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Escorço histórico do Tribunal do Júri e suas perspectivas para o futuro frente à reforma do Código de Processo Penal

1. O Tribunal do Júri e seu surgimento no direito internacional.

O Tribunal do Júri, como instituição jurídica aplicadora da sanção penal, encontra-se inserido em quase todas as ordenações legais do globo. Ressalvando-se, o caráter cultural das mesmas e, na sua forma aplicada, embora em seu núcleo principal esteja o julgamento popular de uma infração, seja cível (em países como os Estados Unidos, Canadá, o Júri, delibera não só em causas de natureza criminal como cíveis) ou criminal.

No Brasil a Constituição Imperial de 1824 atribuiu ao Júri competência para julgar todas as causas, tanto cíveis quanto criminais, o que só foi retificado em 24 de fevereiro de 1891 pela ocasião da promulgação da Constituição Republicana, atribuindo então ao Júri competência exclusivamente criminal para julgar restritamente certas matérias, como veremos mais adiante em tópico próprio.

Não é pacifica, entretanto, a sua origem. Imputa boa parte da doutrina a sua origem na Inglaterra antiga, no período sucessivo ao Concílio de Latrão, em 1215, no século XIII, quando este Concílio aboliu os ordália ou "Juízos de Deus", neste sentido Fernando da Costa Tourinho Filho lembra também que: "Alega-se, também, que a instituição encontra suas raízes no Código de Alarico do ano de 506." [1].

Surgiu como uma necessidade de julgar os crimes praticados por bruxarias ou com caráter místico. Para isso, contava com a participação de doze homens da sociedade que teriam uma "consciência pura" e que se julgavam detentores da verdade divina para a apreciação do fato tido como ilícito e a aplicação do respectivo castigo.

Denota-se desde a sua origem o caráter religioso imposto ao Júri, se não pelo número de jurados – uma suposta alusão aos doze apóstolos de Cristo – pelo poder dado aos homens comuns de serem detentores da verdade julgando uma conduta humana, papel reservado naquela época exclusivamente a Deus.

Noutro norte, apontam como sendo seu leito de nascença, os áureos tempos de Roma, com os seus judices jurati. Também na Grécia antiga existia a instituição dos diskatas, isso sem mencionar os centeni comites que eram assim denominados entre os germânicos.

Destas crenças teria nascido à instituição do júri, consolidando-se, dentre todas as instituições do nosso ordenamento legal, como a mais democrática instituição de aplicação dogmática.

Desta feita podemos chegar a ressaltar que desta crença teria sido instituído, inicialmente, o Júri, dado ao silogismo religioso que ate hoje é mantido na forma do julgamento deste tribunal. Ademais, observe-se que o próprio vernáculo "júri" detém uma conotação originaria no misticismo, crêem, os estudiosos do direito, que por se originar ou se derivar de "juramento", o momento do julgamento popular, trata-se, na verdade, de uma invocação de Deus por testemunha.

Ainda lembrando lição do mestre Tourinho Filho, onde o mesmo aponta que; "A denominação jurados adveio precisamente do fato de aquelas pessoas prestarem um juramento – ‘This body of twelve was called a jury (jurata), because it was put on oath before giving its verdict; its members were jurors (juratores) persons who have been sword’ (J. H. Baker, An introduction to English legal History, third edition, London Butterworths, 1996, p. 86)". [2]

Mougenot citando lição de Heleno Cláudio Fragoso, no entanto, salienta: "Muitos crêem que a instituição de jurados remonta ao processo penal romano, com o sistema das quaestiones, não faltando os que procuram reconhecê-la nos heliastas gregos... O desenvolvimento histórico do Júri, como hoje o conhecemos, encontra seu termo inicial no procedimento inquisitório que era praticado na França, na época carolíngia... O sistema da inquisitio passou à Inglaterra com a invasão normanda, onde evoluiu consideravelmente". [3]


2. O surgimento do Tribunal do Júri no direito nacional.

No Brasil, o Júri como instituição jurídica nascera por parte da iniciativa do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que encaminhou ao então Príncipe Regente D. Pedro proposta de criação de um "juízo de jurados". Foi criado pelo príncipe em 18 de junho de 1822, através de Decreto Imperial, sendo denominado inicialmente de "juizes de fato", era composto de 24 (vinte e quatro) juizes, homens considerados bons, honrados, inteligentes e patriotas.

Nascera com uma estreita competência, cabendo-lhe apenas julgar em matéria estrita os crimes de imprensa, sendo que só caberia recurso de sua decisão à clemência Real. A nomeação destes Juizes ficava sob o encargo do Corregedor e dos Ouvidores do Crime.

