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Aspectos atuais do regime de responsabilidade por substituição no ICMS: comentários à decisão proferida pelo STF na ADIN nº 1851-4.

A inconstitucionalidade do regime de sujeição passiva por substituição para frente no ICMS

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Agenda 01/04/2003 às 00:00

III – A VIOLAÇÃO PELO REGIME SUBSTITUTIVO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

Do que até agora foi exposto, é possível concluir que da tributação levada a efeito pela responsabilidade tributária por substituição decorre a violação de vários princípios, entre os quais se destaca o princípio da tipicidade. Ora, a substituição "para frente" do ICMS é caracterizada pela exigência de recolhimento antecipado do referido tributo, ou seja, compele o contribuinte a recolher exação previamente à ocorrência do fato jurídico tributário.

Conforme, tive oportunidade de expor no início desse trabalho, para que surja a obrigação tributária se faz mister a ocorrência de um fato que corresponda integralmente à figura desenhada no antecedente normativo. Em virtude disso, todos os critérios essenciais do tributo, isto é, a hipótese tributária, o sujeito ativo, o sujeito passivo, a alíquota e a base de cálculo, devem estar antevistos na lei.

Como corolário disso, o princípio da tipicidade determina que o tributo somente pode ser exigido se e quando se verifica no mundo das verdades materiais, a ocorrência do fato que o vincula ao nascimento da obrigação tributária. Ao tributar fato que não ocorreu, a substituição "para frente" agrediu, de forma vitanda, o princípio da tipicidade.

E não é só. A teor do que foi consignado, a antecipação do ICMS incide sobre base de cálculo ficta, geralmente valor de tabela acrescido de frete, carreto, seguro, IPI e percentual de margem de lucro, que no mais das vezes se revela superior ao real valor da operação mercantil subseqüente a ser realizada pelo contribuinte "substituído".

Ocorre, todavia, que o tipo tributário é conhecido após o exame conjunto da hipótese tributária e do critério quantitativo da exação. Assim, a base de cálculo deve revelar em qualquer tributo uma medida exata da materialidade da regra-matriz de incidência tributária.

Isso resulta no direito do contribuinte pagar exatamente o montante do imposto devido pela ocorrência do fato jurídico tributário, nem mais, nem menos. Não se admite que o contribuinte possa ser obrigado a carrear aos cofres públicos quantia parecida com aquela que seria devida si et quanto verificada a operação mercantil que lhe dá azo.

Por conseguinte, como seqüência lógica à violação ao princípio da tipicidade levada a efeito pela substituição "para frente" restam maculados outros princípios, a saber: a) o princípio que veda a utilização de imposto com efeito de confisco; e b) o princípio da não-cumulatividade do ICMS.

Ora, a substituição "para frente" ao proceder a tributação de fatos incertos e inexistentes, negócios e situações futuras colide frontalmente com o disposto no art. 150, IV da Constituição Federal. Nesta senda, como bem assevera José Eduardo Soares de Melo "supor que um fato tributário acontecerá não é jamais o mesmo que tornar concreta a sua existência, de modo a conferir a segurança e certeza a uma exigência tributária".8

Desse modo, não é curial formar juízo de certeza e, em vista disso, proceder à tributação se não se sabe se a mercadoria não perecerá ou se efetivamente será objeto de operação mercantil futura. De um modo ou de outro sobrepaira incerteza no que se refere a ocorrência do evento e isso não se coaduna com a ordem jurídica, revelando-se essa tributação verdadeiro confisco.

E, como se não fosse suficiente, a indigitada forma de tributação viola, ainda, o princípio da não-cumulatividade insculpido no art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal, eis que o contribuinte, sujeito a esse regime, além de não ter como repassar o ônus financeiro do tributo para o consumidor final, não dispõe de meios efetivos, a despeito da previsão constitucional, para recuperar os valores que pagou em excesso.

O princípio da não-cumulatividade para os dois tributos a que se aplica, visa, portanto e exclusivamente, a tributação final do tributo (industrial ou em circulação) entregue ao consumo derradeiro, evitando seja pelo acúmulo da carga tributária incidente nas operações anteriores, superada a alíquota real que recai sobre a última base de cálculo a partir de uma alíquota nominal.

Em razão disso é possível concluir que o valor do ICMS da última operação a consumidor final nunca poderá ser superior ao valor real da operação mercantil que lhe der causa. Noutras palavras, a base de cálculo estimada e que serviu para a incidência da tributação antecipada não poderá ser superior ao preço efetivamente praticado sob pena de irremediável violação ao princípio da não-cumulatividade do ICMS.

