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A constitucionalidade nas veias: direito, estado e garantias fundamentais na perspectiva inglesa do século XVII

Agenda 03/07/2015 às 15:39

Esse texto objetiva realizar um resgate crítico-histórico acerca da necessidade de observação das temáticas levantadas na Inglaterra em meados do século XVII. O carácter humanista como finalidade do poder constituído.

Esse texto objetiva realizar um resgate crítico-histórico acerca da necessidade de observação das temáticas levantadas na Inglaterra em meados do século XVII. O Carácter humanista como finalidade do poder constituído. Expressando de outro modo, os levantamentos bibliográficos aqui presentes, baseiam-se no anseio de compreensão dos argumentos do John Locke como argumentos Constitucionais. De um lado o espectro do nascimento, extensão e finalidade do Estado. Por outro, essas mesmas premissas como fontes garantidoras dos direitos fundamentais. Além disso, a compreensão da supremacia constitucional que corrobora com o rompimento das tradições absolutistas e fonte asseguradora dos bens fundamentais da pessoa humana. Esse pressuposto efetiva um firme sinal da consolidação dos Direitos Humanos e reflexos vivos do nível teórico-jurídico do Inglês. Com isso, para melhor salientar, a pesquisa busca responder a seguinte questão: Qual a real natureza e finalidade do Estado Civil?

Palavra-Chave: Estado, Inglaterra, Locke

Abstract: This paper aims to conduct a critical and historical review of the need to observe the issues raised in England in the mid-seventeenth century. The humanist character and purpose of the constituted power. Expressing otherwise the bibliographic here, based on the desire to understand the arguments of John Locke as Constitutional arguments. On the one hand the birth of the spectrum, extent and purpose of the state. On the other, these same assumptions as guarantors sources of fundamental rights. In addition, understanding of constitutional supremacy which corroborates the disruption of absolutist traditions and reassuring source of the basic necessities of human beings. This effective assumption a strong signal the consolidation of human rights and living reflections of the English theoretical and legal level. Thus, to better highlight the research seeks to answer the question: What is the real nature and purpose of the Civil State?

Keywords: State, England, Locke

Sumário: 1.Introdução. 2.O Estabelecimento do Estado Civil: Nascimento, Finalidade e Separação dos Poderes com o espectro Constitucional. 2.1. Direito e Estado. 2.2. O nascimento do Estado na ótica Lockeana. 2.3. A finalidade do Estado Civil. 2.4. A separação dos poderes como principio constitucional. 2.5. O Estado Civil Tolerante. 3.0 A Inglaterra como Pilar do Humanismo: A importância das análises históricas para o firmamento das Garantias Fundamentais. 3.1. A importância histórica do bill of rights. 3.2. O firmamento jurídico como extensão das garantias fundamentais: os argumentos que efetivaram essa concepção.3.3. As noções de Direitos fundamentais. 3.4. A lei de tolerância e a separação entre Estado e Igreja como breves argumentos garantidores de direitos.4. Considerações Finais. Referencias.

1 Introdução:

O seguinte texto tem o objetivo de esclarecer e destacar a importância dos escritos do John Locke em paralelo aos movimentos constitucionais Ingleses. Seguindo um breve e profundo levantamento bibliográfico, a construção do mesmo, visa à retomada das discussões de um dos movimentos constitucionalistas mais ativos da História Moderna, a Revolução Gloriosa.

Como fonte, os textos por de trás desse movimento, as obras de cunho político-filosófico do Locke. Que, muito embora citadas, não são correlacionadas com o movimento constitucionalista Inglês, que é o prisma desse texto.

A pesquisa é essencialmente bibliográfica e tem seu espírito comprometido com os esclarecimentos das temáticas baseadas nas obras Lockeanas como reflexões das discussões jurídicas inglesas e a necessidade de valoração das mesmas perante a revolução Gloriosa. Vislumbrando um destaque do teórico no Direito Constitucional em paralelo ao seu humanismo.

Noberto Bobbio classifica a obra Lockeana e sua teoria do Estado desenvolvida no decorrer da mesma como a primeira e melhor teoria do Estado Liberal já levantada. Seus ‘Dois Tratados do Governo civil’, foram publicados entre 1679-80, após o triunfo da Revolução Gloriosa, demonstram o contexto político-jurídico que vivera a Inglaterra.  A constitucionalidade nas veias fica mais clara. Afinal, no sangue do Filósofo, corria as partículas constitucionais. Os pressupostos da democracia liberal.

 Com isso, o filósofo, em seu Tratado, compromete-se em destacar o que levou ao homem primitivo a doar o seu poder de execução aos legisladores e executantes e, ao mesmo tempo, a necessidade do estabelecimento de uma Instituição jurídica para a preservação dos seus próprios bens. Ou seja, um levantamento de como e porque o legislador estaria no poder e, mais ainda, a real finalidade do seu papel no ordenamento jurídico.

Por fim, o presente artigo nasce da perspectiva teórica a partir do Estado, Direito e princípios das garantias fundamentais. Objetiva-se, em um primeiro momento, em demonstrar a teoria do nascimento e finalidade do Estado e a fonte do seu poder. Levando em conta o Direito, juntamente com as suas ferramentas, como modelo de organização social.

Em um segundo e último momento, o mesmo versa a respeito do nascimento da compreensão dos Direitos humanos, fundamentais, como valores de asseguração do Estado. Observando o paralelismo presente entre Locke e a Bill of Rights. Partindo da Tolerância, Diversidade e pluralidade Social.

