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A possibilidade da arbitragem nos contratos firmados pelas empresas estatais

Agenda 08/06/2015 às 23:20

O artigo visa esclarecer sobre a possibilidade da estipulação da Arbitragem como meio de resolução de conflitos nos contratos entabulados pelas Empresas Estatais, considerando para tantos as previsões legislativas e o posicionamento da Jurisprudência.

Resumo

A arbitragem é amplamente aplicável às relações civis, entretanto, a questão a ser analisada cinge-se a possibilidade de convenção de cláusula arbitral pelas empresas estatais, entes da administração pública indireta. No que toca aos entes da administração pública direta em razão da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse, em regra, não é possível a convenção do compromisso arbitral em seus contratos. Já quanto à aplicação da arbitragem as relações estabelecidas entre a administração pública indireta, especificamente empresas públicas e sociedades de economia mista, a questão é controversa, motivo pelo qual o tema será analisado neste trabalho.

Palavras-chave: Empresas públicas e sociedades de economia mista. Convenção de Arbitragem. Possibilidade.

Introdução

            O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade de empresas estatais se utilizarem da arbitragem em seus contratos, pretende-se o esclarecimento de tema objeto de tantas dúvidas entre o meio acadêmico e do qual a doutrina tem se manifestado nebulosamente.

            No primeiro tópico são tecidas considerações sobre a arbitragem, sua previsão legal, principais características, pontos positivos e negativos de sua convenção e quais suas finalidades.

Em seguida, estuda-se o regime jurídico aplicável às empresas estatais, e decorrentemente de sua aplicação, a análise da possibilidade de convencionamento de cláusula compromissória nos contratos aplicando o entendimento doutrinário e a jurisprudência sobre o tema.

1 Arbitragem

No direito brasileiro a arbitragem está prevista na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, é método de resolução de conflitos fora do Poder Judiciário, deve ser estipulada prévia e expressamente nos contratos que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, mediante a convenção de cláusula compromissória, através da qual as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato, quando avençada retira do âmbito jurisdicional o conhecimento sobre a lide.

A arbitragem estabelecida pelas partes pode ser de direito, ocasião em que será fundamentada necessariamente na legislação vigente, ou poderá ser decidida utilizando-se de juízo equidade, a critério das partes, que podem escolher, previamente e de forma livre, que a decisão se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras gerais de comércio, podendo ainda optar pelas regras de direito aplicáveis à relação, desde que não ofendam aos bons costumes e a ordem pública (Art. 2, §1º e 2º da Lei de Arbitragem).

Note-se que o juízo arbitral não é juízo arbitrário, mas sim estabelecido e fundamentado em razão da confiança das partes do arbítrio previamente acordado, devendo ainda, conforme dispõe a lei, observar sempre em seu procedimento os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livro convencimento, sob pena de reconhecimento de nulidade pelo Poder Judiciário caso não observados (Art. 21, § 2 da Lei de Arbitragem).

O arbítro não possui poderes de instituição de medidas coercitivas ou cautelares, mas caso, essas se façam necessárias, poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar a causa de início (art. 21 e §§).

Em que pese a ausêcia do poder de coercibilidade, o estabelecimento e utilização da arbitragem garantem celeridade à resolução da lide por suas especiais caracteristicas, dentre as quais é de se destacar: as partes poderão facultativamente postular por intermédio de advogado; o juiz ou juízo arbitral deverá sempre no início do procedimento realizar a tentativa de conciliação entre as partes; a revelia de umas das partes não impedirá o proferimento da sentença arbitral; o juízo arbitral tem poderes instrutórios podendo produzir as provas que julgar necessárias, de ofício ou mediante requerimento das partes.