Em vista disso, chegou-se firmar o entendimento de que, apesar de desvirtuar a dinâmica da incidência, se fosse efetivamente garantido o direito à restituição imediata e preferencial dos valores recolhidos a mais em função da substituição "para frente", obviamente nos casos em que a base de cálculo da obrigação subseqüente com o consumidor final se revelar inferior daquela que foi utilizada para a tributação antecipada, o instituto da substituição tributária "para frente" aplicado ao ICMS, assumiria contornos de constitucionalidade e, por conseguinte, restariam superados os argumentos que lhe atribuíam inconstitucionalidades.

Alguns Estados da Federação, em vista disso, se apressaram em instituir mecanismos de restituição nos casos em que se verificasse que na derradeira operação com mercadoria ou serviço fosse realizada obrigação tributária de valor inferior àquela que foi presumida.

Neste toar, o Estado de São Paulo fez editar a Lei n. 9.176/95 que introduziu o art. 66-B na Lei n. 6.374/89, que reza: "Art. 66-B. Fica assegurada a restituição do imposto pago antecipadamente em razão de substituição tributária: I – caso não se efetive o fato gerador presumido na sujeição passiva e II – caso se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço ficou configurada obrigação tributária de valor inferior a presumida".

Apesar da boa intenção da Fazenda Estadual de São Paulo, esse dispositivo restou mitigado pelos atos administrativos posteriores que, a pretexto de regulamentarem o aludido dispositivo legal, amesquinharam o seu conteúdo e alcance.

Outros Estados-Membros, acredito, com o escopo de proteger os altos índices de arrecadação, não quiseram nem "correr o risco" de ter que restituírem os valores que foram pagos a mais pelos contribuintes.

Em função disso apressaram a se tornar signatários do Convênio ICMS 13, de 21 de Março de 1997. Dito Convênio em sua Cláusula Segunda, estabelece: "Não caberá a restituição ou a cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subseqüente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no art. 8º da Lei Complementar 87, de 13 de Setembro de 1996".

Por revelar verdadeira aberração jurídica, muitas ações foram intentadas contra esse dispositivo que, a par da atecnia que apresenta, consubstanciou verdadeira espada de Dâmocles contra o direito dos contribuintes. Em Primeira Instância e em diversos Tribunais Estaduais foram proferidas inúmeras decisões em prol do contribuinte. Essas decisões reconheciam, como "pano de fundo" a constitucionalidade do regime substitutivo e o direito dos contribuintes em reaverem os valores que recolheram a mais em função da presunção errônea da base de cálculo que serviu para efetivar a tributação antecipada.

Nos idos de 1998, a Confederação Nacional do Comércio – CNC, por intermédio do ilustre causídico Hamilton Dias de Souza, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, tendo por objeto a Cláusula Segunda do Convênio ICMS 13/97 e os §§ 6º e 7º do art. 498 do Decreto 35.245/91, com redação dada pelo art. 1º do Decreto 37.406/96, do Estado de Alagoas.

Na assentada de 03 de Setembro de 1998, o Plenário do excelso Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, deferiu, em parte, o requerimento cautelar, para o fim de suspender a eficácia da Cláusula Segunda do referido Convênio. Todavia, ao exercer a cognição plena e exauriente do feito, o e. STF, julgou improcedente a ação revogando a liminar anteriormente deferida.

O REGIME DE SUJEIÇÃO PASSIVA POR SUBSTITUIÇÃO NO ICMS, O COVÊNIO 13/97 E A DECISÃO PROFERIDA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1851-4

Consta nos dizeres da inicial da Adin 1851-4 – Al, para que se possa ter por justificado e legítimo o regime da substituição tributária "para frente", forçoso é entender-se que o direito à restituição dos valores recolhidos indevidamente sob a rubrica de tributo ocorre não apenas quando o fato jurídico tributário presumido não vier a realizar-se, mas também na hipótese mais freqüente de não se realizar ele nas dimensões previstas à época do recolhimento, sob pena de sujeitar o contribuinte ao pagamento do imposto maior do que o devido e, ainda, de ter-se por inócua a própria previsão constitucional de restituição do excesso.

