ao serem incluídos pelo legislador constituinte enunciaram uma regra comportamental de como se deve atuar perante o meio ambiente e a fauna.

A força normativa contida nestes princípios vincula os Poderes Públicos, obrigando-os a atuar na proteção de um valor maior, qual seja, o meio ambiente equilibrado. O desrespeito a estes preceitos gerais é suficiente para ensejar o cumprimento forçado por parte do Poder Executivo.

Em outras palavras, o princípio da precaução e o princípio da prevenção têm conteúdo normativo capaz de embasar medidas que visem a efetivação da tutela da fauna brasileira, principalmente, dos animais que se encontram em extinção.

Da fauna brasileira e as formas de proteção

Do artigo 225, incisos I, II e VII, da CR, que institui os princípios da precaução e da prevenção, surge uma gama de normas infraconstitucionais e infralegais que são destinadas à proteção específica dos animais.

A edição de textos normativos é a base para se estabelecer uma proteção eficaz da fauna, pois, por meio destas regras, é que se disciplinarão as formas de atuação específicas para os diversos casos de cada uma das espécies animais no país, trazendo importantes definições.

A Lei nº. 5.197/64, dispõe especificamente sobre a proteção da fauna, o que se ajusta perfeitamente ao texto constitucional vigente.  Em seu artigo 1º, a lei afirma que os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado.

 

A fauna é bem comum de todos, não é nem público nem privado, trata-se de bem difuso, e, por isso, deve ser protegido. O animal então, por este conceito de fauna e pela proteção dada pela Constituição Federal, não pode mais ser considerado como coisa.

 

A Lei n. 9.985/00 institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, que tem como principal finalidade criar áreas que visem manter os processos ecológicos ali existentes, podendo ser divididas como de Proteção Integral, quando não admite intervenção direta do homem no espaço protegido e de Desenvolvimento Sustentável, quando admite a intervenção humana nos processos ecológicos de forma sustentável e com o fim de assegurar as atividades culturais desenvolvidas por comunidades locais e povos tradicionais ali existentes.

 

No Brasil, o Centro Brasileiro de Biologia da Conservação (CBBC), criado pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), compartilha desde 1998 experiências adquiridas em projetos de conservação e desenvolvimento sustentável. Uma das estratégias que tem dado certo na preservação da biodiversidade é a criação de Unidades de Conservação (UC), que fazem um monitoramento da região (espécies, comunidades e ecossistemas), em prol do desenvolvimento sustentável. No Brasil existem atualmente 1.762 UC’s, o equivalente a 1.527.213 km.

 

O macaco muriqui é exemplo de um animal em ameaça de extinção, devido principalmente à caça esportiva e ao consumo humano. Os muriquis, reduzidos a pouco mais de três mil indivíduos, sobrevivem atualmente em parques estaduais e nacionais. Apesar da caça existir até hoje, há avanços nos esforços de conservação. O Plano de Ação Nacional dos Muriquis, por exemplo, propõe estratégias para proteger a espécie. Outra proposta é a criação de um corredor ecológico ligando duas reservas de proteção da Mata Atlântica em São Paulo, possibilitando que os muriquis se espalhem por uma área maior.

 

Este sistema é a pura concretização do princípio da prevenção, no qual se tem conhecimento das atividades humanas causadoras do risco e se toma medidas para prevenir do dano ambiental, a extinção. Criando estas áreas é possível pesquisar, coletar dados e gerir a diversidade de espécies, protegendo-as e integrando-as com o ser humano, sem que o desenvolvimento deste possa degrada-las.

 

A ocorrência de uma situação de extinção pode, comprovadamente, advir de certa atividade, o que requer uma situação de prevenção ou pode existir a probabilidade desta ocorrência, razão pela qual a atuação deve ser precavida, somente. Diante disto, é importante, em primeiro lugar, reconhecer o que vem a ser a extinção e a ameaça a esta extinção.

O Ministério do Meio Ambiente conceitua da seguinte forma:

“O processo de extinção está relacionado ao desaparecimento de espécies ou grupos de espécies em um determinado ambiente ou ecossistema. Semelhante ao surgimento de novas espécies, a extinção é um evento natural: espécies surgem por meio de eventos de especiação (longo isolamento geográfico, seguido de diferenciação genética) e desaparecem devido a eventos de extinção (catástrofes naturais, surgimento de competidores mais eficientes). Espécies ameaçadas são aquelas cujas populações e habitats estão desaparecendo rapidamente, de forma a colocá-las em risco de tornarem-se extintas. A conservação dos ecossistemas naturais, sua flora, fauna e os microrganismos, garante a sustentabilidade dos recursos naturais e permite a manutenção de vários serviços essenciais à manutenção da biodiversidade, como, por exemplo: a polinização; reciclagem de nutrientes; fixação de nitrogênio no solo; dispersão de propágulos e sementes; purificação da água e o controle biológico de populações de plantas, animais, insetos e microorganismos, entre outros. Esses serviços garantem o bem estar das populações humanas e raramente são valorados economicamente”.

Portanto, a extinção é o desaparecimento de certa espécie da sua localidade, o que é considerado o dano ambiental. Este processo é tido como natural, porém, a atuação humana pode acelera-lo, de maneira a colocar espécies animais em risco de ficarem extintas, sem que tal fato decorra da natureza.

