1.1 A responsabilidade civil e sua evolução no tempo
Anteriormente não havia, em tempos de vingança privada, não havia a definição de responsabilidades decorrente de um conflito, nem a consequente apuração de quem deu causa ao dano. No período em questão, inicialmente através de seu grupo, e após um tempo através de atos do próprio individuo, ocorria a vingança para compensar a perda gerada. Nesses moldes era a aplicada a famosa Lei de Talião, também conhecida como pena de talião, onde figurava como princípio o “olho por olho, dente por dente”. Havia pouca ou quase nenhuma intervenção estatal, aparecendo apenas para definir o tempo e forma em que a vingança seria concretizada.
A responsabilidade civil advinha da relação entre o dano causado, a culpa do agente e do nexo de causalidade existente entre eles.
Nos primórdios da existência humana o direito e a razão eram deixados de lado e imperava o lado mais selvagem, porém mais humano, pois a reação ao dano causado era instintiva levando a uma consequente vingança privada (GONÇALVES, 2003, p. 04).
A consequente evolução da humanidade tornou-se a Lei de Talião ultrapassada, surgindo a Lex Aquilia de damno, que trazia como diferença a reparação da perda patrimonial do ofendido.
Carlos Alberto Gonçalves (GONÇALVES, 2003, p. 04-09) diz que a indicação da culpa fundamenta a reparação, porém a não existência de culpa, de forma subjetiva, não isenta o agente causador do dano da possível compensação. A culpa como motivo ensejador da reparação não era adotada pela Lei das XII Tábuas e pelos Códigos de Ur-Nammu e de Manu.
Na Roma Antiga havia a divisão no destino das reparações, quando o dano era causado ao Estado ou a um particular, bem como distinguia-se a reparação da pena aplicada.
O aperfeiçoamento veio no sistema jurídico francês, pois passou a existir a ideia da existência do ato ilícito para que houvesse uma reparação do dano causado. No direito francês a obrigação da indenização advinha mesmo da mais leve forma de culpa
Alguns Códigos modernos passaram a tratar de forma mais especifica da reparação do dano e da culpa.
O Código de Napoleão, de 1804, tratava do tema em seus artigos 1.382, que falava da responsabilidade civil extracontratual (onde havia necessidade da efetiva comprovação da culpa) e 1.383. O Código em referência foi além, e sistematizou e distinguiu as culpas entre as advindas de contrato e as extracontratuais.
O Código Visigótico, adotado em Portugal, devido a dupla influência, tanto germânica (em sua composição), quanto romana (em seu critério de penas), não fazia distinção entre a esfera civil e penal da responsabilidade. No século VIII, devido a influência da invasão árabe, passou a ser admitida a pena corporal e a vingança privada. Existia também a possibilidade de o crime ser perdoado pelos parentes dos que morriam.
Em nosso país, no período colonial, existiam Ordenações do Reino, onde havia distinção entre a reparação, pena e multa.
De acordo Silvio de Salvo Venosa (VENOSA, 2004, p. 143), a Consolidação Teixeira de Freitas, tratava da obrigação de reparação de dano causada pelos por menores de 14 anos e por loucos de quaisquer gêneros, quando eram cometidas através de negligência ou culpa.
No projeto do Código Civil, de Carlos de Carvalho, tratava do tema da responsabilidade civil e a consequente reparação do dano, existindo também a responsabilização dos erros cometidos por funcionários públicos.
O Código Civil, de 1916, em seu artigo 159, adotando a teoria aquiliana em seu art. 159, baseando a responsabilidade na anterior culpa do agente causador do dano.
Em 2002, com a adoção do novo Código Civil, a responsabilidade foi sistematizada, havendo a distinção entre danos materiais e morais, tratando também de onde foi originado o dano.
O Código Civil atual veio mais denso e profundo ao tratar da responsabilidade civil, no referido diploma legal é adotada a forma subjetiva de responsabilização, conforme seu artigo 186, bem como a objetiva, que é tratado no artigo 927, parágrafo único.