2 O Estabelecimento do Estado Civil: Nascimento, Finalidade e Separação dos Poderes com o espectro Constitucional.

Em 1688, Guilherme de Orange aportou no país à frente de um exército e, após a deposição de Jaime II, recebeu a coroa do Parlamento. A Revolução Gloriosa assinalou o triunfo do liberalismo político sobre o absolutismo e, com a aprovação do Bill of Rights em 1689, assegurou a supremacia legal do Parlamento sob a realeza e instituiu na Inglaterra uma Monarquia limitada.[3]

Partindo daí, nos remontamos a teóricos modernos que contribuíram ativamente para os movimentos constitucionalistas. Que, muito embora estudados, ainda necessitam de uma análise mais funda e dimensionada no âmbito do Direito Constitucional. Um deles é John Locke (1632-1704). Em síntese, devido ao mesmo, a Inglaterra foi considerada como o Reino mais avançado politicamente e onde os direitos dos súditos eram mais bem assegurados. Servindo assim como exemplo para as demais sociedades políticas que começaram a ser ordenadas a partir do século XVIII.

O Direito Constitucional evoluiu consideravelmente. De simples disciplina jurídica da organização do poder converteu-se no próprio fundamento lógico e jurídico de todo o Direito, de onde os poderes públicos e privados retiram a sua legitimidade e os limites de suas atribuições e ações. Mas nada disso foi obra do acaso. Resultou de um processo histórico que compreendeu um amplo movimento social e político direcionado à garantia das liberdades humanas e fundamentais e à submissão do poder aos valores incorporados na Constituição.[4]               

O Estado é um terreno de discussão atual. Seja ela desenvolvida por operadores do Direito, cientistas jurídicos ou filósofos políticos. No século XVII, um dos mais agitados da modernidade e com grandes acontecimentos políticos e sociais, as concepções e perspectivas por meio do Estado foram colocadas em debate. Sua real natureza, extensão e finalidade foram debatidas e escritas. John Locke foi um dos que mais escreveu a respeito.

Afinal, qual a necessidade de uma instituição jurídica se todos gozam de liberdade? Não existiria nenhuma outra ótica a se debruçar se não a de que: todo e qualquer homem, esse no sentido de espécie, junte-se com seus semelhantes para compactuarem de uma sociedade em busca do bem comum.

A preservação das propriedades invioláveis e a continuação dessa mesma sociedade. Essas são as premissas que fundamentam a ‘renuncia’ que o homem no Estado de Natureza fizera em busca da Sociedade juridicamente formada.

Ou seja, Estado, como ferramenta garantidora e instituição jurídica configuram-se como um órgão de nascente social. Sem ela, a sociedade, não haveria necessidade de institucionalização do mesmo. 

2.1 Direito e Estado

O Estado, no Direito Constitucional, como foi citado, é o ponto de partida para as discussões que permeiam a pesquisa dessa vertente Jurídica. Afinal, Direito e Estado possuem uma relação bilateral, binária e de eclosão de finalidades semelhantes. Com isso, qual seria o objetivo do Direito sem a instituição que o torna jurídico e, posteriormente, será submetido a ele próprio? Hans Kelsen, cientista do Direito do Século XX, comenta sobre essa bilateralidade:

“O Estado cumpre a sua missão histórica – ensina-se – criando o Direito, o ‘seu’ Direito, a ordem jurídica objetiva, para depois se submeter ele próprio a ela, quer dizer: Para se obrigar e se atribuir direitos através do seu próprio Direito. Assim o Estado é, como entidade metajurídica, como uma espécie de poderoso macro-ànthropos ou organismo social, pressuposto do Direito e, ao mesmo, tempo, sujeito jurídico que pressupõe o Direito porque lhe está submetido, é por ele e dele receber direitos.” (KELSEN; Hans, 2014, p.315).

Direito e Estado sempre se interligam, completando-se e adquirindo um carácter de interdependência. Um não existiria sem o outro e, por outra ótica, um não seria tão eficaz com a ausência do outro. Locke comenta que o Estado é a nascente das leis. Logo, o Direito, que é o conjunto de normas em uma sociedade, nasce nesse prisma.

A elaboração do Estado como entidade jurídica seria a positivação das normas que não existira no Estado Natural. Onde, no mesmo, a única lei que vigorava era a do mais forte (lei da natureza). Essa ligação placentária é de total importância para a compreensão dos princípios das garantias fundamentais. E, ainda, partindo da compreensão prévia de que o Estado é o terreno fértil para o direito.

Contudo, pode-se destacar a importância do John Locke, na Inglaterra. A contribuição do teórico é considerável para essa elaboração teórico-prática do Direito e Estado. Pois, o mesmo em seu tratado argumenta que o Estado Civil é criado para suprir uma necessidade humana e, o ordenamento jurídico, é criação do Estado visando atender as necessidades fundamentais que o homem não tivera durante seu estado tribal na comunidade coletiva. Como cita Carlos Ayres Britto

Kelsen, posteriormente, atribuirá ainda que: O Estado além de criar o Direito, seria por ele ordenado. Ou seja, além de formular as leis, com o espectro do ordenamento e controle, o próprio Estado será ordenado e regulado pelo Direito. Para por ele ser regido, condensado e seus objetivos efetivados por uma ordem positiva. Por fim, o carácter normativo do Estado está estabelecimento e corroborado pelo Direito. Que, ao possibilitar seu aspecto normativo, visa o ordenamento jurídico da mesma instituição.

Essa premissa foi fundamentada e debatida por Locke ainda na Inglaterra do século dezessete. Ao tocar no poder legislativo, a quem Locke atribuíra o maior poder dentre as fragmentações institucionais feitas por ele. As leis, em suma, seriam as principais reguladoras na sociedade civil. O Estado, como fonte de poder, seria organizado e limitado em sua extensão pelas leis elaboradas, firmadas e difundidas no seio social. Por acréscimo, o principio da Supremacia Constitucional já avia sido levantada por Locke. Quando o mesmo coloca o poder constituído e firmado pelo povo como poder supremo na sociedade civilmente firmada.

