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As diárias incorporadas ao salário e a composição da base de cálculo do imposto de renda.

Uma análise da incompetência da Justiça do Trabalho e ilegitimidade da fonte pagadora em responder pela repetição do indébito

Agenda 26/06/2015 às 19:33

Versa sobre a análise material e processual das repercussões trabalhistas e tributárias acerca das diárias recebidas pelos empregados, quando estas ultrapassam o patamar de 50% do salário do obreiro, ocasião em que a este serão incorporadas.

        

ÍNDICE

INTRODUÇÃO..............................................................................................................3;

PANORAMA FATÍCO.................................................................................................4;

DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA – RATIONE MATERIAE – DA JUSTIÇA DO TRABALHO – DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA............................................................................5;

DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - SUJEITO ATIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA: UNIÃO – IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO PELA FONTE PAGADORA.........................................................10;

DA BASE DE CÁLCULO DO IRPF RETIDO NA FONTE – DA IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAR OS INSTITUTOS E CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO - DO CONCEITO DE RENDA – PRECEITOS CONSTITUCIONAIS – DEFINIÇÃO LEGAL: CTN 43 E 44 – CONCEITO DE SALÁRIO – COMPOSIÇÃO DA RENDA – DIÁRIAS PRESUNÇÃO...............................................................................................................15;

DA INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS APTOS A AUTORIZAR A REPETIÇÃO DO INDÉBITO – POSSIBILIDADE DE BENEFICIAMENTO DÚPLICE – DECLARAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA............................................................................................................................21

DA COMPENSAÇÃO – BASE DE CÁLCULO – INCORPORAÇÃO DAS DIÁRIAS AO SALÁRIO – REPERCUSSÃO NAS VERBAS TRABALHISTAS.........................................................................................................24;

CONCLUSÃO..............................................................................................................25;

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................26.

INTRODUÇÃO

As diárias são verbas, de natureza trabalhista, recebidas pelo obreiro, em suma, para a execução de serviços em locais fora da sede do local ordinário de trabalho, destinados a cobrir os custos com alimentação e hospedagem. Neste caso, é estipulado um valor predefinido para a realização deste tipo de serviço, pelo empregador, ou através de negociações coletivas, o qual não comporta prestação de contas perante o empregador, mas a mera comprovação do deslocamento para a concretização do mencionado trabalho.

A legislação tributária atribui a isenção do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza sobre estas verbas, por compreender que estes valores possuem caráter indenizatório.

Todavia, a celeuma instaura-se na hipótese de as diárias ultrapassarem 50% (cinquenta por cento) do salário do trabalhador, ocasião em que, a luz da Consolidação das Leis do Trabalho, lhe é atribuída natureza de salário, sendo a este incorporada, e, portanto, com reflexos nas demais verbas contratuais.

O tema proposto almeja analisar, mesmo que brevemente, os institutos, conceitos e normas que permeiam o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, retidos na fonte – IRRF -, incidentes nas verbas percebidas a título de diárias. Busca-se observar as regras que norteiam as relações laborais e os reflexos tributários quando do recebimento desta receita, em especial, aqueles que servem de formação ou confirmação da regra matriz de incidência tributária.

Sob este enfoque, apresenta-se atual o tema proposto uma vez que há confusão material e processual, principalmente, no bojo de lides instauradas na Justiça do Trabalho em que os contribuintes/reclamantes buscam a não retenção e recolhimento do referido tributo sobre as diárias, além da repetição do suposto indébito. Em situações deste jaez, comumente, aquela Justiça Especializada furta-se à análise criteriosa da obrigação tributária, para simplesmente declarar a licitude/ilicitude da retenção realizada pela fonte pagadora, situação que cria uma cadeia de eventos impossíveis de serem aperfeiçoados ou operados em face do Fisco.

Ocorre que, a análise da materialidade da hipótese e a confirmação da base de cálculo do imposto, envolve nítido interesse do sujeito ativo da relação tributária, circunstância que impõe a sua posição no polo passivo da lide, todavia, a necessidade é ignorada pela seara trabalhista, motivo pelo qual, o ente tributante, não integra a relação processual.

Desta forma, propomo-nos à demonstração da composição das diárias para efeitos do IRRF, os reflexos na lide trabalhista, a competência para processamento do litígio, o procedimento adequado à persecução do indébito tributário, e a responsabilidade para arcar com o ônus econômico da demanda, dentre outros pormenores da relação material e processual decorrente do evento.

PANORAMA FATÍCO

Diversas são as reclamações trabalhistas em que os trabalhadores, sujeitos ao Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF -, pretendem a restituição de valores referentes aos descontos realizados pela fonte pagadora – reclamada -, em razão da retenção e recolhimento do tributo em tela sobre as diárias pagas pelo exercício de atividade, quando estas ultrapassam 50% (cinquenta por cento) do salário.

Neste sentido, comumente sustentam os autores que os descontos em razão do imposto de renda sobre as diárias de viagem seriam indevidos, pois, destinar-se-iam a custear a alimentação, hospedagem e transporte.

