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Desaposentação e o princípio do não confisco

Agenda 07/07/2015 às 15:24

Analisa o instituto da desaposentação diante do princípio do não confisco tributário, haja vista o princípio do caráter contributivo da previdência social, do princípio necessário reflexo do salário de contribuição em benefício e a proibição do confisco.

Introdução

O presente trabalho tem como escopo analisar o instituto da desaposentação criado e utilizado para amparar o direito de contraprestação dos segurados aposentados que permanecem exercendo ou retornando em suas atividades laborais e vertendo contribuições para Seguridade Social depois de aposentado.

Será abordado acerca dos princípios constitucionais que amparam à desaposentação e a possibilidade de sua concessão, entre eles o princípio do não confisco tributário.

Hodiernamente temos em nosso sistema pátrio a obrigatoriedade do segurado aposentado que retorna ou permanece trabalhando e financiando a Seguridade Social, lembrando que por estar aposentado este segurado não goza dos benefícios previdenciários por existir uma lacuna na legislação.

Daí o surgimento do instituto da desaposentação.

Análise do Instituito da Desapontação

O financiamento da seguridade social segundo a Constituição Federal (CF) em seu artigo 195 “[...] será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios [...].” (BRASIL, 1988).

O custeio previdenciário é uma obrigação tributária.

Assim, vemos que todos são compelidos a contribuir para o financiamento da seguridade social. No caso em especial estaremos focados nos segurados obrigatórios empregados já aposentados que permanecem trabalhando e continuam contribuintes do financiamento da seguridade social.

Temos que, segurado obrigatório é toda pessoa física que possui atividade laboral, remunerada e lícita, para o doutrinador Carlos Alberto Pereira de Castro (2008, p. 167):

Segurados obrigatórios são aqueles que devem contribuir compulsoriamente para a Seguridade Social, com direito aos benefícios pecuniários previstos para a sua categoria (aposentadorias, pensões, auxílios, salário-família e salário maternidade) e aos serviços (reabilitação profissional e serviço social) a encargo da Previdência Social.

Vejamos que os segurados obrigatórios não possuem faculdade, opção em contribuir com o financiamento da seguridade social, esses segurados são obrigados, mesmo aqueles segurados que já se aposentaram e permanecem exercendo suas atividades laborais.

Neste contexto hodiernamente existem milhares de trabalhadores aposentados, segurados obrigatórios, vertendo aos cofres da Previdência Social contribuição.

Oportuno consignar que não existe amparo legal para esses trabalhadores optarem em não contribuírem ao sistema, tão pouco a contraprestação da Previdência Social destas contribuições.

Assim, diante desta realidade vejamos a existência de uma lacuna, um desamparo ao segurado aposentado que permanece trabalhando, uma desarmonia e um enriquecimento ilícito aos cofres público.

Oportuno consignar que anteriormente essa realidade, tínhamos o Instituto chamado pecúlio, instituído pela Lei 6.887 de 11.12.1980 e extinto pela Lei 8.870/94.

Segundo a doutrinadora Adriane Bramente de Castro Ladenthin e Viviane Massoti (2014), era chamado de pecúlio o montante em espécie devolvido ao aposentado que tivesse contribuído ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por força da obrigatoriedade de filiação pelo exercício de atividade remunerada quando este se desligasse do trabalho.

Com a extinção do pecúlio pela Lei 8.870/94 também veio à desoneração de permanecer o segurado obrigatório aposentado o dever de financiamento da Previdência Social, ou seja, o aposentado que estivesse ou retornasse à suas atividades laborais estaria isento da contribuição previdenciária. Entretanto, a alegria dos brasileiros não durou muito tempo, tornando novamente dever do segurado aposentado a contribuir, custear a Previdência Social com a vigência da Lei 9.032/95 que alterou a Lei 8.212/91 em seu artigo 12, § 4º.

Vejamos que exatamente há 20 anos os trabalhadores aposentados estão pagando e financiando a Previdência Social sem nenhuma contraprestação, ou seja, sem nenhum retorno, estando à margem do legislativo brasileiro que pouco se interessam em regulamentar referida situação, bem como enfrentando as barreiras e dificuldades no Judiciário.

Muitos acreditam na volta do pecúlio crendo que à única solução para a questão seria seu retorno, entretanto, longe de duvidar do interesse político que governa este país, não posso anuir com tal pensamento.

Cumpre consignar que os direitos previdenciários vêm sendo nivelados, os princípios basilares de nossa Constituição Federal veem sendo frontalmente desrespeitados e, em especial, me cabe aqui invocar neste trabalho o princípio constitucional do não confisco tributário.