2.2 A natureza do Estado na ótica Lockeana

A extensão da teoria do Estado Lockeana nasce da hipótese histórica da sociedade natural. No ‘segundo tratado do governo civil’, John Locke configura a sociedade natural como um contexto em que o homem goza de total liberdade sem nenhuma restrição ou delimitação. As técnicas de valoração, uso e comunicação social são de ordem coletiva.

Por isso, o filósofo argumenta que essa é a fonte dos conflitos dessa mesma sociedade. E, futuramente, o que leva o homem ao firmamento de uma sociedade institucionalizada. Afinal, se um indivíduo tem o poder de liberdade e atuação total sem determinações ou delimitações, o mesmo sucumbe. Pois, o seu direito nunca será igual ao do outro e, esse mesmo sendo mais fraco, será pelo segundo derrotado.

O fator determinante é a lei do mais forte, ou a lei natural. O que se tem de ordenamento jurídico nesse aspecto é o Direito natural. Assumindo um carácter universal e imutável. Sem regência, criação ou controle de aplicabilidade jurídica.

O reflexo teórico que o filósofo demonstra em sua teoria é de uma comunidade ainda simples e coletiva. Que mesmo gozando de diversos bens instituídos por Deus, essa mesma comunidade necessitara de um ordenamento terreno. Vale ressaltar que a palavra comunidade vem de comum unidade, na holística percepção espiritual-quântica de que, afinal, “tudo é um”[5]. Com efeito, esse “um” anseia por uma instituição que os assegure aqui na terra.

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Contudo, a sociedade natural demonstra diversas brechas que possibilitam conflitos entre indivíduos. A falta de demarcação de Direitos que são de natureza inata à existência humana, ou seja, a vida e a(s) liberdade(s), ambas instituídas juridicamente.

Por isso, na perspectiva da passagem do Estado Natural para o Civil, Locke argumenta as precariedades que os homens estão sujeitos na naturalidade social. Levando em consideração que: Locke explicara aí, como seria a sociedade sem o governante, encarregado de preservar as propriedades fundamentais. O mesmo cita:

“Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é obvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a ele, e na maior parte pouco observadores da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui esse estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que já estão unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamamos de ‘propriedade’.” (LOCKE;J, 1973, p. 88)

O teórico argumenta a necessidade de valoração e atribuição de garantias do Estado. Em outro sentido, explica o motivo maior do estabelecimento do Estado Civil. Que nada mais é que para garantir e preservar os direitos que o homem já desfrutara no Estado Natural. Partindo do objetivo de explicar a fonte terrena do poder real, na época referente a Guilherme III, a quem Locke estabelecera respeito e contribuição para a tomada do mesmo ao poder.

Essa primeira parte da teoria do Estado Lockeana, firma um comprometimento de rompimento com teorias contemporâneas que pregavam o poder absoluto derivado de Adão, ser patriarcal e com total poder outorgado por Deus. Ao assumir uma sociedade 'pré-civil' totalmente precária e subdividida, Locke reformula o papel do Governante em seu carácter mais objetivo possível, como garantidor de direitos.

O Direito coloca-se como ferramenta mediadora. E, ligeiramente:

“Numa frase, o Direito é o mais engenhoso esquema que a humanidade ate hoje concebe para viabilizar o absolutamente necessário “estado de sociedade”. Estado de sociedade sem o qual a experiência humana estaria condenada à barbárie, num autofágico pugilato de todos contra todos.” (BRITTO; Carlos Ayres, 2012. p.39).

2.3 A Finalidade do Estado Civil

Com isso, surge uma questão a mais: qual a real finalidade do Estado? E, mais ainda, o que levou, centralmente, a sua formação e como o mesmo foi estabelecido e posto como poder constituído e institucionalizado, tendo amplos poderes de coercibilidade e sanção à sociedade? Locke responde:

“A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela.” (LOCKE; J, 1973. p.77).

Seguimos nessa linha, em uma das teorias do Estado mais amplas e fundamentadas da História Moderna, percebendo os valores que Locke atribuíra ao Estado. Afinal, as leis, outro valor que Locke anexa ao Estado, seria o mecanismo que possibilitaria essa mesma preservação que sonhara esses homens livres que o autor cita.                                                                                                 

Além disso, o espectro que rondara a Inglaterra era o espectro do Liberalismo. Rompendo assim com as tradições absolutistas, onde as leis e jurisdição eram restritas e de único acesso aos monarcas. As teorias que permeavam o Estado absoluto fortaleciam o poder dos mesmos, as teorias divino-patriarcais, desenvolvidas amplamente por Robert Filmer[6], a quem Locke criticará no seu Primeiro Tratado.                                                                                                      

Com isso, as discussões que rondam os solos britânicos, referentes a esse texto, nascem na perspectiva de rompimento com as tradições absolutistas. Visando um novo papel do Estado, o seu real papel, que é assegurar o desenvolvimento humano, partindo em um primeiro plano dos bens básicos à vida. Pensar sobre o Estado, na perspectiva Lockeana, é entrar em reflexão sobre a extensão da sociedade e, mais ainda, pôr em destaque a manutenção da realidade do corpo social.·.

Em suma, Locke buscou a fundo entender, explicar e argumentar sobre problemas da sociedade civil e como ela havia se estabelecido. Partindo das análises do seu tempo, conceituando as finalidades garantidoras do Estado civil. Com isso, comenta GOYARD-FABRE:

Locke, na mesma linha de agitação liberal que sacudia seu país fazia várias décadas, deu-lhe uma forma definitiva explicando que a sociedade civil só encontra sua verdade na vontade do corpo político. Quando esta não é respeitada, escreve Locke, o governo cai no arbítrio, atola num estado de natureza cuja precariedade é o oposto das exigências da sociedade civil. (GOYARD-FABRE; S, 2003, pg. 132).

