1 - INTRODUÇÃO
O objetivo do presente estudo é fazer um breve histórico da palavra hermenêutica e entender o seu significado para que, posteriormente seja feita uma correlação ou uma conexão com os entendimentos jurídicos trabalhistas acerca de qual seria a base de cálculo para o adicional de insalubridade, tema que vem gerando polêmica entre os estudiosos e profissionais do Direito. Interpretar uma norma é ir em busca de seu verdadeiro significado, apurar sua intenção, seja de acordo com a vontade do legislador, seja de acordo com a vontade da lei. O que se verifica é que à partir do momento em que um lei é lançada, ela não mais sofrerá interferência do legislador. Sob um aspecto histórico e teleológico a vontade inicial legislador é de fato levada em conta, mas o entendimento predominante é que a lei em momento seguinte adquiri "vida própria". A interpretação de uma lei acaba por estabelecer o seu sentido, espírito e vontade.
Sabe-se que muitas vezes a vontade da lei acaba entrando em conflito com a vontade do legislador, até mesmo em virtude de novas situações sociais e novas formas jurídicas de pensar e interpretar, pois a sociedade não está parada no tempo e às vezes o sentido jurídico inicial de uma norma pode vir a ficar obsoleto, obrigando a norma a adquirir um tipo de flexibilidade para atender novas realidades. A flexibilidade da norma é ainda, por sinal, algo muito debatido entre os juristas, de forma que nem um estudo profundo sobre o tema traz uma resposta definitiva, pois existem fortes evidências de que todas as teorias do direito são semânticas e, ainda, existe uma grande quantidade de normas porosas em nosso ordenamento jurídico, isto é, normas polissêmicas, que possuem duas ou mais perspectivas.
Não se pode deixar de mencionar a variedade de métodos interpretativos, a começar pela interpretação gramatical ou literal, que é básica e superficial, passando pelos métodos lógico, sistemático, teleológico e histórico, estes que, no conjunto, são próximos e atuam aparentemente como um único grande método ou podem ser simplesmente resumidos pelo método lógico, que tem um caráter mais abrangente e naturalmente leva todos os outros traços metodológicos em consideração. Porém, fato é que efetivamente há superioridade hierárquica das normas constitucionais, uma vez que todo o ordenamento jurídico estabelecido está abaixo ou submisso à Constituição, não podendo entrar em contradição com esta, fazendo com que ao menos uma base nos seja dada para buscar respostas ao presente tema, bastando analisar a conformidade entre o que é infraconstitucional com o que é constitucional. Mas deve-se levar ainda em consideração que até mesmo as normas constitucionais estão sujeitas a possuírem margens de interpretação, haja vista o caráter principiológico e abstrato da Carta Magna Brasileira.
A base de cálculo para o adicional de insalubridade é um tema em constante debate nos tempos atuais, haja vista os calorosos conflitos de entendimentos que vêm ocorrendo entre os profissionais do Direito. Apesar da previsão constitucional, que será exposta neste estudo, não há, até o presente momento, um fator indexador para a base de cálculo do adicional de insalubridade regulamentado. Ato contínuo, existem, entretanto, diversas antinomias jurídicas, ou seja, diversos conflitos entre normas e entre princípios de Direito, o que faz com que existam decisões variadas a respeito de um mesmo elemento. A função deste estudo é descrever, explorar e investigar, sob variadas perspectivas, as linhas de raciocínio que conduziram a esta falha jurídica, principalmente através de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial. É o que se verá no estudo que se segue.
2 - A HERMENÊUTICA EM SEU ASPECTO GERAL E JURÍDICO
A palavra "hermenêutica" vem do grego e significa o método interpretativo de textos e discursos. Originalmente a palavra era associada com o entendimento das escrituras bíblicas. É na mitologia grega que a palavra surgiu vinculada ao deus grego Hermes, nome possivelmente oriundo da palavra grega hermeneus, que possui o significado de intérprete. Hermes, filho de Zeus, era defensor e mestre dos ladrões, mas também distribuía as mensagens dos deuses e do universo das trevas. Como deus antigo, ainda era considerado deus dos rebanhos, das viagens, da fertilidade, magia e vários outros atributos. Também era considerado um deus que ajudava as pessoas a enxergarem seus próprios talentos, fazendo as melhores escolhas. E, ainda dentro destas ambiguidades, Hermes era tido como um deus desleal, desonesto, traiçoeiro e maldoso.
A palavra hermenêutica significa tornar compreensível, interpretar e tem sua origem no deus da mitologia grega Hermes, filho de Zeus e de Maia. Hermes era o guardião dos caminhos e encruzilhadas e tinha sua imagem colocada nos locais de orientação, uma divindade complexa, com múltiplos atributos e funções. Regia as estradas e andava com incrível velocidade, emprestada por suas sandálias de ouro, dotadas de asas, e, só não se perdia na noite porque dominava o mundo da luz e o das trevas, podendo também circular nos três níveis (o terreno, o telúrico e o das trevas). Conhecido por seu prazer de misturar-se aos homens, é o deus condutor de almas para outra vida. Sua grande tarefa era ser o intérprete da vontade dos deuses, pois detentor dos atributos da astúcia e da inventividade, com domínio sobre a obscuridade e interesse pela atividade dos homens que têm seu mundo em permanente construção e aprimoramento. Companheiro do homem, Hermes é o patrono e transmissor de toda ciência secreta, aquele que tudo sabe e, por isso, tudo pode. Possuidor do poder divinatório respondia às consultas de seus devotos. A iconografia de Hermes apresenta-o com as sandálias aladas segurando um bastão em torno do qual se enrolam duas serpentes em sentidos inversos, e em algumas ocasiões, usando um chapéu com formato especial. Lembramos, que de acordo com a interpretação de Jung, trocar de chapéu é símbolo de trocar de ideias, e poder ter uma nova visão do mundo.[1]
Percebe-se já no princípio de nosso estudo que a palavra "hermenêutica" pode estar conectada tanto com as características edificadoras e construtivas daquele deus grego, como aquelas contraproducentes e danosas. Embora esta afirmação seja apenas uma dedução, na prática podemos experimentar consequências positivas e negativas advindas das estratégias de interpretação. A grosso modo e em tonalidade popular, ousa-se dizer que a hermenêutica é uma faca de dois gumes, pois dependendo do sistema metodológico utilizado, o resultado pode escapar do esperado, ou seja, há a possibilidade de um resultado adverso, desfavorável.
Schleiermacher[2] (1829), filósofo e teólogo alemão, é considerado o pai da hermenêutica moderna e seu estudo geral. Sua intenção maior era aproximar a hermenêutica ao seu sentido moral, em uma visão mais geral e menos religiosa. Schleiermacher compreendia que o texto é o meio pelo qual o autor comunica pensamentos anteriores à criação do escrito. Logo, para ele, além da interpretação gramatical necessária à compreensão de um texto, também haveria a compreensão e interpretação psicológica (técnica). Isto significa dizer que o autor de um texto é limitado pelo contexto de época de sua linguagem, cabendo ao intérprete entender como os leitores originais do texto entendiam à época em que foi escrito. Trata-se, afinal de contas, de uma arte de interpretação. Ele compreendia que toda atividade realizada pelo ser humano sofre uma escala tripla em relação à maneira como são colocadas em prática: a forma mecânica, ou seja, aquela com ausência de "espírito"; a forma baseada na experiência pessoal e na observação e a forma baseada nas normas de determinada disciplina. Acrescentar-se-ia então uma quarta gradação, que seria a interpretação, no sentido de compreensão de discursos exóticos, alheios ou incógnitos.
"A interpretação da norma jurídica significa a obtenção de seu verdadeiro sentido e alcance. Hermenêutica é a ciência do direito que versa sobre o conjunto de teorias, princípios e meios de interpretação da norma jurídica."[3]
Claramente que no momento em que começamos a tratar da norma jurídica, os métodos de interpretação saem da esfera geral para sua aplicação ao Direito, e, diante disso, passaremos à análise da norma perante o contexto no qual está inserida, na tentativa de verificar a verdadeira razão de sua existência. Pode-se entender que para se ter êxito em compreender uma norma deve-se examinar o aspecto social que cerca determinado preceito pois, a função das regras é justamente guiar e regular a convivência em sociedade, uma vez que sem sociedade não haveriam normas.
Só que, naturalmente, o Direito precisa sair do campo abstrato para a realidade, pois só assim se busca o interesse coletivo e individual. Para isso é necessário que ocorra a subsunção, que seria a adequação de um caso ou fato concreto à norma. E isto só pode acontecer através de um intermediário, ou seja, um intérprete, que tem a tarefa de analisar o texto, palavra por palavra. Mas não para por aí, ainda é necessário verificar textos paralelos, teorias diversas que tratam sobre a mesma matéria: é imprescindível comparar, entender o objetivo daquele dispositivo, levando-o para o mundo real. Logo, algo que à primeira vista parecia ser algo simples de se fazer, passa a ser uma tarefa árdua e subjetiva. Mas as leis, criadas pelos homens, são inevitavelmente subjetivas e falhas, sendo que, qualquer atividade humana acaba se tornando íntima, mesmo que timidamente. A questão é que, à partir desta concepção, a forma pessoal de enxergar o mundo deixa de ser prejudicial, se tornando algo natural e, se operada da forma correta (o que também não deixa de ser subjetivo), uma oportunidade de fazer a diferença no universo jurídico e se colocar em diversas situações diferentes, no lugar de pessoas diferentes e em diferentes camadas de conhecimento.