É comum a confusão, decorrente da normativa esparsa do tema, que induzem os requerentes a declarar, equivocadamente, que para a legislação trabalhista as diárias acima de 50% integram o salário, e, portanto fazem jus a férias, terço de férias, 13º salário, horas extras e FGTS, em razão da integração ao salário dessas diárias que excederem 50%. Ao mesmo tempo, aduzem que quanto ao imposto de renda, a regra seria diferente, pois, segundo os requerentes, independente, de as diárias serem maior que 50%, essas são isentas quando destinada somente para o custeio de alimentação, hospedagem e transporte.

Neste contexto, é possível observar a exegese inapropriada dos conceitos, signos e normas prescritos pela legislação trabalhista e aquelas que regem o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza – IRQN.

Nas lides trabalhistas, os reclamantes pretendem desconsiderar o incremento patrimonial, mesmo que incorporado ao salário (contraprestação ao serviço) para efeitos tributários, porém mantê-los em base de cálculo para auferir os benefícios da legislação trabalhista.

Ou seja, desejam “o melhor de dois mundos”, criando uma metodologia híbrida para definir o conceito de renda, sendo uma para desconsiderar o incremento patrimonial e desta forma furtar-se de obrigação perante o fisco, ao mesmo tempo em que admite a incorporação das diárias em seu salário e a obtenção das repercussões desta nas demais verbas trabalhistas, como 13º, férias, terço de férias e FGTS.

As linhas seguintes tentarão contribuir para a cognição adequada dos enunciados prescritivos veiculados na legislação laboral e tributária, de forma a aparelhar o operador na correta exegese normativa.

DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA – RATIONE MATERIAE – DA JUSTIÇA DO TRABALHO – DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA

Antes de adentrar no mérito, faz-se imprescindível a discussão a respeito da competência da Justiça Laboral para processar e julgar causas que envolvam a declaração de inexistência de relação jurídica tributária e a consequente repetição do indébito por retenção e recolhimento do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

No contexto deste artigo, discute-se a viabilidade do reconhecimento da natureza indenizatória das diárias, e, consequentemente, a declaração de não incidência do imposto sobre a renda, retido na fonte, sobre esta base de cálculo, além da restituição dos valores retidos, perante a Justiça do Trabalho.

Todavia, apesar de a retenção ser promovida pela fonte pagadora, no curso de contrato de trabalho, esta não desfigura a natureza da relação tributária que envolve a matéria, tampouco, transfere os interesses em conflito que nela figuram.

Imperioso registrar que na regra matriz de incidência tributária do imposto sobre a renda, figura, no consequente da hipótese, o sujeito ativo União, como o titular do direito e igualmente, no caso, o destinatário econômico do crédito tributário.

A matéria em foco pretende mitigar o critério quantitativo da regra matriz de incidência para afastar da base de cálculo os rendimentos auferidos sobre a rubrica de “diárias”. O imbróglio, portanto, não envolve a percepção de verbas trabalhistas, mas a inexistência de relação jurídica tributária que tem por escopo a formação do critério quantitativo que compõe o objeto da obrigação fiscal.

Nesse sentido, vislumbra-se interesse direto da União, pois, a fonte pagadora não detém o crédito do imposto para si, somente o retém e recolhe aos cofres da Fazenda Nacional, na condição de mero responsável tributário.

Portanto, apesar de o produto tributável nascer da relação de trabalho, esta não afeta a natureza da pretensão, qual seja, retirar do conceito de renda os valores de diária que ultrapassam 50% (cinquenta por cento) do salário da reclamada e que já foram incorporados para efeito de cálculo nas demais verbas trabalhistas.

A relação de trabalho é apenas palco de fundo na relação tributária figurada pela contribuinte e a União. Ou seja, é mera “relação meio” por meio da qual o contribuinte realiza o critério material da hipótese tributária (fato gerador – auferir renda) quando considerada para efeitos de tributação. Inclusive, o próprio Código Tributário Nacional na formação do conceito de “renda”, indica que esta é “o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”, nos termos do artigo 43, I.

Nesse contexto, impossível a instauração e/ou manutenção de lide que pretenda a discussão da relação tributária perante a Justiça Especializada, uma vez que não se trata de “ações oriundas da relação de trabalho”, conforme muitos o fazem ao indicar os termos do artigo 114, I da Constituição da República, mas de verdadeira lide de natureza tributária, a qual veicula cristalino interesse da União.