Cabe ao Estado o firmamento positivo, levando assim o corpo social para uma melhor efetivação dos bens naturais, ou seja, a melhor segurança à vida, liberdade e propriedade. Ambas efetivações firmadas nas garantias dadas pelas leis criadas e fixadas pelo Estado Civil.

2.4 A separação dos poderes como principio constitucional

Na esteira das concepções e cargas axiológicas do Estado, Locke observa a necessidade de configuração do mesmo e a necessidade de divisão em três poderes, distintos, autônomos e que devem se interligar. Com o objetivo ainda de quebra dos paradigmas absolutistas, ou seja, para que os poderes não caiam no controle de apenas um único homem, novamente. Esses poderes configuram-se no Estado em: Legislativo, Executivo e federativo da comunidade (o que depois ganhará o nome de Poder Judiciário).

A doutrina de que as funções legislativas, executivas e judiciárias do governo deviam ser mantidas à parte, é característica do liberalismo; surgiu na Inglaterra durante a resistência aos Stuarts e é claramente formulada por Locke, pelo menos com relação ao legislativo e ao executivo. O legislativo e o executivo devem ser separados, diz ele, para evitar-se o abuso do poder, Deve-se, por certo, entender que, quando ele fala de executivo se refere ai rei; pelo menos isso que se refere emocionalmente seja o que for o que queira logicamente significar. Assim, considera o legislativo virtuoso, ao passo que o executivo é usualmente perverso.[7]

Esse princípio de separação dos poderes seria difundido de maneira mais objetiva no século XVIII com a revolução francesa e as ideias iluministas, que se basearam vivamente na teoria do Estado Lockeana.

Um dos leitores de Locke, que mais difundiu e aprimorou essa teoria da separação dos poderes foi Montesquieu. Teoria defendida em um dos capítulos do ‘les esprit de lois’.

Locke, ainda na perspectiva de rompimento com as tradições do seu tempo, teoriza essa separação. Afinal, segundo o mesmo, o Estado cairia em miséria se os três poderes estivessem sob o ordenamento e controle de um mesmo governante. Não cabe então, a um outorgado político, as competências de formular as leis, executar e fiscaliza-las. A flexibilidade e harmonização do Estado fundamentam-se nessa separação.

Com efeito, posteriormente, as constituições elaboradas receberiam essa mesma influência, do princípio de separação dos poderes. Inclusive a Norte-Americana (1776), a Revolução Francesa, levando a monarquia absolutista ao viés do Parlamentarismo e, em destaque, a formulação da primeira constituição brasileira (1881) quando o país estava sob a luz do republicanismo. Afinal, percebeu-se que o Estado recebe um carácter flexível ao ter seus poderes independentes, separados e autônomos. Para melhor assegurar o Poder social livrando-o do poder absoluto e total de um legislador sobre os demais poderes

Por fim, essa separação visa um maior fluido do Estado. Separar, no contexto, não impede a interdependência e interligação que se deve atribuir aos poderes. Afinal, o Estado, mesmo nessa perspectiva separatista, continua uno.

2.5 O Estado Civil Tolerante

            Um dos maiores anseios de Locke, além de explicar a extensão do Estado, foi criticar e formular outra teoria: a lei da tolerância[8]. Locke não enxergara uma política e religião sem ser tolerantes. Mesmo no âmbito externo, quanto entre si. Ou seja, segundo o teórico, poder civil e poder religiosos devem andar em harmonia, preservando em si a delimitação que cada um foi outorgado. Nessa esteira tolerante, a que deve basear-se o Estado, nenhum individuo deve atacar o outro por motivação derivada de preceitos religiosos. Ou seja:

Nenhum individuo deve atacar ou prejudicar de qualquer maneira a outrem nos seus bens civis porque professa outra religião ou forma de culto. Todos os direitos que lhe pertencem como individuo, ou como cidadão, são invioláveis e devem ser-lhe preservados. (LOCKE; J, 1973, pg.15)

Locke configurara uma teoria-chave para o liberalismo. Quando o mesmo argumenta as independências dos poderes religiosos e civis. Baseando-se na natureza de ambos e finalidades, que são deveras divergentes. Uma das finalidades do Estado seria essa concepção tolerante. Sabendo que não cabe ao magistrado o cuidado das almas dos fies, como não cabe à igreja o regimento jurídico e a manutenção e preservação dos bens. O Estado Lockeano, após sua natureza, finalidade e separação, molda-se nesse momento.

Por isso, Locke assumiu esses argumentos como uma das saídas do Estado absoluto para o Estado democrático. Usando a tolerância e o respeito à diversidade como firmamentos dessa mesma instituição vinculada com sua maior finalidade, a de assegurar direitos fundamentais. O mesmo cita que “Não é a diversidade de opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa, o que se poderia admitir que deu origem à maioria das disputas e guerras que se têm manifestado no mundo cristão por causa da religião.” (LOCKE; J, 1973, p.33).

            A desmistificação por meio dos movimentos constitucionalistas, em síntese os escritos do John Locke, é de total relevância para a área Constitucional. Afinal, entram em paralelo às discussões acerca das garantias e direitos fundamentais e o papel do Estado como o órgão garantidor desses direitos. Além disso, é possível destacar a tolerância e o respeito à diversidade social como meio de mediação do Estado. Ou seja, uma das finalidades da instituição é mediar para garantir direitos.

Contudo, qual a finalidade do Estado se não criar leis que assegurem essas garantias? O direito então serve como solo para o nascedouro dessas garantias. Pois possibilitara, por meio de leis, a preservação e manutenção das propriedades8.

Por isso, no pleno Estado de Natureza, a sociedade sem leis positivas, o homem não gozara de diretos firmados. Pois não acontecera a criação e efetivação do Direito como ferramenta de ordenamento social.

3 O Pilar do Humanismo na Europa: A importância das análises históricas na Inglaterra para o firmamento das Garantias Fundamentais.