É exatamente a aceleração deste processo natural que a tutela jurídica pretende evitar, objetivando sempre a manutenção da biodiversidade dentro dos diversos ecossistemas existentes no Brasil. Com a gestão ambiental das espécies é possível ainda tentar evitar, ao máximo, a própria extinção natural da espécie, para não se perder aquele elemento integrante de todo um ecossistema.

No entanto, dentro da situação de extinção é possível estabelecer diferentes níveis, que vão de situações mais críticas até situações mais brandas. A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) classifica as espécies em oito categorias: extinta, extinta na natureza, criticamente em perigo, em perigo, vulnerável, quase ameaçada, pouco preocupante e deficientes em dados. Se a espécie foi classificada em uma das duas primeiras categorias é considerada extinta, se está entre vulnerável e criticamente em perigo, corre risco de extinção.

A IUNC elaborou, no ano de 2008, o “Livro Vermelho da Fauna Brasileira ameaçada de extinção”, contendo 627 espécies divididas em: extintas, ameaçadas e com baixo risco de extinção.

Para se chegar a uma dessas categorias, são levados em conta os seguintes critérios: 1 - Quanto a população diminuiu durante o espaço de três gerações ou qual é a projeção de declínio populacional para as próximas três gerações; 2 - Extensão de ocorrência e tamanho da área que ocupa; 3 - Tamanho da população de indivíduos maduros (prontos para a reprodução); 4 - Análises quantitativas que mostram a probabilidade de extinção na natureza nas próximas três gerações. 

 

Importante salientar que, uma vez constatada a situação de risco da espécie animal, para que seja possível a tomada de decisões, pautadas na prevenção ou na precaução é necessário, em primeiro lugar, a identificação da causa desta extinção.

 

O Ministério do Meio Ambiente elenca, atualmente, a degradação e a fragmentação de ambientes naturais, resultado da abertura de grandes áreas para implantação de pastagens ou agricultura convencional, extrativismo desordenado, expansão urbana, ampliação da malha viária, poluição, incêndios florestais, formação de lagos para hidrelétricas e mineração de superfície como as principais causas de extinção das espécies animais.

 

Estes fatores reduzem o total de habitats disponíveis às espécies e aumentam o grau de isolamento entre suas populações, diminuindo o fluxo gênico entre estas, o que pode acarretar perdas de variabilidade genética e, eventualmente, a extinção de espécies.

 

Inclui-se entre as causas a caça predatória que, apesar de proibida e tipificada como crime, é recorrente no território brasileiro, tendo como principal objetivo a exploração econômica do animal.

 

 

 

Da atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público na tutela da fauna brasileira

A tutela da fauna brasileira decorre de normas constitucionais programáticas, mais especificamente, dos princípios da precaução e da prevenção, de maneira que cabe ao Poder Público, de maneira geral, promover essa proteção.

Importante ressaltar que existem diferentes formas e etapas de proteção à fauna. Primeiramente, quando se verifica que determinada espécie está sendo acometida por uma ação externa que irá acelerar a sua extinção, colocando-a em risco ambiental, cabe ao Poder Público afastar esta causa.

Porém, quando se verifica que certo animal encontra-se em situação de extinção são necessárias duas etapas: Identificação da causa do risco e tomar as medidas eficazes para prevenção.

Este segundo divide-se em três passos: Punir o autor da causa, aquele que a está praticando (mecanismo utilizado para compensação após ocorrência do dano); tornar a causa inócua; tentar reverte o quadro.

O primeiro dos três passos restringe-se ao direito penal ambiental ou à aplicação de multas. A Lei n.9.605/98 criou tipos penais específicos para a tutela da fauna brasileira. Assim, aqueles que praticarem tais condutas estarão sujeitos às penas previstas no preceito secundário do tipo penal.

Ocorre que, a simples compensação pela causa do dano ambiental é comprovadamente ineficaz para a tutela da fauna.

Assim, apesar de a condenação penal dos autores de crimes ambientais ser consequência da atuação direta tanto do Ministério Público, titular da ação penal, quanto do Poder Judiciário, órgão dotado de jurisdição para puni-los, a pesquisa em questão não tem a intenção de analisar esta atuação.

Serão objeto de análise desta pesquisa a atuação do Ministério Público e do Judiciário para a identificação da causa do risco de extinção, bem como para a realização dos dois últimos passos das medidas eficazes, conferindo efetividade aos princípios da prevenção e da precaução, que tem sua aplicabilidade antes do risco.

O que se pretende é identificar e analisar a atuação destes dois órgãos para, diante dos princípios constitucionais acima citados, efetivar a proteção da fauna, atuando diretamente na causa da extinção e no animal que a está sofrendo.

A Constituição da República conferiu ao Ministério Público, entre outras, uma função que é de extrema valia para a proteção da fauna brasileira.

O artigo 129, inciso III, da CR afirma que é função institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente.

Sendo assim, pode-se dizer que o órgão ministerial é peça chave nessa busca pela efetivação dos princípios constitucionais da prevenção e precaução contra riscos de animais em extinção.

É possível afirmar que o seu principal papel é o da investigação, do manejo das espécies para a identificação das causas que podem levar os animais aos riscos de extinção, bem como à identificação das espécies que se encontram nesta situação.