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A sentença é proferida no prazo definido entre as partes e não tendo este sido definido, será proferida no prazo será de seis meses contados da instituição da arbitragem, conforme prevê o artigo 23 da Lei. Não existe previsão de órgão recursal no procedimento arbitral, após o proferimento da sentença arbitral são comunicadas as partes, não tendo as mesmas a possibilidade de recorrer da decisão, entretanto, poderá a parte interessada solicitar, no prazo de cinco dias a correção de erro material ou esclarecimento quanto à obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que entenda existir na decisão. Em seguida, será proferida decisão sobre tais alegações no prazo de dez dias (art. 30).

 Proferida a decisão arbitral definitiva a mesma produz entre as partes e seus sucessores efeitos de sentença proferida pelo Poder Judiciário (art. 31), é título executivo judicial, e sendo condenatória poderá consequentemente ser executada judicialmente, pois como já dito os árbitros não tem poderes de estabelecimento de medidas coercitivas, para as quais é imprescindível a tutela judicial.

 Em que pese, a eficácia da decisão proferida pelo juízo arbitral, como já dito anteriormente o juízo arbitral não é juízo arbitrário, por tal motivo, a convenção de arbitragem não tira da esfera de conhecimento do Poder Judiciário o conhecimento de nulidade da sentença arbitral, restrita as hipóteses previstas no artigo 32 da Lei[1].

2 Distinções entre as empresas estatais

As sociedades de economia mista e empresas públicas são entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado das quais se utiliza o Estado para possibilitar a execução de alguma atividade de seu interesse com maior flexibilidade, sem as travas do emperramento burocrático indissociáveis das pessoas de direito público conforme ensina o professor José dos Santos Carvalho Filho[2].

Conforme já explicitou o Superior Tribunal Federal na ADPF 46 de relatoria do Ministro Eros Grau a atividade ecômica exercida pelo Estado é "(...) gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito.", assim as empresas estatais são entes integrantes da Administração Pública Indireta, pessoas jurídicas de direito privado que tem como finalidade a execução de atividade econômica ou prestação de serviços públicos.

No tocante a exploração direta da atividade econômica pelo Estado (atividade econômica em sentido estrito) somente será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173 da Constituição Federal).

Já a prestação de serviço público incumbe ao Poder Público que poderá prestá-lo diretamente ou mediante concessão ou permissão conforme previsto no artigo 175 da Contituição Federal, sempre precidida de licitação.

Tecidas as diferenciações necessárias, passemos as considerações sobre os regimes juridícos aplicáveis e a possibilidade de convenção de arbitragem nos contratos firmados pelas empresas estatais.

3 Empresas estatais e a Arbitragem

O Estado pode excepcionalmente explorar a atividade econômica em sentido estrito, quando houver relevante interesse coletivo ou por imperativos da segurança nacional, nesse caso podem atuar como verdadeiros particulares no campo mercantil, seja no setor de comércio, seja industrial, e, ainda, no de serviços[3].

No artigo 173, § 2º a Constituição Federal estabelece que:

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

(...)

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

Da leitura literal do texto pode-se afirmar que as empresas públicas sejam exploradoras da atividade econômica ou prestadoras de serviço público se sujeitaram a regime jurídico próprio das empresas privadas, entretanto, conforme decidiu o Superior Tribunal Federal não é este o entendimento que deve ser dado ao artigo, vejamos:

“Distinção entre empresas estatais prestadoras de serviço público e empresas estatais que desenvolvem atividade econômica em sentido estrito. (...). As sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas. (...). O § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil não se aplica às empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades (estatais) que prestam serviço público.” (ADI 1.642, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-4-2008, Plenário, DJE de 19-9-2008.) No mesmo sentido: ARE 689.588-AgR, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 27-11-2012, Primeira Turma, DJE de 13-2-2012.

No mesmo sentido:

“Quer dizer, o art. 173 da CF está cuidando da hipótese em que o Estado esteja na condição de agente empresarial, isto é, esteja explorando, diretamente, atividade econômica em concorrência com a iniciativa privada. Os parágrafos, então, do citado art. 173, aplicam-se com observância do comando constante do caput. (...).” (RE 407.099, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 22-6-2004, Segunda Turma, DJ de 6-8-2004.)