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Do voto do relator, o eminente Ministro Ilmar Galvão, extrai-se: "A substituição tributária é instituto que se acha envolto em séria controvérsia, notadamente quando se trata da substituição progressiva, ou para a frente, que foi considerada inconstitucional por não poucos tributaristas, mesmo depois de expressamente autorizada pela EC 03/93. (...) Para o conceituado tributarista, muito se tem discutido sobre a natureza jurídica da substituição, anotando Héctor Villegas que as realidades legislativas conduzem a que o jurista tributário não tenha, às vezes, outro remédio senão ser pragmático. Além da finalidade arrecadatória, permite o instituto seja alcançada maior justiça fiscal, pela distribuição eqüitativa da carga tributária que o sistema propicia, ao evitar a sonegação. (...) A matéria acabou contemplada pela EC 3/93, que introduziu, no art. 150 da CF/88, o § 7º, segundo o qual (...). O Dispositivo, indubitavelmente, não criou a substituição tributária progressiva, visto que já integrava o sistema tributário, havendo inovado, entretanto, primeiramente, ao instituir o fato gerador presumido e, depois, ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não se tiver ele realizado. Ao autorizar a atribuição a outrem da condição de responsável pelo pagamento de tributo cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, na verdade, antecipou, o novo dispositivo, o momento do surgimento da obrigação e, conseqüentemente, da verificação do fato gerador que, por isso mesmo, definiu como presumido. Entretanto, ao erigir a cláusula de restituição imediata e preferencial e, categoria de elemento integrante do instituto, praticamente inviabilizou a aplicação deste, antes que houvesse sido editada a lei complementar reguladora da referida cláusula de salvaguarda. Como a providência somente veio a concretizar-se por meio da LC 87/96, forçoso é entender que, de 18.03.93, data da publicação da EC 03/93, até 13.09.96, quando veio à luz a LC 87/96, a substituição esteve, mais uma vez, ausente do sistema jurídico tributário brasileiro, por falta de regulamentação. A substituição progressiva, ou para frente, (...) impede a sonegação sem prejudicar a garantia do crédito tributário, visto que o tributo pelas operações subseqüentes, até a transferência da mercadoria ao consumidor final, é recolhido sobre o valor agregado. Nessa espécie, em vez do diferimento, o que ocorre é a antecipação do fato gerador e, conseqüentemente, do tributo, que é calculado sobre uma base de cálculo estimada. São das mais diversas naturezas as objeções feitas por renomados tributaristas à substituição tributária progressiva (...) Todas essas objeções, entretanto, foram afastadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 213.396 (...). Trata-se de regime a que, na prática, somente são submetidos produtos com preço de revenda final previamente fixado pelo fabricante ou importador, como é o caso dos veículos, cigarros; ou tabelados pelo Governo, como acontecia até recentemente com os combustíveis; e como acontece com a energia elétrica etc., razão pela qual só eventualmente poderão verificar-se excessos de tributação. Por derradeiro, não é difícil demonstrar que o fato gerador presumido não constitui óbice à exigência antecipada do tributo. Em primeiro lugar, por que foi instituído pela própria Constituição, havendo sido regulamentado, como se viu, por lei complementar que lhe definiu a base de cálculo. Ao faze-lo, cuidou o legislador de prefixar uma base de cálculo cuja estimativa se aproxime o mais possível da realidade, ajustando o respectivo valor às leis de mercado, para não onerar o contribuinte e nem tampouco prejudicar o Fisco. (...) O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumidos, não se revestem do caráter de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim. Não há falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer da parte do Fisco, quer da parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade. Por isso mesmo, a salvaguarda estabelecida na Constituição em favor deste último, representada pela imediata e preferencial restituição do valor do imposto (o qual, na conformidade do art. 10, § 1º, da LC 87/96, deverá ocorrer em noventa dias, sob pena de creditamento do respectivo valor, devidamente atualizado, em sua escrita fiscal) é restrita à hipótese de não vir a ocorrer o fato gerador presumido. Admitir o contrário valeria pela inviabilização do próprio instituto da substituição tributária progressiva, visto que implicaria, no que concerne ao ICMS, o retorno ao regime de apuração mensal do tributo e, conseqüentemente, o abandono de um instrumento de caráter eminentemente prático, porque capaz de viabilizar a tributação de setores de difícil fiscalização e arrecadação. Na verdade, visa o instituto evitar, como já acentuado, a necessidade de fiscalização de um sem-número de contribuintes, centralizando a máquina fiscal do Estado num universo consideravelmente menor, e com acentuada redução de custo operacional e conseqüente diminuição da evasão fiscal. Em suma, propicia ele maior comodidade, economia, eficiência e celeridade na atividade estatal ligada à imposição tributária. Não seria, realmente, de admitir que, diante desses efeitos práticos, decisivos para a adoção da substituição tributária, viesse o legislador criar mecanismo capaz de inviabilizar a utilização do valioso instituto, como a compensação de eventuais excessos ou faltas, em face do valor real da última operação, determinanado o retorno da apuração mensal do tributo, prática que justamente teve por escopo obviar.(...) Pelas razões expostas, meu voto, em conclusão, conhece apenas em parte da ação e, nessa parte, julga-a improcedente".

