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Cheque pós-datado

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Agenda 01/05/2003 às 00:00

SUMÁRIO: Introdução; 1.Noções gerais, 1.1.Conceito, 1.2.Histórico e origem, 1.3.Natureza jurídica; 2.Emissão e forma do cheque, 2.1.Pressuposto de emissão do cheque, 2.2.Requisito legais essenciais, 2.2.1.A denominação "cheque", 2.2.2.A ordem incondicional de pagar quantia determinada, 2.2.3.O nome do sacado, 2.2.4.A assinatura do sacado, 2.2.5.A data, 2.3.Requesito legais supríveis, 2.3.1. O lugar do pagamento, 2.3.2. O lugar da emissão; 3.Apresentação e pagamento, 3.1.Apresentação, 3.2.Oposição e contra- ordem(renovação), 3.3.Prescrição; 4.Transmissão e garantia, 4.1.Circulação e endosso, 4.2.Aval; 5.Protesto e ação por falta de pagamentos, 5.1.Protesto, 5.2.Ação por falta de pagamento; 6.Cheque pós-datado, 6.1.Conceito, 6.2.Cheque "pós- datado ""pré- datado", 6.3.Formas de pós-datação, 6.4.Breve histórico sobre o cheque pós-datado, 6.5.Natureza jurídica do cheque pós-datado, 6.6.Licitude do cheque pós-datado, 6.7.Os pressupostos da emissão do cheque pós-datado, 6.8.A pós-datação e os requisitos legais do cheque, 6.9.Efeitos da pós-dataçãoquanto aos prazos de apresentação e prescrição, 6.10.Apresentação antecipada do cheque pós- datado para pagamentos, 6.11.O endosso e o aval no cheque pós- datado, 6.12. Diferença entre cheque e cheque pós- datado frente ao estelionato; Considerações finais; referências bibliográficas; Anexos.


INTRODUÇÃO

Este estudo tem o objetivo de analisar o cheque pós-datado, sua validade diante do fato de não estar regulamentado pela Lei nº 7.357 de 1985, a atual lei brasileira que dispõe especificamente sobre cheques, e, também, discutir os efeitos causados em razão de sua pós-datação.

A escolha deste tema se deu por ser um assunto polêmico e atual, sobretudo pela freqüência e habitualidade que tal prática vem sendo adotada no comércio, o que desnatura o escopo previsto pela lei, ou seja, de ser o cheque pagável à vista (art. 32, Lei do Cheque). Pode-se afirmar, assim, que o costume está, aos poucos, tomando força, o que vem sendo, inclusive, garantido por algumas decisões judiciais, que reconhecem o acordo de pós-datação entre o emitente e o beneficiário, embora este não seja previsto legalmente.

Para se estudar o cheque pós-datado, primeiramente, torna-se necessária uma análise geral do cheque, seu conceito, segundo os doutrinadores, e suas características e requisitos, conforme determina a Lei 7.357/85. Análise esta que será feita nos cinco primeiros capítulos, e que servirá de base ao Capítulo VI, que trata especificamente do cheque pós-datado, objetivo deste trabalho.

Nos capítulos gerais, que tratam do cheque comum, procurou-se deixar de lado os comentários a respeito das leis anteriores (Lei 2.591 de 1912 e Lei Uniforme de Genebra sobre cheques), e dar um enfoque todo especial a Lei 7.357/85, que é a atual lei que regula o cheque.

O primeiro capítulo abordará apenas noções gerais do cheque: o conceito, a origem e a natureza jurídica. O estudo de tais pontos faz-se necessário para que se tenha um conhecimento mínimo do título em torno do qual se estabelece toda a discussão da pós-datação.

Os pressupostos e requisitos legais para a emissão e criação do cheque serão estudados no segundo capítulo, e sua importância específica é sua vinculação à validade do título. Dentre eles, um requisito tem especial relevância para este estudo: a data de emissão, pois é dos efeitos de sua alteração que deriva o cheque pós-datado.