Inclusive, em situações análogas ao presente estudo, que envolvem a retenção de imposto de renda de servidores dos Estados e municípios, a competência é declinada para a Justiça Comum Estadual, por serem matérias que envolvem aqueles entes estatais, destinatários econômicos dos tributos, e que, portanto, possuem interesse direto na demanda, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO, AJUIZADA POR FUNCIONÁRIA PÚBLICA ESTADUAL, CONTRA ESTADO-MEMBRO, VISANDO A RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA, RETIDO NA FONTE, DE MODO INDEVIDO OU A MAIOR QUE O DEVIDO, SOBRE RENDIMENTOS RECEBIDOS ACUMULADAMENTE, EM DECORRÊNCIA DE SENTENÇA PROFERIDA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA, QUE, POR SUA VEZ, HAVIA SIDO PROPOSTA EM FACE DE AUTARQUIA ESTADUAL. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 109, I, E 114, INCISOS VIII E IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. I. Por se tratar de Ação Ordinária de Repetição de Indébito, ajuizada contra a Fazenda do Estado de São Paulo, mediante a qual a parte autora busca a restituição do imposto de renda, retido na fonte, quando da execução de sentença proferida em Reclamação Trabalhista movida contra autarquia estadual, a questão em debate não se amolda ao art. 114, VIII, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004 - que prevê a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar "a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir" -, nem tampouco ao art. 114, IX, da Carta Maior, na forma da jurisprudência, inclusive do STF, sobre o assunto. II. Em se tratando de ação ajuizada contra a Fazenda do Estado de São Paulo, na qual se requer a restituição do imposto de renda retido na fonte, sobre rendimentos pagos por autarquia estadual - cujo produto de arrecadação é destinado ao Estado de São Paulo, nos termos do art. 157, I, da CF/88 -, e por não constar da relação processual a União, autarquia federal ou empresa pública federal, como autoras, rés, assistentes ou opoentes, a competência para o processo e o julgamento da causa é da Justiça Comum Estadual, e não da Justiça Comum Federal, sendo inaplicável, no caso, o disposto no art. 109, I, da Constituição Federal. III. Não se aplica, na espécie, o entendimento adotado pela Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do AgRg no CC 91.596/RS, em que se tratava, também, de ação de repetição de indébito, que, no entanto - diferentemente do presente caso -, havia sido ajuizada contra a União, para pleitear a restituição de imposto de renda, retido na fonte, sobre verbas pagas por pessoa jurídica de direito privado, não integrante da Administração Pública, em decorrência de execução de sentença proferida em reclamação trabalhista. IV. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública de Piracicaba/SP, suscitado. (STJ - CC: 131237 SP 2013/0380691-2, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 22/04/2015, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 29/04/2015).

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Mutatis mutandis, verifica-se que o requisito indicado no julgado para solucionar o conflito de competência fora a matéria – imposto de renda - produto da arrecadação, com o escopo de apontar o ente público interessado no bem em litígio, uma vez que o ônus da demanda será suportado por este, não havendo falar em verba trabalhista, MAS DA INCIDÊNCIA DO TRIBUTO SOBRE A PERCEPÇÃO DE RENDIMENTOS DECORRENTES DO TRABALHO, em razão de presunção legal que a considera como base de cálculo do imposto.

Ademais, sequer, o imposto de renda retido por ocasião de sentença trabalhista, pode ser discutido na esfera da Justiça do Trabalho, conforme se posicionam os tribunais pátrios e o Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - REJEIÇÃO - IMPOSTO DE RENDA - INCIDÊNCIA SOBRE MONTANTE INTEGRAL RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO - TABELAS E ALÍQUOTAS DAS ÉPOCAS PRÓPRIAS A QUE SE REFEREM TAIS RENDIMENTOS - JUROS DE MORA - VERBA INDENIZATÓRIA - NÃO-INCIDÊNCIA - PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SUCUMBÊNCIA DA FAZENDA PÚBLICA - FIXAÇÃO DE ACORDO COM OS PRICÍPIOS DA EQUIDADE E DA RAZOABILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça e esta Corte firmaram entendimento no sentido da competência da Justiça Federal para processar e julgar ações objetivando a repetição de indébito relativo ao Imposto de Renda, incidente sobre valores decorrentes de execução de sentença proferida pela Justiça do Trabalho. Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados: AgRg no CC 91.596/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2008, DJe 17/11/2008; REsp n. 901.945/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, in DJ de 16/08/2007, p. 300; AC 200935000214016, DESEMBARGADOR FEDERAL CATÃO ALVES, TRF1 - SÉTIMA TURMA, 11/02/2011. 2. (...) – Omissis; (TRF-1 - AC: 18929 GO 0018929-14.2008.4.01.3500, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, Data de Julgamento: 05/04/2011, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.366 de 29/04/2011).

Diante da incontroversa natureza da possível lide – declaratória de inexistência de relação jurídica tributária e repetição de indébito -, e, portanto, detectado o interesse da Fazenda Nacional, na condição de detentor dos valores recolhidos, mostra-se inequívoca a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar matérias deste viés, razão pela qual, ações que envolvam tal pretensão devem ser extintas, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, IV, do Código de Processo Civil, haja vista a inadequação da via eleita pela contribuinte, pois, a competência será da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I da Constituição da República.

DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - SUJEITO ATIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA: UNIÃO – IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO PELA FONTE PAGADORA

A tríade processual é característica ínsita ao exercício da jurisdição, a qual possui a capacidade para compor e solucionar conflitos.

No entanto, a lide instaurada no Judiciário decorre de relação jurídica firmada no contexto social, em que o sujeito ativo possui o direito subjetivo de exigir o exercício ou a abstenção de determinada conduta, ou coisa determinada ou determinável do sujeito passivo, o qual, por sua vez, incumbe o dever de cumprir com a obrigação. Daí porque, se diz que as relações jurídicas são regidas pelos modais: obrigatório (o), permitido(p) ou proibido(v).

                            Nesse sentido, a pretensão deve prescrever de um lado o direito subjetivo que detém a reclamante/contribuinte de exigir a restituição do imposto pago indevidamente, enquanto que ao reclamado/credor/fisco deverá comprovar a licitude do recolhimento tributário em razão da ocorrência no mundo fenomênico dos elementos da regra matriz de incidência tributária, ou, abster-se de praticar a conduta impugnada, ante o proibitivo legal.