Mas é em consequência do subjetivismo que existe o método científico moderno. Não podemos averiguar todas as verdades possíveis, mas aquilo que é explorado e investigado através do método científico é verdadeiro. É incontestável por exemplo que o ponto de ebulição da água é por volta de 100ºC, dependendo de algumas variáveis, como a pressão. Isso nos faz lembrar que algumas normas e algumas teorias são claras e evitam conceber margens de interpretação. Nosso código penal é claro ao expor que matar alguém (homicídio) por motivo fútil é crime, por exemplo. Sem grande rigor, quem lê o artigo 121 do Código Penal Brasileiro entende a mesma coisa. Ninguém tem dúvida sobre o significado de "matar" por exemplo. Não é preciso de um intérprete para analisar no mundo real o que seria "matar alguém". A lei é clara e não precisamos recorrer à fase cosmológica do direito natural para compreendê-la. No positivismo jurídico o Direito é dado objetivo ou empírico, baseado na observação e em tentativas e erros.
A palavra é "alcance". Até onde determinada norma jurídica pode chegar? Se ela pode chegar em determinado ponto, significa dizer que ela deve trilhar um caminho específico e ignorar outros trajetos. Se a norma jurídica possui um alcance, também possui um limite. E o que vem depois deste limite é mais amplo que a norma em si, notoriamente. Portanto, enquanto há abrangência, há extremidade. Mas para aferir a dimensão de uma norma há como obstáculo um verdadeiro jogo de linguagem. É natural que se afirme que toda norma tem um alcance, como aqui é exposto, mas não existem instrumentos para mensurar, calcular ou estimar exatamente esta cobertura.
Por mais hábeis que sejam os elaboradores de um Código, logo depois de promulgado surgem dificuldades e dúvidas sobre a aplicação de dispositivos bem redigidos. Uma centena de homens cultos e experimentados seria incapaz de abranger em sua visão lúcida a infinita variedade dos conflitos de interesses entre os homens. Não perdura o acordo estabelecido, entre o texto expresso e as realidades objetivas. Fixou-se o Direito Positivo; porém a vida continua, evolve, desdobra-se em atividades diversas, manifesta-se sob aspectos múltiplos: morais, sociais e econômicos.[4]
Existem palavras que mudam de significado de acordo com o contexto, e até mesmo de uma época para outra. O mesmo se aplica às normas, entretanto, elas demandam uma maior reflexão, maiores ensaios. Um dos primeiros questionamentos que se costuma fazer é: deve-se levar em consideração a vontade da lei ou a vontade do legislador no momento de interpretar uma norma jurídica? O art. 111 do Código Tributário Nacional, quando diz que certa legislação tributária deve ser interpretada literalmente, trás para o mundo teórico uma nova controvérsia pois, o que seria precisamente uma interpretação literal? Se interpretação literal é o mesmo que interpretação gramatical, estaríamos aqui falando de uma situação onde a vontade do legislador é levada em consideração. A lei aparentemente pode determinar a forma como o intérprete deve interpretá-la quando excepcional, o que nos leva a duas conclusões reversas: algumas leis, reafirmo, em regra, estão sujeitas ao subjetivismo, ou seja, possuem uma extensão ou um alcance que está o tempo todo aumentando e diminuindo, como o nível de uma represa, uma vez que se assim não fosse não haveria a necessidade de se criar um artigo de lei que expressamente restringe possibilidades de acepções. Em segundo lugar que, onde há margem para interpretação, pode haver margem para integração por equidade, ou seja, adaptando determinada regra para ocasiões diferentes das quais fora originalmente criada.
Sob o aspecto objetivo, considerado a perspectiva mais adequada pelos objetivistas, a norma expõe por si só suas particularidades, seus propósitos e, diante destas características, se pode perceber a razão do termo "vontade da lei". Já a vontade do legislador é vinculada ao subjetivismo, ou seja, um dogma, algo que não pode ser contestado e é implícito, ficando o pensamento do legislador como ponto predominante. Assim podemos notar ou, pelo menos conjecturar que as normas quando objetivas passam maior segurança jurídica e clareza já que, aparentemente, não é necessário tanto esforço para interpretá-las. Mesmo assim, ambas as correntes podem ser encontradas em nosso sistema jurídico. De qualquer forma, alguns autores sustentam que, mesmo diante de uma norma objetiva, há subjetivismo por parte do intérprete, pois, até para uma norma que parece ser clara, há, muitas vezes, a indispensabilidade de aplicação da interpretação gramatical ou até mesmo histórica, o que nos leva à ideia inicial deste estudo.
As condições fundamentais da vida em comum constituem a justiça; porém existe a possibilidade de não serem observadas espontaneamente; ora, a sociedade e a cooperação devem perdurar, a fim de atingir a humanidade os seus objetivos superiores; logo, não pode ficar abandonado ao arbítrio dos indivíduos o que é essencial à sua coexistência ordeira e promissora.[5]
O que se deve levar em consideração, antes de qualquer coisa, é aquilo que é objeto da lei. Pode-se entender, embora existam teorias contrárias, que não há lei sem sociedade. Seguindo esta lógica e, escapando do campo abstrato, a lei não seria um meio para que os seres humanos alcançassem seus ideais? Se isto for verdadeiro, podemos considerar a lei, ideologicamente, uma serva da sociedade. Se todo servo serve, a lei não passa de um instrumento para atingir os mais variados destinos e, portanto, atender, nada mais, nada menos, as necessidades da coletividade e não os interesses de indivíduos específicos, sejam eles os criadores ou não de um determinado preceito, coincida ou não a vontade do legislador com as necessidades do público ao qual a norma se destina. É claro que estamos na esfera hipotética, mas, em um sistema jurídico fechado, isolado, rígido, estagnado, não estaríamos diante de uma atrofia?
Streck[6] (2002) aprecia o aspecto produtivo que a interpretação exibe. Pois, não haveria como uma pessoa se colocar no lugar da outra de fato, para haver uma junção de conhecimentos. E, mesmo que se admitisse a possibilidade desta união, cada parte deveria ter um conteúdo necessário de conhecimento, pois só assim haveria a compreensão mútua. É assim descartada a tese de que os métodos de interpretação fazem alguma diferença no momento de verificar o sentido de um texto. O que determinaria este sentido seria o ambiente onde a matéria jurídica é introduzida. Ainda não existe a possibilidade de interpretar uma norma jurídica sem vinculá-la à Constituição. Isso é o que é chamado de círculo hermenêutico. Há, antes da interpretação de uma regra, uma circunstância de compreensão. Basicamente não se interpreta nada ao pé da letra, e nem tão somente analisando o contexto, mas também avaliando a legitimidade do que é examinado.
Estaríamos aqui diante da Pirâmide de Kelsen, originária da teoria pura do direito, onde as normas são colocadas de forma hierárquica, de forma que uma norma busque validade em outra norma, de categoria superior, e assim por diante. Uma norma então não teria sua vigência baseada em seu teor, mas sim porque a norma é criada de uma forma previamente fixada em outra norma, de natureza superior. É assim que o Direito Positivo foi construído, de forma que toda estrutura jurídica fique em consonância com normas fundamentais. Mas de nada adianta nos assentarmos em um conceito tão simplista, haja vista a complexidade que a vida em si nos trás e, nem mesmo as normas fundamentais conseguem determinar todas as direções a serem traçadas por normas de nível inferior. Há, geralmente, uma brecha para livre avaliação, uma vez que ainda assim existam lacunas e antinomias jurídicas. E é esta margem de alternativas que impossibilita a criação de normas que atuem em um campo exato. O que parece é que, com efeito, à partir do momento em que uma norma é criada, ela ganha vida e penetra em incontáveis situações cotidianas.
Em todos estes casos de indeterminação, intencional ou não, do escalão inferior, oferecem-se várias possibilidades à aplicação jurídica. O ato jurídico que efetiva ou executa a norma pode ser conformado por maneira a corresponder a uma ou outra das várias significações verbais da mesma norma, por maneira à corresponder à vontade do legislador - a determinar por qualquer forma que seja - ou, então, à expressão por ele escolhida, por forma a corresponder a uma ou a outra das duas normas que se contradizem ou por forma a decidir como se as duas normas em contradição se anulassem mutuamente. O Direito a aplicar forma, em todas estas hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível.[7]
A moldura referida pelo autor acima citado representa as normas fundamentais. No caso concreto, a moldura seria a Constituição da República, já o quadro tudo aquilo que for infraconstitucional. Se fizermos uma análise comparativa mais profunda, o quadro que se vê envolvido por uma moldura é uma obra de arte e, cada obra de arte é vista de uma forma diferente por cada observador, mesmo que as cores que cheguem aos olhos sejam as mesmas. Cada pintura é feita por um determinado artista e expõe aquilo que ele quis expressar, por mais objetivo que ele tente parecer, o que nos lembra o papel do legislador. Mas uma vez pronta a pintura, não mais será modificada e adquirirá vida própria, sem depender das mãos do artista. Outra semelhança interessante é que, assim como existem várias possibilidades de pinturas, existem as mais diversas possibilidades de normas. Mas a norma não precisa ser criada (e talvez nem seja possível) com o objetivo de trazer uma única solução para sociedade, mas várias. Trata-se talvez de um princípio de sustentabilidade. A regra criada para que se sustente no tempo e espaço de forma a não trazer nenhuma consequência negativa deve ser inteligente, adaptável e flexível. Se é assim que funciona a natureza, talvez assim também funcionariam as normas criadas pelo homem. Se é uma lei natural, aquilo que a desobedece estaria fadado ao fracasso e extinção. É claro que não vivemos em um mundo perfeito e a imperfeição é inerente à vida, mas um olhar elástico sobre o Direito pode ser um caminho mais produtivo a ser percorrido. Mas como nem mesmo este estudo pode ser inflexível ao ponto de acatar apenas ideias flexíveis, importante se faz considerar que existe um lado da moeda onde a rigidez pode ser necessária. Que a norma deve ser clara, todos concordam. À partir do momento que se concorda com a necessidade de clareza de uma norma, automaticamente não se admitiria a imprescindibilidade de consistência?