Com o devido respeito ao exercício intelectual construído pelo ilustre Ministro, divirjo diametralmente do entendimento que firmou. Em verdade a posição que adotou, a despeito de basear-se em premissas metajurídicas, não resiste a uma análise sistemática do instituto no contexto capitaneado pelos primados cardeais que norteiam a matéria.

De início registro que a votação sobre o tema não foi unânime, sendo que três dos nove Ministros que participaram da sessão plenária em que houve o referido julgamento externaram posições contrárias ao entendimento sufragado pela maioria. O ilustre Ministro Carlos Velloso liderou a dissidência ao classificar o conteúdo estampado no parágrafo 7º, do art. 150 como garantia constitucional do contribuinte, constituindo verdadeira e insuperável limitação ao poder de tributar do Estado. Segundo averbou, para atribuir eficácia plena à mencionada garantia constitucional, o excesso cobrado, ou seja, os valores recolhidos a mais teriam de ser, imediata e preferencialmente, restituídos. Nesse diapasão, o Ministro Celso de Mello, que também se filiou à tese contrária, entendeu que o excesso resulta em cobrança indevida não legitimada pela Constituição Federal. O presidente do Pretório Excelso, Sua Excelência o eminente Ministro Marco Aurélio de Mello, além de referendar a argumentação divergente, entendeu que a sistemática levada a efeito pela Cláusula Segunda do Convênio ICMS 13/97 propiciaria "enriquecimento sem causa do Estado" para a seguir concluir "Assusta-me a jurisprudência que vem se formando em torno das relações tributárias nessa Corte" rematando que o Estado dificilmente presume valor inferior a servir de base de cálculo para a tributação antecipada, e pontuado da forma seguinte "Não acredito na boa vontade do Estado".

Passarei agora a analisar a decisão proferida pelo colendo STF.

A r. decisão é inaugurada com a assertiva, entre outras de menor relevo, de que "Ao autorizar a atribuição a outrem da condição de responsável pelo pagamento de tributo cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, na verdade, antecipou, o novo dispositivo, o momento do surgimento da obrigação e, conseqüentemente, da verificação do fato gerador que, por isso mesmo, definiu como presumido", tendo admitido como válida essa "antecipação do momento do surgimento da obrigação".

Ocorre, contudo, como já tive a oportunidade de afirmar e na esteira do que observou com acuidade o Professor Geraldo Ataliba, que o vínculo obrigacional que corresponde ao conceito de tributo nasce com a ocorrência do fato jurídico tributário. Nessa estipe, a ordenação tributária alemã (RAO) já, incisivamente determinava "a dívida tributária nasce ao produzir-se a situação de fato que, segundo a lei, dá lugar ao imposto".

Pontes de Miranda, ao designar fato jurídico tributário por suporte fático, já entendia que "A regra jurídica de tributação incide sobre o suporte fático, como todas as regras jurídicas. Se ainda não existe o suporte fático, a regra jurídica de tributação não incide; se não se pode compor tal suporte fático, nunca incidirá. O crédito do tributo (imposto ou taxa) nasce do fato jurídico, que se produz com a entrada do suporte fático no mundo jurídico. Assim, nascem o débito, a pretensão e a obrigação de pagar tributo, a ação e as exceções. O direito tributário é apenas ramo do direito público; integra-se, como os outros, na Teoria Geral do Direito".9

Para que haja a incidência da norma tributária é necessária a subsunção, fenômeno que é consubstanciado pela virtude do fato jurídico tributário configurar rigorosamente a previsão do antecedente normativo. Verifica-se que um fato se subsume à previsão hipotética da lei quando corresponde integral e rigorosamente à descrição pormenorizada que dele faz a lei. O fato jurídico tributário constitui um fato concreto, que ocorre no universo fenomênico, que configura a descrição abstrata assentada na lei. É a realização daquilo que nela está previsto. Assim, é imperioso aduzir, que o fato jurídico está para o antecedente normativo, assim como, em homenagem à lógica, o objeto está para o conceito.

