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Rescindibilidade da sentença protegida pela coisa julgada

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Agenda 01/05/2003 às 00:00

SUMÁRIO: 1. Resumo 2. Introdução 3. Abordagem filosófica e científica do direito 4. Da coisa julgada 5. Hermenêutica, tópica e jurisprudência 6. Princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade 7. Rescindibilidade da sentença injusta 8. Considerações finais.


1. Resumo

Não raro o jurisdicionado se depara com situações extremamente conflitantes, ditadas por turmas ou câmaras de tribunais, negando uma verdade real diante de uma verdade meramente formal ou ficta. Se a ciência do direito se ampara em proposições verdadeiras, extraídas de um sistema de interpretação, causa certa perplexidade quando se adota uma postura com condicionamento não verdadeiro. A preocupação ainda é maior quando a decisão que transitou em julgado já não comporta sequer a ação rescisória de que trata o art. 485 do Código de Processo Civil, porque atingida pelo prazo decadencial dos dois anos, embora com matéria de considerável relevância, a indicar caminho para se chegar a uma verdade real.

O tema aborda uma constatação que não pode ser ignorada: a inquietação quanto a possibilidade ou não de se discutir o mérito de uma sentença já alcançada pela coisa julgada material e pela impossibilidade da ação rescisória do art. 485 já mencionado, como, a título de exemplos, na descoberta do pai biológico, após o exame DNA, quando sentença bem anterior ao exame já havia atribuído a paternidade a outrem; quando filho adotivo menor descobre o verdadeiro pai, pretendendo então a declaração da nulidade da adoção e o registro do pai biológico no assento de nascimento; quando sentença impõe condenação vexatória à fazenda pública, fruto de questionáveis perícias ou levantamentos, feitos sem nenhuma metodologia e com fortes indícios de má-fé.

O presente trabalho propõe uma reflexão ou um repensar do conceito de coisa julgada material, afastando da decadência questões que, pela ética, boa-fé e moralidade, possam ser objeto de reexame, não em grau de recurso, mas através de ação de conhecimento de natureza declaratória ou constitutiva.


2. Introdução

Compreender o direito e aplicá-lo é uma árdua tarefa. Compreender é buscar o significado de alguma coisa em função das razões que a orientam. Não basta detectarmos o fato e encaixá-lo a uma lei geral e abstrata dando-lhe concretude, como se a subsunção da premissa menor à premissa maior conferisse uma solução necessária, mediante operação puramente formal, como observa com rigorosa precisão a professora Margarida Maria Lacombe CAMARGO.[1]

É, pois, tarefa das mais difíceis definir o direito, mormente em seu aspecto ético. Relembra Miguel REALE que a conceituação ética do direito, que coloca a coação como elemento externo e não como elemento intrínseco da própria vida jurídica, não coube a um jurista, mas sim ao poeta DANTE ALIGUIERI, para quem o direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a.[2]

Essa definição está justamente na distinção que se faz dos direitos reais e pessoais; direito sobre uma coisa (jus in rem) e o direito em face de uma pessoa (jus in personam).

De fato, o direito não é qualquer relação entre os homens, mas relação que implica numa proporcionalidade de valores, cuja medida é o próprio homem, tendendo a uma convivência harmônica e sempre visando o bem comum. Toda a vida social é invadida e dominada pelo direito, tanto nas suas mais humildes como nas suas mais solenes manifestações, sendo infinitas as relações que ele origina, quer essas relações sejam apenas de homens, quer sejam entre o indivíduo e o grupo social, a família, o município, o Estado a que pertence, quer, finalmente, entre vários grupos, no dizer de RUGGIERO.[3]

Depois de afirmar, em sua célebre introdução, que o encontro com o direito é diversificado, às vezes conflitivo e incoerente, às vezes linear e conseqüente, Tércio Sampaio FERRAZ JR esclarece que o direito aparece, para o vulgo, como um complicado mundo de contradições e coerências, pois, em seu nome tanto se vêem respaldadas as crenças em uma sociedade ordenada, quanto se agitam a revolução e a desordem. O direito contém, ao mesmo tempo, as filosofias da obediência e da revolta, servindo para expressar e produzir a aceitação do status quo, da situação existente, mas aparecendo também como sustentação moral da indignação e da rebelião.[4]