Se faz necessária, em primeiro lugar, uma atuação integrada com a sociedade civil, de maneira que o órgão deve estar próximo dos cidadãos que convivem com os animais, para que aqueles possam noticiar ao Ministério Público as diversas causas de ataque às espécies.

Além disto, o órgão Ministerial deve manter corpo investigativo próprio, até mesmo para cumprir com a exigência constitucional do manejo ecológico das espécies, levantando dados, catalogando espécies e seus respectivos habitats naturais.

Com estas duas frentes de investigação, o Ministério Público deve lançar mão do seu primeiro instrumento constitucional, o inquérito civil. Este nada mais é do que um procedimento administrativo utilizado para a colheita de provas para a propositura ou não de uma ação civil pública.

Assim, diante de uma mínima informação de que certa espécie animal de uma localidade está sendo brutalmente lesada por alguma atividade humana, deve-se instaurar um inquérito civil no qual estas causas serão melhor apuradas com a investigação na localidade, oitiva de testemunhas e os suspeitos, apuração sobre se aquela espécie está ou não em extinção e verificação da potencialidade da ocorrência do risco e sobre a existência de uma atuação do poder executivo no local.

Feito isto, são necessárias duas frentes distintas. A primeira com relação à cessação da causa de risco ao animal. Já a segunda é, caso a espécie esteja já em extinção, o que fazer para reconduzir ao estado anterior.

Importante salientar que, ao final do inquérito civil, o Ministério Público pode entender por outras medidas que não a postulação de uma tutela jurisdicional. Aqui a atuação do Ministério Público é ainda mais eficaz na proteção animal.

É possível ao parquet a realização de um compromisso de ajustamento de conduta com aquele que pratica a causa. Assim, se houver uma indústria em certa localidade que está poluindo certo rio demasiadamente e matando espécies de tartarugas em extinção, o Ministério Público poderá efetuar um acordo com tal indústria para que canalize sua poluição, evitando a deposição no rio. 

Este acordo tem força de título executivo extrajudicial, conforme Súmula 09 do Conselho Superior do Ministério Público.

Por óbvio que o cumprimento deste acordo será fiscalizado pelo MP. Caso o TAC (termo de ajustamento de conduta) seja descumprido pela indústria, é plenamente possível a execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada neste título executivo homologado pelo MP, conforme artigos 585, II, e 645, ambos do CPC.

Conforme já dito acima, inúmeras são as formas de preservação e recuperação das espécies. Porém, no caso de impossibilidade de acordo, é muito provável que o Ministério Público necessite de uma tutela do Poder Judiciário.

Assim, com base na principiologia acima exposta, que tem força vinculante sobre os Poderes Públicos, e diante da omissão do Poder Executivo, cabe ao MP ajuizar uma Ação Civil Pública na qual irá requerer a realização de uma medida comprovadamente eficaz para se precaver, afastando a atividade humana, e evitar risco a certa espécie animal em extinção.

O Poder Judiciário tem como característica primeira o princípio da inércia, razão pela qual sua atuação somente deve ocorrer após uma provocação de algum indivíduo ou órgão da sociedade civil.

No caso específico dos animais, conforme dito anteriormente, o Judiciário tem papel importantíssimo, sendo a última possibilidade diante de omissões do Poder Público

Com a força principiológica da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário passou a atuar de forma mais enérgica nesta questão, não se restringindo unicamente a condenações penais.

Com a possibilidade da propositura de Ações Civis Públicas por parte de órgãos dotados de legitimidade extraordinária, como é o caso do Ministério Público, o Poder Judiciário pôde tomar medidas como a de impedir a construção de obras ou anular atos administrativos, tendo por base o princípio da precaução, e a apreensão de animais silvestres, como forma de respeitar o princípio da prevenção.

Para exemplificar essa atuação podemos citar dois julgados interessantes:

Agravo de Instrumento nº 0017069-06.2012.4.03.0000/SP – TRF 3ª Região – Sexta Turma – Voto do Desembargador Johonsom Di Salvo[2].

Trata-se de julgamento de recurso de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão interlocutória que, em sede de Ação Civil Pública, denegou pedido de liminar para suspender uma licença prévia conferida pelo IBAMA a uma empresa para a construção de um porto na cidade de Santos/SP, em área de mata atlântica.

 

O relator votou pelo não provimento do recurso. No entanto, o voto vencedor fundamentou sua decisão com base no princípio constitucional da precaução, dando efetividade à prevenção da fauna, conforme mandamento Constitucional.

 

Disse o I. Desembargador:

“... Ademais, a tutela ambiental deve ser o mais possível preventiva, justo porque a reparação dos danos ao meio ambiente é sempre mais complicada do que impedir que eles aconteçam. Havendo possibilidade de ação humana degradadora, há urgência capaz de recomendar que a questão seja examinada nos seus demais aspectos jurídicos para fins de se impedir, ou não, as condutas danosas...”.

Ademais, importante o destaque que foi conferido à atuação do Ministério Público, que apresentou parecer técnico identificando que a construção do porto, naquela localidade, acabaria acarretando na ameaça de 17 espécies animais, além daquelas que já encontravam-se em situação de risco, podendo acelerar o processo de extinção.