            As diversas discussões acerca da natureza, finalidade e fonte do Estado são marcas Inglesas. Afinal, a Inglaterra passara por muitos anos de absolutismo e intolerâncias religiosas advindas do renascimento. As imposições dos Stuarts, católicos, aos protestantes que estavam ascendentes na Inglaterra servem de exemplificação.

            Com efeito, o Rei Jaime II passara a ser deposto pelo parlamento e, a mesma instituição, declarou o trono vago. Com isso, Guilherme de Orange ascendeu ao poder. Como prerrogativa de tomada do governo, o Parlamento instituiu um documento, que rompe diretamente com a tradição absolutista, o Bill of Rights(Declaração dos Direitos).

O documento serviu de acesso ao poder pelo Príncipe de Orange, onde no mesmo encontram-se as diversas garantias do Estado aos cidadãos e uma clara limitação monárquica pelo parlamento. Contudo, sintetiza Fábio Comparato em sua obra “A afirmação histórico dos Direitos Humanos" que:

A partir de 1689, na Inglaterra, os poderes de legislar e criar tributos já não são prerrogativas do monarca, mas entram na esfera de competência reservada do Parlamento. Por isso mesmo, as eleições e o exercício das funções parlamentares são cercados de garantias especiais, de modo a preservar a liberdade desse órgão político do chefe de Estado. (COMPARATO;F.K, 2014, p.105)

3.1 - A importância histórica do Bill of rights

A Declaração de Direitos até hoje, no Direito Constitucional, é um dos principais reflexos dos movimentos constitucionalistas. Além disso, ainda é muito lembrado no Reino Unido. Uma marca de institucionalização constitucional passou a ser qualquer decreto ou declaração de Direitos. Com isso, a presente Declaração citada, impulsionou cada vez as reflexões acerca da real finalidade do Estado.··.

O Poder absoluto, baseado nas teorias patriarcais e divinas desenvolvidas por autores como Robert Filmer, foi substituído, na Inglaterra, pela monarquia Parlamentar, em anexo com as teorias político-liberais do John Locke. Além de conflitos políticos, quando se confrontam os absolutistas católicos inglesas com os liberais protestantes, são destacáveis os conflitos filosóficos entre Filmer e Locke, ambos atrelados às formas de governo citadas.

Locke, o autor até então estudado, foi o maior teórico por trás da ascensão do Guilherme III. O Decreto da Declaração de Direitos entra em paralelo com as disposições teóricas do teórico. Afinal, ambos defendiam as garantias fundamentais e separação dos poderes corporativos do Estado.

            Com efeito, o Bill of Rights assegurou, institucionalmente, os direitos individuais humanos. Ou seja, a preservação da vida, liberdade, seja ela política ou religiosa, propriedade dentre outros. Além das teorias liberais-econômicas Lockeanas, a declaração também impulsionou o livre comércio. Afinal, qualquer indivíduo, que agora passara a ser assegurado constitucionalmente, possa ser dono da sua terra, comércio e, posteriormente, indústria. Por isso, contrariando o espectro marxista, as agitações políticas, Britânicas de efeito, criou ferramentas que estimularam e favoreceram as agitações econômicas. Especificamente a Revolução Industrial.

Por fim, nessa mesma esteira, comenta Comparato a respeito da síntese objetiva do documento:

“O essencial do documento consistiu a instituição da separação de poderes, com a declaração de que o parlamento é um órgão precipuamente encarregado de defender os súditos perante o Rei e cujo funcionamento não pode, pois, ficar sujeito ao arbítrio deste. Ademais, o Bill of Rights veio fortalecer a instituição do júri e reafirmar alguns direitos fundamentais dos cidadãos, os quais são exemplos até hoje, nos mesmos termos pelas Constituições modernas, como o direito de petição e a proibição de penas inusitadas ou cruéis (cruel and punishments)” (COMPARATO; F. K, 2010, p.108).

            Por acréscimo, o Bill of Rights, abriu as portas para uma nova visão de Estado. Uma jurisdição baseada em leis escritas e firmadas por um órgão independente do poder executivo. Um firmamento que possibilita o ordenamento jurídico e, em paralelo, a melhor garantia dos direitos fundamentais à vida humana competente ao Estado Civil. Dando então, um novo carácter jurídico à Inglaterra que passara então a contar com uma monarquia parlamentar.

3.2 - O firmamento jurídico como extensão das garantias fundamentais: Os argumentos que efetivaram essa concepção.

            Em paralelo aos acontecimentos parlamentares Ingleses e a efetivação da declaração de Direitos (Bill of Rights), John Locke ainda é relacionado a essas efetivações teóricas.

            Como é de efeito, é possível destacar uma integra ligação entre os escritos do teórico com o contexto. E isso passa a ser óbvio. Afinal, Locke foi conselheiro de políticos protestantes ingleses.

            Ao citar o Direito Natural, o teórico elabora a teoria que fundamenta os direitos humanos. Pois, categoricamente, afirma que é na naturalidade, ou seja, em meio a um contexto precedente ao Estado, o homem já se encontrara em aspecto de igualdade. Por isso, a necessidade de asseguração dessa igualdade por meio de um órgão institucionalizado.

            Estar em igualdade é estar em naturalidade para o filósofo político. Pois, as obras divinas ‘cruas’ fazem parte do âmbito natural. Como protestante, Locke afirma que as obras divinas dadas aos homens são de uso dos mesmos. E, como firmamento bíblico, estando esses indivíduos em Estado de guerra, seria possível violar um dos mandamentos divinos, o de não matar, afinal somente Deus tem esse poder: o de conceder e retirar a vida dos indivíduos. Isso não seria outorgado a mais ninguém.

