INTRODUÇÃO
Longe de se querer levar à exaustão o tema, o presente trabalho tem o objetivo de elucidar questões de grande relevância no que concerne ao Direito Tributário e à Execução Fiscal regida pela Lei 6.830/1980 (LEF).
Mais especificamente, as questões aqui discutidas versarão acerca do instituto da prescrição intercorrente e um grande problema no que concerne ao termo a quo da contagem do prazo para que o fenômeno (da Prescrição) manifeste-se no mundo jurídico fazendo, destarte, com que a Fazenda Pública perca o direito à pretensão de seguir com o processo de execução face à sua “inércia” e desídia junto ao processo.
Far-se-á breves considerações acerca do instituto da prescrição, analisando-o sob a ótica civilista de Juristas Renomados para, então, adentrarmos à questão principal deste estudo com a exposição dos posicionamentos majoritários dos nossos Tribunais.
Enfim, cinge-se a questão em saber a partir de quando se dá o início do prazo para a contagem da prescrição intercorrente que fulmina a pretensão do Sujeito Ativo Tributário (Fazenda); pode a omissão do Magistrado em não determinar o arquivamento do feito prejudicar o início do prazo prescricional? E quando, efetivamente, inicia-se este prazo, com ou sem o “despacho arquivador”?
BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO
Em decorrência da segurança jurídica, ninguém poderá ver-se eternamente sob o risco de ter seu patrimônio afetado devido a obrigações onde o credor, por inércia ou desídia processual, deixa de agir a fim de ver sua pretensão atendida.
O artigo 189 do Código Civil de 2002 dispõe que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos em que dispuser a lei (arts. 205 206 do CC/2002).
Em se tratando de Execução Fiscal, a matéria que trata da prescrição do Crédito Tributário encontra guarita no artigo 174 do CTN, que dispõe:
CTN - Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
A doutrina renomada de Câmara Leal, buscando na sua profunda filosofia jurídica, leciona acerca dos fundamentos da prescrição:
“O interesse público, a estabilização do direito e o castigo à negligência; representando o primeiro o motivo inspirador da prescrição, o segundo, a sua finalidade objetiva e, o terceiro, o meio repressivo de sua realização. Causa, fim e meio, trilogia fundamental de toda instituição, devem constituir o fundamento jurídico da prescrição”.[1]
Para Pontes de Miranda, “a prescrição seria uma exceção que alguém tem contra aquele que não exerceu, durante um lapso de tempo, sua pretensão ou ação.”[2]
Para Clóvis Beviláqua: “a prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda sua capacidade defensiva, em consequencia do não uso dela, durante determinado espaço de tempo.”[3]
A melhor doutrina que se conhece acerca do tema prescrição é lúcida ao dispor que aquele que não exerce seu direito e não busca sua manutenção será dele afastado, afinal, não poderá nenhum direito manter-se ad enternum, principalmente diante da inércia causada por quem um dia se disse credor.
O Credor que deixa/deixou de diligenciar, quando poderia ter feito, por lapso de tempo superior àquele permitido pela Lei, verá sua pretensão de ver seu direito reconhecido espancada pelo fenômeno discutido (A prescrição).
É certo que as ilações trazidas até aqui podem, sumariamente, ser interpretadas de forma a serem aplicadas apenas àquelas que “dormem”, quando deixam de buscar o Poder Judiciário a fim de verem seu crédito (Direito) satisfeito.
Ocorre que, outrossim, nenhuma ação poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário quando o maior interessado (o Exequente) deixar de diligenciar processualmente no sentido de ver efetivado o seu direito e, quando isso acontece, surge a Prescrição Intercorrente, objeto principal deste trabalho, o qual passaremos a dar a atenção devida a partir de agora.
