Antes de adentrar ao conteúdo da questão, entendo ser preciso expor uma breve explicação introdutória ao tema.
O termo “Mandado” tem sentido restrito, referindo-se às ações mandamentais, quando a palavra deve ser acrescida do provimento judicial que se busca (segurança e injunção) ou como ordem ou comando judicial destinado ao cumprimento de uma decisão proferida.
Já o vocábulo “Constitucional” adjetiva o mandado quanto a sua fonte no ordenamento jurídico, ou seja, do qual emana a obrigação da ação.
Essa característica é de suma importância para compreender a eficácia dos mandados ora pertinentes.
Redirecionando para o tema da pergunta, o mandado constitucional de criminalização foi apresentado pela primeira vez no Brasil através da doutrina constitucionalista-penal, que encampou a teoria alemã, através de Ingo Wolfgang Sarlet, que realizou a defesa de sua tese no Congresso Internacional do IBCCRIM em 2003, no Brasil, cujo o conteúdo foi posteriormente adaptado ao artigo “Constituição e Proporcionalidade: O Direito Penal e os Direitos Fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência” (Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 47, mar-abr. 2014, págs 60-112).
Já o Supremo Tribunal Federal posicionou-se pela primeira vez acerca do tema através do julgamento do Recurso Extraordinário n. 418.376/MS (Tribunal Pleno, 9 de fevereiro de 2006, DJ 23-03-2007). Discutiu-se, em apertada síntese, se a negativa de equiparação do instituto da união estável, para fins de incidência da hipótese especial de extinção da punibilidade nos tipos penais componentes dos “crimes contra os costumes”, consubstanciada no art. 107, VII do CP, ocasionando uma violação ao art. 226, §3º da CRFB/1988. Este , por sua vez, determinava que o Estado brasileiro deveria proteger, de modo especial, a família, e que para efeitos de tal proteção, a união estável era reconhecida como entidade familiar da mesma forma que o casamento.
Retornando para o conteúdo da pergunta em comento, Mandado Constitucional de Criminalização são ordens advindas da CRFB/1988 – que reconhece a relevância de determinadas matérias – no caso direitos fundamentais, antecipando que certa conduta pode ser tipificada como crime (Ex: art. 5º, incisos XLI, XLIII e XLIV, da CRFB/1988, dentre outros), mas o delito somente restará configurado havendo norma ordinária tipificando-o.
Os mandados constitucionais de Criminalização aparecem no texto constitucional de duas formas:
EXPRESSA:
Exs:
Artigo 5º da CF:
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; (vide Dec 5.397/05).
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (vide lei 7.716/89).
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (vide leis: 9.455/97; 11.343/06; 7.170/83; 8.072/90).
XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; (vide lei 7.170/83).
Art. 29-A. O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5o do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior:
(…)
§ 2o Constitui crime de responsabilidade do Prefeito Municipal:
I – efetuar repasse que supere os limites definidos neste artigo;
II – não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou
III – enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária.
§ 3o Constitui crime de responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal o desrespeito ao § 1o deste artigo. (vide Lei Complementar Nº101/00).
IMPLÍCITOS:
Exs:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: – (Extrai-se do Caput do artigo 5º que a vida é elevada a grau máximo de importância, logo qualquer ato contrário a ela deve ser punido com o rigor da legislação penal – vide artigos 121/128 do Código Penal Brasileiro)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;(vide Título I, Capítulo VI do Código Penal Brasileiro)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (vide Título V do Código Penal Brasileiro)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;(Vide artigos 138/145 do Código Penal Brasileiro)
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (vide artigo 150 do Código Penal Brasileiro)
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;(vide artigo 151 do Código Penal Brasileiro, e Lei 9296/96 que regular a Interceptação telefônica)
XXII – é garantido o direito de propriedade; (vide Título II do Código Penal Brasileiro)
XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; (vide Título III do Código Penal Brasileiro)
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (vide Título II da Lei 8.078/90).
Vale registrar que não se esgotou o tema, mesmo assim, pode-se dizer, em resumida explicação, que os mandados constitucionais de criminalização, são, portanto, ordens advindas da Constituição que reconhecendo a relevância de determinada matéria e a impossibilidade de já regulá-la em seu próprio texto, impôs ao legislador infra que cuidasse do assunto seguindo por meio de leis.