            Por isso, a configuração desses Direitos naturais parte para uma positivação. Para assegurar os mesmos e manter o homem na ordem normativa civil e divina da igualdade. Além disso, o estímulo Lockeano às compreensões de que todo e qualquer indivíduo possuem seu Direito natural é derivado de uma necessidade normativa que não era levada em discussão anteriormente. Afinal, como se sabe, os reis absolutistas se colocavam a cima da jurisdição. Como o próprio Luís XIV, na França, dissera: L’état c'est moi.

            O que se põe em destaque é a necessidade de percepção da dignidade humana como um fator imutável em ambos os reflexões sociais. Seja ele ainda na Naturalidade como, principalmente, na civilidade da mesma.         

            Não há negar. O principio jurídico da dignidade da pessoa humana decola do pressuposto de que todo ser humano é um microcosmo. Um universo em si mesmo. Um ser absolutamente único, na medida em que, se é parte de um todo, é também um todo à parte; isto é, se toda pessoa natural é parte de algo (o corpo social), é ao mesmo tempo um algo à parte.[9]

3.3 A noção de igualdade como ferramenta dos Direitos Fundamentais

            Até aqui, os paralelismos feitos nas temáticas teóricas Inglesas no espectro lockeano, o espectro liberal e humanístico, são perceptíveis. As noções deliberativas do teórico possuem inúmeras interpretações. As concepções humanísticas recebem um carácter constitucional. Afinal, para Locke, observar que o indivíduo tem sua dignidade humana inviolável, não é filantropia ou amor ao próximo, apenas. Isso deriva de algo maior, um sentido normativo e consolidado a partir que a sociedade se lança no prisma do Estado. Que é de garantir essa dignidade. Em outra esfera, Direitos fundamentais são invioláveis. Intocáveis por qualquer outro indivíduo.

O sentido de igualdade nasce com o homem, segundo o teórico, e é praticada desde as remotas sociedades, a natural como exemplificação. A esse Estado, Locke configura como “Estado também de Igualdade, no qual é recíproco qualquer poder e jurisdição, ninguém tendo mais do que qualquer outro.” (LOCKE; J, 1973, p.41).

Esse sentido normativo é o principio social. Que mesmo sendo aprimorado pela institucionalização, será mantido por ela. Afinal, como foi dito, os princípios naturais, são princípios humanos, referentes à dignidade e de carácter inviolável.

            Nessa esteira, o sentido de igualdade atrela-se as concepções humanísticas. Afinal, a base do respeito às diversidades, parte dessa compreensão: de que todos os seres sendo da mesma espécie são iguais inviolavelmente.

Hannah Arendt aprimora esse sentido de igualdade ao ratificar que:

Nós não nascemos iguais: nós nos tornamos iguais como membros de uma coletividade em virtude de uma decisão conjunta que garante a todos direitos iguais. A Igualdade não é um dado – ele não é physis, nem resulta de um absoluto transcendente externo à comunidade política. Ela é um construído, elaborado convencionalmente pela ação conjunta dos homens através da organização do da comunidade política. (LAFER; C, 2009, p.150)

            Nesse espectro, percebemos um aprimoramento da noção de igualdade e, mais ainda, a importância do Estado nas garantias fundamentais. Afinal. O principio da igualdade é de natureza jurídica. Pois, mesmo com os ideais de dignidade humana partindo da premissa de que todos os indivíduos sendo da mesma espécie são, por natureza, iguais entre si. E, não haveria, sem o ordenamento, ferramenta alguma que garantisse o cumprimento desse conceito e principio.

No entanto, essa noção apenas se vigora com o ordenamento jurídico. Mesmo havendo essa noção de igualdade, a mesma só tem vigor com o reconhecimento e tutela estatal. Afinal, qualquer individuo pode considera-se superior a outrem e por isso atacar sua vida e demais propriedades, mesmo com a noção de igualdade difusa e fixada no corpo social.

O Estado como pessoa jurídica encarrega-se de tornar essa noção como premissa legal. O principio da igualdade como regra positiva configura-se nessa perspectiva. Na extensão e finalidade do Estado. Ligadas ainda nas garantias de direitos fundamentais por parte do corpo legislador.

Por isso, é de se perceber uma real ligação com a teoria Lockena. Ao firmar-se, o Estado está comprometido em garantir os bens presentes na sociedade natural e preserva-los, inclusive aprimora-los e torna-los jurídico-sociais. O principio da igualdade nasce nesse espectro. Na busca de garantias e manutenções à vida por parte do Estado. Visando a flexibilidade e fundamentação de direitos.

3.4 A lei de tolerância e a separação entre Estado e Igreja como breves argumentos garantidores de direitos.

Retornando ao panorama Inglês, o teórico em questão, debruçou-se sobre outra temática paralela a dos direitos humanos e a realidade Britânica: As guerras entre religiões e disputa do poder com o Estado.

Em sua ‘carta acerca da tolerância’, Locke expos argumentos que fortaleceram ainda mais as primeiras grandes noções de direitos humanos já levantadas. Com a perspectiva de não interferência religiosa nos temas civis e da mesma maneira por parte do magistrado, Locke inaugura uma nova noção para uma melhor flexibilidade social.

A Inglaterra sofrera pela disputa entre Católicos (especificamente os Stuarts que governaram a Inglaterra anteriormente) e o novo parlamento e monarca (Guilherme de Orange). Guilherme III, que compactuava da ordem religiosa protestante, objetivou um novo prisma à Inglaterra: o de governo e religião divergentes e deliberativos aos de outrora. O monarca deu espaço para as efetivações protestantes e para as novas burguesias que emergiam no solo britânico.

A Inglaterra via-se em uma via de mão dupla. Por um lado, católicos almejando o poder que perdera, por outro os protestantes recém-chegados ao poder que buscavam a manutenção do seu governo e proteção.