Mas não é assim que Streck[8] (2002) entende. O Direito atual estaria diante da necessidade da adoção de um novo olhar sobre a antiga problemática jurídica. A crise estaria presente tanto no ensino jurídico como em sua operacionalidade. Haveria uma busca incessante por dispositivos que limitam a capacidade interpretativa, como as súmulas vinculantes, advindas da common law. Assim, diante deste engessamento, o acesso à justiça e o alcance dos direitos fundamentais estariam nitidamente prejudicados, haja vista o afastamento ou ocultação daquilo que seria individual. O efeito vinculante estaria em oposição às origens do Direito.
3 - OS MÉTODOS INTERPRETATIVOS
Independentemente dos números de métodos interpretativos existentes, não existe uma regra de que um método específico é o correto a ser aplicado, pois isso demandaria métodos interpretativos sobre métodos interpretativos, ou seja, deveríamos estudar antes quais os métodos para interpretar os métodos interpretativos. Por mais que se verifique qual o sentido de determinada norma e sua aplicabilidade, as demais formas de interpretação não podem ser descartadas. Consubstancia-se então mais um obstáculo da ciência hermenêutica. Qual o sentido do estabelecimento de tantos métodos de interpretação se não existem regras que determinem qual o método interpretativo a ser aplicado? Mais uma vez nos vemos diante da liberdade que o intérprete se depara ao ler um texto legal e, naturalmente, diante do questionamento da aceitabilidade ou não desta autonomia.
Apesar de todos os esforços da jurisprudência tradicional, não se conseguiu até hoje decidir o conflito entre vontade e expressão a favor de uma ou da outra, por uma forma objetivamente válida. Todos os métodos de interpretação até ao presente elaborados conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca um resultado que seja o único correto. Fixar-se na vontade presumida do legislador desprezando o teor verbal ou observar estritamente o teor verbal sem se importar com a vontade - quase sempre problemática - do legislador tem - do ponto de vista do Direito positivo - valor absolutamente igual. Se é o caso de duas normas da mesma lei se contradizerem, então as possibilidades lógicas de aplicação jurídica já referidas encontram-se, do ponto de vista do Direito positivo, sobre um e o mesmo plano. É um esforço inútil querer fundamentar "juridicamente" uma, com exclusão da outra.[9]
O que se evidencia é que talvez a relevância dos métodos interpretativos não seja tão alta como aparenta, diferentemente da interpretação em si. Digamos que este ciclo jurídico é um processo de produção. Busca-se a matéria-prima e usa-se todo um procedimento para se chegar a um produto final. Trata-se de um comércio de ideias. O consumidor final, que pode ser um juiz, aplicando uma sentença ou até um advogado sustentando uma tese de defesa ou acusação, compra aquela ideia como inspiração e a consome na tentativa de suprir suas necessidades ou atingir determinado objetivo. O ponto é que: dependendo da qualidade do produto, o resultado será positivo, ou não. O que importa é o desfecho e a aplicação daquela interpretação. O resultado deve ser justo, caso contrário, o método interpretativo escolhido provavelmente é falho ou pouco ajudou na persecução da meta proposta. No final das contas, trata-se apenas de bom senso, razoabilidade e proporcionalidade.
Assim como a Constituição pode ser vista como uma moldura de um quadro, trazendo a ideia de liberdade na criação da norma, de forma a sempre respeitar os limites impostos pela lei suprema, a lei, por sua vez, também pode cumprir a função de moldura com teor livre, e seu conteúdo seria criado pelo órgão administrativo ou jurídico competente, em um fato concreto, na adoção de discursos e critérios próprios, sempre ao máximo nos extremos da norma empregada, ficando consolidada a autenticidade da interpretação. Instintivamente o estudo das possibilidades hermenêuticas abre as portas para processos cognitivos, desenvolvimento da ciência jurídica, mas nada define no que se refere à aplicação daquilo que fora revelado através de extensos estudos. Isto fica a cargo da autoridade competente, muitas vezes no auxílio de jurisprudências. Ocorre que, aquilo que nasceu juridicamente, ou é proveniente de princípios gerais jurídicos acaba, faticamente, se tornando político e, muitas vezes, arbitrário. Aquela norma com aspectos políticos que inicialmente foi produzida para expor um sentido específico ou limitado, sob os olhos do legislador e, sob a aplicação dos que são competentes, acaba escapando de suas origens e se defrontando com novas teses e diferentes formas de interpretação que são, constantemente, levadas ao conhecimento de quem a aplicou que, por sua vez, as rejeita ou acolhe.
O paradigma da modernidade é um projeto fundado na crença de que uma ordem racional é capaz de produzir uma explicação segura e certa, idealizando, como consequência, a hermenêutica como instrumento técnico-racional capaz de eliminar as arbitrariedades no campo interpretativo. O Direito, como parte integrante e essencial deste projeto, comungando o mesmo modelo de racionalidade, passa a conferir relevância para o problema hermenêutico a partir do século XVIII, tendo como modelo de ciência aquele construído pelas ciências naturais, que confia no método como forma de legitimação da verdade.[10]
Paradigmas são conceitos pré-determinados aceitos como verdades ou formas de pensar fixas. A hermenêutica veio para relativizar estes conceitos e abordar novos pontos de vista. Em toda ciência existem métodos, não sendo diferente no presente estudo. Embora sejam tratados aqui como não absolutos às vezes ineficientes, são aceitos. É através destes métodos que podemos chegar a conclusões logicamente válidas e, como comentado anteriormente, embora o método em si geralmente seja fechado, a interpretação do mesmo não é, portanto aí a brecha para o eventual desenvolvimento de teorias.
3.1 - Espécies interpretativas e tipologias
Garcia[11] (2015) divide os métodos interpretativos em gramatical ou literal, lógico, sistemático, teleológico e histórico. A interpretação gramatical é muito simples, pois se baseia apenas nas regras linguísticas para compreensão de um determinado texto. Já a interpretação lógica seria baseada no bom senso, levando em consideração a vontade da lei, e não a do legislador. Enquanto isso, a interpretação sistemática, como o próprio nome diz, supõe a norma como algo inserido em um contexto maior, de dependência: para a compreensão de uma norma, outras deveriam ser levadas em consideração, sistematicamente, isto é, nesse caso, a valorização de todo o conjunto de normas. De outra parte, a interpretação teleológica esta intimamente ligada com a interpretação sociológica, ou seja, leva-se em consideração maior a finalidade da norma que, muitas vezes, é uma finalidade social. O art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é claro nesse sentido, quando exterioriza que o juiz deve atender as finalidades sociais inerentes à lei e buscar o bem comum. Por última, a interpretação histórica faz alusão à verificação da história e de fatos sociais anteriores que deram proveniência à norma. O autor ainda menciona outro parâmetro, qual seja, o resultado de tais interpretações, que poderiam ser: restritivos, extensivos ou declarativos. Na interpretação restritiva a norma teria sua eficácia diminuída, abrangendo um menor número de hipóteses, ou melhor, sua interpretação teria um alcance restrito, que não poderia passar, naturalmente, de um determinado ponto. Ao contrário, na interpretação extensiva, a norma teria seu alcance amplificado, de forma a englobar outras situações jurídicas e, deste modo, não ficando limitada à interpretação gramatical. Já na interpretação declarativa a norma por si própria já faz a delimitação de seu sentido, não havendo a necessidade de diminuição ou ampliação de seu sentido por parte de quem a esta interpretando. Em conclusão, o presente doutrinador exibe as origens da interpretação, que poderiam ser: autênticas, jurisprudenciais ou doutrinárias. Na origem autêntica, apenas aquele investido no cargo público competente poderia determinar o alcance de uma determinada norma, declarando esse alcance, papel este que pode ser representado pelos Legisladores em combinação com os Juízes de Direito. De outra parte, nas interpretações jurisprudenciais, o que é levado em conta são os precedentes, ou seja, decisões já proferidas que moldaram interpretações normativas e criaram um histórico a respeito de tais normas e situações concretas. Já as interpretações doutrinárias, de forma visível, correspondem ao estudo do Direito por estudiosos e pesquisadores.
Delgado[12] (2012), explica o método gramatical como o mais tradicional dos métodos, todavia afirma suas diversas limitações e distorções. Tais limitações poderiam ser compreendidas em face da abundância de processos interpretativos no Direito, sendo que, não bastaria simplesmente fazer uma tradução literal de normas para compreender seu sentido. O autor explica que diversos conflitos (antinomias) de normas jurídicas jamais seriam solucionados se todas normas fossem estritamente interpretadas da forma gramatical. Porém, este método interpretativo não poderia ser inteiramente afastado, já que ele é o primeiro passo para a aproximação do intérprete do texto jurídico. O método interpretativo racional (ou lógico) aqui também é explicado como algo vinculado à vontade própria da lei. Seguidamente, o método sistemático é conexo com a palavra "harmonização", no qual a norma é vista em um campo mais vasto, observando-se não somente o conjunto de normas integrantes de um determinado grupo, mas também as tendências interpretativas. Sem demora, é elencado então o método finalístico ou teleológico, em que a legislação deve ser examinada sempre na observação dos objetivos legais da norma. Por último, é colocado em estudo o método histórico, que compreende a vontade do legislador na verificação dos parâmetros do passado, condicionando assim a aplicação da norma jurídica no momento presente e futuro. Neste último método, é importante reiterar que os aspectos jurídicos e sociais têm alta relevância na época que a norma foi elaborada e, certamente, no instante em que uma norma é interpretada, o intérprete deve levar em extrema consideração o pensamento passado, entretanto adequando-o ao processo cultural hegemônico.