Após, no terceiro capítulo, serão abordados a apresentação, a contra-ordem, a oposição, e por fim a prescrição. Assuntos de muita importância, entre os quais destaca-se a apresentação, pois seu prazo determina a possibilidade de cabimento da contra-ordem, bem como influi diretamente no prazo de prescrição, do protesto e na circulação por endosso. Importante, portanto, para este trabalho, em razão de que a pós-datação pode prorrogar a apresentação, ocasionando, assim, a dilação dos prazos e dos efeitos que dela derivem.

A transmissibilidade e a garantia do cheque, bem como o protesto e a ação por falta de pagamento também são abordados em capítulos especiais.

Importante ressaltar que este estudo está longe de exaurir a matéria sobre cheque, pois os capítulos iniciais foram criados com o único objetivo de apresentar e dar uma noção geral do título, o que se torna extremamente necessário, visto que o cheque pós-datado, ainda, no Brasil, submete-se às mesmas regras do cheque comum. A par disto é preciso referir que alguns pontos atinentes a lei do cheque não foram tratados dada a sua pouca ou nenhuma importância ao estudo do cheque pós-datado.

Finalmente, no Capítulo VI, será estudado o cheque pós-datado, onde serão abordadas as questões mais controvertidas sobre o tema. Salienta-se, entretanto, que a análise deste assunto não é exaustiva, visto que, até o momento, no Brasil, não existem obras específicas sobre o cheque pós-datado, somente artigos em revistas jurídicas, alguns poucos comentários, em obras que tratam do instituto do cheque, bem como precedentes dos Tribunais. Aliás, tal insuficiência doutrinária determinou a análise de obras de autores argentinos e uruguaios, que já têm o cheque como uma realidade legislativa.


1.NOÇÕES GERAIS

1.1.Conceito

A Lei nº 7.357/85 não conceitua o cheque, apenas determina os pressupostos e requisitos necessários para que o título passe a valer como cheque, e é desses dispositivos que os doutrinadores retiram o seu conceito.

Para Fran Martins "entende-se por cheque uma ordem de pagamento, à vista, dada a um banco ou instituição assemelhada, por alguém que tem fundos disponíveis no mesmo, em favor próprio ou de terceiro."

Este conceito é semelhante ao de vários doutrinadores, e tem base nos artigos da Lei do Cheque, principalmente no art. 32 que dispõe: "O cheque é pagável à vista"; no artigo 1º, inciso II, que determina: "O cheque contém: (...) II – a ordem incondicional de pagar quantia determinada;"; no artigo 3º, que prevê que o cheque deve ser sacado contra um banco ou instituição assemelhada; no art. 4º, que exige a existência de fundos disponíveis, e nos outros tantos artigos da Lei do Cheque.

Segundo J. M. Othon Sidou, o cheque é "uma ordem emitida contra um banco, ou ente assemelhado, para que pague à pessoa, em favor de quem se emite, ou ao portador, importância certa em dinheiro, previamente posta à disposição do emitente e que será levada à sua conta."

Pelo conceito Amador Paes de Almeida: "O cheque é o título revestido de determinadas formalidades legais contendo uma ordem de pagamento à vista, passada em favor próprio ou de terceiro."

Fábio Ulhoa Coelho conceitua:

"O cheque é uma ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco, em razão de provisão que o emitente possui junto ao sacado, proveniente essa de contrato de depósito bancário ou de abertura de crédito"

Analisando os conceitos acima citados, percebe-se, como já referido, a semelhança no conteúdo e o consenso entre os doutrinadores comercialistas quanto ao conceito do cheque. Cotejando os conceitos já citados, pode-se formar um, mais completo:

"O cheque é uma ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco ou instituição assemelhada, por alguém que possui fundos disponíveis junto ao mesmo, em razão de contrato de depósito bancário ou abertura de crédito, para que se pague uma importância certa em dinheiro, à pessoa em favor de quem é emitido o título, ou ao seu portador."

