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Continência e conexão como formas de modificação de competência no processo penal

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Agenda 02/06/2015 às 16:19

3. A QUESTÃO DA CONEXÃO E DA CONTINÊNCIA: A MATÉRIA NO PROCESSO CIVIL

O artigo 103 do Código de Processo Civil caracteriza o instituto da conexão, de modo geral, considerando-a existente duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir.

Para BARBI15 a conexão existe ainda quando entre as causas há relação de acessório a principal; quando uma das partes denuncia a lide a outrem; quando o réu age em reconvenção, e quando uma das partes propõe a declaratória incidental, na linha dos ensinamentos de CHIOVENDA 16, que foi adotado pelo Código de Processo Civil peninsular, artigos 31 a 36 e 39.

Por sua vez, o artigo 104 do Código de Processo Civil considera haver continência entre duas ou mais ações sempre que houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abranger o das outras.

É conhecida a passagem de CALAMANDREI17 quando, estudando a continência, a conceitua como aquela questão que passa por duas causas, uma das quais mais extensa, compreende e se contém dentro de outra, menos extensa.

Data vênia, ao contrário do que pensava ROSA18 a continência não é um diminutivo da litispendência.

Ora, ao contrário da litispendência, onde a causa deve ser encerrada, na conexão e na continência as causas prosseguem.

Tanto na conexão como na continência há uma possibilidade aberta de modificação de competência. É o que se lê do artigo 102 do Código de Processo Civil, que trata de competência relativa, em razão do valor ou em razão do lugar.

Mas a lei não impõe, ao contrário do artigo 148 do Código de Processo Civil de 1939, onde se usava a expressão prorrogar-se-á.

Diversos são os caminhos trilhados no processo penal para a matéria.


4. A CONEXÃO E A CONTINÊNCIA NO PROCESSO PENAL

MIRABETE19 adverte que os conceitos de conexão e continência diferem dos do processo civil em que há distinção em razão das personae, res e causa petendi com regras específicas para a determinação do juízo competente.

De toda sorte, os artigos 76 a 82 do Código de Processo Penal apresentam previsão de normas sobre conexão e continência. Estas não são causas determinantes da fixação de competência, como são o lugar do crime, o domicilio do réu, etc, pois são, em verdade, motivos que determinam a sua alteração, atraindo para a competência de um juízo o crime que seria de competência de outro.

Trago a conclusão de PAZZAGLINI FILHO20 para quem motivando a reunião em um processo e consequentemente a unidade de julgamento, a conexão e a continência ¨tem por finalidade a adequação unitária e a reconstrução crítica única das provas a fim de que haja, através de um único quadro de provas mais amplo e completo, melhor conhecimento dos fatos e maior firmeza e justiça nas decisões, evitando-se a discrepância e contradição entre os julgados¨.

Aliás, é possível que da existência de um dos crimes conexos dependa a existência do outro ( a do crime acessório com relação ao principal), onde uma verdadeira dependência prévia que aconselha a união dos processos.

Essa interligação entre duas ou mais infrações leva a que sejam julgadas pelo órgão judicial

Estudemos as formas de conexão:

1) Conexão intersubjetiva (artigo 76, I, Código de Processo Penal), onde há infrações penais interligadas que devem ser praticadas por 2 (duas) ou mais pessoas:

1.1.Conexão intersubjetiva por simultaneidade: na hipótese, ocorrem várias infrações praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas que não estão de forma prévia acordadas;

1.2. Conexão intersubjetiva concursal: ocorre quando várias pessoas, previamente acordadas, praticam várias infrações embora diverso o tempo e o lugar;

1.3.Conexão intersubjetiva por reciprocidade: ocorre quando várias infrações são praticadas, por diversas pessoas, umas contra as outras, havendo o que se chama de reciprocidade na violação de vínculo jurídico, algo que se distancia do crime de rixa, crime único.

