- INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem vivido uma situação singular em sua história. Apesar de sempre ter atuado como guardião de nossa constituição, com o início do julgamento do escândalo do “Mensalão”, em Agosto de 2012, o STF acabou por tomar lugar de destaque inédito na opinião pública brasileira. Tal fenômeno ocorre em meio a uma crise de confiança nos poderes Executivo e Legislativo, que, como consequência, acabou por criar um cenário no qual a esperança de parte da população na existência de um poder público eficiente, capaz de promover a justiça, acabou por ser depositada no STF e em seus ministros.
Somado a isso, tivemos um processo de grande renovação do quadro de ministros na última década, e atualmente, 70% da composição da corte é de nomeados pelo Partido dos Trabalhadores, número que certamente será aumentado até o fim do mandato da presidenta Dilma Rousseff. Este quadro gera fortes críticas de boa parte da sociedade, uma vez que é o STF o responsável por julgar casos que envolvem parlamentares do partido em questão. Por fim, casos como o do Ministro Dias Toffoli, ex-advogado eleitoral do PT, e do recém-indicado Luiz Fachin, acusado de violar a lei ao exercer duplamente advocacia privada e as funções de procurador do Paraná, despertam questionamentos sobre a exclusividade do executivo ao ser o único responsável por nomear os ministros de nossa Suprema Corte, e se os nomes escolhidos neste sistema são, de fato, os mais apropriados para o cargo.
Para tentar responder esses e outros questionamentos acerca deste tema, analisaremos o modelo vigente de nomeção de forma crítica e comparada, bem como outros possíveis modelos já propostos por meio de proposta de emenda constitucional .
- O ATUAL MODELO
O artigo 101 da Constituição Federal dispõe que:
O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Considerando o artigo acima, percebemos os poucos e subjetivos requisitos apontados pela CF/88, que dão ao presidente ampla liberdade para efetuar sua escolha. Porém, é dado ao Senado Federal, num exemplo do sistema de freios e contrapesos, o papel de controle das indicações, que a seguir será analisado.
2.1 A atuação do Senado
Ao longo de toda a história da república brasileira (1889 a 2015), temos cinco rejeições por parte do Senado Federal, todas no ano de 1894. Três dessas rejeições configuram casos explícitos da ausência de notável saber jurídico, uma por se tratar de um médico (Dr. Cândido Barata Ribeiro), e outras duas, militares (General Galvão de Queiroz e General Ewerton Quadros), todas as indicações feitas p elo então presidente Marechal Floriano Peixoto. As outras duas indicações rejeitadas, também feitas por Floriano, são as de Demosthenes Lôbo, acusado de não possuir ilibada reputação (não há registro do teor das acusações), e do então subprocurador da República Antônio Caetano Seve Navarro, o qual possuía notável saber jurídico, mas assim como Demosthenes, foi vítima do conturbado momento político da época, entre o Senado e o Presidente.
Para dimensionarmos a razoabilidade destes números, utilizaremos o modelo americano a título de comparação, uma vez que este segue a mesma lógica de nomeação do Brasil, com a indicação do presidente sendo aprovada ou não pelo Senado. Desde a criação da Suprema Corte Americana (1789), temos doze nomes rejeitados pelo Senado, porém, por meio de consulta ao site do Senado Americano ¹, observamos peculiaridades, como o número de doze indicações retiradas pelos presidentes antes da votação, o que normalmente ocorre quando é previsível a rejeição por parte do Senado. Além disso, existem casos em que o Senado não colocou o nomeado em votação e casos que o próprio nomeado desistiu, totalizando quarenta e três indicações que resultaram em falha . Estes números apresentados apontam para um controle consideravelmente mais rigoroso, que provoca no chefe do executivo mais cautela e responsabilidade ao encaminhar um nome para o Senado .
Além do número de rejeições, a forma com que as chamadas sabatinas são feitas é bem diferente nos dois países. No Brasil, os nomeados são sabatinados em apenas uma sessão, de curta duração , como observado no caso do Ministro Ricardo Lewandowski, questionado por um período aproximado de apenas duas hora. Já nos Estados Unidos, o processo se da de forma bem diferente, com amplos questionamentos a cerca de diversos temas, como observado na mais recente sabatina, da juíza Elen Kagan,que teve duração de três dias, chegando a durações inimagináveis em nosso sistema, como a de Louis Brandeis (1916-1939), que chegou aos cento e vinte e dois dias .
