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O inciso IV do Enunciado nº 331 do TST como ato violador de preceito fundamental da Constituição Federal

Agenda 01/05/2003 às 00:00

Há muito se discute nos diversos tribunais regionais do trabalho espalhados por nosso território, bem como no C. TST, a delicada questão da responsabilidade das empresas tomadoras de serviço pelos débitos de suas prestadoras de serviço, quando da terceirização de algumas das atividades daquelas.

Os debates calorosos acabaram por dar origem a dois enunciados do TST, quais sejam os de nºs. 256 e 331, sendo que este último reviu o entendimento do primeiro.

Verifica-se da leitura dos verbetes sumulares o intuito do judiciário trabalhista de proteger o obreiro menos afortunado da inadimplência de seu empregador, sobretudo porque normalmente as empresas prestadoras de serviço têm uma "vida" extremamente curta, tendendo a desaparecer do mundo empresarial a cada contrato de prestação de serviços que se encerra, deixando para trás apenas uma série de contratos inadimplidos, seja perante seu tomador de serviço, seja perante seus empregados.

Hodiernamente, o fenômeno da terceirização é uma prática completamente sedimentada no campo da prestação de serviços, existindo uma série de empresas especializadas para esta finalidade, com sindicatos próprios, que atuam perante a iniciativa privada bem como perante a administração pública, seja ela direta ou indireta.

Para os fins do presente estudo, ater-nos-emos à terceirização de serviços no setor público, tendo em vista a existência de lei especial contendo de forma explícita o tratamento legal da responsabilidade do tomador de serviços em caso de inadimplemento do contrato de trabalho por parte da empresa prestadora de serviço.

A prática da terceirização de alguns serviços, máxime os que não se enquadram na atividade-fim dos diversos órgãos públicos, reside no interesse da administração pública em não aumentar seu quadro de pessoal, conduta respaldada em lei desde os idos de 1967 quando da edição do Decreto-lei 200 (art.10 caput), prática esta ratificada pelo Decreto-lei 2.300/86 e hodiernamente pela Lei 8.666/93, a qual fundamentou o contrato firmado entre a administração pública e suas prestadoras de serviços.

Indubitável a existência de fundamento legal para a terceirização do serviço, bem como regras estritas sobre a forma de como deve ocorrer esta terceirização, regras estas que caso sejam obedecidas, excluem qualquer responsabilidade da administração pública em função de débitos trabalhistas de suas contratadas(art. 71, § 1º L. 8.666/93), verbis:

Art. 71° - O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

Parágrafo 1°. A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.

Em contrapartida, não existe em nosso ordenamento jurídico nenhum DISPOSITIVO LEGAL ensejador da ora atacada responsabilidade subsidiária administração pública enquanto tomadora de serviços.

A nossa atual Carta Magna é bem clara ao afirmar em seu art. 5º, II que:

"II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;"

Por mais que o Direito do Trabalho seja eminentemente protetivo, a segurança do trabalhador hipossuficiente não pode ser promovida ao arrepio da legislação federal. Caso isto ocorra, estaremos, com alvor, diante de uma OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL, que deve ser repudiada com veemência por todos os operadores do direito. O primado da Lei no ordenamento jurídico pátrio, consagrado no princípio da legalidade deve ser respeitado, por mais que, a primeira vista, o obreiro esteja sendo prejudicado. Se a lei está sendo prejudicial de alguma forma, que esta seja reformada pelo poder competente, enquanto isto não acontece, que seja – ela, a lei- cumprida pois há muito já se diz DURA LEX SED LEX.

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Hodiernamente, o Enunciado 331 do TST, por seu inciso IV, com a modificação instituída pela Resolução nº 96/2000 daquela Corte, prevê expressamente a responsabilidade subsidiária dos órgãos da administração direta e indireta em decorrência do inadimplemento por parte de suas contratadas das obrigações trabalhistas frente aos empregados destas últimas.

Com respeito à balizada opinião dos Excelentíssimos Senhores Ministros do C. TST, pedimos venia para combater a modificação no Enunciado.

As súmulas de orientação jurisprudencial são instrumentos eficazes para traçar nortes aos operadores do Direito por demonstrarem a estes a forma com que determinado tribunal interpreta dispositivos legais. CONTUDO, JAMAIS SE PODE ADMITIR A UTILIZAÇÃO DE SÚMULAS COM O INTUITO DE NEGAR A APLICABILIDADE DE DISPOSITIVO LEGAL QUE SE ENCONTRA PLENAMENTE EM VIGOR.

Ao agir desta forma, o Poder Judiciário acaba por subtrair a função de um dos outros três poderes da República, qual seja o Legislativo, a quem cabe precipuamente a função de editar normas gerais e abstratas de conduta, as leis.