“... O resultado produzido pelas técnicas que subsidiaram a atuação processual do Parquet esclarece que: (1) o empreendimento deve ser feito integralmente em área de preservação permanente; (2) interromperá a conectividade entre o Parque Estadual da Serra do Mar (porção continental) e o estuário de Santos (área marítima), "interferindo nas áreas de alimentação de aves locais, visitantes e migratórias"; (3) haverá alteração paisagística de área já tombada pelo CONDEPHAAT. Ainda, o trabalho dos expertos questiona várias conclusões do EIA/RIMA, afirmando que ao contrário do que supõe o IBAMA haverá destruição de manguezais - onde proliferam comunidades de aves marinhas - que não poderá ser "compensada" com a suposta proteção de áreas de caracteres distintos; aduz que o IBAMA não fez qualquer estudo do impacto que o empreendimento trará para espécies de pequenos mamíferos que vivem no local, simplesmente ignorou a existência delas em face da premência de tempo. Na verdade o IBAMA ignorou a existência de mamíferos, répteis pequenos e aves marinhas que vivem no local (algumas em fase de extinção), sem falar que ignorou espécies de peixes e duas espécies de crustáceos que habitam aquele ambiente natural e que são consideradas ameaçadas ou sobre-exploradas. O empreendimento vai destruir corredores de vegetação por onde transitam, em busca de alimentos, habitantes tradicionais da Mata Atlântica, e ainda vai inviabilizar o chamado Largo Santa Rita como área de biodiversidade reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente (portaria nº 126/2004). Lendo-se cuidadosamente o parecer ofertado nos autos originários pelo agravante, em contraposição a licença prévia do IBAMA, fica-se com a impressão clara de que o órgão federal subestimou grosseiramente o impacto ambiental que a obra poderia acarretar na região atingida, pois o risco de destruição de 17 espécies animais e algumas vegetais, todas nativas da região, é enorme, sem falar no dano para espécies aquáticas...”.

 

Portanto, o presente caso deixa clara a mudança na atuação do Poder Judiciário sobre a proteção da fauna, uma vez que, identificada a causa de um possível risco de extinção, os julgadores não se curvaram à decisão administrativa e, pelo contrário, não permitiram que fosse conferida a licença.

“... O que não pode é o Judiciário fechar os olhos para as conclusões apresentadas nos pareceres ofertados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e chancelar de pronto, a fim de não obstar a continuação do empreendimento privado que confessadamente vai atuar sobre área de preservação ambiental sujeita a perigo, um ato administrativo federal como se ele fosse indelevelmente insculpido em mármore. É preciso que o Judiciário resolva sobre a possibilidade ou não de uma área sujeita a amplas restrições ambientais suportar a grave intervenção que é planejada contra a integridade dela, quando se sabe que pela Constituição Federal e pela legislação ordinária vigentes a regra é a preservação da vegetação do Bioma Mata Atlântica ... Ora, se em sede de Direito Ambiental o norte é o princípio da precaução - que inclusive pressupõe a inversão do ônus da prova (STJ, AgRg no AREsp 206.748/SP, 3ª Turma, j. 21/2/2013) - tenho para mim que a solução que mais contempla o valor constitucional escancarado no art. 225 da Magna Carta, um autêntico interesse público, é o Judiciário atuar como Poder de Estado e não como mero espectador, dando provimento do recurso ministerial para suspender os efeitos da Licença Prévia 399/2011- IBAMA, determinando ao órgão que não emita mais nenhuma autorização ou licença para instalação do Terminal Portuário Brites até o desfecho final da ação, ficando a agravada proibida de qualquer intervenção degradadora da área sob pena de multa de R$.50.000,00 por cada descumprimento (obviamente sem prejuízo da incidência da Lei nº 9.605/98) ...”.

A suspensão ou impedimento de ato administrativo é um dos mecanismos, por meio dos quais o Poder Judiciário pode dar efetividade aos princípios da precaução e da prevenção da fauna brasileira e talvez seja, atualmente, o que mais vem sendo utilizado.

 

Nesse mesmo sentido foi o julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de sentença nº 1.419 do STJ – Ministro Relator ARI PARGENDLER.[3]

Naquele caso concreto, a 6ª Turma do TRF- 1ª Região deu provimento ao Agravo de Instrumento, interposto contra a decisão de primeiro grau de indeferiu pedido de tutela antecipada do autor para suspender o teor do embargo da obra que estava realizando emitido pelo IBAMA, concedendo a tutela antecipada.

A autarquia Federal interpôs o agravo regimental para que a fosse suspensa a tutela antecipada concedida pelo TRF. O Ministro Relator entendeu que, diante dos riscos ambientais, dentro outros elementos, à fauna, a permissão de que a obra fosse retomada e concluída poderia ocasionar danos irreparáveis, em caso de improcedência da ação.

Disse o E. Ministro:

“... Sem dúvida, uma vez retomada e - o que seria pior - concluída a obra discriminada nos presentes autos (cuja construção se realizaria a menos de 300 metros do mar), pouco poderia ser feito em face dos possíveis danos ambientais receados pelo IBAMA. Diga-se de passagem, foi essa a linha de raciocínio adotada pelo Em. Juiz da 9ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, ao fundamentar o indeferimento da liminar na Ação Ordinária nº 2009.34.00.003670-3, quando destacou: 'Tal pedido é inviável em sede de antecipação de tutela, pois uma vez construída a edificação, não se poderia mais removê-la, pois o contribuinte teria que arcar com os prejuízos daí decorrentes. Portanto, numa atitude preventiva não se pode suspender o embargo da obra, autorizando o prosseguimento antes do trânsito em julgado da presente ação, pois uma vez construída a edificação não se poderia mais retirá-la ... Sob esse cenário, em atendimento ao interesse público imanente à questão proposta, e, de outro lado, atentando-se à incerteza quanto aos riscos ambientais potencialmente decorrentes da obra, necessária se faz a adoção de medida destinada a evitar eventual dano maior ...”