1.2 Conceito e elementos da responsabilidade civil
De acordo com Rui Stoco (STOCO, 2004, p. 118) a responsabilidade decorre do agir humano derivado de seu comportamento, conforme a obrigação imposta. Não havendo assim motivos para maiores preocupações, caso a sua atuação seja pautada conforme o que é colocado pela lei, pois mantendo-se adstrito ao que reza a legislação não haverá necessidade o agente não deverá ser responsabilizado por nada.
Para Maria Helena Diniz (DINIZ, 1999, p. 37) ação é todo agir humano, seja ele de forma comissiva ou omissiva, proveniente de ato ilícito ou não, praticado de forma voluntária e que possua imputação objetiva, do agente gerador do dano, terceiro, ou objeto coisa, que gere dano a terceiro e consequente necessidade de satisfação de direitos por parte de quem foi vítima da ação.
Seguindo a linha de pensamento a nobre doutrinadora ainda nos diz que o conjunto de medidas necessárias para gerar a reparação do dano causado por outrem a terceiro, decorrente de simples imposição da lei, de ação praticada pelo causador do dano ou por alguém ou algo que esteja sobre responsabilidade do agente danoso, é o que pode ser chamado de responsabilidade civil (DINIZ, 1999, p. 36).
Diante dos conceitos acima destacados, entende-se que uma ação culposa ou dolosa do agente que venha a causar dano a alguém, deve ser objeto de reparação pecuniária, e a isso chama-se de responsabilidade civil.
Faz-se necessária a existência de quatro elementos para existência da responsabilidade civil, quais sejam eles: um agir comissivo ou omissivo, o critério subjetivo que é dolo ou culpa, o nexo causal e o dano ocasionado ao terceiro, segundo Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2003, p. 31).
De forma geral nosso ordenamento tende para a imputação da responsabilidade civil de forma subjetiva, ou seja, faz-se necessário a existência do dolo ou a culpa, para que o agente possa ser responsabilizado pelo ato praticado. Não esquecendo também do nexo de causalidade, a relação entre causa e efeito, que nada mais é do que o dano ser resultado daquela ação.
O dolo é à vontade, manifestada de forma consciente, quando há uma real intenção de promover tal ato buscando um resultado específico. Já na culpa existir um agir consciente, mas que não deseja o resultado causado, podendo derivar de três situações: negligência (a realização de um procedimento sem o cuidado necessário, um agir de forma desleixada), ou imprudência (o agente não deseja causar dano, mas também não se preocupa com os cuidados necessários para não causa-lo, pois de alguma forma confia que suas habilidades serão suficientes para evitar quaisquer danos) ou a imperícia, que nada mais do que ausência de conhecimento técnico suficiente para realizar uma determinada atividade.
1.3 Responsabilidade civil: formas e espécies
A seguir abordaremos algumas situações que geram a responsabilidade civil, pois a mesma pode ocorrer de forma objetiva ou subjetiva, e advir de um contrato ou não (contratual e extracontratual).
1.3.1 A responsabilidade civil contratual
Para Sergio Cavalieri Filho (CAVALIERI 2010, p. 15.) o que distingui se a responsabilidade civil é contratual ou não é o modo como é ocasionada a violação da obrigação. Havendo uma anterior obrigação em que seu descumprimento gere uma devida indenização, ou seja, a punição pelo não adimplência, há um ilícito contratual, uma responsabilidade derivada de um contrato acordado previamente pelas partes entre as partes, onde estão elencados os direitos e deveres de cada um, mas se o dano causado não tem obrigação de reparar em vínculo contratual ou qualquer acordo anterior, surgindo de um direito subjetivo lesado, fala-se em responsabilidade extracontratual ou aquiliana.
Para Maria Helena Diniz (DINIZ, 2003, p. 110.) o rompimento ou não execução de um contrato, de forma parcial ou total, gera o ilícito contratual e a consequente responsabilidade civil contratual. Os contratantes, dotados de capacidade para tal e de forma livre, se propõe a cumprir determinadas obrigações, que se não cumpridas colocam-no em inadimplemento e/ou mora. Esse descumprimento da obrigação pode se dar de forma unilateral ou bilateral.