Promulgada a Constituição do Império em 25 de março de 1824, o Tribunal do Júri fora alocado na parte concernente ao Poder Judiciário, afigurando-se, pela primeira vez, como órgão parte deste e, tendo competência para julgar as ações cíveis e criminais.

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É mister frisar neste ponto, que tal competência abrangia tanto delitos penais quanto cíveis, conforme o art. 151 daquela Constituição, que asseverava:

"O Poder Judicial é independente, e será composto de Juízes, e Jurados, os quaes (sic) terão logar assim no Cível, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Códigos determinarem".

Em 29 de novembro de 1832, fora disciplinada pelo Código de Processo Criminal, o que lhe conferi ampla competência. Já no ano de 1842, com o advento da Lei n.º 261, fora revista a sua área de atuação.

Findo o período imperial a instituição do júri fora agraciada em outra Carta Magna, desta vez a Constituição republicana promulgada em 24 de fevereiro de 1891, em seu art. 72, § 31, que afirmava laconicamente:

"É mantida a instituição do jury (sic)".

O art. 72 da Constituição republicana fora alterado pela Emenda Constitucional de 03 de setembro de 1926, embora se mantendo intacto a redação do § 31 o qual dispunha sobre o júri.

Ressalte-se que a instituição do Júri sofreu nesta carta constitucional uma alteração de suma importância, pois fora alocada do capítulo destinado ao judiciário para a secção II, Titulo IV, o qual era destinada à declaração dos direitos dos cidadões brasileiros, estabelecendo desta feita que a instituição deveria ser tratada como garantia individual, princípio semelhante ao que vigora na nossa atual Constituição, onde a instituição do tribunal do Júri é considerada e tratada como garantia individual.

A Constituição Federal outorgada em julho de 1934, pelo estado novo, tendo como presidente na época Getúlio Vargas, novamente alterou a sua disposição, deslocando-a para a seção destinada ao Poder Judiciário – o que no nosso entendimento fora bastante infeliz, podendo, ainda, assinalar que ocorreu um retrocesso, pois merecia a instituição do Júri constar no elenco do art. 113, daquela carta, artigo este, guardião dos direitos e das garantias individuais - a instituição do Júri fora fincada no art. 72, o que condicionou a sua organização e as suas atribuições a uma lei posterior, conforme a exegese do citado artigo:

"É mantida a instituição do jury (sic), com a organização e as atribuições que lhe der a lei"

Guardando deste modo bastante semelhança com o que se verifica no art. 72 da carta de 1891, sendo ambos bastantes vagos, postergando a lei posterior às suas atribuições e sua organização.

Somente por imposição da carta constitucional de 18 de setembro de 1946 é que a instituição do júri fora destinada ao capítulo responsável pelos direitos e as garantias individuais, mais precisamente em seu art. 141 § 28 o qual ainda acrescia:

"É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contando que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida".

Da leitura deste artigo constitucional merece menção que o mesmo estabeleceu de forma imperativa a competência ratione materiae, para o tribunal do Júri, atribuindo-lhe competência privativa para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, bem como garantiu a plenitude da defesa em relação ao réu, impôs ainda, o sigilo as suas votações e a soberania dos seus julgados.

Em 23-2-1948, foi promulgada a Lei n. 263, que regulamentou o § 28 do art. 141 da Carta Magna, sendo incorporada ao atual Código de Processo Penal. [4] Por ocasião da promulgação da Lei supracitada a instituição do júri fora lançada no recém criado Código de Processo Penal.

A Constituição de 24 de janeiro de 1967 manteve em síntese a redação do art. 141, § 28 da carta de 1946, aquela o enraizou em seu art. 150, 18, que determinava:

"São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida".

Mantendo-se, em resumo, a sua soberania e a sua competência material.

Manteve-se intacta a instituição do júri na Constituição de 17 de outubro de 1969, capitulando-a no § 18 do art. 153, daquela carta, dispondo:

"É mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida".

Apesar de ter silenciado quanto a soberania do júri, vários julgados reconheceram que não se compreende a instituição sem sua soberania (RT, 427:461, 415:93, 412:379). [5]

A atual Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, a qual fora denominada de constituição-cidadã alocou em definitivo a instituição do Tribunal do Júri nas denominadas clausulas pétreas. Consagrando o Tribunal do Júri como uma instituição de garantia individual. Elencando-a em seu art. 5° XXXVIII, que assim expõe:

"é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a)a plenitude de defesa,

b)o sigilo das votações;

c)a soberania dos veredictos;

d)a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;"

Alexandre de Moraes

ainda lembra que "A Constituição Federal expressamente prevê preceitos de observância obrigatória à legislação infra-constitucional que organizará o tribunal do júri: plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida" [6].