Locke encena como narrador contextual. Elabora a lei da tolerância[10]. Partindo da ideia de que a verdadeira religião é aquela que é tolerante com os que se diferem dela. Fundamentando a noção de paz e respeito às diversidades, que são comuns em qualquer sociedade, para garantir as propriedades individuais necessárias. Afinal, se uma religião declarar guerra à outra, mesmo o poder britânico em secularização, a coletividade e individualidade do corpo social seriam colocadas em riscos.

Em outro momento, Locke separa o poder religioso do jurídico. Pois, o mesmo enxergará que esses terrenos são de naturezas opostas e que se misturados, a guerra será o desfecho. Para isso, o filósofo comenta:

Cada um deles se confinasse dentro de suas fronteiras, um cuidando apenas do bem-estar material da comunidade, e o outro da salvação das almas, possivelmente não haveria entre eles discórdia. (LOCKE, 1973, pg.33).

É de total relevância observar que as guerras entre religiões e, ao mesmo tempo, as disputas da supremacia social entre poder civil e religioso, abalam a estrutura social. Afinal, é impossível pensar em uma sociedade, na era moderna, homogênea. Seja política ou religiosamente. O papel da tolerância, a quem Locke atribui como lei, serve como sustentação para os dois terrenos, embora divergentes em natureza e extensão, os mesmos devem compactuar dessa mesma lei. Visando a asseguração dos seus poderes e, mais ainda, cumprir as suas reais finalidades. Um, cuidar das almas e dos fieis em seu prisma divino. E outro preservar o fluido social e a manutenção da vida, liberdade, propriedade e saúde dos indivíduos que o colocaram como legislador.

Ou seja, não cabe a Igreja a interferência dos assuntos políticos. Afinal, sua estrutura axiológica é derivada e com finalidade de interesses religiosos e divinos. Observando as necessidades sociais com outro olhar, o dogmático e de cunho interior, subjetivo. Por isso, o outorgado da manutenção desses bens, os sociais e objetivo-coletivos, cabem ao magistrado. Cuidar dos bens civis e das garantias naturais são extensões e finalidades do Estado. Como cita Locke:

“É dever do Magistrado civil, determinando imparcialmente leis uniformes, preservar e assegurar para o povo em geral e para cada súdito em particular a posse justa dessas coisas que pertencem a essa vida.” (LOCKE; J, 1973, p.11).

Nesse mesmo viés, não é dever do Magistrado interferir na Igreja. Afinal, como comenta o teórico, “O cuidado das almas é um dever da Igreja”.

O Filósofo comprometeu-se com a liberdade. Afinal, não cabe a nenhum individuo o mesmo compactuando de um ordenamento, interferir na vontade do outro. Pois como cita o poeta português Fernando Pessoa “O Universo não é ideia minha. A ideia que eu tenho do Universo é que é ideia minha”.

 Como foi citado nesse texto, a Inglaterra sofrera por muitos anos com as intolerâncias religiosas e absolutismo político. Locke, como a burguesia ascendente, buscaram espaço e a sede de liberdade. Por isso, o mesmo em suas obras, teorizou sobre qual seria o melhor espectro para o fluido da sociedade. Para romper assim com as tradições contemporâneas a ele e assegurar a independência social e firmar o Liberalismo na Inglaterra como modelo que levara a mesma a ser considerada por muitos anos como a terra liberal[11] e da jurisdição eficaz na Europa.

4 Considerações Finais:

As concepções e considerações a respeito do Direito, Estado e a ideia de garantias fundamentais obtiveram diversos caminhos. No entanto, esse artigo, vislumbrou em um primeiro momento a necessidade de discussão e atribuição dos resultados contemporâneos desses conceitos ao teórico John Locke. Que, muito embora citado brevemente, ainda necessita de um maior destaque no mundo jurídico.

            No Direito Constitucional, o estudo dos movimentos constitucionalistas é de importância prima para a percepção evolutiva da constitucionalidade. Dentre eles, a Revolução Gloriosa coloca-se como uma das mais importantes e que mais efetivaram essa percepção. Por isso a elaboração da imagem contextual desse panorama histórico-jurídico.

            Paralelo a esse movimento, John Locke apontou-se como teórico contextual da constitucionalidade inglesa. O mesmo, burguês e médico-conselheiro de políticos como Shaftsbury, escreveu sobre o real poder do rei na terra. Argumentou, no primeiro tratado, contra a teoria patriarcal de Filmer. E, no segundo tratado, elaborou sua teoria do Estado que explicara o nascimento, finalidade do Estado juntamente com a sua extensão do poder. Além disso, historiograficamente, as obras Lockenas demonstram um cunho refletor da jurisdição inglesa.

            Sabemos que o Liberalismo que dominou a Europa teve seu nascedouro nas mãos de Locke. Afinal, o mesmo usou mecanismos que favoreceram o desenvolvimento humano e das suas propriedades.

Um reflexo desse Liberalismo é a tolerância. Afinal, a mesma proporcionaria uma ligação e integração maior com as demais nações que professem fé contrária à inglesa. Favorecendo assim a economia e desenvolvimento britânico. O Estado, segundo Bobbio, nunca recebeu uma teoria tão ampla e bem elaborada como a que Locke formulara.

Além disso, até então, nenhum outro teórico havia debatido sobre as reais finalidades do Estado. Garantir os direitos e dignidade humana. Corroborando ainda com a análise da sociedade e a necessidade da tolerância e o respeito à diversidade social como firmamentos de um real comprometimento do Estado com sua finalidade, a efetivação dos bens individuais e coletivos dos indivíduos que somam o manto social.

            O Estado teve seu nascimento com a perspectiva de suprir as necessidades fundamentais. Que sem uma jurisdição, seriam colocadas em risco. As leis, que são mecanismos de controle positivado por um Estado civil, tornaram-se um firmamento consolidado.

O excesso de Liberdade traria a guerra. Por isso, a mediação e controle de proporcionalidade das individualidades para a constituição de uma coletividade firmada na jurisdição.