                            Do contrário, ter-se-á a ilegitimidade ativa ou passiva ad causam. Em suma, a legitimidade de partes, caracteriza-se quando constatada a existência de um vínculo entre o autor da ação e a parte contrária, possuindo direito de ação aquele que se afirma titular de determinado direito material, ao passo que será parte passiva legítima aquele a quem caiba à contrapartida obrigacional relativa ao direito material objeto da ação.

Ao debruçarmos sobre o estudo do tema, constata-se que o pretenso autor pugnaria pelo hipotético reconhecimento de ilicitude da composição da base de cálculo do IRRF, e portanto almejaria a sua restituição. Ocorre que, a fonte pagadora, não compõe, em momento algum, a relação jurídica tributária do Imposto sobre a Renda.

A fonte pagadora é simples responsável tributário, a quem compete o dever de reter e recolher o tributo ao Fisco. Impõe registrar que, nos termos do Código Tributário Nacional – Lei nº. 5.172/66 -, o sujeito passivo de obrigação tributária poderá ser contribuinte ou responsável, vejamos:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

 No caso do tributo em espécie – IRRF, o CTN preconizou a viabilidade legal, da fonte pagadora, efetuar o recolhimento do tributo, em nome do contribuinte, conforme o dispositivo a seguir destacado, in verbis:

Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.

Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.

Por sua vez, a legislação tributária determina expressamente que os rendimentos  do trabalho assalariado ficam sujeitos à incidência do Imposto de Renda na fonte,  a ser retido por ocasião de cada pagamento pela fonte pagadora (art. 7º, I, § 1º,  Lei nº 7.713, de 22.12.88,32 art. 9º, Instrução Normativa SRF nº 15, de 6.02.2001). O legislador tributário determina que o Imposto de Renda sobre os valores pagos será retido pela fonte pagadora no momento em que, de qualquer forma, se dê sua disponibilidade (art. 7º, § 2º, Lei nº 7.713/88, art. 46, Lei nº 8.541/92, art. 19, Instrução Normativa SRF nº 15, de 6.02.2001).

Ora, se a fonte pagadora compõe mera relação material de cumprimento de dever instrumental da obrigação tributária, ou seja, assume a condição de sujeito passivo no exercício deste dever acessório, resta impossível a configuração da titularidade do crédito tributário a este. Ou seja, não há subsídio que o legitime a responder pela restituição de valores que efetivamente não possui, e nunca deteve.

Nesse sentido é a vasta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in litteris:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - CONTRIBUIÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS PARA CUSTEIO DE REGIME DE PREVIDÊNCIA - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIA DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE. 1. É ILEGÍTIMA a inclusão da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre no polo passivo de ação que discute direito de servidores públicos federais de não sofrerem a incidência da contribuição previdenciária da Lei 9.783/99 sobre abono de férias, gratificações e outras parcelas não incorporáveis aos proventos. 2. A UFCSPA age apenas como substituto tributário no recolhimento das contribuições previdenciárias, e não como sujeito ativo da relação jurídico-tributária. 3. Legitimidade da União, a quem as contribuições são destinadas. 4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 182463 RS 2012/0108228-9, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 03/09/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2013).

O posicionamento exarado acima indica, de forma indubitável, a responsabilidade da União, na condição de sujeito ativo da obrigação tributária, em responder pelas ações que pleiteiem a repetição do valor, indevidamente, recolhido aos cofres públicos, ao mesmo tempo em que aponta a ILEGITIMIDADE DA FONTE PAGADORA em responder pelo indébito e pela obrigação tributária.

Posto isto, acaso seja mantido o referido responsável tributário no polo passivo destas reclamatórias, o que admitimos apenas para argumentar, se porventura houver a procedência dos pedidos, sujeitar-se-ia a fonte pagadora à dupla penalidade, uma vez que não poderia o responsável tributário acionar a união para pedir a restituição do valor recolhido indevidamente, pois, repise-se, este não é contribuinte do imposto de renda!

A impossibilidade de pleitear o indébito do imposto recolhido em nome do contribuinte/reclamante decorre da lógica da relação tributária, conforme já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.318.163 - PR (2012/0070691-6) RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES RECORRENTE: TROMBINI PAPEL E EMBALAGENS S/A ADVOGADO: REGIANE BINHARA ESTURILIO E OUTRO(S) RECORRIDO: FAZENDA NACIONAL ADVOGADO: PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL EMENTA TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. 1. A repetição de indébito tributário pode ser postulada pelo sujeito passivo que pagou, ou seja, que arcou efetivamente com ônus financeiro da exação. Inteligência dos arts. 121 e 165 do CTN. 2. A empresa que é a fonte pagadora não tem legitimidade ativa para postular repetição de indébito de imposto de renda que foi retido quando do pagamento para a empresa contribuinte. Isso porque a obrigação legal imposta pelo art. 45, parágrafo único, do CTN é a de proceder à retenção e o repasse ao fisco do imposto de renda devido pelo contribuinte. Não há propriamente pagamento por parte da responsável tributária, uma vez que o ônus econômico da exação é assumido direta e exclusivamente pelo contribuinte que realizou o fato gerador correspondente, cabendo a esse, tão-somente, o direito à restituição. A esse respeito: AgRg no REsp 895.824/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/09/2008; REsp 596.275/RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 09/10/2006. 3. Conforme assentado pelo acórdão recorrido, a alegada autorização outorgada pela contribuinte substituída, quando muito, possibilitaria a recorrente ingressar com a demanda em nome da contribuinte substituída, na qualidade de mandatária, mas não em nome próprio (art. 6º do CPC). 4. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Ari Pargendler e Napoleão Nunes Maia Filho (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília (DF), 20 de maio de 2014 (Data do Julgamento). MINISTRO BENEDITO GONÇALVES Relator.