Indubitável que quanto maior a incoerência e contradição no conceito das normas de um direito, menos são possíveis as definições, como alertou HEGEL, ao exemplificar que nenhuma definição de homem será possível no direito romano, pois não seria possível subsumir-lhe aquele de escravo, cujo estado é, antes de mais nada, uma violação a esse conceito.[5]

Se o direito é um conjunto de regras estabelecidas pela sociedade organizada, cumpre indagar a que serve esse conjunto de regras e como aplicá-lo, diante de pluralidade de concepções epistemológico-jurídicas ricas em conceitos estruturais.

Com os avanços da biomedicina, tornou-se fácil apurar a paternidade. Mas como fica a situação do investigante que obteve uma sentença declaratória da paternidade atribuída a um suposto pai, com base em prova exclusivamente testemunhal, quando, anos depois, se descobre o pai biológico por intermédio do exame DNA.?

E a situação da Fazenda Pública que se vê condenada a valores incompatíveis com a ética, com a moral e com a lealdade processual, muitas vezes pela inércia ou negligência de sua própria procuradoria, quando, em fase posterior ao trânsito em julgado do decisum, se descobre erro material ou má fé quando da elaboração de perícia? Seria justo que toda a sociedade fosse sacrificada pelo desvio de conduta de seus agentes, sem que tivesse instrumento eficaz para restabelecer a ordem, mesmo depois do prazo decadencial da ação rescisória?

São algumas reflexões propostas nestas despretenciosas linhas.


3. Abordagem filosófica e científica do direito

Teoricamente não existe uma norma expressa capaz de trazer à tona a verdade real, depois do efeito da imutabilidade da sentença e do decurso do prazo decandencial de dois anos, para a ação rescisória do art. 485 do Código de Processo Civil. A ordem jurídica dá uma proteção toda especial à verdade formal ou ficta do decisum, em detrimento da verdade real.

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Diante dessa lacuna, já se afirmou a possibilidade da aplicação do direito natural, para corrigir erro grave e restabelecer a noção de sentença justa, premiando a ética e a boa-fé.

De fato. Um dos enfoques da ciência do direito decorre justamente da distinção feita pelo pensamento jurídico ocidental entre direito natural e direito positivo. Entendia-se aquele ora como emanado da própria natureza, ora como derivado de Deus ou ainda da razão; e este uma ordem coativa de elaboração do homem, pressupondo uma organização político-social para a sua efetivação, que é o Estado. Nota marcante é que o direito natural se sobrepõe ao próprio Estado.[6]

A concepção do direito natural como fruto da razão, desenvolvida notavelmente pelos pensadores estóicos, esteve presente na ideologia da maior parte dos juristas romanos. Em sua época, eles desenvolveram o "ius gentium", corpo de direito positivo surgido na prática jurídica em resposta à necessidade de resolver os casos concretos em que se chocavam os interesses de cidadãos romanos com os de outros indivíduos que, por não desfrutarem dessa condição, não estavam sujeitos à aplicação do direito romano. O direito dos povos formou-se mediante a aplicação de princípios racionais, que presumivelmente seriam comuns a todos os seres humanos, romanos ou não; isso o aproximou, de alguma maneira, do direito natural preconizado pelos filósofos, embora, diferentemente deste, sua aplicação prática fosse imediata.

A figura singular de TOMÁS DE AQUINO sintetizou as diversas correntes do pensamento filosófico e teológico medieval, fazendo-as confluir numa admirável síntese harmônica. Com respeito ao direito, estabeleceu a distinção entre direito divino, direito natural e lei humana. Nesses três tipos de direito, segundo TOMÁS DE AQUINO,[7] era essencial o componente racional. As bases para o advento do pensamento renascentista estavam lançadas.