Existe a presunção de culpa na responsabilidade civil contratual, pois o mero rompimento do contrato no todo ou de parte de suas clausulas são suficientes para gerar a reparação, o máximo que pode ser feita parte causadora do ilícito no contrato é demonstrar a ausência de dolo na ação ou omissão diante da obrigação imposta pelo acordo firmado, assim nos diz Pablo Stolze Gagliano (GAGLIANO, 2005, p. 11).
1.3.2 Responsabilidade Extracontratual
A responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, aparece em nosso atual Código Civil no “artigo 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, e causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e também no “artigo 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Para Maria Helena Diniz (DINIZ, 2006, p. 427.) falamos em Responsabilidade Extracontratual quando um direito subjetivo é lesado ou ocorre uma ilicitude, que não estejam previstos em contrato ou acordo prévio, entre as partes.
1.3.3 A Responsabilidade Civil Subjetiva
Carlos Alberto Bittar (BITTAR, 1994, p. 578.) nos diz que ocorre a responsabilidade civil subjetiva existe quando há o dolo do agente, ou seja, a intenção de causar o dano com aquela ação, ou na modalidade culposa em estrito sentido, agindo de forma imprudente, negligente ou com imperícia. Há nesses casos a dificuldade na produção de provas, para que possa haver a justa reparação do ilícito.
A responsabilidade extracontratual ou aquiliana encaixa-se na modalidade subjetiva da responsabilidade civil, pois necessita da comprovação de dolo ou culpa e da demonstração do nexo causal.
Na responsabilidade civil subjetiva é fundamental a comprovação da vontade do agente, tenha ele desejado ou não o resultado.
1.3.4 Responsabilidade Civil Objetiva
Para a responsabilidade civil objetiva basta que se comprove o nexo causal, demonstrando que determinada ação gerou determinada perda, conforme a teoria do. Aqui não é analisada a vontade do agente, bastando que exista um dano causado por uma conduta, para que surja a obrigação de reparar o prejuízo.
O Supremo Tribunal Justiça teve o seguinte entendimento acerca da responsabilidade objetiva, em um julgado de ação indenizatória:
As avarias provocadas em turbinas de aviões, pelo tratamento de urubus, constituem-se em fato corriqueiro no Brasil, ao qual não se pode atribuir a nota de imprevisibilidade marcante do caso fortuito.
É dever de toda companhia aérea não só transportar o passageiro como levá-lo incólume ao destino. Se a aeronave é avariada pela sucção de grandes pássaros, impõe a cautela seja o maquinário revisto e os passageiros remanejados para voos alternos em outras companhias. O atraso por si só decorrente desta operação impõe a responsabilização da empresa aérea, nos termos da atividade de risco que oferece (RIO GRANDE SDO SUL -RS. Apelação Cível Nº 70039806146, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 16/12/2010).
De acordo com a decisão acima destacada e a doutrina fica claro que não necessidade de análise de dolo ou culpa, quando falamos de responsabilidade civil objetiva. A obrigação de reparação do prejuízo surge a partir da ação danosa do agente, ou seja, do nexo causal entre ação e dano.
Vejamos o que diz Sílvio de Salvo Venosa sobre o nexo causal:
O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida (VENOSA, 2003, p. 39).
Para Paulo Sergio Gomes Alonso (ALONSO, 2000, p. 40) aquele que extrai lucro de determinada atividade deve responder pelos riscos que dela surgem, não necessitando comprovar sua responsabilidade direta pelo dano causado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALONSO, Paulo Sergio Gomes. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000
BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed São Paulo: Atlas, 2010
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 18 ed. São Paulo: Saraiva. 2003
______. Tratado teórico e prático dos contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. IV
________. Curso de direito civil brasileiro – Responsabilidade Civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva: 1999, v. VII
GAGLIANO, Paulo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Curso de direito civil: Responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. III
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004
VENOSA, Silvio de Savio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol.4. 3°ed. São Paulo: Atlas S.A., 2003