Embora desde a Roma antiga - e até antes dela, segundo alguns autores – se visse a construção de moradias independentes superpostas umas às outras, como as habitações plebéias chamadas insula, e ainda que este fato não fosse inteiramente estranho ao direito de então, não viam os romanos a propriedade horizontal tal como a entendemos hodiernamente.
Tinham os romanos a visão de que a propriedade imóvel se projetava verticalmente, para o alto, até o céu (ad astra) e para baixo, até o inferno (ad inferos), o que não lhes permitia admitir que o proprietário de um imóvel que se pusesse em dado pavimento de um edifício não fosse necessariamente o dono dos imóveis postos acima e abaixo do seu.
Àquela época, interpretavam os juristas romanos o fato social das moradias independentes superpostas por meio da figura da Servidão, em alguns casos, ou, em outros casos, do Direito de Superfície – instituto reintroduzido no ordenamento brasileiro pelo novo Código Civil.
Mais recentemente, quando, em 1720, ocorreu em Rennes, na França, um incêndio que destruiu grande parte da cidade, os habitantes reconstruíram suas habitações sob planificação pré-ordenada, que previa a elevação de edifícios de 3 a 4 andares. Nada obstante, embora fosse uma realidade, até o século XIX a propriedade superposta não havia despertado substancial interesse do legislador, ao redor do mundo.
O Código Civil de Napoleão, no art. 664, mencionava apenas que se os diferentes andares de uma casa não pertencessem ao mesmo proprietário, todos suportariam, por inteiro, as despesas de reparação e reconstrução das paredes mestras e do teto, na proporção do valor de seu andar, cabendo a cada um as despesas com seu respectivo piso e com a escada, do andar inferior até o seu.
A mesma inércia e despreocupação com o tema se verificava nos códigos oitocentistas italiano, português e espanhol, entre outros, embora todos reconhecessem a existência de imóveis independentes superpostos.
No direito brasileiro, já se reconhecia a existência da superposição de imóveis independentes nas Ordenações do Reino. Também na consolidação legislativa de Texeira de Freitas e em outra levada a cabo por Carlos de Carvalho se via mencionado o tema, embora sem que despertasse maior interesse ou preocupação.
O nosso Código Civil de 1916, recém revogado, fruto do pensamento que impulsionou o grande movimento de codificação do século dezenove, nem sequer cogitou da matéria, posicionando-se seu ilustre autor, aliás, inteiramente contra a divisão da propriedade em planos horizontais.
No século XX, no entanto, a concentração urbana, o déficit habitacional e a conseqüente valorização dos imóveis urbanos impuseram a verticalização das cidades, apoiada no desenvolvimento da técnica construtiva, fato que precipitou a efusão de uma teoria jurídica que acolhesse em melhores termos o fato social das moradias independentes superpostas. Restava ao direito acompanhar os sinais dos tempos, trazendo a luz da lei à controvertida questão da propriedade horizontal, assim denominada para contrastar com a característica da tradicional propriedade romana: a verticalidade, como acima ficou demonstrado.
Primeiramente tratou do assunto o Decreto nº 5.481/28, que condicionava a propriedade horizontal ao número de pavimentos e ao material de construção empregado na obra. Depois, a matéria passou a ser regulada pela Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que consignou a teoria da propriedade horizontal sob a forma de unidades autônomas.
Estabeleceu a lei espécie nova de condomínio, que difere do modelo clássico, especialmente sob três aspectos, a saber:
a)enquanto o condomínio clássico apresenta pluralidade de sujeitos, pertencendo a todos e a cada um dos condôminos a totalidade do imóvel; no condomínio especial, as unidades autônomas são unipessoais;
b)enquanto se confere aos condôminos do condomínio tradicional preferência na aquisição da cota do condômino retirante e se lhes impõe o consentimento dos demais condôminos para ceder a coisa comum a uso de terceiros; no condomínio especial não há preferência em caso de alienação de cota-parte e não se impõe a autorização dos demais condôminos para a cessão de uso da unidade autônoma e partes comuns a terceiros;
c)enquanto o condomínio tradicional é transitório, sendo lícito a qualquer condômino, a todo tempo, exigir a divisão da coisa, limitando a lei o tempo durante o qual a coisa pode permanecer indivisa; o condomínio especial é permanente e suas partes comuns indivisíveis e insusceptíveis de alienação em separado da unidade autônoma.
Determinou a lei que a cada unidade autônoma correspondesse uma cota ou fração ideal do terreno e das partes e coisas comuns e que cada unidade tenha acesso direto ou indireto à via pública.
Observa-se que o que não é possível, no regime da propriedade horizontal, é o apropriamento do acesso à via pública por uma só pessoa. Para haver o condomínio especial de que tratamos, as unidades devem ser autônomas e devem se comunicar, direta ou indiretamente, com a via pública.