Uma ordenação jurídica sem necessidade de órgão exterior de coação, se identificaria, segundo KELSEN, com uma ordenação anárquica, acrescentando que toda teoria anarquista não é outra coisa senão uma teoria de Direito Natural.[8]

HUGO GRÓCIO distingue de forma célebre o direito natural do direito positivo. Para ele,

O direito natural é um ditame da justa razão destinado a mostrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente necessário segundo seja ou não conforme à própria natureza racional do homem, e a mostrar que tal ato é, em consequência disto vetado ou comandado por Deus, enquanto autor da natureza (De jure belli ac pacis 1,10). [9]

O direito natural se funda na reta razão, em que o homem é capaz de se conduzir segundo regras abstratas. Nessa concepção, a recta ratio é a capacidade que tem o próprio homem em determinar regras de valor e do bem comum.

É o direito natural um fim intrínseco e necessário da realização da natureza humana, para preservar uma sociedade justa. Uma de suas características reside em sua imutabilidade, em oposição ao direito positivo, que é mutável e que encontra seu fundamento no pacto social.

A assertiva da imutabilidade do direito natural, levou HOBBES a construir, por necessidade intelectual, o pacto social como irrevogável. HOBBES dissolve desde logo o contrato social no pacto de submissão, pelo qual a sociedade abandona imediatamente os seus direitos naturais a favor do soberano, de tal modo que, como resultado só restam um estado de natureza desprovido de direito e um direito positivo absoluto.[10]

Há quem sustente, nos dias de hoje,[11] estar o direito natural totalmente positivado nas sociedades modernas, fruto de uma legislação, mormente constitucional, voltada para os direitos e garantias fundamentais, como ocorre no nosso país.[12] PAULO BONAVIDES, discorrendo sobre o positivismo jurídico e o ingresso dos princípios nos Códigos, lembra que o advento da Escola Histórica do Direito e a elaboração dos Códigos de então precipitaram a decadência do Direito Natural clássico, fomentando, ao mesmo passo, desde o século XIX até a primeira metade deste século, a expansão doutrinária do positivismo jurídico.[13] É uma clara alusão de que os princípios do jusnaturalismo foram fortemente utilizados e positivados tanto nas constituições quanto nos Códigos editados a partir do século XIX.

Independentemente ou não da positivação, certo é que a expressão direito natural que hoje caiu em desuso para designar a Filosofia do Direito já indica, de certa forma, o caráter crítico dessa disciplina.[14] Se em desuso a expressão, não deixa o direito natural de suscitar sedutor e eterno debate, principalmente pela grandeza e magnitude de sua concepção inicial.[15] Afinal, na concepção de RUGGIERO,

[...] quando o sentimento geral do justo e do eqüitativo já se traduz em preceitos positivos, temos normas jurídicas, mas apenas enquanto são ditadas pelo poder soberano que deve reconhecimento àquela consciência social; quando ainda se não traduz, não se pode falar de regras de direito, mas antes de princípios morais ou sociais, que aspiram a tornar-se direito e a modificar o que existe. O direito natural é, pois, apenas um conceito especulativo que, no entanto, teve e tem uma grande influência, não só na ciência jurídica mas também sobre a legislação.[16]

Certo que o direito positivo é formado pelo conjunto de normas jurídicas válidas. Não há confundir, porém, direito positivo e ciência do direito. Característica da ciência do direito é ter as demais fontes por objeto de estudo. Sua finalidade é cognoscitiva; o discurso é descritivo.

Em contrapartida, o direito positivo não tem discurso descritivo e sim prescritivo. Quanto ao modo de abordagem e ao modo de encarar o direito, o positivismo jurídico responde a este problema considerando o direito como um fato e não como um valor,[17] em oposição à teoria tridimensional do direito, que dá realce ao valor. [18]

O positivismo, embora surgido no século XIX com AUGUSTO COMTE, teve suas bases sistematizadas com BACON, HOBBES[19] e HUME[20]. Juridicamente, coube a KELSEN formular conceito próprio do positivismo, nos clássicos Teoria Pura do Direito e Teoria Geral do Direito e do Estado.

