Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Greve, não-cumprimento das decisões judiciais e mídia

Agenda 01/06/2015 às 17:13

Este texto trata da questão da greve dos metroviários no Rio Grande do Sul e do destaque negativo dado pela mídia local.

Não vou aqui defender o não-cumprimento das decisões judiciais. Antes pelo contrário, elas devem, à risca, boas ou ruins, serem observadas. O que quero discutir é a sanha da mídia gaúcha frente à atutação sindical. É certo que os meios de comunicação do Rio Grande do Sul, pouco afeitos à democracia e a inclusão do outro, aos movimentos populares, de trabalhadores e sindicais, repudiam a atutação do sindicato dos metroviários (que protesta de forma solidária) que descumpre a decisão judicial. Mas será que é proporcional e correta esta forma de cobertura?

Pergunto isso porque não é dado mesmo destaque para outras situações análogas. Exemplo flagrante o descumprimento por parte de três grandes empresas do Rio Grande do Sul de decisões administrativas que determinam pagamento de tributos federais e que, é sabido, deram origem à Operação Zelotes. Ao que parece o que pretende a mídia é chamar a atenção frente ao movimento sindical, que se mostrou forte, ainda mais em tempos de corrupção especialmente presente em partidos de vinculação conservadora, bem como quanto o poder público estadunidense começa a investigar a FIFA, vinculada, como muitos sabem, aos grandes grupos de mídia[1].

Quanto à força do movimento sindical, lembro o leitor do evento havido no início de 2014 em Porto Alegre. Ou da greve dos metalúrgicos de Caxias do Sul. Os trabalhadores fizeram a prova de que efetivamente tem condições de enfrentar o poder capitalista, ainda que isso envolva riscos. Faço saber que os poderes públicos têm uma relação apertada para com as elites dominantes (grandes empresas privadas e corporações nacionais e internacionais), repetindo, na maioria das vezes de forma inconsciente, a lógica dominante de exclusão social, salários baixos e perda da consciência de classe. Ou seja, a justiça, que por força constitucional deve ser obedecida, não deixa de ser o braço repressivo do grande capital e do poder dominante.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Esta desestabilização do movimento sindical, fundamentada na não-observância pelo sindicato das decisões judiciais, retira do foco a questão central. Quem detém o poder de alterar a natureza e produzir a mercadoria (e os serviços) é a classe trabalhadora. E toda a vez que há greve isso aparece de forma muito nítida. De outro lado, a greve, direito social-fundamental, artigo 9o da CF/88, tem por objetivo pressionar o tomador do trabalho para que cumpra ou discuta os problemas da classe trabalhadora com os trabalhadores. É por isso que deve, sim, causar transtornos mas não apenas às empresas, mas à sociedade, beneficiada de forma direta pela prestação do trabalho, fazendo com que esta igualmente pressione (isso em tese) as empresas a fim de que sentem-se para negociar de forma razoável e digna.

Assim, se fossem notícias pautadas pela isenção, deveria tratar também da questão social, inclusiva e solidária do trabalho e do direito coletivo do trabalho, e não apenas da questão da desobediência à decisão do juiz e dos transtornos havidos pelo movimento. É por isso que proponho uma leitura atenta e crítica por parte das pessoas quanto às notícias passadas pela mídia no que pertine a greve em geral e à greve dos metroviários em particular. Isso permitirá que o leitor, isento, possa, no mundo real, conhecer a verdade e formar sua opinião verdadeira.


[1] http://www.viomundo.com.br/denuncias/representacao-a-rodrigo-janot-pede-apuracao-de-denuncias-contra-cbf-extensao-da-investigacao-a-fpf-e-a-offshore-da-globo.html - acesso 01 de junho de 2015, às 16h44min.

Sobre o autor
Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul; Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc; Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha; Membro da Associação Juízes para a Democracia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!