Além do condomínio especial, a aludida Lei 4.591/64 trata da incorporação imobiliária, sendo mesmo conhecida como Lei do Condomínio e Incorporações. Por incorporação imobiliária se entende a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.
Pode o incorporador acumular a condição de construtor ou não, no último caso contratará com terceiros a execução da obra. O incorporador é a pessoa física ou jurídica que, embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno, objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas.
O art. 8º da lei em estudo disciplinou modalidade especial de aproveitamento condominial de espaço, qual seja o de se erguer mais de uma edificação em um mesmo terreno, ainda que não ocorra a superposição de unidades autônomas. Nestes casos se discriminam as áreas comuns do condomínio, as partes do terreno reservadas a servir com exclusividade cada unidade autônoma, que se podem constituir de casas térreas ou assobradadas, bem assim a fração ideal sobre a totalidade do terreno e partes comuns correspondente a cada unidade autônoma.
"Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:
a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;
b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;
c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;
d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si."
A Lei nº 4.864, de 29 de novembro de 1965, permite, para esta especial modalidade condominial, o desdobramento da incorporação em várias incorporações, fixando a convenção ou o contrato prévio os direitos e as relações de propriedade entre os condôminos das várias edificações distintas. Senão vejamos:
"Art. 6º No caso de um conjunto de edificações a que se refere o art. 8º da lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, poder-se-á estipular o desdobramento da incorporação em várias incorporações, fixando a convenção de condomínio ou contrato prévio, quando a incorporação ainda estiver subordinada a períodos de carência, os direitos e as relações de propriedade entre condôminos de várias edificações.".
O art. 7º da mesma lei acrescenta um § 4º à redação do art. 9º da Lei nº 4.591, de 16/12/1964, comentada acima:
"Art. 7º O art. 9º da lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, fica acrescido do seguinte parágrafo:
§ 4º No caso de conjunto de edificações, a que se refere o art. 8º, a convenção de condomínio fixará os direitos e as relações de propriedade entre os condôminos das várias edificações, podendo estipular formas pelas quais se possam desmembrar e alienar porções do terreno, inclusive as edificadas." (grifo nosso).
Diferentemente do que se verifica na propriedade horizontal típica, v.g. edifícios de apartamento, em que a cada unidade se vincula apenas a quota ideal do terreno e partes comuns, não lhe sendo reservada exclusividade sobre parte física do terreno, colocando-se o apartamento superposto sobre o mesmo terreno que o sotoposto; na modalidade especial de propriedade horizontal, a cada casa será destacada porção determinada do terreno, que pertencerá privativamente ao condômino correspondente, podendo ser dita porção, em face da faculdade legal, desmembrada para fins de obter registro de imóvel autônomo em relação ao restante do terreno e partes comuns, desdobrando-se a incorporação em várias incorporações.
Nestes casos, além da propriedade exclusiva sobre sua porção privativa do terreno e a casa correspondente, terá o condômino a fração ideal sobre o terreno e partes que constituem o condomínio, representado pelo acesso à via pública, play-ground, piscina, quadra de esporte, salas de eventos e reuniões, cinema, etc., partes que, como o terreno em que estejam locadas, são indivisíveis e insusceptíveis de alienação em separado das unidades autônomas a que correspondam.
Assim, embora obtendo registro independente de sua unidade autônoma, não poderá o condômino aliená-la dissociada do conjunto condominial, nem separá-la da fração ideal que lhe corresponde no mesmo conjunto. Poderá menos ainda apropriar-se das partes de uso comum ou embaraçar sua utilização pelos demais.
Terá o condômino que se sujeitar às regas da Convenção de Condomínio, observando as restrições nela contidas e obedecendo às normas do direito estatutário, além do direito comum, porque, tal como no caso da propriedade horizontal típica, tais regramentos são instituídos em benefício da convivência, a qual nenhum condômino pode legitimamente perturbar.
O novo código Civil incorporou a disciplina do condomínio sem promover mudanças substanciais, respeitando o propósito de acolher na codificação as normas consagradas, revestidas de certeza e segurança, deixando ao abrigo da legislação complementar os direitos em formação. Reproduziu, assim, as disposições da legislação extravagante no que toca ao condomínio, mas deixou ao abrigo da lei especial a regulamentação da incorporação imobiliária, segundo Miguel Reale, por considerar que extrapola a esfera civil.
Assim, permanece em vigor a Lei nº 4.591, de 16/12/1964, no que respeite à incorporação imobiliária, havendo passado para a égide do Código Civil a disciplina do condomínio especial de que cogitamos, sem que, no entanto, sofresse modificações substanciais.