2) Conexão objetiva, material, teleológica ou finalística (artigo 76, II, do Código de Processo Penal): ocorre quando uma infração é praticada para facilitar ou ocultar outra, ou para conseguir impunidade ou vantagem;

3) Conexão instrumental ou probatória (artigo 76, III, do Código de Processo Penal): ocorre quando a prova de uma infração ou de suas elementares influir na prova de outra infração;

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A chamada conexão na fase preliminar investigatória nada mais é que uma forma de conexão instrumental, quando se dá a reunião dos inquéritos, na Polícia, com o objetivo de obter a verdade real e a melhor forma de acompanhar a investigação.

Passo à continência.

continência, quando 2 (duas) ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração (coautoria) e ainda no concurso formal, erro na execução (aberratio ictus) e resultado diverso do pretendido (aberratio delicti).

Não está longe da verdade TOURINHO FILHO21 ao criticar a distinção entre conexão e continência. Ora, continência é forma de conexão e várias legislações a reconhecem.

Ambas, na prática, têm um único fim: reunião de processos.


5. REGRAS DE CONEXÃO

Chegamos ao artigo 78 do Código de Processo Penal com relação a várias regras de conexão e continência.

Se um crime doloso contra a vida for conexo a outro crime comum, ambos serão apreciados pelo Tribunal Popular, pois este é o prevalente.

À luz da Lei 11.313/2006, que alterou a redação da Lei 9.099/1995, havendo concorrência entre crime doloso contra a vida e infração de menor potencial ofensivo, ambos irão à Júri, devendo se dar oportunidade à transação penal e a recomposição civil dos danos quando envolver infração de menor potencial ofensivo.

Havendo concorrência entre o júri e crime de competência de jurisdição especial, seja ela militar ou eleitoral, deverá ocorrer a separação dos processos.

As autoridades beneficiadas com prerrogativa de foro previsto na Constituição Federal não irão a Júri, sendo julgadas pelo respectivo tribunal competente. Já aquelas com foro previsto na Constituição Estadual caso incorram em crime doloso contra a vida irão a Júri.

Atualmente, não há de se falar em manutenção da prerrogativa de foro uma vez encerrado o cargo ou mandato. A esse respeito, lembro o julgamento do Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade n. 2.797. – 2 e ainda 2860 – 0, julgadas procedentes, em razão de inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002.

Por outro lado, a renúncia ao mandato, como forma de perda de tal foro, foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AP 396, Relatora Ministra Cármen Lúcia, 28 de outubro de 2010, onde se entendeu que tal hipótese se caracterizava como inaceitável fraude. 1

No concurso entre a jurisdição comum e a militar haverá cisão do processo. É o que se lê do artigo 79 do Código de Processo Penal, em hipótese de separação obrigatória.

Outro exemplo de conexão, agora subjetiva, ocorrerá no caso em que o réu é deputado federal e outro cidadão, que é desprovido de foro. A competência para julgar ambos, em concurso de agentes, é do Supremo Tribunal Federal, como se lê da Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal. Considero, nessa altura do estudo, pois mister lembrar, que somente poderá ser considerado juiz natural o juiz ou órgão outro do Poder Judiciário cujo poder de julgar derive de fontes constitucionais. Esse o alerta que entendo deva ser dado para melhor compreensão do entendimento jurisprudencial de nossa Corte Suprema.

Do que se lê no Informativo n. 529. do Supremo Tribunal Federal, tem-se que havendo coautoria criminosa entre Governador do Estado, que tem foro privativo no Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, I, a, da Constituição Federal) e Deputado Federal (artigo 102, I, b, da Constituição Federal), a competência para instruir e julgar a ação penal é do Supremo Tribunal Federal.

Na concorrência entre a Justiça comum e a especializada, esta ultima irá prevalecer. Havendo conexão entre crime eleitoral e outro comum, ambos serão objeto de apreciação pela Justiça Eleitoral.