Partindo desse pressuposto jurídico, apenas as empresas públicas e as sociedades de economia mista exploradoras da atividade econômica deverão se sujeitar ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (inciso II, art. 173) e não poderão gozar de privilégios (§ 2º do mesmo artigo), evitando uma concorrência em desigualdade de condições com as empresas privadas que atuem nas mesmas áreas.

Entretanto, explica o professor José dos Santos Carvalho a regra não pode ser interpretada literalmente, fazendo-se necessária a ressalva de que, por mais que se aproximem das empresas privadas continuaram tais empresas sofrendo o influxo de regras de direito público, pois apesar de pessoas privadas continuam sujeitas às normas vinculantes com a Administração Direta, enumera dentre tais regras que:

obrigam-se à prestação de contas ministerial e ao Tribunal de Contas, tanto quanto a própria Administração; só podem recrutar mediante concurso público de provas ou e provas e títulos; obedecem ao princípio da obrigatoriedade de licitação, e outras tantas normas de direito público, não aplicáveis, obviamente, às empresas da iniciativa privada. Há, portanto, um regime híbrido, pelo qual, de um lado, sofrem o influxo de normas de direito privado quando explorando atividades econômicas, e de outro submetem-se a regras de direito público quanto aos efeitos decorrentes de sua relação jurídica com o Estado.[4]

Assim, defende tal autor que as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica se submetem a um regime híbrido, para embasar sua tese cita entendimento do eminente Celso Antônio Bandeira De Mello, ministro do Superior Tribunal Federal, ipsis literis:

"Então, embora basicamente se conformem à disciplina do direito privado, sobreposse no que tange a suas relações com terceiros, nem por isto são regidas exclusivamente pelos preceitos atinentes àquele ramo do direito. Muito pelo contrário. Sofrem também, como se disse, a ingerência de princípios e normas de direito público."[5]

Portanto, as sociedades de economia mista e empresas públicas exploradoras de atividade econômica no tocante as relações firmadas com terceiros, contratos de natureza civil serão aplicadas as normas de direito civil, mas por sua natureza hibrída, não poderão deixar de observar algumas regras de direito público dentre elas a obrigatoriedade de licitar.

É importante esclarecer, que em que pese as diferenciações, que indicam uma maior proximidade de aplicação das regras de direito público as empresas estatais prestadoras de serviço público tal fato não implica em vedação a que tais empresas utilizem-se da arbitragem, nesse sentido dispõe a Lei de Concessões prevendo em seu artigo 23-A a possibilidade de utilização da arbitragem nos contratos de concessão e permissão de serviços públicos, vejamos:

Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.  

A lei também faculta a utilização da arbitragem nos contratos de parceria público-privada envolvendo entes da administração direta e indireta nos termos do artigo 11, inciso III da lei 11.079/2004:

Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:

III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.

       

No mesmo sentido o entendimento unânime do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS. 1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência. 2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. 3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste. 4. Recurso especial provido. (Recurso Especial nº 606.345 - RS)

No mesmo sentido os julgados: (REsp 606.345/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 08/06/2007, p. 240); (AgRg no MS 11.308/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/06/2006, DJ 14/08/2006, p. 251); e (MS 11.308/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 19/05/2008)

Considerações Finais

            Pelo que exposto as contratações realizadas pela Administração Pública Direta, bem como pelas empresas públicas, exploradoras de atividade econômica ou prestadoras de serviços públicos, poderão sim no procedimento licitatório estipular previsão da utilização da arbitragem como meio de resolução de eventuais conflitos decorrentes do contrato conforme autorização constante da Lei de Concessões, Lei das Parcerias Público-Privadas e vasta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.


[1] "Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nulo o compromisso; II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.".

[2] Manual de Direito Administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 499.

[3] Carvalho Filho. Op. Cit. p. 944.

[4] Op. Cit. p. 945.

[5] Op. Cit. p. 946.

Sobre a autora
Nathália Suzana Costa Silva Tozetto

Advogada. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - Paraná.

Informações sobre o texto

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