Esses julgados demonstram uma atuação preventiva do Poder Judiciário, após uma ampla e minuciosa análise por parte do Ministério Público sobre o impacto ambiental das obras na fauna.

No entanto, analisando a jurisprudência dos Tribunais, percebe-se que não há julgados obrigando o Poder Público a prestar o seu dever de proteção à fauna. Essa relutância pode ser observada no julgamento da Apelação/Reexame necessário Nº 0002771-12.2003.4.03.6115/SP- TRF 3ª Região – 2ª Turma - Des. Relator ANTONIO CEDENHO[4].

O presente processo reproduz uma situação na qual, dois indivíduos (réus no processo) passaram a desmatar área de Mata Atlântica para realizar atividades agrícolas e construir uma servidão de passagem para que os equipamentos pudessem chegar ao local.

Em razão disso foram condenados criminalmente e declarou-se, na sentença, o perdimento dos bens em proveito da União, que adjudicou as três glebas no ano de 1993. No entanto, a União permitiu que a atividade de extração de vegetação continuasse, sendo assim omissa.

O Ministério Público, após estudos e investigações no local, propôs ação civil pública, requerendo a condenação dos réus e da União na obrigação de fazer consistente em reflorestar o local, sob pena de multa e, somente a União, na criação de unidades de conservação, sob pena de multa.

Chamou a atenção a atuação do Ministério Público, que identificou, no local onde ocorreu o desmatamento, a presença de espécies animais em extinção e que a destruição da vegetação local poderia acelerar este processo de risco ambiental, podendo ocasionar o dano da extinção propriamente dita.

Como bem salientou o Des. Relator em seu voto:

“... O Decreto n° 750/1993 veda o corte, a supressão e a exploração de vegetação de Mata Atlântica que sirva de refúgio a espécies da fauna em extinção (artigo 7°). O licenciamento nessas circunstâncias não se viabiliza. O laudo técnico do DPRN, o do assistente do Ministério Público do Estado de São Paulo e o do perito judicial expõem que as fazendas abrigam animais oficialmente raros ou em risco de desaparecimento, como o lobo guará, jaguatirica, onça parda, jaguarundi, entre outros...”.

Portanto, o presente caso demonstra a atuação enérgica do Ministério Público na investigação da situação animal na localidade, bem como define a obrigação da União reparar o dano ambiental do desmatamento, em razão de sua omissão.

No entanto, no que concerne à condenação da União para a criação de Unidade de Conservação no local, o Desembargador decidiu, em seu voto, da seguinte forma:

“... Poder-se-ia implantar uma unidade de conservação de proteção integral; entretanto, como a medida configura uma atribuição do Poder Executivo (artigo 22 da Lei n° 9.985/2000), associado à representação política, e envolve instrumentos de democracia participativa -, audiência pública, consulta popular -, a Justiça não possuiria legitimidade para instituí-la. Haveria violação ao esquema de Separação de Poderes. Por essa razão, a previsão de multa pecuniária para o estabelecimento de espaço especialmente protegido perde o sentido. A discricionariedade do ato é incompatível com o emprego de quaisquer mecanismos judiciários de pressão...”.

A decisão demonstra certa relutância do Poder Judiciário na implantação mais enérgica dos princípios da precaução e da prevenção da fauna brasileira.

Diante da força normativa dos princípios constitucionais, entende-se que é possível ao Poder Judiciário determinar, em suas decisões, que o Poder Executivo realize políticas públicas e outros atos, como a construção de unidades de conservação em certos locais, fazendo-o cumprir com a obrigação constitucional de precaução e proteção da fauna.

É possível identificar diferentes níveis de atuação do Poder Judiciário, de acordo com a necessidade e a ocorrência ou não ocorrência do risco ambiental para os animais.

A grande maioria dos julgados restringe-se à a condenação criminal daqueles que realizam os crimes contra a fauna. No entanto, a Constituição da República é clara ao erigir a precaução e a prevenção como princípios constitucionais com força normativa e englobar todos os Poderes Públicos na consecução de tais normas.

Desta forma, cabe ao Poder Judiciário, em suas decisões, fazer cumprir tais normas programáticas. Deve sempre se pautar na precação com relação a construção de obras que coloquem em risco os animais e também aplicar multas àqueles que estiverem lesando a fauna silvestre brasileira, bem como determinar apreensões temporárias de animais silvestres e aquáticos, como forma de evitar ou diminuir o risco de extinção.

Porém, a atuação mais importante ainda não encontra lugar nos Tribunais brasileiros. O Poder Judiciário deveria efetivar os princípios da precaução e da prevenção, obrigando o Executivo a realizar diversas políticas públicas e criar unidades de conservação para as espécies que já estão em situação de risco ambiental.

 

 

Método

Para a elaboração da presente pesquisa será utilizado o método bibliográfico, com a consulta de obras doutrinárias visando conceituação dos princípios da preservação e da precaução, sua correlação com os direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal. Serão ainda consultadas obras sobre animais em extinção e a situação destes animais no Brasil, como forma de definir o problema e pesquisar a tutela do direito sobre ele, bem com trazer conceitos técnicos ao trabalho.

