O tempo do pagamento é um elemento intrínseco à satisfação da obrigação pelo devedor. O instante em que se deve pagar a dívida é de fundamental importância para caracterização de seu vencimento.
O sistema jurídico pátrio adotou como regra o pagamento imediato das obrigações estabelecidas entre o credor e o devedor. Estamos diante do princípio da satisfação imediata da obrigação.
O que sempre se deve tolerar, até mesmo em razão do princípio da boa-fé objetiva e do affecttio contractus, é um prazo moral razoável para que o devedor tenha um tempo mínimo de se organizar e realizar os trâmites necessários para a concretização.
Nada impede, contudo, de as partes entabularem contratualmente um prazo ou condição para o adimplemento da obrigação no todo ou em parte. Vê-se, então, que um vencimento a prazo é um privilégio ao devedor, tendo o credor que respeitar tal data, sob pena de infringir o art. 939 do Código Civil[1].
Tema de muita relevância, porém de pouco conhecimento da maioria dos credores, é a possibilidade de terem os seus créditos vencidos de forma antecipada.
As situações estão consagradas no art. 333 do Código Civil Brasileiro de forma ali taxativa, o que não restringe outras legislações de tratarem o tema abrindo-se oportunidades para mais hipóteses, in verbis:
Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor;
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.
O escopo para inserção de tal dispositivo se dá na alteração das circunstâncias fáticas que envolveram o embrião do negócio firmado entre as partes. Caso o credor se veja diante de tais situações, assistirá a ele o direito de exigir a dívida para resguardar o seu direito.
O inciso I requer certa atenção, já que existe uma legislação específica que regulamenta a matéria. Conforme dispõe a Lei 11.101/05, em casos de falência, o credor deve habilitar seus créditos no juízo falimentar, respeitando, obviamente, a ordem de preferência dos credores.[2]
É importante esclarecer que o tema aqui abordado não se confunde com a quebra antecipada do contrato (antecipated breach of contract)[3]. Tal instituto, em apertada síntese, está intimamente ligado ao rompimento dos deveres satelitários de conduta, ou seja, se o devedor adotou conduta nitidamente contrária à obrigação assumida, poderá o credor quebrar de forma antecipada o pacto sem prejuízo de condenação em perdas e danos.
Consequentemente, depreende-se que quaisquer manifestações de vontade em oposição ao cumprimento da obrigação serão consideradas como contrárias à maneira como deve exprimir-se constantemente a vontade do devedor, revelando-se violadora do dever de correção que deverá nortear toda a relação obrigacional.
Diferente é o que estabelece o artigo supracitado por último, já que nas hipóteses legais não se exige uma participação direta do devedor para o não cumprimento obrigacional que se autorize a antecipação do vencimento, pois as circunstâncias fixadas na gênese contratual sofreram modificações independentemente de atuação do mesmo.
Notas
[1] Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.
[2] Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV – créditos com privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; d) aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006; V – créditos com privilégio geral, a saber: a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei; c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; VI – créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo; VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; VIII – créditos subordinados, a saber: a) os assim previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
[3] Art. 72 da Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980: (1) Se, antes da data do cumprimento do contrato, for manifesto que uma parte cometerá uma violação fundamental do contrato, a outra parte pode declarar a resolução deste. (2) Se dispuser do tempo necessário, a parte que pretender declarar a resolução do contrato deve notificar a outra parte, em condições razoáveis, para permitir a esta dar garantias suficientes da boa execução das suas obrigações. (3) As disposições do parágrafo anterior não se aplicam se a outra parte declarou que não executaria as suas obrigações.