            Os movimentos ingleses estimularam um decreto, o Bill of Rights, e graças a isso, as novas monarquias passaram a obter uma constituição escrita. Que estaria superior aos governantes. Adotando-se o princípio da supremacia constitucional.

Com efeito, Locke estimulou um maior vislumbre das garantias fundamentais como objetivo primo do Estado. A primeira e grande finalidade dos governantes seria com os direitos fundamentais, individuais e coletivos. Um novo humanismo se instalara nas concepções inglesas. A constitucionalidade adquiriu, de modo institucionalizado, um carácter humanista. Ou seja, os governantes. Constitucionalmente, debruçariam suas percepções no individuo e suas necessidades como ser material e sentimental.

Essa é a questão levantada nesse texto. Todo o desenrolar do mesmo, parte da teorização do Estado e sua natureza e extensão. Nesse mesmo espectro, as leis como ordenamento jurídico e o nascimento de um instituto capaz de reger esse Estado. E, ao seu lado, garantir as necessidades inatas à natureza humana e a sua dignidade, o Direito.

Por fim, responde-se então a questão colocada em início. Não podemos pensar no Estado na contemporaneidade e não se imaginar uma instituição garantidora.  Teoriza-se o Estado, para depois chegar-se à dignidade humana e seus direitos básicos, fundamentais: a vida, liberdade, respeito às escolhas, proteção e propriedade.

Complementando, com as análises e observações acerca do contexto Inglês, podemos destacar a identidade inglesa como inovadora. Afinal, em se solo, diversas medicas jurídico-econômicas foram realizadas. E jusfilósofos como Locke, assumem um carácter metódico e de cientificidade jurídica.

O Liberalismo assume o poder ideológico da economia e desenvolvimento europeu. Ao permitir o desenvolvimento da pessoa humana conforme seus recursos. E, juridicamente, o principio constitucional é erguido.

Assumiremos assim, essa constitucionalidade nas veias do pensador britânico, como firmamento teórico de proporcionalidade ao Direito Constitucional. Para então, concluirmos com a sensação e certeza de dever cumprido até aqui.

 

Referências Bibliográficas:

BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo Como Categoria Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica  dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Juspodvum. 2015.

GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia?. São Paulo: Martins fontes, 2005.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo:  Martins Fontes. 2014

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Segundo Tratado do governo civil. Tradução de Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro, São Paulo: Abril Cultural, 1973, Coleção “Os Pensadores”.

RUSSELL, B. História da Filosofia Moderna. São Paulo: Editora Nacional. 1969.

WEFFORT, Francisco; Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 2008.

 

Notas:


[2] Advogada. Professora Titular de Direito Constitucional no Curso de Direito, vespertino, e de Introdução ao Estudo do Direito, Noturno, na Faculdade ‘Pio Décimo’. Tem interesse nas áreas de Direito Constitucional e Direito do Estado. Email: patynara@globo.com

[3] WELLFORT, F.C. Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2008, p.186

[4] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Juspodvum, 2015, p.27

[5] BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2012. P.42

[6] Robert Filmer (1588-1653) era um teórico político Inglês que defendeu o direito divino dos reis. Sua obra mais conhecida, Patriarcha, publicado postumamente em 1680, foi alvo de numerosas críticas devido as suas extensões que fortaleciam o poder absoluto dos monarcas.

[7]RUSSEL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental: A Filosofia Moderna. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. p.174.

[8] As acepções em torno do termo ‘propriedade’ variaram muito ao longo do tempo. No seguinte presente, Propriedade é associada aos bens patrimoniais. Locke, ainda no século XVII, configurou esse termo como tudo aquilo que for de integridade do homem. Ou seja, a vida, a liberdade, saúde física e as terras são propriedades humanas e que devem ser asseguradas juridicamente.

[9] BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2012. P. 27.

[10] Locke, ao escrever a sua carta acerca da tolerância, elaborou a lei de tolerância. Que seria uma ferramenta utilizada pelos novos governantes Ingleses e pela nova Igreja que o mesmo vislumbrava na Inglaterra. Um prisma de tolerância às diversidades sociais. Para ele, o sinal de uma verdadeira religião seria um corpo religioso tolerante com as demais religiões e com os demais indivíduos da mesma sociedade que professassem outro(s) deus (es). E, mais ainda, nessa mesma esteira, seria papel do magistrado assegurar a diversidade. Afinal, ninguém deveria ter a sua vida colocada em risco por professar outra cultura, fé ou pensamento divergente aos da coletividade.

 [11] Por muitos anos, durante as Revoluções que eclodiram na França em seu próprio período constitucionalista, juristas e filósofos franceses como Montesquieu e Rousseau, se debruçaram nos escritos de Locke e no modelo de jurisdição Inglesa. Afinal, a mesma em relação à França, obteve maior eficácia no movimento que limitou a Monarquia levando-a para o campo parlamentar. Locke foi visto como o grande teórico por trás desse movimento e, mais ainda, seus escritos tornara-se famosos e célebres no solo Frances. Servindo e modelo e inspiração para os teóricos e burgueses que ascendiam na França e, em paralelo, que visavam o fim da monarquia absoluta.

Sobre os autores
Davi Reis de Jesus

Escritor. Atualmente é Assistente Jurídico em Escritório de Advocacia. Autor de mais de 24 (vinte e quatro) artigos jurídicos publicados em periódicos, capítulos de e-book, nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito Penal e Segurança Pública. Autor dos livros "Justiça Restaurativa e Violências" publicado pela NEA e registrado na Biblioteca Nacional de Frankfurt (2019) e "Justiça Restaurativa: Apanhados bibliográficos 2018/2021" publicado na Clube de Autores. Também é autor de livros literários.

Patrícia Nara

Titular da disciplina de Direito Constitucional Vespertino da Faculdade 'Pio Décimo'.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo orientado e supervisionado pela Prof. Esp. Patrícia Nara,

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