A pessoa que emite o cheque, é chamada de sacador ou emitente; o banco ou instituição assemelhada a que a ordem é dada tem o nome de sacado; e a pessoa em favor de quem é dada a ordem é o tomador ou beneficiário, às vezes denominado simplesmente portador.

O cheque possui algumas semelhanças com a letra de câmbio à vista, distinguindo-se dela em razão, principalmente, de seus pressupostos. Assim, para emitir o cheque é necessário que o sacador tenha fundos (provisão) em poder do sacado e que possa dispor dessa provisão, em proveito próprio ou de

outrem; a letra de câmbio, em geral dispensa a provisão. Além disso, o cheque deve ser sempre sacado contra uma instituição financeira e não comporta aceite.

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1.2.Histórico e origem

A origem do cheque é muito discutida, alguns estudiosos procuram as suas raízes na Antiguidade, onde, segundo historiadores, teriam existido ordens de pagamento em favor de terceiros, no Egito, na Grécia e em Roma. Outros autores negam que tais documentos tivessem dado origem ao cheque, e reconhecem que, na Idade Média, em razão do aparecimento dos bancos de depósito, teriam surgido ordens de pagamento com algumas características dos cheques atuais.

Na verdade, não se pode atribuir a origem do cheque a um único povo e a um determinado instante, pois as características atuais do título derivam de anos de aprimoramento e influências de vários lugares.

Entretanto, a maioria dos autores concorda ao citar a Inglaterra como sendo o provável lugar onde o uso do cheque difundiu-se e tomou impulso, no Século XVIII, através da prática bancária adotada nesse país. Cabe salientar, que o cheque, naquela época, era confundido com a Letra de Câmbio, e ainda hoje é considerado pelo sistema inglês, como uma Letra de Câmbio à Vista.

O uso do cheque passou da Inglaterra para os Estados Unidos, que, como no sistema inglês, considera o Cheque uma Letra de Câmbio à Vista sacada contra um banqueiro; e para França, onde destacou-se da Letra de Câmbio, tomando características próprias com a criação da primeira lei que passou a disciplinar especialmente o cheque, em 14 de junho de 1865.

Atualmente, no Brasil, vigora a Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985, a qual surgiu para acabar com os conflitos introduzidos no país pela adesão do Brasil à Convenção de Genebra, que trouxe a dúvida para a comunidade jurídica quanto a aplicação da Legislação Interna (Lei nº 2.591 de 7/8/1912) ou as normas da Lei Uniforme (inserida em nosso direito interno pelo Decreto nº 57.595, de 7 de janeiro de 1966). Essa nova lei é, na verdade, uma consolidação dos princípios da Lei Uniforme sobre o cheque e das leis que anteriormente regularam esse título, principalmente a Lei nº 2.591 de 1912.

1.3.Natureza jurídica

A natureza jurídica do cheque é bastante controvertida, inúmeras teorias surgiram para tentar esclarecê-la. As principais são a Teoria do mandato, segundo a qual o sacado ao pagar a ordem estaria representando o emitente, que seria o outorgante do mandato; a Teoria da cessão, para a qual haveria uma cessão no ato do depósito bancário; a da Estipulação em favor de terceiro e a da Delegação. Entretanto, estas teorias são facilmente derrubadas quando examinadas as características do cheque, sendo em alguns aspectos incompatíveis, além do que, nenhuma delas consegue explicar a inoponibilidade das exceções ao possuidor de boa-fé e a transferência da propriedade da provisão para o beneficiário.

Na verdade, o maior problema entre os doutrinadores está em definir se o cheque é, ou não, um título de crédito. Entre os brasileiros que consideram-no como título de crédito encontramos J. X. Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira, Otávio Mendes, João Eunápio Borges e Rubens Requião.

Na opinião de Waldírio Bulgarelli - que também considera o cheque um título de crédito, embora com características especiais - a tendência da doutrina brasileira é afastar-se das doutrinas ultrapassadas que não explicam suficientemente, do ponto de vista jurídico, as características do cheque, tendendo a considerá-lo como um título específico, com regime jurídico próprio, autônomo.