O ARTIGO 40 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS (Lei 6.830/80)
A priori, mister elucidar que este trabalho, em regra, não se aplica de forma substancial às execuções de títulos extrajudiciais decorrentes de relações do Direito Privado, vez que aquelas relações e sua execução regem-se Pela Civil e Processual Civil, sendo este artigo destinado aos operadores do Direito Tributário para, permissa vênia, contribuir com suas defesas contra a “ambição” desmedida do Fisco em arrecadar impostos, mesmo diante de suas omissões e “inércias”.
O art. 40, caput, da LEF, dispõe que o Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
O dispositivo apresenta o verbo suspender (no imperativo, ou seja, o Juiz não pode, ele deve), ou seja, uma vez não encontrado bens à penhora e suspenso o processo, não há de se falar em prescrição intercorrente.
O §2º daquele dispositivo determina que após 1 (um) ano da suspensão, sem que se tenha tido conta do devedor ou de seus bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos:
§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
Veja-se que mais uma vez a Lei, ao utilizar-se do tipo ordenará, a Lei não dá qualquer margem de discricionariedade ao Magistrado, devendo ele cumprir a exegese da norma.
O ponto nodal da controvérsia, encontra-se no §4º do art. 40 da Lei 6.830/80, ao dispor:
§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
Eis aí o início, segundo a Lei, do prazo para contagem da prescrição intercorrente: da decisão que ordenar o arquivamento dos autos por não terem sido encontrados nem o devedor e nem os seus bens e, é claro, diante da inércia da Fazenda em no período em que os autos foram arquivados Ela (Fazenda Pública) não ter providenciado qualquer diligência a fim de ver satisfeito o seu crédito.
Mas o assunto não parece simples, carecendo de maiores esclarecimentos.
E se tiver ocorrido o lapso temporal que enseje a prescrição sem, no entanto, ter-se dado o despacho arquivador? E se a fazenda não tiver sido intimada a se manifestar nos termos do § 4º supra transcrito? Poderá o sujeito passivo ser penalizado?
As respostas não são tão simples de serem dadas.
É que nos casos concretos tanto pode não serem encontrados bens penhoráveis, como aqueles encontrados podem não ser suficientes para o pagamento do saldo devedor e a partir daí, a Fazenda deve-se manter atenta com sua diligências.
Neste diapasão, dispõe o art. 40, da LEF, que não sendo encontrado o devedor ou bens à penhora, o processo deve ser suspenso por um ano e fazendo a subsunção desta norma à infinidade de possibilidades no mundo fático, uma vez que não encontrados bens ou, o bem penhorado não seja suficiente ao pagamento do crédito devido, o Fisco, naquele momento em que toma ciência disso, deve pedir o que ache de direito a fim de obter o alegado crédito, sob pena de não o fazendo, perder o direito à pretensão.
A falta de interesse da Fazenda Pública invoca o instituto da prescrição intercorrente repousada no artigo 40, §4º, da LEF.
Clarividente que não há dívida eterna e o credor que passa 5 (cinco) anos sem requerer o que entende devido não pode ser socorrido pelo direito sob pena de se estar pondo em risco a segurança jurídica e o desrespeito às leis que guarnecem os direitos do jurisdicionado.
A súmula 314 do C. STJ é patente ao reconhecer que a prescrição intercorrente inicia-se após um ano sem que tenha-se encontrado o devedor ou qualquer bem que quite a dívida:
“Súmula 314/STJ. Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente.”.
Verifica-se que, conforme se extrai do Sumulado pelo STJ, a suspensão do processo dá-se no momento em que não se encontra o devedor ou seus bens e, inobstante a inexistência de despacho que suspenda o processo (art. 40 da LEF), trata-se de exegese da lei, onde a omissão do Magistrado não pode prejudicar o jurisdicionado face a existência de norma imperativa que determina o que há de ser feito, eis o princípio da legalidade.
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça Mauro Campbell Marques, Relator do REsp 1340553 / RS recebido sob a égide do art. 543-C, que discute a questão da prescrição intercorrente na Execução Fiscal, manifestou-se acerca do tema afirmando que “o espírito do artigo 40 da LEF é o de que nenhuma execução fiscal já ajuizada poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário ou da procuradoria fazendária encarregada da execução das respectivas dívidas fiscais”.