Em vista disso, se a regra-matriz de incidência do ICMS é consubstanciada pelo fato de "circular mercadoria", ou seja, a realização, por comerciante ou equiparado, de operação jurídica mercantil que importe circulação – entendida juridicamente como mudança de titular – de objeto de mercancia, como se apode admitir que ele incida antes da ocorrência desse evento. Nem se pode alegar que o legislador dispõe de liberdade ao construir as realidades normativas, já que in casu se propõe a tributar algo que ainda não ocorreu. O entendimento de que ele presumivelmente ocorrerá não elide a deficiência da tributação antecipada.

Paulo de Barros Carvalho, no alto de sua sabedoria, ao derredor do tema, averba "O objeto sobre o qual converge o nosso interesse é a fenomenologia da incidência da norma tributária em sentido estreito ou regra-matriz de incidência tributária. Nesse caso, diremos que houve a subsunção, quando o fato (fato jurídico tributário) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da hipótese (hipótese tributária). Ao ganhar concretude o fato, instala-se, automática e infalivelmente, como diz Alfredo augusto Becker, o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo, que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la".10

E com pena de ouro, Roque Antônio Carrazza, arremata "Convém assinalar que só quando houver a subsunção do fato à norma (ou, em termos mais técnicos, do conceito do fato ao conceito da norma, como precisa Karl Engisch) é que nascerá o tributo. De conseguinte, ocorrido o fato imponível, nasce a obrigação tributária, que vincula sujeito passivo ao sujeito ativo, conferindo, a este, o direito subjetivo à percepção do tributo e impondo àquele, o dever jurídico de efetuar o pagamento do mesmo".11

Ao depois, consta da r. decisão que a EC 3/93 "ao erigir a cláusula de restituição imediata e preferencial e, categoria de elemento integrante do instituto, praticamente inviabilizou a aplicação deste, antes que houvesse sido editada a lei complementar reguladora da referida cláusula de salvaguarda. Como a providência somente veio a concretizar-se por meio da LC 87/96, forçoso é entender que, de 18.03.93, data da publicação da EC 03/93, até 13.09.96, quando veio à luz a LC 87/96, a substituição esteve, mais uma vez, ausente do sistema jurídico tributário brasileiro, por falta de regulamentação". Depreende-se disso, que o posicionamento engendrado pelo Supremo Tribunal Federal desponta que, no período compreendido pela data da edição da EC 3/93 até a edição da LC 87/96, o ICMS não poderia ser exigido por intermédio da substituição tributária, por ausência de regulamentação a ser levada a efeito pelo veículo legislativo adequado (lei complementar). Disto resulta, a despeito de não ter sido consignado na decisão, o direito do contribuinte, sujeito passivo da relação jurídica tributária, reaver os valores relativos ao imposto recolhido pelo referido regime no período assinalado.

Há quem entenda, inclusive, desnecessária, para o caso em análise, a edição de lei complementar para regulamentar a matéria já que, em casos tais, a Constituição Federal é auto-executável. Nesta linha de raciocínio confira-se o pensamento de Sacha Calmon Navarro Coelho "Os contribuintes independem da LC 87/96 e das legislações estaduais para reaver o que pagaram indevidamente (...). É que (in casu) o fundamento do direito é constitucional, e a Constituição, na espécie, é auto-aplicável ou, como dizem os americanos, self-enforcing".12

Em momento posterior, a r. decisão, consigna "Trata-se de regime a que, na prática, somente são submetidos produtos com preço de revenda final previamente fixado pelo fabricante ou importador, como é o caso dos veículos, cigarros; ou tabelados pelo Governo, como acontecia até recentemente com os combustíveis; e como acontece com a energia elétrica etc., razão pela qual só eventualmente poderão verificar-se excessos de tributação".

Neste ponto se chega, com a devida vênia, ao cume do absurdo, pois, que o legislador em sua linguagem coloquial, divorciado dos feixes rigorosos da expressão científica, manifeste-se dessa maneira não há que se reparar. No entanto admitir que o aplicador do direito referende a mensagem, incorporando-a em suas decisões, é fazer concessão extrema, é aceitar equívocos graves que prejudicam não só a compreensão da matéria, como também a dinâmica social do Direito.