Divergir do exposto é admitir interpretação equivocada dos artigos do Código Tributário Nacional e do Código de Processo Civil, haja vista que a fonte pagadora não detém a legitimidade para suportar o ônus econômico da demanda, tampouco, poderá provocar, a posteriori, a União para ser restituída pelos valores porventura devolvidos ao reclamante, quando procedidos pelo responsável tributário.

Desta feita, a correta sistemática processual, seriam os contribuintes promoverem a ação tributária adequada, em face da União (sujeito ativo da obrigação) e, caso obtenha êxito, ser oficiada a fonte pagadora, da decisão judicial proferida, para que se abstenha de efetuar os futuros recolhimentos do IRRF sobre as diárias recebidas, ao mesmo tempo em que, buscar-se-ia a execução do indébito perante o ente tributante.

Consequentemente, havendo intentado ação em face do responsável tributário, deverá ser reconhecida a ilegitimidade passiva ad causam da fonte pagadora, e extinto o processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil.

DA BASE DE CÁLCULO DO IRPF RETIDO NA FONTE – DA IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAR OS INSTITUTOS E CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO - DO CONCEITO DE RENDA – PRECEITOS CONSTITUCIONAIS – DEFINIÇÃO LEGAL: CTN 43 E 44 – CONCEITO DE SALÁRIO – COMPOSIÇÃO DA RENDA – DIÁRIAS PRESUNÇÃO

Ultrapassados os exames processuais de competência e legitimidade passiva, importante demonstrar, doravante, os reflexos das diárias perante o direito laboral e, quando incorporadas ao salário, os efeitos fiscais, a fim de comprovar a impossibilidade de mutação da natureza jurídica do crédito obtido.

De pronto, impõe afirmar que a verba trabalhista em vértice não pode sofrer metamorfose, mormente para galgar uma vantagem econômica indevida.

A verba em comento, quando incorporada ao salário e, portanto, com reflexos nos demais rendimentos trabalhistas, deve ser considerada para composição de renda e passível de incidência do imposto sobre a renda!

Conforme veremos nas linhas seguintes, não é possível alterar a natureza dos conceitos e institutos em nosso ordenamento para, ao sabor do vento, ora considerá-lo de uma forma e em outra situação tê-lo como de natureza diversa!

Portanto, devemos extinguir qualquer centelha de dúvida que paire sobre as definições dos institutos em crivo, para identificar sua natureza jurídica e as repercussões adequadas.

O conceito de renda estabelece seus pressupostos na Constituição Federal, verificável no art. 153, III e §2º, I, ao dispor que o tributo será regido pelos princípios da generalidade, da universalidade e da progressividade. Por sua vez, vislumbra-se que a definição de renda, fora construída através da previsão em Lei Complementar, precisamente, no art. 43 e 44, do Código Tributário Nacional, vejamos:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

(...) – Omissis;

Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

Desta feita, a delimitação semântica de renda, encontra-se sedimentada em pressupostos constitucionais, dos quais podem ser auferidos os seguintes conteúdos: a) saldo positivo resultante do b) confronto entre certas entradas e certas saídas, ocorridas ao longo de um dado c) período.

Ademais, insta anotar que, de acordo com a “teoria do acréscimo patrimonial”, a renda seria todo ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe um incremento líquido do patrimônio de determinado indivíduo, em certo período de tempo.

Destaco ainda, que “proventos de qualquer natureza”, por exclusão, seriam “(...) os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior” (art. 43, II, do CTN), ou seja, acréscimos patrimoniais não compreendidos pelo conceito de renda.

Quanto aos princípios que norteiam a tributação pelo Imposto de Renda, a Constituição Federal é clara ao dispor em seu art. 153, §2º, inciso I, que o imposto sobre a renda “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”.

Em conformidade com o princípio da universalidade, a tributação do imposto sobre a renda pode ser aplicado tanto sobre aquelas auferidas dentro do território nacional, como a obtida além dos limites deste.

Esta possibilidade gera a chamada base global do imposto sobre a renda, pela qual a renda obtida por qualquer pessoa física ou jurídica, independente do lugar de sua produção, fica sujeita à incidência do imposto, desde que o Brasil exercite sua soberania em tal lugar.

Ademais, o princípio da universalidade, impõe que a renda obtida por toda pessoa, é sujeita a aplicação do imposto, observado os limites da competência tributária.

É salutar destacar o princípio da GENERALIDADE determina a aplicação do imposto sobre todas as espécies de renda, sendo estas consideradas como um todo, que configurem a disponibilidade econômica auferida pelo contribuinte. Ou seja, fica vedado a segregação da renda obtida para sua tributação através de critérios distintos, ou seja, o IR não é seletivo.

Quanto ao princípio da progressividade, as alíquotas aplicadas serão majoradas em conformidade com a renda passível de tributação, ou seja, quanto maior a base de cálculo, entendido como aumento patrimonial, maior será a alíquota.