Logo, pode-se aferir que o entendimento majoritário é o de que todos os métodos trabalham em conjunto, uns suprindo as lacunas de outros. O método gramatical pode até não ser a solução na compreensão de normas, mas é o primeiro a ser aplicado na leitura das palavras que compõe um texto legal. A interpretação lógica nos parece a que mais se aproxima do ideal, pois tende a trabalhar de forma a utilizar termos lógicos, óbvios e sensatos. A interpretação sistemática pode ser agregada à lógica, pois faz parte da lógica e, convenhamos, é questão de bom senso verificar o conjunto de normas como um todo, já que sempre há relação de interdependência entre diversos dispositivos legais. Além disso, os métodos teleológicos e históricos, assim como o sistemático, condizem com o método lógico, pois, notadamente, se alguém tem por objetivo compreender uma norma, necessário se faz estudar as origens dela: é uma questão de lógica, coerência. Portanto, embora muitos doutrinadores caminhem juntos no sentido de que todos os métodos interpretativos devam atuar em conjunto, neste estudo fica perceptível, em tese, a dispensa dessa forma de raciocínio, já que o método lógico já introduz todos os outros e vai além quando se combina com "bom senso". Nenhum dos outros métodos interpretativos aparentemente levam em consideração que o ser humano tem capacidade ponderação, discernimento, razoabilidade, reflexão, sensatez, cautela e adequação, características estas que, indiretamente, fazem parte do conceito lógico, mesmo com a adição de alta dosagem de subjetividade.
4 - INTEGRAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO
"Denomina-se integração jurídica o processo de preenchimento das lacunas normativas verificadas no sistema jurídico em face de um caso concreto, mediante o recurso a outras fontes normativas que possam ser especificamente aplicáveis."[13]
Garcia[14] (2015) expõe que a integração do Direito é o ato de suprir lacunas ou, em outras palavras, a busca de soluções para situações em que não existam normas jurídicas regulamentadoras, de forma a concretizar assim o princípio da completude do ordenamento jurídico. O art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro consubstancia essa prerrogativa quando determina que o juiz, em casos onde a lei é omissa, decida-os através da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de Direito. No Direito do Trabalho esta mesma disposição legal estaria presente no caput do art. 8º da CLT, o qual determina que as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho devem decidir lacunas com base na jurisprudência, analogia, equidade, usos e costumes, direito comparado, princípios e normas gerais do Direito como um todo e do próprio Direito do Trabalho. O parágrafo único do art. 8º da CLT ainda diz que o Direito comum é fonte subsidiária do Direito do Trabalho naquilo em que não houver incompatibilidade e, isto significa dizer que, o Direito Civil e o Direito Empresarial são fontes subsidiárias do Direito do Trabalho. A analogia (principal método de integração) é dividida pelo autor em legis e juris: na primeira se utiliza uma norma jurídica específica para preencher uma lacuna, enquanto na segunda os princípios gerais de direito e conjuntos de normas são utilizados para tanto. A analogia poderia ser ainda interna, ou seja, que recorre ao mesmo ramo do Direito para preencher a lacuna, ou externa, que recorre a outros ramos do Direito. Há ainda, como parte das formas de integração, a equidade, que basicamente busca amenizar o rigor de normas jurídicas, aplicando a justiça em situações concretas, algo que, espontaneamente, se atrela ao bom senso. Já o Direito Comparado pressupõe uma visão global sobre o assunto, confrontando o Direito com sistemas jurídicos de outros países e pressupondo, também, observâncias culturais, sociais, históricas e políticas alheias.
Talvez uma questão importante a ser frisada é que todos os critérios de integração não estão hierarquizados, pois, verifica-se que não há na lei ordem de preferência, circunstância esta que confere ao julgador liberdade no preenchimento de lacunas, desde que o interesse individual não prevaleça sobre o coletivo.
5 - PRINCÍPIOS NORTEADORES
Cassar[15] (2014), enumera alguns princípios de Direito do Trabalho pertinentes ao presente estudo: o princípio da prevalência da condição mais benéfica ao trabalhador, o princípio da norma mais favorável, o princípio do in dubio pro misero, o princípio da intangibilidade e da irredutibilidade salarial, o princípio da inalterabilidade contratual in pejus, o princípio da irrenunciabilidade e o princípio da unidade, estabilidade ou segurança. A prevalência da condição mais benéfica ao trabalhador deixa claro que, o empregado que se encontrar em situação vantajosa com habitualidade, terá esta situação prevalecida sobre a anterior, sendo incorporada a benesse ao contrato de trabalho do empregado, desde que não fira outras regras gerais e nortes do Direito do Trabalho, como por exemplo os bons costumes e os princípios de Direito. Por "habitualidade" podemos entender aquilo que se repete no tempo. Apesar disso, a autora faz uma reflexão de que nem sempre é fácil aferir o que seria mais vantajoso para o empregado, sendo que o intérprete deve levar em consideração em sua atividade tudo o que proteja a saúde mental, física, biológica e social do trabalhador, ficando dispensadas as preferências pessoais daquele. O princípio da norma mais favorável é uma das ramificações do princípio da proteção ao trabalhador e está diretamente relacionado com o presente tema de monografia. De acordo com este princípio, caso exista um conflito entre normas aplicáveis a um determinado trabalhador, opta-se pela mais favorável, deixando de ser observada a hierarquia das normas, como é comum em outras áreas de Direito. No princípio in dubio pro misero, quando uma norma acaba por comportar duas ou mais interpretações, opta-se pela interpretação que mais favorece ao obreiro. Consagrado no art. 7º, VI, da CF/88, o princípio da intangibilidade salarial protege os salários contra descontos que não estão previstos em lei, enquanto o da irredutibilidade determina que o salário seja irredutível, salvo acordo ou convenção coletiva que autorize tal redução. Com origem no Direito Civil, o princípio da Inalterabilidade Contratual In Pejus foi adequado para o Direito do Trabalho e, nesta ocasião, o contrato ainda faz lei entre as partes, mas as cláusulas só podem ser alteradas para cláusulas iguais ou mais favoráveis ao trabalhador sempre, claro, respeitando os limites da lei. O princípio da irrenunciabilidade impede que o trabalhador renuncie ou transacione direitos trabalhistas que lhe pertencem: antes da admissão, durante o contrato ou após o término, pois as normas trabalhistas têm natureza de ordem imperativa, cogente, logo, são irrenunciáveis. O art. 9º da CLT deixa expresso que todo ato que desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de direitos trabalhistas previstos em lei são declarados nulos. Por último, o princípio da unidade faz referência a vários incisos previstos na Constituição Federal como: o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, a anterioridade legal entre outros. A relação de trabalho chamaria ainda mais para si a segurança jurídica, de maneira a evitar surpresas no contrato de trabalho.
6 - A REMUNERAÇÃO, O SALÁRIO E OS ADICIONAIS
Para Garcia[16] (2015), a remuneração é uma contraprestação recebida pelo empregado em função do contrato de trabalho. O art. 457, caput, da CLT, conceitua o termo salário, considerando ser este a quantia paga diretamente pelo empregador. Logo, facilitada foi a diferenciação entre os conceitos de remuneração e salário, já que remuneração passa a ser gênero englobando todas as espécies de salário. O autor esclarece que o salário também é pago em virtude de períodos os quais o obreiro fica à disposição do empregador, assim como períodos de descansos remunerados.
Para Resende[17] (2014), o salário é tudo o que é contraprestação ou vantagem, em forma pecuniária ou em forma de utilidade, paga ao empregado pelo empregador em razão de contrato de trabalho. De qualquer forma, a lei ainda prevê situações onde o salário será pago mesmo não havendo a prestação de serviços, como no caso do aviso prévio não trabalhado, férias etc. Já remuneração seria a soma de todos os pagamentos feitos pelo empregador e até mesmo de pagamentos feitos por terceiros, como no caso das gorjetas. O salário seria uma espécie do gênero remuneração e teria a característica principal de possuir caráter forfetário, ou seja, é definido de forma prévia independentemente do resultado advindo da atividade do empregador. O salário possui caráter alimentar, é crédito privilegiado nos casos de falência do empregador e ainda é indisponível, periódico e contínuo. O salário é periódico porque é pago em módulos temporais não superiores a um mês e, é contínuo, porque é pago no decorrer de todo o contrato de trabalho. Sua natureza é composta, haja vista as demais parcelas acessórias, como os próprios adicionais. Além disso, o salário tem natureza pós-numeração, pois só é pago após a prestação de serviços.
Ainda em se tratando de conceitos, Martinez[18] (2012) entende que a palavra "salário" não mais faz referência exclusiva ao produto do trabalho, exemplificando o "salário-família" e o "salário-maternidade", que têm natureza previdenciária. O autor ainda expõe que, de forma imprópria, a palavra "salário" é utilizada como base de cálculo para contribuições sociais e certos benefícios previdenciários. As parcelas de natureza trabalhista salarial seriam aquelas pagas em virtude do dispêndio da energia de trabalho e, como já compreendido, pagas pelo empregador ou por terceiros. Existem também as parcelas não salariais, que são por exemplo algumas penalidades as quais o empregador pode estar sujeito a pagar e os ressarcimentos de gastos feitos pelo empregado em virtude da execução do serviço. Entre as parcelas salariais estariam: o salário-base, os complementos salariais (que seriam retribuições adicionais às inicialmente ajustadas) e os suplementos salariais (pagos por terceiros), resultando tudo isso no que chamamos de "remuneração".
O que se percebe é que remuneração é gênero, enquanto o salário é espécie, sendo que este ainda pode ser subdividido em salário-base, em complementos salariais e em suplementos salariais. Historicamente o termo salário vem do latim salarium argentum, que nada mais era do que a forma do pagamento feita aos soldados e comerciantes romanos. Para que se entenda este costume do passado há de que se ressaltar que o sal àquela época era uma das moedas correntes de Roma. Talvez isso explique nos dias atuais a expressão "preço salgado".
Quanto aos adicionais, existem várias espécies, provenientes do trabalho sob condições especiais e pagos sobre o salário.