2.2 A exclusividade do presidente nas nomeações
Apesar das diversas falhas apresentadas no tópico anterior, este é o ponto mais criticado do atual modelo de nomeação. Como já citado anteriormente, o Artigo 101 da CF/88 dá ao presidente um alto grau de liberdade para realizar sua indicação, e o que tem se visto nas últimas décadas são escolhas que tem a motivação política como principal ponto levado em consideração. De fato, não se pode dizer que algum ministro escolhido não atende explicitamente os requisitos estabelecidos, mas certamente, o que tem se visto são algumas indicações que geram grande controvérsia e que não se aproximam do ideal de meritocracia, desejável para um cargo de tamanha importância.
Notas:
¹ http://www.senate.gov/pagelayout/reference/nominations/Nominations.htm
Tendo em vista as indicações mais recentes, vale lembrar que, não é uma exclusividade do Partido dos Trabalhadores a opção por dar favorecimento a juristas que tenham um histórico de ligação com o chefe do executivo, como
no já mencionado caso do Ministro Dias Toffoli. De forma semelhante, o Ministro Gilmar Mendes foi vítima de fortes críticas, tendo em vista que,
notoriamente, tinha relações de proximidade com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.
3. POSSÍVEIS ALTERNATIVAS AO ATUAL MODELO
Em meio a todos os pontos negativos do vigente sistema de nomeação, tem se visto algumas tentativas de promover uma mudança no Artigo 101 da CF/88,como se vê nas seguintes propostas de emenda constitucional
- PEC 44/2012 - Cristovão Buarque (PDF-DF)
Propõe a formação de uma lista com seis nomes ( Dois indicados pelo Ministério Público Federal, Dois indicados pelo Conselho Nacional De Justiça, Um indicado pela Câmera Federal, por meio de decisão no plenário, e um indicado pelo Conselho Federal da OAB ). Esses nomes seriam entregues a presidência, que elaboraria uma lista tríplice com os nomes recebidos e a enviaria para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, para realização de uma sabatina com os três candidatos. Por fim, o escolhido seria decidido por meio de votação pelo plenário do Senado.
Tal proposta se mostra interessante, pela diversidade de setores e etapas que compõe o processo, o que certamente, garantiria a escolha de nomes de forma mais meritocrática do que política .
- PEC 17/2011 Rubens Bueno (PPS-PR)
Também propõe mudança no formato de nomeção, porém, de forma com que diferentes setores sejam responsáveis por um determinado número de indicações ( Duas indicações da Presidência, e as demais divididas entre o Superior Tribunal de Justiça, OAB, Procuradoria Geral Da República, Câmara dos Deputados e Senado Federal, que continuaria por promover as sabatinas.) Essa proposta em questão se mostra mais frágil, uma vez que, conservaria vícios do processo anterior, e possivelmente, criaria novos, principalmente com a grande probabilidade de que as escolhas do Senado e Câmara se tornassem verdadeiras disputas políticas por representantes de situação ou oposição no STF.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto, acredito que é de certa forma consensual em nossa sociedade a necessidade de uma reforma no processo de nomeação para o STF . Dentre as propostas concretas já apresentadas, vejo com grandes méritos a PEC do Senador Cristovam Buarque, porém, acredito que o papel do presidente neste processo ficaria muito reduzido, o que não vai de encontro com nosso sistema de governo, e portanto, acredito que algumas alterações se fazem necessárias.
De toda forma, meu ponto de vista é de que melhor forma de promovermos modificações que gerem mais credibilidade ao processo pode ser feita sem necessidade de reformas constitucionais. Como já exemplificado, através do modelo americano, por meio de uma atuação mais rigorosa do Senado, não resta dúvida que chegaremos a uma composição mais adequada do STF. A partir do momento em que as sabatinas passarem a ser momentos de profunda discussão e problematização da carreira e do conhecimento do jurista sobre análise, com a participação de diversos setores da sociedade, certamente, haveriam indicados que seriam rejeitados por não configurarem o perfil desejado para o cargo.
Diante das rejeições para o cargo, o papel efetivo de contrapeso do Senado geraria no Presidente em questão uma maior responsabilidade e análise para promover a sua escolha, tendo em vista o constrangimento político que gera a reprovação de um escolhido. Não resta dúvida que é impossível chegar a um nome que não levante algum tipo de crítica, porém, certamente, com essa mudança de postura do Senado, o modelo teria sua credibilidade aumentada significativamente, e o STF não sofreria de forma tão intensa as acusações que vem sofrendo na atualidade.