Será também utilizado o método de pesquisa e análise de julgados dos diferentes Tribunais do país e de atuações autônomas do Ministério Público, como termos de ajustamento, inquéritos civis, com o intuito de verificar qual a evolução e a posição atual do Poder Judiciário com relação a estes princípios e como serão efetivados por ambos os órgãos.

Por fim, serão pesquisadas atuações dos outros dois órgãos estatais, Legislativo, com a produção de leis sobre o tema, e Executivo, com políticas públicas e disponibilização de informações, como forma de graduar a necessidade de atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público para a questão.

 

 

Resultados e discussões

A efetividade da precaução e da prevenção como forma de tutelar a fauna brasileira, perpassa, atualmente, pela enérgica atuação do Ministério Público, principalmente na investigação e provocação do Judiciário, e este, que é capaz de, com base na força normativa da Constituição e dos dois princípios acima descritos, tomar medidas precavidas, evitando um potencial risco, ou preventiva, afastando a ocorrência certa do risco. No entanto, a grande questão que se mostra é a relutância do Poder Judiciário na adoção de medidas alternativas para que o Poder Público cumpra com a sua função constitucional. A jurisprudência brasileira atual já ultrapassou a noção da simples responsabilização civil, pautada na compensação do dano, de maneira que se atua antes da ocorrência do dano, mas ainda se restringe à decisões e medidas negativas de cancelamento de licenças, sem condenar o Poder Público, em qualquer momento, a realização de diversas medidas, por vezes mais eficazes.

 

 

Conclusão

Ao se identificar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário, concluiu-se, primeiramente, que ambos têm importância cerebral na tutela da fauna brasileira. A atuação isolada do Poder Executivo seria insuficiente para tamanha necessidade.

No entanto, importante destacar que, analisando a jurisprudência dos Tribunais brasileiros foi possível identificar algumas características pontuais.

Primeiramente, com relação à específica atuação do Poder Judiciário, até, aproximadamente, o ano de 2004 todas as decisões de proteção da fauna brasileira versavam sobre a condenação penal daqueles que praticavam crimes contra a fauna.

 Após este período é possível perceber um movimento no sentido de, não só atuar após a ocorrência do dano, compensando-os, mas também, proteger os animais, dando efetividade à precaução e a prevenção. A ação civil pública foi o mecanismo utilizado para esta tarefa.

O Ministério Público passou a atuar na efetiva tutela do meio ambiente, realizando estudos pormenorizados de áreas específicas do país e o impacto ambiental das diversas obras que seriam realizadas.

Assim, identificava as espécies em extinção e as causas ou avaliava os riscos de certa espécie animal chegar àquela situação. Em algumas situações consegue, comprovadamente, estabelecer uma ligação causal entre a atividade humana e a extinção da espécie animal, porém, em outros casos, somente traz uma probabilidade dessa causalidade.

Diante da conclusão da investigação, o parquet, propõe a ação civil pública com um pedido diverso, que representa a maneira pela qual é possível acabar com a causa da situação de extinção ou, pelo menos, diminuí-la.

Assim, o Poder Judiciário, uma vez provocado pela Ação, passou a dar ampla interpretação e efetividade aos dois princípios, sempre visando evitar o risco ambiental a animais, principalmente os que se encontram em extinção.

No entanto, conclui-se que as decisões do Poder Judiciário ainda precisam evoluir e assumir o caráter normativo daqueles princípios, de forma que o desrespeito àqueles por parte da Administração Pública e seus diversos órgãos, torna o ato administrativo, por si só, ilegal e passível de anulação.

Ademais, é plenamente possível a determinação para que a Administração Pública implemente certa política de preservação e proteção dos animais. O Judiciário não pode restringir sua atuação na proteção animal com condenações penais, aplicações de multas e anulações de atos administrativos ilegais.

 

 

Referências Bibliográficas

DA SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 8. Ed. Atual. Brasil: PC Editorial Ltda., 2010.

ALVARES, Mariell Antonini Dias. Princípio da precaução como instrumento adequado para solução dos problemas ambientais de segunda geração. Revista De Direito Ambiental. Revista dos Tribunais, 2013. Trimestral. Julho – Setembro – ano 18 – 71. Pag. 35-52.

Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção / editores Ângelo Barbosa Monteiro Machado, Gláucia Moreira Drummond, Adriano Pereira Paglia. 1. Ed. Brasília, DF: MMA; Belo Horizonte, MG: Fundação Biodiversitas, 2008.

BARROSO, Luís Roberto. O direito Constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

SOUZA, Marcos Felipe Alonso de. A condição dos animais no ordenamento jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 99, abr 2012. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11489&revista_caderno=5.

Brasília. Ministério do Meio Ambiente. Espécies Ameaçadas de Extinção. Disponível em: http://www.mma.gov.br/biodiversidade/espécies-ameaçadas-de-extinção.

IBAMA. Espécies Ameaçadas. Fauna. O que é espécie ameaçada de extinção? Disponível em: http://www.ibama.gov.br/documentos/o-que-e-especie-ameacada.

BRASIL. Constituição (1998). Constituição Da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998.

Convenção da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio/1992.