Mister observar a lição de Paulo Ayres Barreto[1] segundo o qual “Para que se verifique o pleno atendimento ao princípio da progressividade, todo acréscimo patrimonial deverá ser considerado, aplicando-se a esse aumento, uma única vez, alíquotas progressivas. Vale dizer, quanto maior for o aumento do patrimônio maior deverá ser a alíquota aplicável. Não há como observar o princípio se a aplicação de alíquotas progressivas ocorrer sobre parcelas de renda (e não sobre a renda total).

Pelo exposto, fica clara a influencia destes princípios no processo de conformação do conceito e consequentemente da regra-matriz do imposto sobre a renda, haja vista que este tributo, descreve em seu antecedente o critério material “auferir renda e proventos de qualquer natureza”, devendo estabelecer que: i) todo o patrimônio do contribuinte seja considerado; ii) todo o acréscimo patrimonial verificado (a renda auferida) esteja submetida ao mesmo tratamento e iii) o imposto dê-se de forma progressiva, sendo maior a alíquota aplicável quanto mais significante for a base tributável.

Verificado os pressupostos do conceito de renda, cumpre observar se a verba obtida, a qual fora incorporada ao salário e, portanto, deste faz parte, compõe a base de cálculo para o tributo.

A lei nº. 5.172/66 preconiza que a legislação tributária não pode alterar os conceitos definidos pelo ordenamento jurídico, tal qual o é o salário, senão vejamos:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

A Constituição da República por sua vez dispõe amplamente sobre a proteção ao salário, no artigo 7º, o qual pode ser compreendido, tipicamente, como a retribuição ou contraprestação ao emprego desenvolvido. Nas palavras de Maurício Godinho Delgado[2], o salário pode ser traduzido como o sendo “valor econômico da força de trabalho colocada à disposição do empregador” o qual “deve corresponder uma contrapartida econômica em benefício obreiro, consubstanciada no conjunto de parcelas contraprestativas prestadas ao empregado em virtude da relação empregatícia pactuada.”.

Convém ressaltar que a República possui como um dos seus fundamentos, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa[3], do qual o salário compreende uma de suas premissas, uma vez que a retribuição ao trabalho dar-se-á através de pecúnia, comumente, na qualidade de salário.

Insta frisar que as diárias serão incorporadas quando superiores a 50% do salário, por força do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, que enuncia:

Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. 

 § 1º - Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.

§ 2º - Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedam de 50% (cinquenta por cento) do salário percebido pelo empregado.

A prescrição do dispositivo supra, determina, por presunção legal, que as diárias recebidas, quando ultrapassarem 50% (cinquenta por cento) do salário, serão a este incorporada, para todos os efeitos!

Ora, não cabe à fonte pagadora fazer distinção, quando há presunção legal que define a natureza da verba trabalhista percebida pelo empregado. NÃO HÁ, nesse sentido, norma legal que o autorize ou desobrigue-o a não reter e recolher o tributo, sob pena de lhe serem cominadas às sanções da legislação tributária.

A obrigação tributária envolve “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (art. 3º, CTN). Nessa esteira, é norma cogente, não há discricionariedade da fonte pagadora, tampouco, esta detém a capacidade de discutir a natureza da verba para fins de incidência do tributo, pois, como visto acima, quem possui o direito e, portanto, legitimidade é o contribuinte.

Destarte, sendo a verba incorporada ao salário, como de fato o fora, este é base de cálculo por excelência do imposto sobre a renda, quando tratamos de contribuintes empregados, uma vez ser a maneira ordinária de obtenção da renda em retribuição ao esforço empreendido em favor de outrem.

Portanto, quando a diária incorpora-se ao salário, esta deixa de ter a natureza de origem – indenização para alimentação e hospedagem - e passa a ser considerado salário, ante a presunção legal! Não pode ser tratada como diária se houvera a sua incorporação.

INCORPORAÇÃO pressupõe a aglutinação de coisas ou pessoas, de modo que o bem incorporado deixa de existir em sua essência e assume a natureza da coisa incorporadora. A luz dos ensinamentos contidos no lexicógrafo De Plácido e Silva[4], temos que:

INCORPORAÇÃO, em sentido geral e amplo quer significar a inclusão, a união, a introdução ou a ligação de uma coisa no corpo de outra, a que ficará pertencendo, ou a agremiação, congregação, agrupamento promovido entre pessoa para a formação de um só corpo.

Desse modo, as diárias, na ocasião de ultrapassarem o limite estabelecido pela legislação trabalhista, deixam de ter natureza de diárias e passam a ser salário. E quando incorporadas a este, não mais persistem no mundo jurídico.

Posto isto, a disposição prevista na Lei nº. 7.713/88, que versa sobre o Imposto de Renda, não pode ser aplicado à espécie, uma vez que a isenção nela prevista estaria adstrita às diárias, enquanto que o caso em espeque versa sobre salário!

Impossível olvidar que as normas que tratam sobre isenção, conforme determina a legislação tributária – CTN -, devem ser interpretadas restritiva e literalmente, senão vejamos:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

Por óbvio, a interpretação teratológica de reclamantes consubstanciada na alegação que a legislação tributária não estipulou limite à isenção de valores obtidos a título de diária, é visão míope e seletiva do ordenamento jurídico e das normas que circundam a celeuma em crivo.