Para Fran Martins, o cheque não deve ser considerado um verdadeiro título de crédito, pois o sacado, ao pagar a ordem, estaria simplesmente cumprindo com uma obrigação de devolver as importâncias que lhe foram confiadas pelo sacador, atendendo a determinação deste, imposta no título que lhe é apresentado. Desta forma, não existiria o fator crédito, e sim uma ordem para que o sacado pague determinada quantia pertencente ao emitente, e que encontra-se em seu poder. Em contrapartida, Fran Martins reconhece que o cheque se beneficia de institutos e princípios próprios dos títulos de crédito, como a circulação através de endosso, sendo assim, um título de crédito impróprio.

Outro autor que segue raciocínio assemelhado é J. M. Othon Sidou, que nega ao cheque o caráter de título de crédito, mas não afasta a possibilidade de considerá-lo ao menos como título impróprio.


2.EMISSÃO E FORMA DO CHEQUE

2.1.Pressupostos de emissão do cheque

O cheque é uma ordem de pagamento à vista, cuja emissão pressupõe que foram observadas algumas regras determinadas pela Lei 7.357/85.

Waldírio Bulgarelli retira do conceito de cheque dois pressupostos para sua emissão: o saque contra banco ou instituição assemelhada e a provisão de fundos. Entretanto, Fran Martins é mais completo ao citar como preceitos, além dos dois já mencionados, a disponibilidade sobre a provisão de fundos e a existência de um contrato expresso ou tácito para que o sacador disponha dos fundos ou provisão por meio do cheque.

O primeiro pressuposto deriva de uma exigência legal prevista no art. 3º da lei do cheque, que determina que o sacado deve ser um banco ou instituição financeira a ele equiparada, sob pena de não valer como cheque. A Lei nº 4.595 de 1964, em seus arts. 17 e 18, define as instituições financeiras, citando entre as quais, as sociedades de crédito, financiamento e investimentos, as caixas econômicas e as cooperativas de crédito.

A provisão de fundos e os outros pressupostos citados por Fran Martins estão todos previstos no art. 4º, caput, parágrafos e alíneas, da nova Lei do Cheque.

A provisão do sacador pode consistir em dinheiro efetivamente depositado pelo sacador em mãos do sacado, ou em crédito, por este concedido àquele. A expressão fundos não se limita apenas às importâncias resultantes de depósitos feitos pelo sacador em mãos do sacado. Esta provisão pode se dar também através de crédito como por exemplo, o conhecido cheque especial.

Além de exigir a provisão do sacador em poder do sacado, a lei determina que esta provisão seja disponível, ou seja, que possa ser movimentada livremente pelo sacador.

O parágrafo 2º do art. 4º da Lei do Cheque enumera como fundos disponíveis os créditos de conta corrente bancária não subordinados a termo; o saldo exigível da conta corrente contratual e a soma proveniente de abertura de crédito. Estes fundos deverão ser verificados no momento da apresentação do cheque para pagamento (art. 4º, § 1º, Lei 7.357/85).

A lei determina ainda, como pressuposto para a disposição da provisão em poder do sacado por meio de cheques, a existência de um contrato entre o sacador e o sacado autorizando aquele a emitir cheques contra este. Esse contrato pode ser expresso ou tácito, e resulta da abertura de uma conta pelo sacador junto ao banco sacado, na qual será feita a provisão, através de depósito de valores ou abertura de crédito em favor do sacador.

Para a abertura da conta bancária deve-se atender a algumas normas estabelecidas pelo Banco Central, como por exemplo o preenchimento de uma ficha-proposta com dados como nome completo, qualificação, endereço, data de abertura e número da conta, condições e advertências. Após, atendidas as exigências feitas para a abertura da conta, o sacador receberá um talonário de cheques para a sua movimentação.