No concurso de jurisdição da mesma categoria, prevalecerá:

a) A do lugar da infração a qual for cominada a pena mais grave;

b) Quando ocorrerem várias infrações prevalece a competência do lugar onde tiver ocorrido maior número;

c) Nos demais casos, firmar-se-á a prevenção.

A unidade cessará se sobrevier doença mental de um dos acusados, já que o processo ficará suspenso quanto a ele, prosseguindo em relação ao outro.

Outra hipótese de separação obrigatória, a teor do artigo 366 do Código de Processo Penal, haverá se houver fuga do corréu. Assim se um dos corréus for citado por edital, não comparecer e nem nomear advogado, o processo, quanto a ele, ficará suspenso, e estará suspenso o curso do prazo prescricional.

Concorrendo a justiça comum estadual e a justiça comum federal, prevalecerá a última, como se lê da Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça.

Vejamos as hipóteses de separação facultativa, do que se vê do artigo 80 do Código de Processo Penal:

a) Infrações praticadas em circunstâncias de tempo ou lugar diferentes: a distinção temporal ou de lugar pode motivar a separação dos processos;

b) Número excessivo de acusados, situação que pode ocasionar vários problemas durante a instrução criminal a levar ofensa ao princípio da duração razoável do processo, norteador do processo penal, na redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Aqui cabe ao magistrado, a pedido ou de ofício, analisar a conveniência de manter o processo uno ou determinar a sua separação;

c) Quando haja um outro motivo relevante. Ora, estamos diante de um conceito juridicamente indeterminado. Na lição de BARBOSA MOREIRA22, abre-se ao aplicador da norma certa margem de liberdade. Algo de subjetivo, realmente, haverá nessa operação concretizadora, sobretudo se houver a aplicação de determinados juízos de valor. Todavia, avisa a melhor doutrina, que não se pode confundir tal situação com o da discricionariedade. É que há hipóteses em que a lei atribui a quem tenha de aplicá-la o poder de, em face de certa situação, atuar ou abster-se ou ainda o poder de escolher, no primeiro caso, o poder de escolher, dentro de certos limites, a providência que adotará, dentro de considerações de oportunidade ou de conveniência. De toda sorte, a assertiva em análise requer prudência do aplicador.


6. DA CRIAÇÃO DA NOVA VARA

Sabe-se que desde o direito romano existe a regra de que a competência para determinada causa, uma vez fixada, não mais será modificada, a não ser em situações especiais. É o princípio da perpetuatio jurisdictionis.

É o que se lê do Digesto, onde razões de segurança e estabilidade não permitem a mudança da competência depois de fixada.

Daí o artigo 87 do Código de Processo Civil, que deve ser utilizado por analogia, artigo 3º do Código de Processo Penal, diante das questões ocorridas no processo penal, sempre que assim se exigir.

É o caso de criação de nova vara a discutir.

Há necessidade de determinar o momento em que se fixa a competência do juiz para certa causa.

A competência, por certo, será determinada no momento em que a ação é proposta. Lembro que o artigo 263 do Código de Processo Civil considera proposta a ação logo que a petição inicial for despachada pelo Juiz, onde só houver uma Vara. Se houver mais de uma, a competência virá pela distribuição.

Uma vez fixada a competência na forma dos artigos 87 e 263, ela não mais será alterada por modificações posteriores no estado de fato e de direito. Não interessa se o réu mudou de domicílio (conceito de direito civil).

Há duas ressalvas, previstas no artigo 87 do Código de Processo Civil:

a) O desaparecimento do órgão judiciário;

b) A alteração da competência em razão da matéria ou da hierarquia.

Trago á colação decisão importante do Supremo Tribunal Federal na matéria, em caso de criação de nova Vara, no RHC 83.181, Pleno, em 6 de agosto de 2003, DJ de 2 de outubro de 2004, em que foi Relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. INSTALAÇÃO DE NOVA VARA POSTERIORMENTE AO INÍCIO DA AÇÃO PENAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 87. DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ORDEM DENEGADA.

1. A criação de novas varas, em virtude de modificação da Lei de Organização Judicial local, não implica incompetência superveniente do juízo em que se iniciou a ação penal.