 

 

Anexos

ANEXO A - Agravo de Instrumento nº 0017069-06.2012.4.03.0000/SP – TRF 3ª Região – Sexta Turma – Voto do Desembargador Johonsom Di Salvo.

ANEXO B – Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de sentença nº 1.419 do STJ – Ministro Relator ARI PARGENDLER.

ANEXO C - Apelação/Reexame necessário Nº 0002771-12.2003.4.03.6115/SP- TRF 3ª Região – 2ª Turma - Des. Relator ANTONIO CEDENHO.

 

 

Anexo A

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0017069-06.2012.4.03.0000/SP

   

2012.03.00.017069-0/SP

 

RELATOR

:

Desembargador Federal MAIRAN MAIA

AGRAVANTE

:

Ministerio Publico Federal

ADVOGADO

:

LUIZ ANTONIO PALACIO FILHO e outro

AGRAVADO(A)

:

SANTA RITA S/A TERMINAIS PORTUARIOS

ADVOGADO

:

SP129895 EDIS MILARE e outro

AGRAVADO(A)

:

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA

ADVOGADO

:

SP189227 ESTEVAO FIGUEIREDO CHEIDA MOTA e outro

ORIGEM

:

JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE SANTOS > 4ªSSJ > SP

No. ORIG.

:

00010219020124036104 1 Vr SANTOS/SP

VOTO-VISTA

Agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão do Juízo da 1ª Vara Federal de Santos/SP que indeferiu o pedido de liminar formulado em ação civil pública ajuizada pelo Parquet com o objetivo de impedir a instalação de terminal portuário privado para movimentação de cargas próprias e de terceiros, em área de Mata Atlântica (preservação permanente) sob a proteção do artigo 225 da Constituição Federal e da Lei nº 11.428/2006.

O d. Relator indeferiu antecipação da tutela recursal considerando que a situação está em fase de licença prévia, sendo que a viabilidade do empreendimento privado ainda se encontra em estudos, de modo que "...não há efeitos concretos sobre a área em questão, eis que não se autorizou ocupação, supressão de vegetação ou início de obras, mas somente uma licença prévia para prosseguimento administrativo do empreendimento", de modo que deve ser prestigiada a "...presunção de legitimidade dos atos administrativos do IBAMA, órgão encarregado de verificar a viabilidade jurídica e ambiental do projeto, além do que as alegações do Ministério Público Federal desconsideram o estudo e o relatório de impacto ambiental do projeto".

Apresentado o recurso à Turma, o d. Relator votou por julgar prejudicado o agravo regimental e negar provimento ao agravo de instrumento, acompanhado pela e. Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, com base nas considerações já expendidas ao tempo da denegação da tutela recursal prévia.

Pedi vista para melhor examinar o acervo documental apresentado nos autos.

Embora a instalação do terminal portuário privado ainda esteja em fase de estudos de viabilidade do projeto, isso não retira a necessidade de se perscrutar o impacto do empreendimento no Bioma Mata Atlântica, pois se a viabilidade do negócio for positiva, achando-se a empresa de posse da licença prévia poderá por mãos à obra, agindo sobre e contra vegetação que se considera de preservação permanente.

Ademais, a tutela ambiental deve ser o mais possível preventiva, justo porque a reparação dos danos ao meio ambiente é sempre mais complicada do que impedir que eles aconteçam.

Havendo possibilidade de ação humana degradadora, há urgência capaz de recomendar que a questão seja examinada nos seus demais aspectos jurídicos para fins de se impedir, ou não, as condutas danosas.

O trabalho pericial ofertado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL como subsídio inaugural da ação civil pública esclareceu que os técnicos do IBAMA estiveram no local onde se pretende a edificação do terminal em duas ocasiões, nos anos de 2008 e 2010, e a expedição ao local do evento solicitada pelo Parquet teve o acompanhamento de representantes dos demais interessados.

O resultado produzido pelas técnicas que subsidiaram a atuação processual do Parquet esclarece que: (1) o empreendimento deve ser feito integralmente em área de preservação permanente; (2) interromperá a conectividade entre o Parque Estadual da Serra do Mar (porção continental) e o estuário de Santos (área marítima), "interferindo nas áreas de alimentação de aves locais, visitantes e migratórias"; (3) haverá alteração paisagística de área já tombada pelo CONDEPHAAT.

Ainda, o trabalho dos expertos questiona várias conclusões do EIA/RIMA, afirmando que ao contrário do que supõe o IBAMA haverá destruição de manguezais - onde proliferam comunidades de aves marinhas - que não poderá ser "compensada" com a suposta proteção de áreas de caracteres distintos; aduz que o IBAMA não fez qualquer estudo do impacto que o empreendimento trará para espécies de pequenos mamíferos que vivem no local, simplesmente ignorou a existência delas em face da premência de tempo. Na verdade o IBAMA ignorou a existência de mamíferos, répteis pequenos e aves marinhas que vivem no local (algumas em fase de extinção), sem falar que ignorou espécies de peixes e duas espécies de crustáceos que habitam aquele ambiente natural e que são consideradas ameaçadas ou sobre-exploradas.

O empreendimento vai destruir corredores de vegetação por onde transitam, em busca de alimentos, habitantes tradicionais da Mata Atlântica, e ainda vai inviabilizar o chamado Largo Santa Rita como área de biodiversidade reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente (portaria nº 126/2004).