O art. 4º, Lei do Cheque, prevê ainda, em sua parte final que: "A infração destes preceitos não prejudica a validade do título como cheque". Estes preceitos a que se refere a parte citada são: a existência de fundos disponíveis e a convenção entre o sacador e o sacado para a emissão de cheques, previstos no mesmo artigo 4º. Assim sendo, mesmo que o sacador não possua provisão disponível em poder do sacado, o documento não deixará de ser cheque e de garantir ao portador o direito de receber do emitente a quantia nele mencionada.

Salienta-se que, ao emitir o cheque sem a necessária provisão, o sacador estará cometendo o delito de estelionato, previsto pelo Código Penal, e continuará devedor do portador, pois sua dívida só deixará de existir com o pagamento pelo sacado. Desta forma, poderá sofrer ações de origem cível e penal, ou simplesmente deixará o pagamento do cheque a cargo dos coobrigados, que poderão ser o endossante, se houver, ou o avalista, se for o caso.

2.2.Requisitos legais essenciais

A lei determina que o cheque esteja revestido de alguns requisitos, sem os quais não produzirá efeito com tal. Os requisitos essenciais são: A denominação cheque; a ordem incondicional de pagar quantia determinada; o nome do sacado; assinatura do sacador e a data. Existem outros dois requisitos, que serão analisados no próximo ponto, pois eles têm a sua falta suprida pela própria lei (Lei do Cheque, art. 2º, I e II), são eles: o lugar do pagamento e o lugar de emissão do cheque.

Segundo J. M. Othon Sidou:

"(...) a falta de qualquer desses requisitos retira ao título o efeito como cheque, não torna o papel nulo, mas qualquer dos intervenientes pode exonerar-se da condição de devedor cambiário, que é específica, muito embora a obrigação subsista como condição genérica, cobrável pelos meios gerais de direito."

2.2.1.A denominação "cheque"

A Lei do Cheque, em seu art. 1º, inciso I, dispõe: "Art. 1º - O cheque contém: (...) I – a denominação "cheque", inscrita no contexto do título e expressa na língua em que é redigido"

A inscrição da palavra cheque no texto do título tem o objetivo de diferenciar o cheque de outros documentos sujeitos ao direito comum, e caracterizá-lo, para que, assim, ele possa gozar de vantagens especiais estabelecidas na lei de regência.

J. M. Othon Sidou entende obrigatório emprego da expressão cheque: "sine qua non não existiria como tal", visto que é um título cambiário, que nasce para ter circulação ampla, e envolve o interesse de inúmeras pessoas, além de ser um princípio que prevalece em todos os títulos cambiários, como a Letra de Câmbio e Nota Promissória.

Rubens Requião, reafirma a determinação do inciso I, art. 1º da lei do Cheque, quando leciona que o rigor cambial impõe que a palavra cheque deve ser escrita no mesmo idioma em que estiverem os dizeres no documento, e também deve respeitar a forma prevista, caso contrário o título não será válido.

Outros autores são mais tolerantes ao admitir algumas pequenas variações como válidas: Fran Martins, por exemplo, afirma que um pequeno erro de grafia, como a inscrição xeque no lugar de cheque, não invalida o título, "desde que se tenha idéia de que se trata de um erro de grafia e não que se quis designar um outro título (por exemplo letra em vez de cheque)." Entretanto, Fran Martins entende que não se pode usar um termo genérico como ordem ou mesmo ordem de pagamento à vista, "pois não caracteriza a espécie do título" e que "a palavra cheque deve ser escrita na mesma língua em que está a ordem de pagamento."

Segundo J. M. Othon Sidou, as grafias check, scheck e cheque são sempre utilizadas em países de origem inglesa, germânica e latina - um título que empregasse uma dessas três grafias, em desacordo com a língua utilizada, "não seria censurável".

2.2.2.A ordem incondicional de pagar quantia determinada

A Lei 7.357/85 determina que o cheque deve conter "ordem incondicional de pagar quantia determinada". Da mesma forma a Lei Uniforme dispõe, só que usando a expressão: "O mandato puro e simples de pagar quantia determinada."