Conforme verificado, quando a legislação laboral excluiu, por presunção legal, a natureza da diária quando ultrapassado o limite de 50% (cinquenta por cento) do salário, seria redundância do legislador tributário definir o limite indicado, pois, aquela deixou de ser diária e passou a ser salário.

A segregação do ordenamento jurídico não pode prevalecer em ocasião alguma, o sistema normativo é uno, as normas devem ser interpretadas em conjunto, amplamente, não podendo haver seletividade, mormente, para fins de obtenção de vantagem notadamente ilícita.

Finalmente, ante a vasta argumentação e elementos indicados alhures, mostra-se a insubsistência jurídica de pedidos que almejam, a um só tempo, manter os reflexos trabalhistas e excluir a incidência do tributo sobre a mesma base de cálculo.

DA INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS APTOS A AUTORIZAR A REPETIÇÃO DO INDÉBITO – POSSIBILIDADE DE BENEFICIAMENTO DÚPLICE – DECLARAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA

Urge destacar a impossibilidade de operacionalização, ou melhor, constituição do crédito quando os autores não instruem o pedido com documentos imprescindíveis a verificação do direito alegado. Ocorre que, o imposto sobre a renda retido na fonte possibilita aos contribuintes, quando da declaração do tributo, formular pedido de restituição, famoso ajuste fiscal, no qual o declarante indicará possíveis valores como dedutíveis da base de cálculo, procedendo a Fazenda Pública à sua restituição.

No entanto, a fonte pagadora não possui acesso aos documentos fiscais, particulares do reclamante/contribuinte, exceto se procedida a quebra do seu sigilo fiscal.

Desta forma, não pode ser atribuído o mesmo ônus a fonte pagadora daquele que é aplicado ao Fisco, pois, este em lides tributárias possui a incumbência de demonstrar o fato modificativo ou impeditivo do direito do contribuinte, conforme aponta a jurisprudência pátria, in verbis:

RECURSO ESPECIAL Nº 949.463 – RS (2007⁄0105104-5)

RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN

RECORRENTE: ANTONIO CELSO PINTO MARTINS

ADVOGADO: RENATA VERMELHO MARTINS E OUTRO(S)

RECORRIDO: FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR: CÍNTIA TOCCHETTO KASPARY E OUTRO(S)

INTEIRO TEOR. EMENTA. TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. DECLARAÇÃO ANUAL DE AJUSTE. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO PELO CONTRIBUINTE. RESTITUIÇÃO VIA PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO SEDIMENTADA EM AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO.

1. Conforme entendimento pacificado desta Corte, compete ao contribuinte a comprovação de que houve retenção indevida do Imposto de Renda incidente sobre as parcelas indenizatórias, enquanto que cabe à Fazenda Nacional, ré da ação, comprovar se o tributo foi restituído administrativamente ou compensado na declaração de ajuste anual, nos moldes preconizados no art. 333, do CPC, constituindo prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito pleiteado.

2. “É prescindível a juntada da declaração anual de ajuste do Imposto de Renda pelo autor, para fazer prova de eventual compensação dos valores indevidamente recolhidos. O contribuinte pode optar pela restituição via precatório mesmo em se tratando de Imposto de Renda, pois a ele cabe escolher a forma mais adequada para a execução do julgado.” (REsp 859.213⁄SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 26.10.2006).

3. Recurso Especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, deu provimento ao Recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 28 de agosto de 2007 (Data do Julgamento). MINISTRO HERMAN BENJAMIN.

Conforme indica a jurisprudência consolidada do STJ, o ônus de demonstrar a compensação do crédito tributário caberia à Fazenda Pública, uma vez que esta possui as informações em seus bancos de dados, inclusive por ser parte na relação tributária e os documentos serem enviados espontaneamente pelo contribuinte.

Todavia, a fonte pagadora, por não participar da relação tributária, tampouco, por não deter as competências típicas do Fisco, não possui em seu banco de dados às referidas informações, portanto, não há como trazer aos autos a documentação – Declaração Anual de Ajuste do Imposto de Renda Retido na Fonte -, documento indispensável a verificar a possível restituição dos valores perseguidos.

Desta forma, caberia ao contribuinte trazer aos autos os documentos hábeis a identificação do seu direito, pois, impossível o acesso da fonte pagadora às referidas informações fiscais.

Portanto, a mera demonstração de retenção do imposto, através dos documentos de extratos de pagamentos, não são possíveis de atestar o direito a restituição do tributo, uma vez que o contribuinte pode ter recebido os valores indicados quando realizou a declaração de ajuste.

Desta forma, haveria um enriquecimento ilícito, beneficiando-o duplamente, haja vista que poderia, e possivelmente procedera, ao ajuste fiscal quando da declaração do tributo.

DA COMPENSAÇÃO – BASE DE CÁLCULO – INCORPORAÇÃO DAS DIÁRIAS AO SALÁRIO – REPERCUSSÃO NAS VERBAS TRABALHISTAS

Outra circunstância que merece atenção é o fato das repercussões das diárias nas demais verbas trabalhistas como 13º salário, férias, terço de férias, FGTS e horas extras, que, porventura, já tiverem sido procedidas pela fonte pagadora.