A Resolução do TST nº 96/2000, configura evidente menoscabo a dois dos mais basilares princípios não só da República Federativa do Brasil como de qualquer Estado Democrático de Direito: O DA LEGALIDADE, CONSOANTE O JÁ EXPOSTO ALHURES, E O DA TRIPARTIÇÃO HARMÔNICA DOS PODERES EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO, por meio da consagrada fórmula de freios e contrapesos nascida em meio ao iluminado pensamento de Montesquieu.

Aqui não se questiona os princípios do Direito Trabalhista, sobretudo o da proteção ao trabalhador hipossuficiente, apenas se combate a defesa de um princípio jurídico em detrimento de outros princípios de igual, ou talvez, superior importância.

HANS KELSEN, o maior dos defensores do positivismo jurídico, em sua TEORIA PURA DO DIREITO [1], com a autoridade já consagrada secularmente afirmava que "...o fundamento da validade de uma norma, apenas pode ser a validade de outra norma". Este postulado é a base da teoria da estrutura piramidal das normas jurídicas, onde as subordinadas ou inferiores, sob pena de padecerem de vício de ilegalidade ou mesmo inconstitucionalidade, devem se harmonizar com as normas hierarquicamente superiores. Nos Estados Democráticos de Direito, as normas constitucionais ocupam a posição de prevalência, sendo o fundamento de validade de todas as demais.

Ocorre que ao se analisar as normas constitucionais, facilmente se verifica que estas não possuem, todas, igual relevância, enquanto algumas configuram apenas regras procedimentais, outras atingem o caráter de PRINCÍPIO, capazes de balizar o ordenamento jurídico como um todo.

Dentro da complexa arquitetura do sistema jurídico brasileiro, o desrespeito de quaisquer dos princípios constitucionais é suficiente para o desmoronamento do edifício da legalidade, mesmo porque, os princípios são as vigas mestras deste. A proeminência das normas jurídicas que consagram princípios sobre as demais, é opinião uníssona na doutrina, sobretudo a publicística.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO [2], assim se pronuncia a respeito do tema:

"Princípio(...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo."

Em suma, não se pode atingir o âmago de nenhuma questão se não a analisarmos partindo de uma premissa superior, ou, na brilhante lição de HENRY BERGSON [3] "para penetrar nos mistérios das profundezas, é preciso, por vezes, visitar os cimos. O fogo que está no centro da Terra só aparece no cume dos vulcões.". ASSIM, OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS, SOBRETUDO OS CONSTITUCIONAIS, DEVEM SER RESPEITADOS PELO PODER DA REPÚBLICA QUE TEM A FUNÇÃO JULGADORA

Aqui, escuso-me da dilatada exposição sobre a supremacia dos princípios no ordenamento jurídico, a seriedade da questão sobretudo em função da alteração no Enunciado ora combatida é superior a qualquer preocupação em evitar ser prolixo.

Ao Editar uma Súmula que ataca frontalmente lei federal em vigor de forma a negar a sua aplicabilidade maculando sua eficácia, o TST acaba por desrespeitar o princípio da tripartição dos Poderes da República e da autonomia de cada um destes. Aquele, instituído na função de julgar, acaba por subtrair a função de legislar própria dos parlamentos, colaborando para a derrocada de todo um sistema jurídico.

Assim, resta clara uma dupla violação a princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, quais sejam o da legalidade e o da tripartição harmônica dos poderes.

Entende-se que o trabalhador, hipossuficiente por excelência, deve ser protegido da inadimplência de seu empregador, contudo, de lege lata, tal proteção não pode ocorrer da forma em que o Enunciado 331, IV do TST prenuncia, razão pela qual deve ser combatido este enunciado, a fim de que se evite que esta ilegalidade se perpetue no tempo, tornando-se verdadeiro arquétipo eterno.

Cumpre ainda destacar que não só o princípio da legalidade, tal como previsto no art. 5º, II da CF/88 foi ferido. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TAMBÉM É INFORMADOR DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA, SENDO PREVISTO DE FORMA EXPRESSA NO CAPUT DO ART. 37 DA CARTA MAGNA.

Dada a forma pela qual a Administração Pública se submete a este princípio a doutrina acaba por denominá-lo de princípio da legalidade estrita. Esta terminologia surge do fato de que, ao contrário do particular, que pode fazer tudo aquilo que não lhe é vedado por lei, a administração pública só pode fazer aquilo que a lei expressamente permite. Vejamos as sábias palavras do saudoso HELY LOPES MEIRELLES(in "Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros, págs. 82/83):

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa "pode fazer assim", para o administrador público significa "deve fazer assim"

grifei

Ora, o art. 71 da Lei 8.666/93, proíbe expressamente que a Administração Pública seja responsabilizada pelos débitos trabalhistas de suas contratadas, qualquer decisão em contrário fere o art. 37 caput da Constituição.