Segundo Rubens Requião, "a linguagem da lei brasileira foi mais feliz, substituindo a expressão "mandato", pois esta expressão ocasionou discussões e necessitou ser interpretada por Percerou e Bouteron, "para explicar que não era aplicada no seu sentido jurídico, mas no seu senso vulgar". Para Requião, "o texto nacional é mais claro e técnico, não gerando qualquer dúvida."

Amador Paes de Almeida afirma que "a emissão de cheques consubstancia verdadeira ordem, como facilmente se percebe na expressão "pague-se à... "

A expressão quantia, quando usada pela lei, refere-se a dinheiro, mais precisamente, ao valor em dinheiro que o banco sacado deve pagar ao portador do título, que poderá estar referida no cheque em moeda nacional ou estrangeira. Em se tratando de pagamento em moeda estrangeira, o art. 42 da Lei do Cheque, correspondente ao art. 36 da Lei Uniforme, edita normas especiais: "o cheque em moeda estrangeira é pago, no prazo de apresentação, em moeda nacional, ao câmbio do dia do pagamento, obedecida a legislação especial."

Essa quantia deve ser lançada em algarismos e por extenso, prevalecendo, na hipótese de divergência, o valor por extenso. Indicadas várias quantias prevalece a de menor valor (art. 9º da Lei Uniforme e art. 12 da Lei. 7.357/85).

É proibida a previsão de juros para cobrir o lapso entre o saque do cheque e o pagamento pelo sacado. O art. 10, da Lei do Cheque assim dispõe: "Considera-se não escrita a estipulação de juros inserida no cheque."

Entretanto, como bem lembra Fran Martins:

"(...) deve-se considerar que a inclusão da cláusula de juros não afeta a validade do cheque: a cláusula é simplesmente considerada não escrita. O cheque continua a valer pela importância especificada, como se a cláusula não constasse no título."

2.2.3.O nome do sacado

A Lei nº 7.357/85, em seu art. 1º, inciso III, determina que o cheque deve conter o nome do sacado, que é o banco ou instituição financeira equiparada onde o sacador possui fundos disponíveis.

Alguns doutrinadores comercialistas questionam-se sobre a possibilidade do cheque ser emitido sobre mais de um sacado, o que era admitido anteriormente pela Lei 2.044 de 1908 (lei cambiária), no seu art. 20, § 1º, cujos princípios poderiam ser aplicados ao cheque, de acordo com a lei brasileira.

Para Othon Sidou "(...) nada impede que um cheque contenha a ordem endereçada a mais de um sacado", entretanto Sidou admite que esta hipótese "perde relevância em face da privatividade dos bancos para o exercício do direito passivo de saque e da padronização do cheque, cujos modelos são preparados e fornecidos pelos bancos, com seu nome."

Na opinião de Fran Martins, a lei atual sobre o cheque não expressa a possibilidade de se emitir um cheque contra vários sacados, além do que, essa emissão poderia causar muitos problemas, principalmente no que diz respeito aos fundos disponíveis do sacador em poder do sacado.

2.2.4.A assinatura do sacador

O cheque deve conter a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais (art. 1º, VI, Lei 7.357/85). Para alguns doutrinadores este é o requisito mais importante do cheque e que nele não pode faltar.

Para Waldírio Bulgarelli, "a assinatura consiste na inscrição no cheque, do nome e prenome ou rubrica, firma ou selo privado." Conceito também encontrado na obra de Rubens Requião quando cita a definição de Percerou e Bouteron, e que, segundo Requião, também consta do Relatório do Comitê de Redação da Conferência de Genebra.

Segundo Othon Sidou:

"(...) no direito brasileiro não existe disposição precisa sobre o que seja reputada assinatura, ou firma da pessoa, em caráter formal, para efeito de qualquer ato jurídico, e muito menos obriga qualquer menção proibitiva da assinatura abreviada ou ilegível."