Sobre o preceito constitucional do Júri escreveu Celso Ribeiro Bastos que: "o fato é que nele continua a ver-se prerrogativa democrática do cidadão, uma formula de distribuição da justiça feita pelos próprios integrantes do povo, voltada, portanto, muito mais à justiça do caso concreto do que à aplicação da mesma justiça a partir de normas jurídicas de grande abstração e generalidade". [7]


3. O Tribunal do Júri e a atual reforma do Código de Processo Penal.

Atualmente encontra-se tramitando em nossas casas legislativas, um projeto de lei para reformar o já bastante emendado e desgastado Código de Processo Penal. Por ocasião de tal reforma o procedimento do Júri deverá sofrer as arestas necessárias para a sua adequação a atual realidade jurídica nacional, pelo menos é que se espera e se aguarda, não só por parte da nossa doutrina quanto pelos operadores do direito, mais especificamente para os atuantes no plenário do Júri.

O projeto de lei n.° 4.203/2001 que tramita no Congresso Nacional, apresentava uma proposta bastante inovadora e arrojada, seguindo a atual tendência do processo criminal em se tornar gradativamente um procedimento mais célere.

Mas como o Legislador brasileiro não podia deixar de fora a sua marca indelével, o projeto original sofreu duras e castigantes emendas desde a sua forma primitiva, o que desfigurou todo o sentido lógico de sua aplicabilidade. Balizava-se no principio da economia processual e na concentração dos atos processuais. Mostrando, assim, que a instituição do Júri ainda figurará entre nós por mais um bom tempo como um termômetro da própria ciência do direito, não inobstante seu papel constitucional.


4. O futuro do Tribunal do Júri.

Muitos doutrinadores chegam as raias da inaceitabilidade, quando profetizam um futuro incerto e sem espaço para o Júri diante da atual fase das ciências criminais, onde suas formas e rituais vêm ao longo do tempo cedendo espaço para a agilização de seus procedimento, tudo para entregar à Sociedade uma rápida e segura resposta aos seus anseios de justiça.

Podemos não profetizar, mas prever, pelos atuais Projetos leis em tramitação no Congresso Nacional. que o Júri, sempre terá espaço cativo na nossa rede legal.

Podemos seguramente afirmar que os projetos de lei em tramites, oferecem uma roupagem moderna e inovadora para este instituto em estudo, revitalizando-o por mais uns bons anos, pois o Júri como procedimento esta arraigado em nosso sistema penal, com tal afinco, que suas projeções futuras demonstram a força deste, em uma sociedade verdadeiramente democrática.

Tanto se faz verdadeira tal assertiva, que da leitura auferida na exposição de motivos do projeto de reforma do Código de Processo Penal, na parte mormente ao Júri, em tramitação no congresso, da lavra do então Ministro da Justiça José Gregori, nos dá a dimensão deste procedimento, uma vez que afirma:

"Constitui o Júri um órgão judiciário que a Constituição considerou fundamental para o direito de liberdade do cidadão.

A mantença dessa instituição não se justifica apenas em razão de seu resguardo e proteção constitucional, mas e principalmente porque assume contornos de cidadania e de proteção do sistema democrático, que assegura ao acusado o direito de ter o seu comportamento analisado e julgado por seus pares, pelos seus semelhantes que pertencem ao mesmo estrato social, alcançando-se o ideal de equidade.

O Tribunal do Júri foi mantido como instituição na Carta Magna de 5 de outubro de 1988.

Ele se encontra enumerado entre os direitos e garantias fundamentais, o que resulta em conceituá-lo como uma das garantias essenciais do regime democrático".

[8]

Notas

01. Fernando da Costa Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, p. 503

02. op. Cit. p. 503.

03. Edilson Mougenot Bonfim. Júri, do inquérito ao plenário, p. 198.

04. James Tubenchlack, Tribunal do Júri, p. 08.

05. Paulo Lúcio Nogueira. Curso Completo de Processo Penal, p. 310.

06. Alexandre de Moraes. Direitos Humanos Fundamentais, p. 215.

07. Celso Ribeiro Bastos e Yves Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil, p. 207.

08. Exposição de Motivos do Projeto de Lei n° 4. 203/2001.

Sobre o autor
Cecílio da Fonseca Vieira Ramalho Terceiro

advogado criminalista, aluno da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMALHO TERCEIRO, Cecílio Fonseca Vieira. Escorço histórico do Tribunal do Júri e suas perspectivas para o futuro frente à reforma do Código de Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4040. Acesso em: 23 dez. 2024.

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