Em recente decisão acerca da matéria, oriunda da 1ª Turma do TRT da 12ª região, publicada no DJSC de 30.03.2001, portanto, já na vigência da nova redação do Enunciado 331 do TST, é acolhida de maneira integral e unânime a tese aqui esposada. A decisão foi exarada nos autos TRT/SC/RO nº 9232/2000, cuja cópia está carreada aos presentes e pedimos venia para transcrever significativo parágrafo da mesma, verbis:

"Nesse rumo, impende salientar que a administração pública só responde subsidiariamente por débitos trabalhistas das empreiteiras por ela contratadas se comprovado ter ocorrido fraude no processo de licitação ou que foi ele mera simulação para obter mão-de-obra contratada ilegalmente através de terceira empresa. Se foi normalmente licitada uma empreitada global de serviços de manutenção ou construção de obras públicas, serviços de limpeza ou vigilância, não responde a administração, nem de forma subsidiária, pelos débitos da empreiteira, ainda que insolvente esta.

Como bem destacado pelo ilustre representante do Ministério Público do Trabalho, Dr. Marcos Vinicius Zanchetta, quando da análise do caso: " Ora, diante do texto expresso da lei, qualquer decisão no sentido de condenar, quer solidária, quer subsidiariamente a Administração Pública será, inexoravelmente, contra legem, como bem adverte TOSHIO MUKAI em sua obra "Estatutos Jurídicos de Licitações e Contratos Administrativos(Saraiva, 2º Ed. 1990, p;117). Vale ressaltar, também, que mesmo que o Administrador quisesse quitar os débitos da prestadora de serviços tal procedimento estaria, desde logo, afrontando o princípio da legalidade(CF/88, art. 37 caput) uma vez que a Administração somente deve fazer o que a lei determina e jamais fazer o que a mesma veda. Eis o magistério do insigne jurista Cretella Júnior(In Comentários à Constituição, vol. IV, Forense Universitária, 1ª Ed. 1991, p2142"

A legalidade, em sentido lato ou estrito, a tripartição harmônica dos poderes e mesmo a supremacia do interesse público deve ser protegida de forma tão, ou mais intensa até, que os interesses do trabalhador, razão pela qual deve-se buscar responsabilizar de forma eficaz não o poder público e sim, quem realmente se locupleta não só através do trabalho alheio como dos contratos firmados com o poder público: OS SÓCIOS DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS CONTÍNUOS.

A par do questionamento sobre quem deveria ser responsabilizado, cumpre-nos buscar uma solução que evite a responsabilização do ente público, respeitando-se assim a vontade soberana do cidadão brasileiro, consubstanciada na legislação federal em vigor que obsta esta responsabilização.

Consoante o declinado alhures, o Enunciado 331, IV do TST estaria violando preceitos fundamentais de nossa Carta Magna, quais sejam os consagrados em seu art. 2º(princípio da tripartição dos poderes); 5º,II (princípio da legalidade) e 37 caput(princípio da legalidade estrita).

A Constituição Federal confere ao STF a tarefa precípua de realizar a sua guarda, criando uma série de mecanismos para operacionalizar esta defesa. Entre eles destacamos a prevista no art. 102, § 1º, denominada ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - ADPF.

A Lei 9.882/99, de 03.12.1999, regula o processo e o julgamento da ADPF, estabelecendo as hipóteses de cabimento, a legitimidade ativa, os requisitos da petição inicial e todos os outros aspectos atinentes a este tipo de procedimento.

Somos de opinião que o Enunciado 331, IV do TST poder-se-ia enquadrar na hipótese do art. 1º do mencionado diploma legal, posto que é um ato do Poder Público(in casu o Poder Judiciário) que fulmina a descrita série de preceitos fundamentais da nossa Constituição, causando uma série de danos ao patrimônio público. Assim, caberia solicitar ao Supremo Tribunal Federal que se manifestasse acerca desta controvérsia, a fim de que o Tribunal Superior do Trabalho não exorbitasse da faculdade que lhe assiste, de unificar a jurisprudência trabalhista, sumulando contra legem.

Qualquer interessado pode, nos termos do art. 2º, § 1º da Lei 9.882/99, representar perante o Procurador Geral da República, pleiteando o ajuizamento da ADPF.

Feito isto, nossa Suprema Corte poderá decidir de forma irrecorrível se é possível algum tribunal editar súmula que contrarie expressamente lei federal em vigor, prática esta que, em nossa ótica, deve ser repudiada com veemência.


Notas

01. 2ª Edição, Volume II, trad. De João Babtista Machado, Coimbra, Armênio Amado Editor, Sucessor, 1962, pág. 2

02. In Curso de Direito Administrativo, 8ª Ed. Malheiros, São Paulo, 1996, p. 545

03. In, Os pensadores, trad. de Franklin Leopoldo e Silva, 2ª Edição, Ed. Abril, p.81.

Sobre o autor
Fábio Luís de Araújo Rodrigues

advogado da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (INFRAERO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Fábio Luís Araújo. O inciso IV do Enunciado nº 331 do TST como ato violador de preceito fundamental da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4053. Acesso em: 7 nov. 2024.

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