O cheque pode ser emitido por mandatário desde que o mandato contenha poderes especiais e expressos. Fran Martins, com base no Código Civil (art. 1.298), afirma que "o mandante deve ser capaz de dispor de seus bens, mas o mandatário pode ser relativamente incapaz, isto é deve ser apenas maior de 16 anos."

O instrumento do mandato deve ficar em poder do sacado, para que ele possa comprovar a ordem emanada do mandante, e além disso, o sacado deve manter em seu estabelecimento a assinatura do mandatário para que possa conferir a assinatura constante do cheque.

O mandatário ou representante que assinar o cheque sem ter poderes para tal, ou excedendo os poderes que lhe foram conferidos, ficará obrigado pessoalmente conforme regra do art. 14, Lei do Cheque, correspondente ao art. 11 da Lei Uniforme. E, pagando o cheque, terá os mesmos direitos daquele em cujo nome assinou (art. 14, parágrafo único, Lei 7.357/85).

A atual lei do cheque permite ainda a assinatura por chancela mecânica (art. 1º, parágrafo único, Lei 7.357/85), tendo a Circular 103, de 1967 do Banco Central, regulado a utilização em cheque, que deve constituir a reprodução exata da assinatura do próprio punho, dependendo porém de prévia convenção entre o emitente e o sacado, exigindo-se prévio registro da chancela no Ofício de notas do domicílio do usuário.

Ao analfabeto não se admite a assinatura a rogo, nem a aposição de sua impressão digital. Para o analfabeto e o incapacitado fisicamente de assinar é necessária a constituição de mandatário com poderes especiais, por instrumento público, quando valerá a assinatura a rogo, se atestada por duas testemunhas.

Quanto à assinatura falsa e assinatura de incapaz, a atual lei do cheque dispõe:

"(...) a assinatura de pessoa capaz cria obrigações para o signatário, mesmo que o cheque contenha assinatura de pessoas incapazes de se obrigar por cheque, ou assinaturas falsas, ou assinaturas de pessoas fictícias, ou assinaturas que, por qualquer outra razão, não poderiam obrigar as pessoas que assinaram o cheque, ou em nome das quais ele foi assinado." (art. 13, parágrafo único, correspondente à art. 10 da Lei Uniforme).

Desta forma, se o cheque entrar em circulação, aqueles que assinarem posteriormente respondem ao portador pelo pagamento do mesmo. Havendo vários endossantes, o que pagar terá o direito de agir contra os obrigados anteriores.

2.2.5.A data

A data de emissão do cheque é requisito exigido pelo inciso V do art. 1º da Lei 7.357/85. O art. 2º da lei não supre a sua falta, no título, por isso entende-se ser esse um requisito essencial para o documento produzir efeito como cheque.

A indicação da data da emissão é importante porque permite determinar se na ocasião o sacador tinha capacidade de se obrigar e, além disso, é essencial para se calcular o prazo de apresentação (Lei do Cheque, art. 33), o prazo de prescrição (Lei do Cheque, art. 59) e a preferência no caso de concurso de dois ou mais cheques em soma superior aos fundos disponíveis (Lei 7.357/85, art. 40).

A data deve indicar o dia, mês e ano, devendo o nome do mês ser escrito por extenso conforme determinação do Decreto nº 22.393, de 25 de janeiro de 1933.

Para Fran Martins, um cheque com data incompleta não é válido, pois não fixa o dia que serve para se contar o prazo de apresentação e, conseqüentemente o de prescrição, assim ficaria o portador sem saber até quando poderia exercer direito regressivo contra os obrigados anteriores, ou agir contra o sacador.

De forma contrária, Waldírio Bulgarelli, baseado no art. 13 da Lei Uniforme, leciona: "o cheque incompleto ou em branco é válido como cheque, desde que esteja completo até a sua apresentação."