O adicional também se constitui em um sobressalário e possui natureza salarial apesar da finalidade precípua de indenizar a nocividade causada pela situação a que o empregado estava exposto ou submetido. O trabalho em local insalubre, perigoso, noturno, extraordinário e a transferência do empregado para outra localidade são situações que acarretam algum tipo de dano à saúde social, biológica ou mental do empregado e, por isso, ensejam o pagamento do adicional. Na verdade, o empregador paga um plus em virtude do desconforto e da nocividade do trabalho.[19]
A primeira crítica feita por doutrinadores à questão dos adicionais é a transformação dos riscos em compensações pecuniárias. Pois, se nossa constituição assegura a todas as pessoas um meio ambiente ecologicamente equilibrado em seu art. 225, há a possibilidade de "venda" deste direito? Existe um direito que se encontra consagrado em nossa Constituição e principalmente nas declarações internacionais, que é o direito à vida. À partir do momento em que este direito é colocado em risco, os adicionais, tanto o de periculosidade como o de insalubridade, poderiam ser considerados constitucionais ou estariam em desacordo com nossa Lei Maior?
De qualquer forma, o adicional traz a ideia de um complemento salarial para situações desvantajosas, em que o trabalhador recebe um valor maior por seu trabalho do que quando trabalha em condições normais.
O adicional de periculosidade para Calvo[20] (2013) é devido ao trabalhador que executa serviços que o colocam em contato permanente com elementos inflamáveis ou explosivos; trabalhadores que lidam bombas de gasolina (súm. 39 do TST), sendo que o adicional de periculosidade não pode ser acumulado com o adicional de insalubridade. A Lei. n. 7369/85 posteriormente concedeu o direito do adicional de periculosidade aos empregados que exercem atividades nos setores de energia elétrica. Através da OJ 347, o Tribunal Superior do Trabalho estendeu ainda tal adicional aos cabistas, instaladores e reparadores de linhas e aparelhos em empresas de telefone, desde que haja realmente a exposição destes empregados aos riscos de suas funções. O Ministério do Trabalho e Emprego, através das portarias n. 3.393/1987, fez a previsão ainda do adicional em estudo àqueles trabalhadores que ficam expostos à radiação ionizante e a substâncias radioativas. A base de cálculo para o adicional de periculosidade é o salário básico, desconsiderando participações nos lucros, prêmios e gratificações. Assim entende o TST, embora abra exceção para os eletricitários, que terão como base de cálculo todas as parcelas de natureza salarial.
São entendidas como atividades ou operações perigosas aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, implicam contato permanente com inflamáveis, explosivos, energia elétrica do sistema de potência (art. 1º da Lei n. 7.369, de 20-9-1985) ou radiação ionizante/substância radioativa (entendimento jurisprudencial inserto na Orientação Jurisprudencial 345 da SDI-1 do TST), em condições de risco acentuado. Anote-se, ainda, que, por força do art. 6º, III, da Lei n. 11.901/2009, foi assegurado o pagamento do adicional de periculosidade em favor do bombeiro civil, assim entendido aquele que exerce, em caráter habitual, função remunerada e exclusiva de prevenção e combate a incêndio, como empregado contratado diretamente por empresas privadas ou públicas, sociedades de economia mista ou empresas especializadas em prestação de serviços de prevenção e combate a incêndio.[21]
Já o adicional de insalubridade segundo Calvo[22] (2013) deve ser pago a empregados que prestam serviços em condições insalubres, ou seja, aquelas exercidas em ambiente nocivo ao empregado, como locais com altas ou baixas temperaturas, com ar poluído ou com presença de agentes químicos ou biológicos. Ainda é necessário que o agente insalubre esteja constando no Quadro de Atividades Insalubres do Ministério do Trabalho, não bastando a identificação de um agente insalubre. No que se refere à utilização de EPI, as súmulas números 80 e 289 do TST determinam que, para que se elimine a insalubridade, o empregador deve provar o efeito do equipamento de proteção individual. Importante salientar ainda que só se pode constatar a insalubridade através de perícia, ofício que fica a cargo de médico ou engenheiro do trabalho, com registro no Ministério do Trabalho, conforme art. 145 da CLT.
7 - A BASE DE CÁLCULO PARA O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
O artigo 192 da CLT faz a previsão de que a base de cálculo para o adicional de insalubridade, independente do grau, é o salário mínimo. Só que se pode perceber que o artigo mencionado aponta como bases de cálculos os salários mínimos de cada região, pois tal dispositivo antecede a Constituição Federal de 1988. Portanto, o art. 7º da Constituição da República de 1988, em seu inciso IV, prevê um salário mínimo unificado em todo território nacional e veda a sua vinculação para qualquer outra finalidade.
Nos estudos de Calvo[23] (2013) trata-se de uma polêmica questão. Em São Paulo, no ano de 2008, o STF teria decidido uma questão em uma ação proposta por militares no sentido de que a utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade ofenderia a Constituição Federal. Assim surgiu a Súmula Vinculante nº 4, que afirma a proibição da utilização do salário mínimo como indexador de bases de cálculos mas, ao mesmo tempo, proibiu também a substituição do indexador por decisão judicial. Ainda em 2008, o TST acolheu a tese de inconstitucionalidade do art. 192 da Consolidação das Leis Trabalhistas e, por analogia ao art. 193 da CLT, fez nova redação para a Súmula 228, de forma que o indexador para o cálculo do adicional de insalubridade passasse a ser o salário base (que não inclui gratificações, prêmios e participações nos lucros de empresas). Só que esta alteração foi sujeita a reclamação constitucional pela Confederação Nacional da Indústria no STF, haja vista o evidente aumento de custos naquela indústria. Sendo assim, o Ministro Gilmar Mendes concedeu liminar e suspendeu aplicação de uma parte da Súmula 228 do TST por falta de base normativa, ou seja, por contrariar o princípio da legalidade. Posteriormente o STF entendeu que o salário mínimo deveria continuar sendo base para o cálculo do adicional de insalubridade até que se edite lei que regule a matéria adequadamente. Assim, o TST continuou a entender inconstitucional a utilização do salário mínimo como base de cálculo neste caso, mas, sem pronunciar nulidade. Em outras palavras, embora de fato seja reconhecido constitucionalmente que o salário mínimo não possa ser utilizado como base de cálculo para nenhuma finalidade, com as exceções de lei, ele continuará sendo a base para cálculo do adicional de insalubridade por falta de previsão legal instituindo oficialmente uma nova base de cálculo.
O que se observa é uma confusão nos tribunais superiores, que acabaram por sustentar algo inconstitucional no mínimo por mera comodidade. Ora, se um dispositivo é apreciado pelas autoridades competentes, que estão subordinadas à Constituição Federal, e é considerado inconstitucional, tarefa que nem foi das mais difíceis por já haver previsão expressa no art. 7º da CF/88 sobre o tema, não mais deveria prosperar a ideia de utilização do salário mínimo como fator indexador da base de cálculo para o adicional de insalubridade. É a mesma coisa que reconhecer o direito constitucional fundamental à segurança e ao mesmo tempo aceitar dispositivos contrários a esta garantia. Ato contínuo, se o STF entendeu que não poderia prosperar o entendimento do TST favorável ao salário base como indexador de base de cálculo por contrariar o princípio da legalidade, também está de forma extremamente irônica desrespeitando o princípio da legalidade na medida em que aceita ou consente que “por enquanto” se utilize do salário mínimo como indexador pois, tal medida, como já dito anteriormente, é vedada pela Constituição Federal. E o mais "interessante" é que o intuito inicial era proteger os interesses da indústria, e não a saúde do trabalhador. O que assistimos é a cena de uma indústria reclamando do pagamento do adicional de insalubridade que, convenhamos, seria perfeitamente razoável que fosse sobre o salário base e, os tribunais superiores, protegendo os interesses do capitalismo exacerbado, desvalorizando o obreiro que trabalha em condições insalubres (condição que por si só já é polêmica), e deixando o trabalhador em desvantagem até que o Poder Legislativo faça algo de boa vontade.
Registre-se que mesmo antes da aprovação da referida Súmula Vinculante 4 do STF, nos casos em que era afastada a possibilidade de aplicação do salário-mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, já prevalecia o entendimento de que o adicional de insalubridade deveria ser calculado sobre o “salário básico” do empregado (caso não houvesse previsão de salário profissional), e não sobre a sua “remuneração”. O inciso XXIII do art. 7º da CF/1988, na realidade, utilizou a expressão “remuneração” no seu sentido mais genérico de recebimento, ganho, ou seja, com o nítido enfoque de remunerar a atividade insalubre. O referido dispositivo não tratou da base de cálculo do referido adicional, não se referindo à “remuneração” em sentido técnico, tal como prevista no art. 457, caput, da CLT. Obviamente, eventual alteração legislativa, assegurando o direito ao adicional de insalubridade com base na remuneração ou no salário contratual como um todo, além de evidentemente atender ao escopo protetor do Direito do Trabalho, estaria em conformidade com o preceito constitucional contido no art. 7º, inciso XXII, da Constituição da República, como forma de garantir a “redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.[24]
Ainda é importante destacar que, em virtude dos princípios da condição mais benéfica e da norma mais favorável, convenções coletivas ou acordos coletivos podem estabelecer o salário base como fator indexador do adicional de insalubridade.
Para estender esta pesquisa e expor entendimentos diversos, necessário se faz discorrer sobre o entendimento de Cassar[25] (2014) que é contrária a consideração do salário base como base de cálculo para o adicional de insalubridade, alegando que a indexação proibida na Constituição de 1988 foi com a finalidade de reajuste salarial, ou seja, de forma a prevenir medidas que poderiam agravar a inflação. Tal entendimento também é sustentado com a Orientação Jurisprudencial nº 2 da SDI-II do TST (Seção de Dissídios Individuais II) onde se constatou que a decisão que acolhe a remuneração do empregado como base de cálculo para o adicional de insalubridade violaria o art. 192 da CLT. A autora, ainda, faz interessantes observações sobre o tema, considerando um absurdo o fato de não ocorrer o acúmulo dos adicionais quando o empregado esta exposto a mais de um agente nocivo. Para ela, e neste ponto me parece um raciocínio extremamente válido, partindo do pressuposto que um adicional tem por objetivo indenizar a nocividade de um serviço executado pelo obreiro, se tais nocividades são plurais, os adicionais também deveriam ser.