Nesse sentido, inclusive, com extrema agudez, já se manifestava Paulo de Barros Carvalho, por ocasião do 3º Simpósio de Direito Tributário "Lobrigar nesses átimos toda a complexidade da hipótese normativa do ICM é entregar-se, imbele, aos desacertos algumas vezes leigos e inconsequentes do legislador; é navegar em mares de escolhos; é seguir pelos caminhos das dúvidas e incertezas e regressar pela vereda sombria das hesitações. Quando se recorre à perífrase é porque falta o termo próprio, e o intérprete não pode ficar sob o signo da insegurança, em assuntos desse timbre. Há de desapegar-se da estreiteza textual, para galgar o altiplano do Direito; desadorar o esquema verbal, em obséquio da organização que lhe abriga, dá sentido e tom de juridicidade".13

Ora, admitir que "só eventualmente poderão verificar-se excessos de tributação" e com isso compactuar, é fazer tábula rasa não só do instituto, mas de todo o Direito, corresponde o mesmo que dizer "ah ele só infringe a lei algumas vezes... ele só rouba de vez em quando... ele só matou algumas pessoas. Com direitos e garantias individuais, não há que se fazer concessões!

Nem prospera a alegação de que "Ao fazê-lo (estipular base de cálculo), cuidou o legislador de prefixar uma base de cálculo cuja estimativa se aproxime o mais possível da realidade, ajustando o respectivo valor às leis de mercado, para não onerar o contribuinte e nem tampouco prejudicar o Fisco". Isso não subtrai a ilegalidade da tributação antecipada, com base em valores presumidos.

Em outro trecho da r. decisão consta "Por isso mesmo, a salvaguarda estabelecida na Constituição em favor deste último, representada pela imediata e preferencial restituição do valor do imposto (o qual, na conformidade do art. 10, § 1º, da LC 87/96, deverá ocorrer em noventa dias, sob pena de creditamento do respectivo valor, devidamente atualizado, em sua escrita fiscal) é restrita à hipótese de não vir a ocorrer o fato gerador presumido".

Na ótica da r. decisão a restituição imediata e preferencial da quantia paga, só teria cabimento "caso não ocorra o fato gerador presumido". Ficaria, portanto, à margem desse benefício o fato jurídico tributário que ocorresse, porém, com base de cálculo inferior àquela que serviu como parâmetro para a tributação antecipada. Mas esse raciocínio também é improcedente.

Com efeito, Ruy Barbosa Nogueira, em provecto parecer, leciona: "No sentido integral fato gerador do tributo é o conjunto dos pressupostos abstratos descritos na norma de direito material, de cuja concreta realização decorrem os efeitos jurídicos previstos. Portanto, não basta a só existência abstrata da descrição dos pressupostos feita pela lei ou legislação, para que ocorram os efeitos jurídicos ou a obrigação tributária. A lei cria hipoteticamente a figura ou modelo e a consequência tributária somente surgirá se a situação descrita for praticada por alguém, dentro da jurisdição, num dado momento submetida a uma base de cálculo e alíquota se se trata de tributo avaliável ou apenas de um quantum se o tributo é fixo. (g.n.) Todos estes últimos aspectos estão ligados à substância ou cerne do fato gerador (situação descrita), sendo certo que o CTN destacou logo o elemento cerne que é o material (situação - arts 114 e 115) e foi tratando dos aspectos separadamente, em outros dispositivos, mas sempre relacionado-os".

E, continua o ínsigne Jurista: "Assim, o fato gerador integral compreende o cerne objetivo, e os aspectos subjetivo, espacial, temporal e quantificativos que passaremos examinar: 1º.) Elemento objetivo (situação descrita). É a sua consideração material, ou seja, quando encarado pela situação de fato que a lei descreve. Por este lado é que foi configurado pelo CTN: "a situação definida em lei como necessária e suficiente para a ocorrência da obrigação principal" (cf. art. 114). Por questão de método o código entendeu suficiente restringir aí o elemento material ou cerne do fato gerador e passou a especificar os aspectos (subjetivo, espacial, temporal e quantificativos) nas respectivas disposições. Portanto, isso não quer dizer que abandonou os demais elementos da teoria do fato gerador. Pelo contrário, estruturou-os dentro de um sistema normativo. (...)".