2. O art. 87. do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, leva à perpetuação do foro, em respeito ao princípio do juiz natural.

3. Ordem denegada.

Faço tal abordagem sem esquecer que há importante lição trazida, no passado, em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,23 onde se entendeu que é certo que as leis de competência se aplicam imediatamente, por serem de ordem pública, em decisão relatada pelo Ministro Filadelfo Azevedo, à luz de parecer do eminente Procurador Geral da República.

Não se afasta dessa linha de pensar ALVIM24 quando disse, de forma taxativa, que constitui um erro do legislador não dar como elemento de alteração da perpetuatio jurisdictionis a criação de nova comarca.

Assim tratando-se de competência relativa, em razão do lugar, e não de competência absoluta, em razão da matéria ou da pessoa, não deve haver a remessa.

É certo ainda que é possível a modificação da competência em razão da hierarquia. É o que ocorre quando pessoas que passam a ter privilégio de foro. Há remessa dos autos ao tribunal competente, sendo que os atos praticados no primeiro grau serão reputados válidos em nome do princípio do tempus regit actum.


7. DIFERENÇA ENTRE JUÍZES IGUALMENTE COMPETENTES E JUÍZES COM JURISDIÇÃO CUMULATIVA

É princípio basilar de hermenêutica jurídica aquele segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda. Assim as palavras devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia. Assim não se presumem palavras inúteis, como lecionou Carlos Maximiliano Pereira dos Santos.25

A solução para o problema trazido vem da lição de Tourinho Filho26, quando, com precisão, ensina que os magistrados igualmente competentes são os que possuem idêntica competência, tanto em razão da matéria quanto em razão do lugar. Isso ocorre quando há vários juízes criminais na mesma Comarca, havendo a necessidade de se distribuir o processo para se descobrir o competente.

Por outro lado, são juízes com jurisdição cumulativa aqueles aptos a julgar a mesma matéria, mas que se localizam em foros diferentes. É o que se dá, quando há um crime continuado, que transcorra em várias Comarcas próximas, pois qualquer magistrado poderá julgá-lo.

Observa-se que a norma inscrita no artigo 83 do Código de Processo Penal não usa de forma gratuita os dois termos. Tal lição é seguida por Guilherme de Souza Nucci. 27

No mesmo sentido, lembro o que foi dito por Danilo Von Beckerath Modesto, no artigo ¨O critério da prevenção como afronta à imparcialidade do juiz.¨

É certo que, por sua vez, Bento de Faria28 focaliza jurisdição cumulativa para o caso isolado de juízo prevento: ¨A jurisdição cumulativa ocorre quando as autoridades judiciárias de determinada circunscrição territorial são igualmente competentes para conhecer do fato incriminado, isto é, quando se verifica a concorrência de mais de um juiz, com a mesma competência para a respectiva instrução.¨

A solução da matéria passa pela dicotomia foro prevento e juízo prevento.

A hipótese de foro prevento ocorrerá quando houver mais de um juiz igualmente competente em mais de uma comarca ou circunscrição judiciária.

Por sua vez, a hipótese de juízo prevento dar-se-á quando em uma única comarca houver mais de um juiz com jurisdição cumulativa.

É por meio da distribuição dos feitos forenses que se fixa a competência do juízo quando houver jurisdição cumulativa (artigo 75 do CPP).

Foro é o local onde o juiz exerce as suas funções, é a unidade territorial a qual se exerce o poder jurisdicional, segundo as leis de organização judiciária.

Por sua vez, o juízo, em primeiro grau de jurisdição, corresponde às varas, a unidade administrativa.

Nas Justiças dos Estados, sabemos, o foro de cada juiz de primeiro grau se chama Comarca. O foro do Tribunal de Justiça de um Estado da Federação, é todo o Estado. Por sua vez, o dos Tribunais Regionais Federais é a sua região (artigo 107 da Constituição Federal).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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