Se voltarmos no estudo inicial, principalmente no que se refere aos objetivos das normas e suas finalidades (vontade da lei e vontade do legislador), percebemos que, de acordo com a autora acima mencionada, a finalidade da proibição da vinculação do salário mínimo constante em nossa Constituição era por motivos alheios ao presente tema, sendo que a mesma citou em sua doutrina como fonte de argumentação a OJ nº 2 da SDI-I do TST. Só que as orientações jurisprudenciais não possuem natureza vinculante e não mudam o que está de fato escrito na Constituição Federal. Verifica-se que a norma constitucional, mesmo com uma finalidade específica na época que foi criada, em tese, não mais tem vínculo com a vontade do legislador e passou a ter vida própria à partir de então. Fato é que ela diz expressamente que o salário mínimo não pode ser vinculado para nenhuma finalidade, característica que a torna uma norma aparentemente bem objetiva, aplicável nas mais variadas ocasiões e, se nos utilizarmos dos princípios gerais de Direito, como aqueles básicos da proporcionalidade, igualdade, razoabilidade, não nos restará outra forma de pensar senão a de que o que está ali escrito absorve a matéria relativa à base de cálculo para o adicional de insalubridade, tornando inconstitucional o que é contrário. Chegamos aqui a um ponto crucial, que leva em consideração a flexibilidade da norma, a supremacia da constituição, a pirâmide de Kelsen, o alcance e o espírito da norma. Não podemos nos ater ou nos limitar somente à vontade do legislador, mesmo com sua importância histórica. Novamente, basta bom senso, se o empregado é a parte hipossuficiente da relação de emprego e, é abrigado pelos princípios da norma mais favorável, condição mais benéfica, in dubio pro misero, natural se faz interpretar uma norma da forma mais favorável ao trabalhador.
8 - ELEMENTOS CONSTITUCIONAIS INERENTES
Para melhor sustentar a tese levantada, necessário se faz demonstrar a supremacia da Constituição quando discursamos sobre interpretação.
8.1 - O princípio da supremacia da constituição
Já foi mencionado em nosso estudo que a Constituição preenche o pico da pirâmide elaborada por Kelsen. E é basicamente isso que este princípio sugere. Ela está no topo daquela e nenhum ato normativo a pode contrariar. Todas as normas existentes possuem validade na Constituição.
A rigor, o princípio da supremacia não disponibiliza nenhum critério interpretativo específico, mas deve ser considerado como premissa para a interpretação quando o ordenamento for encabeçado por uma Constituição rígida. Neste caso, toda interpretação normativa vai ter como pressuposto a superioridade jurídica e axiológica da Constituição. Em razão da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico incompatível com a Lei Maior pode ser considerado como válido.[26]
8.2 - O princípio da unidade da constituiçÃO
O princípio da unidade tenta elucidar a constituição como um todo, de forma que as normas tenham que ser vistas em um contexto geral, em uma estrutura unitária, onde também vale a força de outras regras compatíveis com o assunto tratado por determinada norma.
Fica amparada a ideia de flexibilidade das normas, de forma a permitir ampliar um pouco mais a exploração das normas e princípios que protegem o trabalhador. Se todas as normas constitucionais estão conectadas e podem ser vistas como uma unidade, todas aquelas que visam proteger o obreiro garantem a ele a existência da fragilidade nas relações de emprego, ou melhor, garantem o reconhecimento constitucional deste fato. Consequentemente, nenhuma outra norma constitucional pode simplesmente ignorar esta realidade, já que faz parte do mesmo arcabouço jurídico.
Logo, sob a nova ótica constitucional, que destacou como bem de maior valor o ser humano e sua dignidade, não há como utilizar qualquer método de interpretação das leis trabalhistas sem ter como pano de fundo a Constituição. Por esse princípio a Carta deve ser interpretada como um bloco unitário que apresenta conflitos de interesses e ideias antagônicas em suas diversas passagens, resolvidos pelo critério da ponderação de valores. [27]
A própria autora mencionada fala em "ponderação de valores" quando discorre sobre o princípio da unidade da constituição. O que é isso senão algo subjetivo e amplo? Mais uma vez clara esta a tendência à concretização de normas constitucionais plásticas, ajustáveis, moldáveis e versáteis.
8.3 - O princípio da concordância prática
Este princípio, também chamado de princípio da harmonização, pelo próprio nome já nos explana do que se trata, trazendo a ideia de acordo, composição, liga.
Havendo uma colisão, o intérprete deve coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles. Os bens constitucionalmente protegidos devem ser tratados de modo que a afirmação de um não implique o sacrifício total do outro.[28]
Diante do exposto, o princípio em estudo pressiona a compreensão na direção de que mesmo que as normas entrem em contradição, uma não pode eliminar a outra, pois a estrutura jurídica da constituição requer uma atividade agregada e complexa.
8.4 - O princípio da força normativa
Novelino[29] (2014) explica que este princípio tem sua relevância, mas de uma forma parcialmente oposta ao presente estudo, tendo sido utilizado pelo Supremo Tribunal Federal com certa frequência para conservar a força normativa da Constituição, isolando interpretações divergentes. Para ele este é um princípio de certa forma vago, que simplesmente faz um apelo, como se esse apelo fosse o objetivo principal. E este chamamento é para interpretar a Constituição de forma atual, sim, mas sempre acrescendo força à norma constitucional.
Impõe que, na interpretação constitucional, deva-se dar preferência às soluções que possibilitem a atualização de suas normas e, por isso, garantam a sua eficácia e permanência, abandonando-se a ideia de vinculá-las a normas futuras, cuja execução não vincule os intérpretes.[30]
8.5 - O princípio da máxima efetividade
É um princípio relacionado com o princípio da força normativa, intensificando a ideia de uma maior eficácia das normas constitucionais, ou seja, deve-se extrair ao máximo os efeitos de uma norma constitucional, de modo que ela seja usada da forma mais completa possível e alcance suas extremidades. Apesar de ser um princípio voltado principalmente para dos direitos fundamentais, ele engloba qualquer norma constitucional em sua aplicação.
8.6 - O princípio da razoabilidade e proporcionalidade
Tratam-se de simples princípios, porém subjetivos. Um se confunde no outro, pois os dois tentam dizer praticamente a mesma coisa. Quando os relacionamos com o tema do presente estudo, de imediato já podemos questionar se há proporcionalidade entre as consequências à saúde geradas por atividades insalubres e a compensação pecuniária baseada no salário mínimo. Ou podemos ir além, questionando se é moral compensar danos e riscos à saúde física com dinheiro. Além disso, estes princípios estão sendo respeitados quando a base de cálculo para o adicional de periculosidade é diferente da base de cálculo do adicional de insalubridade? E mais, é proporcional ou razoável trabalhar em um ambiente insalubre e perigoso ao mesmo tempo e ter direito a apenas um adicional? Podemos ver que as incertezas relativas a estes adicionais vão além da base de cálculo para suas quantificações.
Padilha[31] (2014) explica que a intenção da existência de tais princípios é a de verificar os meios para se atingir os fins constitucionais. Para isso seria necessária a observância de três subprincípios: o da necessidade, examinando a conveniência da atuação do modo menos prejudique a sociedade, o da adequação, que leva em consideração a compatibilidade da conduta e o da proporcionalidade em sentido estrito, que seria o cálculo das vantagens e desvantagens da ação, de forma que a primeira supere a última.
8.7 - O princípio do efeito integrador
Tem como foco as características políticas e sociais da sociedade. De acordo com este princípio, a interpretação das normas deve ser de forma a intensificar as integrações políticas e sociais. Todavia, essa integração é de forma plural, e não como ao menos a princípio se pode entender. Constata-se aqui um princípio de interpretação que precisa ser devidamente interpretado, afastando versões opressivas e ríspidas. Tal concepção está atrelada ao princípio da unidade e abre as portas para a maleabilidade das normas da maneira como são aventadas neste estudo.
8.8 - O princípio constitucional da condição mais favorável
Cassar[32] (2014) escreve um capítulo próprio sobre este tema dispondo sobre este princípio como limite à flexibilização de direitos trabalhistas fundamentais. Ou seja, pode-se flexibilizar os direitos trabalhistas, desde que esta flexibilização seja sempre favorável ao trabalhador. Haveria em nosso corpo social uma acomodação com as alterações nas legislações trabalhistas, algo no sentido de que ou se aceita essas alterações ou se diminuirão as oportunidades de trabalho e, como já é consenso, a diminuição das oportunidades de trabalho viola até mesmo a dignidade da pessoa humana, aumentando a marginalização e pobreza, que por si só já traz outras diversas consequências negativas.
A flexibilização é possível e necessária, desde que as normas por ela estabelecidas através da convenção ou do acordo coletivo, como previsto na Constituição, ou na forma que a lei determinar, sejam analisadas sob duplo aspecto: respeito à dignidade do ser humano que trabalha para manutenção do emprego e redução de direitos apenas em casos de comprovada necessidade econômica, quando destinada à sobrevivência da empresa. Não alcançando este objetivo mínimo, conquistado arduamente ao longo da história pelo trabalhador, o acordo ou a convenção coletiva deverão ser considerados inconstitucionais, uma vez que valores maiores são aqueles protegidos pelos direitos fundamentais, afinal, os princípios norteiam a aplicação do direito.[33]
Fica exemplificada acima uma situação de redução de direitos, de forma a beneficiar o trabalhador. Mas é perceptível também que as condições para que ocorram essas reduções de direitos são extremamente rígidas e ímpares, consolidando assim o princípio da condição mais favorável. Até uma hipótese de redução de direitos possui o intento de tutelar o trabalhador, neste caso preservando sua ocupação, o que nos leva a crer que a base de cálculo para o adicional de insalubridade merece o mesmo tratamento. O entendimento que limita o direito do trabalhador é o entendimento que caminha na contramão. Existe um histórico de conquistas de direitos e querer moderar tais direitos pode significar até mesmo a perseguição de normas de direitos humanos, expostas em tratados internacionais e extremamente influentes na elaboração da Constituição Brasileira de 1988. É o futuro incerto que normativizará esta polêmica e, mesmo que isso ocorra com êxito, restará uma arbitrariedade no histórico do Direito que não poderá servir de referência.