É salutar apontar que o eventual deferimento de pedido de repetição de indébito perante a fonte pagadora, mesmo que divorciado da legislação, nos termos alhures expostos, importará na compensação do indébito com as demais verbas trabalhistas ilustradas acima, com fulcro no artigo 767, do Diploma Consolidado.

De acordo com os fundamentos exarados, ficou clara a impossibilidade de alterar a natureza jurídica, ou manter a natureza dúplice da verba em mote. Convém frisar que, a concessão da hipótese veiculada iria gerar enriquecimento sem causa ao contribuinte, e consequente prejuízo ao erário e à fonte pagadora.

Posto isto, na remota hipótese de concessão do indébito, sob a pecha de sê-la natureza indenizatória e, portanto, mitigada a obrigação tributária pela isenção legal, deverão ser desconsideradas as diárias para fins trabalhistas.

Desta feita, haverá de ser procedida à restituição/compensação dos valores galgados pelo requerente, em razão da incorporação ao salário das diárias, e a repercussão destas nas demais verbas do contrato laboral.

Convém mencionar que, por vezes, a restituição não será vantajosa ao contribuinte, pois, o impacto dos reflexos trabalhistas importa no recebimento de 27,44% (vinte e sete inteiros e quarenta e quatro décimos por cento) mês, incidentes sobre as diárias, quando calculados o impacto com 13º salário (1/12), férias (1/12), terço de férias (1/36) e FGTS (8/100).

Noutro norte, a alíquota máxima do imposto sobre a renda importa em uma dedução de 27,5% (vinte e sete inteiros e meio por cento). Desta feita, estar-se-ia postulando um incremento de 0,06% (seis centésimos por cento). Lembrando que uma demanda possivelmente exigiria o pagamento de honorários advocatícios, e, se postulado na justiça comum, a despesa com custas processuais.

Ao fim deste breve relato, embora ciente do não esgotamento da discussão principal e daquelas que circundam o presente tema, podemos apreender algumas conclusões:

  1. O conceito de renda possui seu arquétipo constitucionalmente traçado, devendo as leis infraconstitucionais atende-lo, sob pena de desfigurar o tributo em vértice. Adotamos, com melhor didática o conceito apresentado por GONÇALVES (1997), para quem renda seria: “(i) saldo positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo de um dado (iii) período. Ademais, verificamos que a renda somente pode ser tributada quando há sua disponibilidade econômica ou jurídica ao contribuinte.
  2. A natureza jurídica das verbas não pode transitar e modificar-se conforme a vontade do contribuinte. Ao revés, a legislação é clara ao definir os conceitos e alcances das normas trabalhistas e tributárias, as quais devem ser interpretadas de formai integrada, sob pena de esvaziar-se quaisquer destas.
  3. Nesse sentido, somente poderão ser mantidas na qualidade de diárias, e portanto, valer-se da isenção tributária os valores que não ultrapassarem 50% (cinquenta por cento) do salário. Superado o parâmetro legal, estas passarão a ser salário, pelo que o contribuinte terá direito a repercussão sobre as demais verbas trabalhistas.
  4. Ficara evidente a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as lides que pretendam a declaração de inexistência de relação jurídica tributária e a ilegitimidade da fonte pagadora em responder pelo indébito tributário.

Diante do exposto, O adequado aos contribuintes é propor ações perante a Justiça Federal, por ser nítido o interesse da União, bem como, por ser a destinatária econômica do tributo e quem detém a competência tributária ativa. Por conseguinte, sendo deferido o pedido do contribuinte, a fonte pagadora será, tão somente, oficiada para abster-se de proceder aos descontos futuros.

BIBLIOGRAFIA

BARRETO, Paulo Ayres. O imposto sobre a renda e os preços de transferência. 2001, dialética.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2009, 3ª edição.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013;

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda – Pressupostos constitucionais. São Paulo – SP, Malheiros Editores, 2ª Ed., 1997;

PACHECO, Ângela Maria da Mota. Ficções tributárias, identificação e controle. São Paulo: Noeses, 2006.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico/atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho – 27ª ed., Rio de Janeiro, 2007.

RECURSO ESPECIAL Nº 949.463 – RS (2007⁄0105104-5), disponível em: http://tributario.net/a/inteiro-teor-ementa-tributario-e-processual-civil-repeticao-do-indebito-imposto-de-renda-retido-na-fonte-declaracao-anual-de-ajuste-desnecessidade-de-apresentacao-pelo-contribuinte-restituicao/;

RECURSO ESPECIAL Nº 1.318.163 - PR (2012/0070691-6), disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25097168/recurso-especial-resp-1318163-pr-2012-0070691-6-stj/inteiro-teor-25097169;

STJ - CC: 131237 SP 2013/0380691-2, disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/184254799/conflito-de-competencia-cc-131237-sp-2013-0380691-2;

TRF-1 - AC: 18929 GO 0018929-14.2008.4.01.3500, disponível em: http://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18986321/apelacao-civel-ac-18929-go-0018929-1420084013500;

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Decreto-Lei nº. 5.452/43 – Consolidação das Leis do Trabalho.

Lei nº. 5.172/66 - Código Tributário Nacional.

Regulamento do Imposto de Renda (RIR) – Decreto n. 3000, de 26 de março de 1999.


[1] BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 2001.

[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013.

[3]Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[4] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico/atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho – 27ª ed., Rio de Janeiro, 2007.

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