VILLEY enumera correntes modernas da Filosofia do Direito, relacionadas às doutrinas dos grandes filósofos do passado, como o neotomismo, o neokantismo, o positivismo científico e o positivismo jurídico.[21] Além desses enfoques, acrescenta MONTORO tendências atuais de maior importância, como o movimento fenomenológico e a Filosofia analítica da linguagem.[22]

Pela intuição de VILLEY, deve-se reconhecer ao direito outras fontes além das legislativas, porém fontes objetivas, acessíveis a todos. Sugere e aponta a grande vantagem que seria em restaurar a antiga noção jurídica do direito natural, noção geralmente incompreendida porque deformada, falsificada, desde o início dos tempos modernos pelos moralistas e sociólogos. Conclui que o imenso mérito do antigo direito natural clássico foi determinar a parte que cabe à lei (ao direito positivo ) e a que cabe, pela invenção das soluções do direito, à observação da natureza, da realidade social.[23]

Essa observação da natureza e da realidade social, que decorre do direito natural, acaba dando ao intérprete bases sólidas e um campo fértil de decidibilidade, no momento da aplicação do direito ao caso concreto.

É claro que a função de julgar é do Estado, já que a justiça é uma de suas funções essenciais. Porém, embora seja uma função do Estado, perfeitamente viável a simplificação de seus atos, a redução de suas atividades e a aplicação do direito com novos princípios, sem o apego exagerado ao positivismo, mas com a sensatez jus naturalista.


4. Da coisa julgada

Depois de afirmar que sentença é, através da história, o ato jurisdicional por excelência, LIEBMAN ratifica ser esse um ato de autoridade, dotado de eficácia vinculativa, contendo a formulação da vontade normativa do Estado para o caso submetido a julgamento.[24]

Se a sentença retrata a vontade normativa do Estado, tem-se que, vencidos todos os prazos de recursos, essa decisão se torna lei entre as partes, faz coisa julgada formal e material, ficando sujeita apenas à ação rescisória nas estreitas hipóteses do art. 485 do Código de Processo Civil e ainda aos efeitos da decadência, se a rescisória não for ajuizada no prazo de dois anos.

Pertinente que se dê tratamento diferenciado à coisa julgada, diante de decisum proferido sem obediência a princípios estabelecidos na Constituição Federal, às vezes até de forma implícita, como os da proporcionalidade, razoabilidade e boa fé. Só uma interpretação voltada aos princípios constitucionais, divorciada da gramaticidade da lei civil instrumental, poderia oferecer resposta às questões levantadas no início desta abordagem.

Se é certo que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (Art. 5º, XXXVI da CF), certo também que só protegerá a coisa julgada se o ato de origem se revestiu da mais absoluta legalidade e boa-fé, respaldados no preâmbulo da Carta Política de 1988, que contempla um Estado democrático que se destina a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos.


5. Hermenêutica, tópica e jurisprudência

A hermenêutica pode ser entendida como a verdadeira teoria científica da arte da interpretação.

A lei positiva é sempre formulada em termos gerais. Fixa regra, consolida princípios, estabelece normas em linguagem precisa, porém ampla. A tarefa primordial do judiciário é justamente a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, quando chamada a decidir os conflitos.

As várias correntes filosóficas que pensaram o direito a partir do século XIX e, principalmente, os pensadores modernos, se preocuparam e se preocupam sobremaneira sobre os valores que servem de essência ao próprio direito, que são basicamente a justiça, a certeza e a segurança[25], numa inequívoca demonstração da prevalência dos valores éticos. Tanto é verdade que o nosso Código Civil de 2002 se inspirou em três valores considerados essenciais: eticidade, socialidade e operabilidade[26], divorciando-se do Código de 1916, de índole marcadamente individualista e formal.

A hermenêutica tem como pressuposto básico um julgamento ético e moral, como assinala Carlos MAXIMILIANO:

A órbita do Direito e a da Moral são concêntricas; e o raio da última é o mais longo: muita coisa fulminada pela ética é tolerada pelas leis; por outro lado, tudo o que os textos exigem ou protegem está de acordo com o senso moral médio da coletividade. Em resumo: não pode haver Direito contra a Moral, embora nem todos os ditames desta encontrem sanção nos Códigos. Por isso, leis positivas, usos, costumes e atos jurídicos interpretam-se de acordo com a ética; exegese contrária a esta jamais prevalecerá.[27]

No mesmo raciocínio o pensamento do professor José Renato NALINI.[28]

O certo é que o sistema fechado do processo naufragou ao longo do tempo. A falência de conceitos estruturais positivistas é retratada na generalizada insatisfação da sociedade brasileira num todo, levando constantemente o legislador a sucessivas reformas, numa tendência cada vez mais acentuada, porém frustrante, de diminuir o fosso existente entre o poder judiciário e o jurisdicionado.