Registre-se que Cassar[34] (2014), ainda faz importante observação referente ao Direito do Trabalho, esclarecendo que no ramo não se aplica necessariamente a Pirâmide de Kelsen, pois é desconsiderada a hierarquia formal e uma norma vantajosa constante em um contrato individual de trabalho, mesmo em conflito com uma norma constitucional, aquela predominará sobre esta, ou seja, não se aplica a norma superior hierarquicamente, mas sim a mais favorável. Há no Direito Trabalho aquilo que a autora chama de "hierarquia dinâmica das normas".
Ainda é importante mencionar que o presente princípio normalmente é utilizado para afirmar que em um regulamento interno de empresa, se uma nova norma é criada, porém mais desvantajosa ao empregado, mantém-se a norma anterior em vigência para empregado que já fora contratado, valendo a nova norma somente para novos contratos de trabalho, salvo as exceções previstas em lei. Só que, esse princípio também é visto aparentemente sob uma perspectiva constitucional e mais genérica, englobando outras situações jurídicas.
9 - VISÃO JURISPRUDENCIAL
Segundo Cassar[35] (2014) o termo jurisprudência vem do latim, em que jus possui o significado de Direito e prudentia teria a significação de sabedoria, trazendo a ideia de aplicação do caso concreto a algo mais amplo, ou seja, ao Direito. Jurisprudências seriam várias decisões em um sentido, não sendo consideradas fontes de Direito, pois são apenas interpretações das leis pelos Tribunais. Logo, a jurisprudência é bem pessoal, baseada em um caso concreto, não obrigando assim os demais juízes a seguirem aquele mesmo padrão. Porém alguns autores a considerariam fonte indireta do Direito quando aquela jurisprudência, por se repetir muito, acaba virando uma praxe ou um costume. Mesmo assim, no campo trabalhista, o entendimento predominante é o de que jurisprudência não é fonte, nem mesmo aquelas frequentes. Por outro lado, as súmulas correntes ou hodiernas que refletem o entendimento predominante dos Tribunais são niveladas aos efeitos produzidos pelos costumes, ou seja, se são reiteradas e amplamente utilizadas pelos agentes sociais, podem virar um costume e, costume, é fonte de direito. A lei, como algo geral e abstrato, é harmonizada ao caso concreto através de sua adaptação a situações particulares. De qualquer forma, apenas são legalmente vinculantes as súmulas obrigatórias para todos, que devem influenciar julgamentos.
De todo modo, no Estado Democrático de Direito, em que vigora o império da Constituição, naturalmente que o papel interpretativo da ordem jurídica ganha relevo destacado. É que cabe à jurisprudência, por meio da interpretação, adequar a ordem jurídica infraconstitucional não apenas aos fatos novos da vida, como também aos princípios e regras da Constituição, além de concretizar, pelo caminho interpretativo, a própria força normativa inerente ao Texto Máximo. Não há como cumprir-se essa hercúlea tarefa nos acanhados limites sugeridos pela vertente tradicional.[36]
O que se verifica pelo entendimento acima citado é que a jurisprudência não apenas deve fazer a subsunção, aplicando a norma ao caso concreto e adequando a legislação infraconstitucional ao fato, mas também adequar aquela à Constituição. Fica evidenciada desta forma a importância nada discreta da Constituição de 1988 em cada parágrafo deste estudo. Mas ainda assim, passaremos à análise de alguns acórdãos recentes para expor, ainda que de modo fracionário, o entendimento dos magistrados e seus fundamentos acerca da matéria objeto deste estudo, pois este não seria completo sem a análise do que ocorre na realidade de nossos órgãos jurisdicionais.
Portanto, consoante esclarecido a toda evidência pela i. Ministra Ellen Gracie (AI 469332 AgR/SP, DJ 08.10.2009), apenas se vedou a utilização do salário mínimo como indexador, mas não se excluiu sua observância para fins de apuração de adicional insalubre. Note-se, ademais, que em momento algum se reportou, a Súmula Vinculante n. 4, STF, explicitamente à verba em discussão. Diante desse quadro e para acompanhar as diretrizes evidentes da Corte Superior Trabalhista e C. STF, guardião maior da Constituição, considerando, ainda, o escopo da Súmula Vinculante n. 04 debatida, que, consoante esclarecido a toda evidência pela i. Ministra Ellen Gracie (AI 469332 AgR/SP, DJ 08.10.2009), vedou a utilização do salário mínimo como indexador, mas não excluiu sua observância para fins de apuração de adicional insalubre, é sobre ele que deverá ser calculada a parcela deferida. Até que se edite norma legal ou convencional específica estabelecendo base distinta, o cálculo do adicional de insalubridade se deverá fazer sobre o salário mínimo. Dou provimento para fixar o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade.[37]
Acima não há nenhuma inovação. Mas podemos perceber uma desarmonia com o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Trata-se de recurso ordinário onde o grau máximo do adicional de insalubridade foi caracterizado, pois a empregada no caso em tela lidava com pacientes portadores de doenças contagiosas, ou seja, para se sustentar a mesma deveria se submeter a sérios riscos físicos, se sujeitando inclusive ao risco de morte. A pergunta é: a utilização do salário mínimo como base de cálculo para o adicional de insalubridade neste caso é uma compensação justa pelos riscos a que a empregada se submete? Soa também com fragilidade o argumento se que o salário mínimo não pode ser utilizado como fator indexador e que isso não quer dizer que ele não possa ser observado para fins de apuração do adicional insalubre. Bom, se utilizarmos o mesmo raciocínio utilizado pelo Desembargador Relator, o fato de o salário mínimo não poder ser utilizado como fator indexador também não diz que o salário base não possa ser observado para fins de apuração do adicional insalubre. Também é evidente neste evento aquele condicionamento do caso à edição de normas futuras, deixando uma massa de obreiros que trabalham em condições insalubres ao capricho da aleatoriedade.
Todavia, o e. STF, nos autos da Reclamação 6.266, em que figura, como Reclamante, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), concedeu liminar para suspender a aplicação da Súmula 228 do c. TST, na parte em que permite a utilização do salário básico para cálculo do adicional de insalubridade. Diante da celeuma que se instaurou acerca da questão, eis que vedada a incidência do referido adicional tanto sobre o salário mínimo quanto sobre o salário-base do empregado, tenho que este deve ser calculado com base na efetiva remuneração, tal como preceitua o art. 7º, XXIII, da CRF, ao utilizar o termo remuneração ao invés de salário para qualificar o adicional que deve ser pago pelo trabalho prestado em condições penosas, insalubres ou perigosas. Cumpre ressaltar que esta interpretação está autorizada pela própria distinção entre remuneração e salário, assentada no artigo 457 da CLT. Ademais, não se pode olvidar de que o artigo 7º, XXII, da CRF, determina a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", o que corrobora a interpretação acima conferida ao disposto no inciso XXIII do mesmo artigo. Portanto, entendo que a base de cálculo a ser utilizada é a remuneração do Empregado ou seu salário contratual. Todavia, considerando-se o posicionamento dos atuais membros desta d. Turma Julgadora, reputo a adoção do piso normativo da categoria, mais favorável ao Trabalhador, o qual, no caso, encontra-se previsto nas Normas Coletivas correspondentes (p.ex., CCT 2011/2012, Cláusula 3ª, f. 69). CONCLUSÃO: conheço os Embargos de Declaração e, no mérito, dou-lhes parcial provimento, para, conferir efeito modificativo ao Julgado, adotando o piso normativo da categoria como base de cálculo do adicional de insalubridade.[38]
Nestes Embargos de Declaração, desta vez, nota-se verdadeira prudência na decisão e o reconhecimento da possibilidade de utilização da remuneração como base para o cálculo do adicional de insalubridade e, aparentemente estendendo a interpretação do dispositivo constitucional do artigo 7º, XXII da Constituição de 1988, de modo que a redução dos riscos do trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança compartilham com a ideia da aplicação do que é mais favorável ao trabalhador. Ficou estipulado o piso normativo da categoria como base de cálculo do adicional de insalubridade, restando demonstrada uma das alternativas à utilização do salário mínimo como base de cálculo, respeitando o que é vedado em nossa Lei Maior e, ainda assim, revelando o posicionamento individual da possibilidade de utilização da remuneração como base de cálculo para o adicional em estudo.
Diante do que foi instado a decidir, o STF, nas discussões travadas em torno da aplicação do artigo 192 da CLT e a regra prevista no artigo 7º da Constituição Federal, editou a Súmula Vinculante nº 4, que reconheceu como inconstitucional a vinculação do salário-mínimo para o cálculo do adicional de insalubridade. Desse modo, em razão da decisão acima, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Resolução TST/TP nº 148, de 26/02/08, atribuiu nova redação à Súmula nº 228 e afirmou que a base de cálculo para o cômputo do adicional de insalubridade, a partir de então, seria o salário básico. Com isso, cancelou a Súmula nº 17 e a Orientação Jurisprudencial nº 2, da SDI-1, e modificou a Orientação Jurisprudencial nº 47, ainda da SDI-1, desta feita para adequá-la à nova redação do aludido verbete. Apesar do quanto alterado, a Confederação Nacional da Indústria - CNI, insatisfeita com a postura adotada pelo TST, ajuizou Reclamação Constitucional tombada sob o nº 6266 e afirmou que, se o STF, por intermédio da Súmula Vinculante nº 4, vedara a utilização do salário-mínimo como parâmetro para cálculo do adicional de insalubridade e a sua substituição por decisão judicial, por certo que o TST não poderia ir de encontro ao que foi decidido pela Suprema Corte e adotar o salário básico, como acabou fazendo quando editou a Resolução nº 148/08. Instado a pronunciar-se, o então Ministro Presidente do STF, Gilmar Mendes, acolheu os argumentos da Reclamação Constitucional proposta e concedeu liminar ao determinar a suspensão da aplicação da Súmula nº 228 do TST, que deve aguardar até que o Pleno do STF venha a julgar o mérito da Reclamação proposta pela Confederação Nacional das Indústrias - CNI, como trago em fragmento aqui transcrito: [...]. Assim, deve permanecer o salário-mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade.[39]
Neste Recurso de Revista apreciado pelo TST é mantido o entendimento de que o salário-mínimo deve ser o elemento observado para quantificação do adicional de insalubridade. Mas ficou perceptível também que a suspensão da Súmula nº 228 do TST ainda está sujeita a confirmação de acordo como julgamento do mérito da Reclamação proposta pela CNI. Também talvez esteja mais nítida no texto reportado a confusão causada pela falta de previsão legal fixando a base de cálculo do adicional em estudo e os entendimentos controversos. Mas a narrativa do acontecimento é aparentemente sempre a mesma.