Lendo-se cuidadosamente o parecer ofertado nos autos originários pelo agravante, em contraposição a licença prévia do IBAMA, fica-se com a impressão clara de que o órgão federal subestimou grosseiramente o impacto ambiental que a obra poderia acarretar na região atingida, pois o risco de destruição de 17 espécies animais e algumas vegetais, todas nativas da região, é enorme, sem falar no dano para espécies aquáticas.

Consta ainda, que autoridades ambientais do Estado de São Paulo manifestaram desconforto com a obra, diante do impacto da mesma naquele setor da Serra do Mar.

A propósito disso tudo, confira-se o que consta de fls. 1314/1349 e 1352/1358.

Ora, a alegação feita na contraminuta (fls. 1400) de que se deve desprezar as provas unilateralmente produzidas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL causa no mínimo estranheza.

Não se trata de prova extreme de dúvidas - assim como a presunção que milita em favor dos atos do IBAMA favoráveis à agravada é apenas iuris tantum - mas sim de elementos indiciários de insuficiência dos estudos e considerações do IBAMA em face da realidade física do local onde a agravada pretende - confessadamente suprimindo a vegetação atlântica e praticando outros atos de intervenção ambiental - edificar empreendimento lucrativo.

De um lado se encontra a licença prévia favorável à empresa, e de outro estão longos pareceres assinados por técnicos que contestam as medidas e conclusões do Poder Público, fazendo-o fundamentadamente.

Nesse cenário, não se pode dizer que a atuação do Parquet é apenas uma aventura processual; pelo contrário, revela profunda preocupação com a contínua e desmedida degradação do Estuário de Santos e da Serra do Mar, preocupação que deveria ser de todos e não apenas dos Ministérios Públicos Estadual e Federal.

O que não pode é o Judiciário fechar os olhos para as conclusões apresentadas nos pareceres ofertados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e chancelar de pronto, a fim de não obstar a continuação do empreendimento privado que confessadamente vai atuar sobre área de preservação ambiental sujeita a perigo, um ato administrativo federal como se ele fosse indelevelmente insculpido em mármore.

É preciso que o Judiciário resolva sobre a possibilidade ou não de uma área sujeita a amplas restrições ambientais suportar a grave intervenção que é planejada contra a integridade dela, quando se sabe que pela Constituição Federal e pela legislação ordinária vigentes a regra é a preservação da vegetação do Bioma Mata Atlântica.

Deveras, é o bioma brasileiro mais ameaçado atualmente, sendo que um estudo feito pela ONG S.O.S Mata Atlântica e pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, apontou que o desmatamento foi de 235 km² entre os anos de 2011 e 2012. As florestas foram as mais prejudicadas pelo desmatamento com perda de 219 km² de vegetação.

A regra é a preservação.

In casu, devem viger as exceções abrigadas no art. 14 da Lei nº 11.428/2006 ?

O empreendimento Projeto Brasil Intermodal Terminal Santos/BRITES, é de utilidade pública, como exige a lei para permitir o desmatamento ?

Conforme consta do sítio "Porto de Santos" na internet, consultado por este Magistrado, o empreendimento - a ser financiado com dinheiro público, do BNDES - será feito no interesse da empresaholding Triunfo Participações e Investimentos que "... é uma forma de a Triunfo não bater de frente com terminais de contêineres de uso público que já disputam o mercado de longo curso no porto de Santos". Consta ainda que "...Como se trata de um empreendimento privativo (que dispensa prévia licitação), a Triunfo terá de comprovar que tem carga própria em maior quantidade que a de terceiros para ser dispensada do certame público, conforme determina o arcabouço regulatório brasileiro...".

Trata-se, portanto, de um empreendimento capitalista privado, que atingirá 700 mil metros quadrados da região de Mata Atlântica.

Nesse panorama, permanece a questão: essa obra legitima a supressão da área de vegetação protegida, à luz do art. 14 da Lei nº 11.428/2006, na medida em que os estudos que geraram a permissão do IBAMA são contestados com seriedade ainda que seja em parecer formulado por técnicos que atuaram a pedido do Parquet ?

Vale a pena permitir o início das obras - com consequências materiais imediatas contra a fauna e a flora da região - antes que uma prova presidida pelo Poder Judiciário espanque as muitas dúvidas existentes em torno da questão ?

Ora, se em sede de Direito Ambiental o norte é o princípio da precaução - que inclusive pressupõe a inversão do ônus da prova (STJ, AgRg no AREsp 206.748/SP, 3ª Turma, j. 21/2/2013) - tenho para mim que a solução que mais contempla o valor constitucional escancarado no art. 225 da Magna Carta, um autêntico interesse público, é o Judiciário atuar como Poder de Estado e não como mero espectador, dando provimento do recurso ministerial para suspender os efeitos da Licença Prévia 399/2011- IBAMA, determinando ao órgão que não emita mais nenhuma autorização ou licença para instalação do Terminal Portuário Brites até o desfecho final da ação, ficando a agravada proibida de qualquer intervenção degradadora da área sob pena de multa de R$.50.000,00 por cada descumprimento (obviamente sem prejuízo da incidência da Lei nº 9.605/98).

Destarte, DOU PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO E JULGO PREJUDICADO O AGRAVO REGIMENTAL.

É como voto.

 

Johonsom di Salvo 

 

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