Ao comentar sobre os aspectos quantitativos (base de cálculo e alíquota) do fato jurídico tributário, pontifica: "5.º Aspectos quantificativos (base de cálculo e alíquota). A situação descrita na lei como fato gerador, ocorrendo, tem de ser medida ou avaliada de acordo com uma base também previamente estabelecida em lei e que se denomina base de cálculo (CTN, art. 97, IV). A base de cálculo do tributo representa legalmente o valor, grandeza ou expressão numérica da situação ou essência do fato gerador e sobre a qual se há de aplicar a alíquota; é, por assim dizer, um dos lados ou modo de ser do fato gerador. Este aspecto é tão importante para os efeitos da tributação que o CTN o destacou não só para estabelecer que a base de cálculo somente pode ser fixada por lei, mas, ainda que sendo exigida lei para aumento do tributo, equipara-se à majoração a modificação da sua base de cálculo que importe em torná-lo mais oneroso (art. 97, II, IV, e parágrafo 1º).14

Em razão disso, não é despropositado afirmar que não se verificando o fato jurídico tributário nos exatos termos em que presumido, para fins de restituição, equivale isso a não ocorrência do fato gerador, o que implica no direito do contribuinte em reaver, imediata e preferencialmente, os valores que recolheu indevidamente.

Na senda de remate, cumpre registrar outro argumento, contido na r. decisão, que a torna passível de infirmação, através do qual entendeu-se que "Na verdade, visa o instituto evitar, como já acentuado, a necessidade de fiscalização de um sem-número de contribuintes, centralizando a máquina fiscal do Estado num universo consideravelmente menor, e com acentuada redução de custo operacional e conseqüente diminuição da evasão fiscal. Em suma, propicia ele maior comodidade, economia, eficiência e celeridade na atividade estatal ligada à imposição tributária". Ora, divorciar-se dos rígidos princípios que orientam o sistema constitucional tributário, em nome da comodidade fiscal, além de representar argumentação metajurídca, não constituir solução condizente com a ordem jurídica, de modo a se divorciar dos altaneiros ideais de Justiça. Portanto, carece de revisão esse entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, de modo a resgatar a tributação levada a efeito pelo regime da sujeição passiva por substituição ao altiplano da constitucionalidade.


NOTAS

01. ICMS, pág. 173, 5ª Edição, Malheiros

02. Substituição tributária e cobrança antecipada do ICMS, in ICMS Problemas Jurídicos, pág. 190, Dialética

03. Op. cit, págs 201 e 202

04. Op. cit., págs. 176/178

05. A substituição tributária por fato gerador futuro – Emenda n. 3 à Constituição de 88, in, Repertório IOB de Jurisprudência 16/321, 1993.

06. ICMS – Substituição Tributária ‘para frente’e a Lei Complementar n.87/96, art. 10, in, O ICMS e a LC 87/96, pp.27/28.

07. Ob. Cit. Pág. 186

08. ICMS – Substituição Tributária – Responsabilidade por retenção e recolhimento por operações ainda não realizadas, in RDT 44, p. 44.

09. Comentários Á Constituição de 1967, com a Emenda 1 de 1969, tomo II, pág 366, RT, in Geraldo Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, pág 62, 5ª edição, Malheiros.

10. Curso de Direito Tributário, pág. 243, 14ª edição, Saraiva

11. O Regulamento do ICMS, pág. 56, in, Geraldo Ataliba, Ob. cit., pág. 63.

12. Comentários à Constituição de 19988 – Sistema Tributário, 8ª Edição, pág. 433

13. Ob. cit., pág. 261

14. Curso de Direito Tributário, 9º Ed., p. 146/152


BIBLIOGRAFIA

CARRAZZA, Roque Antônio, ICMS, São Paulo, 5ª Edição, Malheiros, 1999.

_____ O Regulamento do ICMS, pág. 56, in, Geraldo Ataliba, Ob. cit., pág. 63.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 243, 14ª edição, Saraiva.

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Sobre o autor
Ricardo Adati

advogado em São Paulo, especialista em Direito Tributário e pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADATI, Ricardo. Aspectos atuais do regime de responsabilidade por substituição no ICMS: comentários à decisão proferida pelo STF na ADIN nº 1851-4.: A inconstitucionalidade do regime de sujeição passiva por substituição para frente no ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3920. Acesso em: 24 nov. 2024.

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