De aplicação compulsória por todo o Judiciário, referida súmula tornou uma norma que já estava regulamentada - o art. 7º, XXIII, da Constituição da República - em meramente programática, uma vez que suprimiu a base de cálculo prevista no art. 192 da CLT e impediu, de forma expressa, sua substituição pelo Judiciário, esvaziando seu conteúdo e tornando-a inaplicável na seara fática, pois sem base de cálculo específica ou definição do valor do adicional e critérios de reajustamento, não há como quantificar do direito. Diante da situação jurídica instaurada pela Súmula Vinculante nº 04, e até que o Poder Legislativo regulamente a questão em consonância com a ordem constitucional vigente, não conta o Judiciário com meios legais que permitam assegurar o direito aqui pleiteado. Até que o Poder Legislativo cumpra seu ofício, os trabalhadores que laboram em condições insalutíferas passam a contar com mera expectativa de direito ao adicional de insalubridade. Assim, por absoluta falta de amparo à pretensão, não me resta alternativa outra que não a de julgar o processo extinto sem resolução do mérito - art. 267, VI, CPC.[40]
Observa-se notório legalismo no entendimento aludido, onde o Julgador preferiu simplesmente se abster em reconhecer o direito e extinguir o procedimento. Não há melhor exemplo do que esse para elucidar até onde a inflexibilidade pode levar. Teoricamente o discurso em análise poderia ser considerado lógico e justificável, pois de forma predominante de fato não é papel do Poder Judiciário criar leis, mas sim do Poder Legislativo. Mas diante de lacunas, não seria papel do magistrado valer-se da analogia e da equidade? Podemos certamente afirmar que ao menos o salário mínimo deva ser utilizado como base para o cálculo do adicional de insalubridade, pois ignorar este direito é um desprezo aos alicerces do ordenamento jurídico trabalhista. Não é inércia que a esfera jurídica atual pede, mas sim dinâmica.
Com a edição da Súmula vinculante 4, nos termos do artigo 103-A da Constituição Federal, o STF cristalizou o entendimento de que a aplicação do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade viola o disposto no inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, também não podendo ser substituído por decisão judicial. Necessária, pois, a fixação de novo parâmetro por lei ou negociação coletiva. Até que isso não ocorra, prevalece a aplicação do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade. Aplicação da técnica decisória conhecida do direito constitucional alemão como declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade.[41]
No julgado supramencionado foi declarada a utilização a técnica decisória de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, que essencialmente é o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma, mas sem alterar o ordenamento jurídico até a edição de nova lei, que é o que vem ocorrendo de forma dominante nas demais decisões judiciais. Ademais, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, de onde se origina o processo alhures indicado, editou a Súmula nº 16, confirmando a tendência de concretização de entendimentos daquele Tribunal.
Adicional de Insalubridade. Base de Cálculo. Diante do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, até que nova base de cálculo seja fixada pelo Legislativo, o adicional de insalubridade deve ser calculado com base no salário mínimo.[42]
Verifica-se novamente e, desta vez reafirmada por Súmula de Jurisprudência, a utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade diante do vácuo normativo em relação à matéria.
Era entendimento anterior que o adicional de insalubridade deveria ter como base de cálculo o salário mínimo em decorrência de interpretação do texto consolidado e da antiga redação da Súmula n.º 228 do TST. Todavia, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n.º 4 (DOU de 09.05.08), onde resta estabelecido que o salário mínimo não pode ser utilizado como indexador de base de cálculo de vantagem de empregado, decisão esta a qual devemos nos curvar diante do disposto no art. 103-A da Constituição Federal. Tal fato, com efeito, não torna menos equivocada, data venia, a interpretação do art. 7º, incisos IV e XXIII, da CF/88, no sentido de ver o adicional de insalubridade calculado sobre a remuneração. Reza o referido dispositivo constitucional "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei[43]". (Grifou-se.) A referência ao adicional de remuneração tem conotação adjetiva demonstrando a sua natureza remuneratória, o que põe termo à discussão acerca da consideração indenizatória que lhe era atribuída em algumas interpretações.[44]
Em que pese o fato da Relatora no julgamento acima mencionado ter sido vencida no que tange à matéria em estudo, é extremamente válido o seu posicionamento, pois demonstra que a mesma se debruçou sobre a causa e respeitou o constante em nossa Lei Maior, que em dois incisos de seu artigo sétimo corrobora com o entendimento de que, neste caso, o adicional de insalubridade deva ser calculado sobre a remuneração. Muitos profissionais do Direito acabam por compreender que estes incisos se tratariam de normas programáticas, que ainda necessitam de regulamentação e que não possuem execução imediata. Se isso é verdade, ainda assim tais normas constitucionais não cedem a possibilidade de aplicação do salário-mínimo como fator indexador para o cálculo do adicional de insalubridade. Pelo contrário, se há algo que possa ser feito para obedecer às diretrizes constitucionais é a utilização do salário-base ou da remuneração como fatores indexadores para o cálculo do presente adicional, mesmo sendo normas programáticas. Não existem motivos claros também para diferenciar no que se refere à base de cálculo o adicional de insalubridade do de periculosidade, e nem mesmo para evitar que os dois se acumulem. Ato contínuo, caso aquilo não proceda, ou seja, caso não se tratem de normas programáticas mas sim de imposições imediatas de nossa Constituição, como é o tratamento feito pela nobre Julgadora, simplesmente não há o que discutir acerca da matéria, pois não existe vácuo normativo ou falta de previsão legal, haja vista o que já está expresso na Constituição de 1988. Há, logo, uma colossal interrogação sobre os motivos que fizeram gerar o aconchego e conforto dos poderosos da indústria ao invés do amparo, zelo e acolhimento dos laboriosos que exercem atividades insalubres.
10 - CONCLUSÃO
É inegável que majoritariamente o salário-mínimo tem sido admitido como a base de cálculo para o adicional de insalubridade. Logo, há de que se reconhecer que não existem argumentos que mudem a situação fática do âmbito jurídico, mas tais argumentos podem perfeitamente questionar a legitimidade ou a justeza dos julgamentos e entendimentos. Como visto no início do estudo, as margens interpretativas de cada dispositivo legal e, especialmente para alguns específicos, como os deste tema, são extensas e, se assim não fosse, não estaríamos falando de Direito. A conjuntura real nos oferece duas propostas, a primeira no sentido se ter o salário-mínimo como piso para o cálculo do adicional de insalubridade para que não existam decisões que intentem anular o direito pretendido ou usar uma base menor que a do salário-mínimo. Nesse caso, querendo ou não, mesmo que nos pareça algo errôneo, viciado ou ilusório, a utilização do salário-mínimo como fator indexador seria uma medida protetiva ao trabalhador, evitando o não reconhecimento do direito ou o desvio do trajeto para um escopo onde o adicional de insalubridade seja considerado uma mera expectativa de direito, como visto previamente em julgados. A segunda proposta ou tese, e a mais defendida neste estudo é a de que a utilização do salário-mínimo como base de cálculo para o cálculo do adicional de insalubridade é inconstitucional, haja vista o dispositivo constitucional que veda sua vinculação (art. 7º, IV, CF/88) e aquele que fixa expressamente a remuneração como base de cálculo para atividades penosas, insalubres ou perigosas (art. 7º, XXIII, CF/88). Ademais, a súmula vinculante número 4 do STF, em sua segunda parte, quando entrava ou impede a substituição do salário mínimo como fator indexador de vantagens ao trabalhador por decisão judicial, contradiz o teor do artigo 8º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, que confere à Justiça do Trabalho a prerrogativa de, na falta de disposição legal, decidir casos através da analogia, equidade, princípios gerais de direito e de direito do trabalho, usos e costumes e direito comparado. Além disso, são fundamentos da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, como pode se verificar no art. 1º de nossa Constituição Federal, fato, entretanto, desconsiderado na prática, pois, ao que parece, o que se constata é um cuidado maior com o domínio empregador pelo Poder Judiciário, circunstância que representa um atraso político e social ou, pelo menos, o desprezo da hipossuficiência do obreiro. Talvez, o primeiro passo para criação de tantas divergências tenha sido dado pelo conhecido Guardião da Constituição e órgão máximo do sistema judiciário brasileiro: o Supremo Tribunal Federal que, ocasionalmente, aparenta manter íntima influência política sobre suas decisões. Mas, diante do pronunciamento do STF, lamentavelmente, só resta às instâncias inferiores seguirem os ditames daquele, haja vista que o posicionamento em contrário dificilmente surtirá efeitos duradouros, até que se regulamente este controverso tema, atividade que fica a cargo do Poder Legislativo, cujo poder emana do povo, conforme parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal de 1988. No entanto, vale mencionar a possibilidade de revisão e cancelamento da súmula vinculante número 4 do STF, o que pode ocorrer de ofício pelo próprio órgão julgador ou, através de provocação, pelos legitimados constantes na Lei 11.417/2006, tendo em vista a nítida falha na efetividade da prestação jurisdicional pelo Estado.