Para o Ministro, somente a lei, e não o juiz, nem a procuradoria da Fazenda Pública é a senhora do termo inicial do prazo de um ano de suspensão previsto no caput do artigo 40 da LEF:
“Não cabe ao juiz ou à procuradoria a escolha do melhor momento para o seu início. Constatada a não localização do devedor ou a ausência de bens pelo oficial de Justiça e intimada a Fazenda Pública, inicia-se automaticamente o prazo” (STJ - REsp nº 1340553 / RS (2012/0169193-3) autuado em 15/08/2012).
É que no momento em que a Fazenda é conhecedora de que não há bens, ou que o bem nomeado à penhora é insuficiente para quitar o débito, dá-se início à suspensão do processo, por força do art. 40, da LEF e, neste momento, inicia-se o prazo prescricional intercorrente, por força da lei e conforme Sumulado pelo STJ.
O que importa é que a Fazenda tenha tomado ciência da inexistência de bens capazes de quitar a dívida, não possuindo, a falta de despacho de suspensão, o condão de desvirtuar o regramento legal nem, tampouco, de causar prejuízo ao Contribuinte.
No que concerne à suspensão automática do processo, bem como seu arquivamento, inobstante o REsp, do RS, recebido sob a ótica do 543-C, do CPC, que põe fim a esta discussão, há muito o STJ vem manifestando-se de forma a amparar a tese aqui defendida:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. INTIMAÇÃO DA FAZENDA. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DECRETADA. PRECEDENTES. ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA DO STJ. - Desnecessária a intimação da Fazenda Pública da suspensão da execução fiscal por ela mesma requerida, bem como do arquivamento, pois este decorre automaticamente do transcurso do prazo de um ano,conforme dispõe o enunciado n. 314 da Súmula/STJ. - Suspensa a execução e decorrido o quinquênio legal, correta a decretação da prescrição intercorrente após ouvida a Fazenda Pública, que não suscitou causa suspensiva ou interruptiva do prazo.Precedentes do STJ.Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1217890 RS 2010/0194905-0, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 17/11/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/11/2011).”
Destarte, diante da ausência de bens à penhora e sabedora deste fato a Fazenda Exequente, invoca-se a redação do art. 40 da LEF e da súmula 314 do STJ no sentido de suspender o processo para que, ao final de um ano, inicie-se o prazo prescricional intercorrente, sem se fazer necessário o despacho de suspensão, tampouco, o despacho de arquivamento.
CONCLUSÕES
Por tudo aqui exposto e debatido, fazendo minuciosa análise da lei e da Jurisprudência Sumulada, todavia, longe de esgotar o assunto, tem-se que o conhecimento, por parte do Fisco, de que não foram encontrados bens do devedor ou os encontrados não suprem o débito, independentemente de despacho Judicial (pois a Lei é exegética e não atribui discricionariedade), naquele momento inicia-se o prazo prescricional, cabendo à Fazenda Pública estar atenta aos seus créditos, sob pena da perda da pretensão de cobrá-los.
Resta esperarmos para que aquele Recurso Especial, recepcionado sob a égide do art. 543-C, do Diploma Processual Civil, seja no sentido de pacificar, por completo a discussão aqui traslada, pois só assim, o Judiciário atribuirá a segurança jurídica que tanto espera a sociedade pagadora de impostos.
Todavia, ainda que não seja por aquele Recurso, a análise é clara e a Fazenda não está imune à única coisa de que se tem certeza: o passar dos anos.
[1] CAMARA LEAL, Antônio Luiz da. Da prescrição e da decadência. 4.ed. atual por Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense. p. 16.
[2] Tratado de direito privado, v.6, p.100.
[3] Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, obs. 1 ao art. 161.