Na opinião de J. M. Othon Sidou: "mesmo sendo requisito essencial, cheque nenhum perderia na prática a validade por falta desse requisito, visto como o portador, o maior interessado na incolumidade do título, facilmente a supriria". E, com base no art. 16 da Lei do Cheque, afirma: "completada que seja, mesmo contrariamente aos acordos realizados entre sacador e beneficiário, a omissão estará suprida."

Quando o cheque é emitido entre lugares de calendários diferentes, considera-se como de emissão o dia correspondente do calendário do lugar do pagamento (nova Lei do Cheque, art. 33 e parágrafo único).

O cheque pode ser ante-datado ou pós-datado, o que não afetará a validade do título. Entretanto, a lei determina que o cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão, seja pago no dia da apresentação (Lei 7.357/85 art. 32 parágrafo único, correspondente à 2ª alínea do art. 28 da Lei Uniforme)

O cheque datado antes de sua criação é raro, por ser menos útil, e por isso não acarreta maior importância prática. O cheque pós-datado, que é objeto deste trabalho, será analisado posteriormente, em capítulo especial.

2.3.Requisitos legais supríveis

Além dos requisitos legais essenciais já analisados, existem dois outros requisitos legais que a lei considerou supríveis: são eles o lugar do pagamento e o lugar da emissão.

2.3.1.O lugar do pagamento

A Lei 7.357/85, em seu art. 1º, inciso IV, determina que o cheque deve conter a indicação do lugar de pagamento. Essa indicação, tem por finalidade fixar o local onde o portador deve apresentar o cheque para receber a importância do mesmo. Esse lugar deve, em princípio, constar do texto do título, mas se no cheque não contiver designação especial, entende-se que é o lugar constante junto ao nome do sacado. Se forem indicados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles. Não existindo qualquer indicação, o cheque deve ser pago no lugar de sua emissão (Lei 7.357/85, art. 2º, I).

O cheque se chama domiciliado quando for pagável no domicílio de terceiro, quer na localidade em que o sacado tenha domicílio, quer em outra, desde que o terceiro seja banco. (art. 11 da Lei 7.357/85, correspondente ao art. 8º da Lei Uniforme). Segundo Fran Martins: "A domiciliação deve ser feita pelo sacador, pois é esse o criador do cheque, e portanto, a pessoa a quem cabe preencher os requisitos que o documento deve conter."

2.3.2.O lugar da emissão

O lugar da emissão é um requisito exigido pelo inciso V do art. 1º da nova lei do cheque. Se o título não trouxer tal indicação entende-se que foi passado no lugar designado junto ao nome do emitente. Se, entretanto, não houver no cheque indicação do lugar em que foi passado nem a menção de um lugar junto ao nome do sacador, o documento não terá o efeito de cheque, conforme estatui o art. 2º, caput da Lei. 7.357/85.

Como bem lembra Othon Sidou, deve-se levar em conta que "os prazos de apresentação variam segundo o título foi passado na mesma ou em outra praça onde deva ser pago." (sic). E, caso ocorra tal omissão, Sidou entende que o cheque "torna-se pagável no lugar designado ao lado do nome do sacado, e sua apresentação deverá ser efetuada em 30 dias, tenha sido ou não passado na mesma praça, uma vez que não se pode precisar a distancia loci."

No mesmo sentido, encontrou-se decisão do extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:

"Cheque. Quando não contém a indicação do lugar da emissão, presume-se passado no lugar onde tem de ser pago (art. 2, parte final do dec. 2.591/1912 e art. 2, alínea 2 da Lei Uniforme) – Prescrição conta-se da data da época de apresentação – que nos cheques emitidos para pagamento na mesma praça é de 30 dias. Agravo Provido." (TARGS, AGI nº 185027497, 19/06/85, 3ª Câm. Cív., Rel. Des. Ernani Graeff)

Sobre a autora
Andrea Aldrovandi

Advogada. Professora do Curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul - UCS. Especilista em Direito de Família e Sucessões - ULBRA. Mestre em Direito - UCS/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALDROVANDI, Andrea. Cheque pós-datado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4048. Acesso em: 5 nov. 2024.

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