Uma interpretação voltada aos princípios fundamentais e estribada em valores éticos e morais, poderia justificar a rescindibilidade da sentença acobertada pela coisa julgada material, bastando que a provocação se dirija a um grau hierárquico superior àquele que a proferiu.

Nessa dicotomia de prevalecer a verdade real ou a verdade ficta originária do trânsito em julgado de uma sentença injusta, talvez a tópica da argumentação jurisprudencial viesse contribuir para um novo enfoque. O ponto mais importante no exame da tópica constitui a afirmação de que se trata de uma techne do pensamento que se orienta para o problema[29]


6. Princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade

A partir da Constituição de 1988, um campo de conhecimento até então pouco debatido, passou a suscitar elucidativo debate, de modo a contribuir com a hermenêutica. Trata-se da adoção do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade. Embora não seja novo o tema, só a partir da nossa atual Carta Política é que sua dimensão passou a ser observada, mormente no campo do direito público.[30]

O princípio da proporcionalidade ou razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do poder público para aferir se eles se pautam num valor fundamental: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui, comumente, em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável ou proporcional o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. Há autores, mesmo, que recorrem ao direito natural como fundamento para a aplicação da regra da razoabilidade, embora possa ela radicar perfeitamente nos princípios gerais da hermenêutica.

A essência do Estado de Direito sempre traz em si, de modo inseparável, a proteção aos direitos fundamentais, sendo a proporcionalidade instrumento assegurador desses direitos, redundando em última análise, na concretização do Estado de Direito, como, aliás, contemplado no preâmbulo da Constituição Federal.[31]

Nessa ótica, a proporcionalidade nada mais é do que um instrumento concretizador desses direitos fundamentais, na medida em que impede a atuação abusiva do Poder Público, aí incluído o judiciário.

Poderia se pensar na aplicação desse princípio para restabelecer a verdade real, negada em sentença injusta. Afinal, o princípio da proporcionalidade não é só um elemento de concretização dos direitos fundamentais; em decorrência de sua vital importância, há de ser aplicado, também, na via jurisdicional, para corrigir o erro gritante, a sentença injusta enfim.

Cabe à ciência jurídica a função não só de impor regras ao comportamento individual e social do homem e do Estado, mas, acima de tudo, garantir o fortalecimento das instituições responsáveis pelo desenvolvimento da pessoa humana, estabelecidas na Constituição, como os princípios da legalidade, da moralidade, da eficácia, da impessoalidade e da justiça.

Ao princípio da moralidade subordina-se qualquer conduta estatal ou privada. A este princípio se submete a supremacia da própria lei.

A lei, ao ser aplicada pelo judiciário, está diretamente vinculada aos princípios da moralidade e da legalidade, só se solidificando quando não expressar abuso. A decisão do judiciário deve exprimir confiança e se pautar na boa-fé.

Quando o art. 37 da Constituição Federal contemplou obediência aos princípios de legalidade e moralidade, dentre outros, o fez para abranger qualquer dos poderes. Logo, nenhuma prerrogativa excepcional pode ser outorgada à sentença judicial que provoque choque com o sistema constitucional.

Dentro do padrão ético, o Estado não pode proteger sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que entre em conflito com os princípios da moralidade e da legalidade. Há que prevalecer a verdade real, a realidade dos fatos.

Sobre o autor
Luiz Tadeu Barbosa Silva

advogado, mestre em Direito pela UGF/RJ, professor da UNIGRAN em Dourados (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Tadeu Barbosa. Rescindibilidade da sentença protegida pela coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4069. Acesso em: 23 dez. 2024.

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