O princípio do não confisco encontra-se consagrado no artigo 150, inciso IV, da Constituição, do capítulo I – Do Sistema Tributário Nacional, da Secção II – Das Limitações do Poder de Tributar.

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Tratando se de um princípio dirigido a todo ente federativo.

Insere-se dessa forma como um contrapeso ao poder de tributar. É uma norma dirigida ao Estado como forma de garantir ao contribuinte limites para a ação estatal. Impede o livre-arbítrio do legislador na instituição de tributos. Sendo assim, o tributo utilizado como efeito de confisco será tido como inconstitucional, devendo a lei instituidora ser extirpada do ordenamento jurídico pátrio.

O professor Hugo de Brito Machado (2001, p. 45) menciona que: "Os princípios jurídicos da tributação existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder de Tributar pertencente ao Estado".

Sua origem etimológica vem do verbo latim confiscare, que é concebido, no ambiente jurídico, como ação de força exercida pelo Estado consistente em transferir para si todos ou partes dos bens de um particular. (CASTILHO, 2002).

Com efeito, confisco pode também ser definido como "apreensão e adjudicação ao fisco de bens do patrimônio de alguém por violação da lei e como pena principal ou acessória.” (CARVALHO, 2004, p. 82).

Assim temos que a própria Carta Magna expõe em seu artigo 150, IV a proibição da utilização do tributo com efeito de confisco. Como se vê, a Lei Maior de nosso ordenamento jurídico positivou a ideia de que a tributação no Brasil deve ser feita de forma razoável, permitindo a existência e a manutenção do patrimônio do particular que, em última análise, é a “fonte de receita” do Estado.

Partindo deste ponto temos que se a Constituição Federal veda a utilização de tributo confiscatório, ou seja, sem contraprestação do Estado e, se as contribuições vertidas pelos segurados aposentados simplesmente não são vertidas em benefícios, estaríamos diante de um confisco?

Bom, a meu ver é óbvio que estamos diante de uma prática confiscatória estatal, haja vista que todos os elementos para existência do confisco encontram-se presente, o Estado ente definido como “fisco”, o bem jurídico patrimonial, descontos compulsórios dos salários dos empregados aposentados e nenhuma contrapartida destas contribuições.

Diante desta realidade muito se buscou pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 9.032/95 (BRASIL, 1995), que alterou o artigo 12, § 4º da Lei 8.212/91, que diz que o aposentado pelo RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta lei, para fins de custeio da Seguridade Social.

Também foi objeto desta tese o princípio do não confisco, no entanto foi declarado pelo Supremo Tribunal Federal a tese de que não havia ofensa ao artigo que autoriza aos aposentados a custearem a Previdência Social, mencionando que a Constituição diz que cabe a Lei regulamentar hipótese de pagamento de contribuição previdenciária, não adentrando profundamente no princípio do não confisco diante desta situação, neste momento surge o instituto da desaposentação.

Wladimir Novaes Martinez (2008, p. 28), idealizador do instituto e criador do neologismo, hoje, corriqueiro aos estudiosos do Direito Previdenciário define desaposentação sendo “[...] o ato administrativo formal vinculado, provocado pelo interessado no desfazimento da manutenção, que compreende a desistência com a declaração oficial desconstitutiva”.

Fábio Zambitte Ibrahim (2011, p. 35), conceitua desaposentação sendo,

[...] possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a melhoria do status financeiro do aposentado.

Já o doutrinador Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazarri (2008, p. 534-5) caracteriza desaposentação: “É o ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.”

Já Ladenthin e Masotti (2014) entendem que se trata de renúncia ao benefício concedido para que o tempo vinculado a este ato de concessão possa ser liberado, permitindo seu computo em novo benefício, mais vantajoso.

Vejamos que o instituto da desaposentação foi criado para amparar o segurado/contribuinte do sistema previdenciário que retornasse ou permanecesse em sua atividade vertendo contribuições à Seguridade Social para que não ficasse prejudicado sem a devida contraprestação, fazendo jus ter reconhecido a renúncia de sua aposentadoria atual e consequentemente instituída outro beneficio mais vantajosa, neste incluindo os períodos posteriores a sua aposentadoria.

Assim, a proteção ao aposentado que permanece financiando o sistema previdenciário advém da aposentação, que é um ato administrativo e, quando concedida a aposentadoria, sobrevêm a possibilidade da renúncia a esta aposentadoria, por se tratar de um direito patrimonial disponível.

Não existe vedação na Constituição e nem na Lei em relação à renúncia da aposentadoria. O Decreto 3.048/99 aduz que os benefícios previdenciários concedidos serão irreversíveis e irrenunciáveis.

No entanto, a renúncia a aposentação, busca proteger o aposentado, que possui a intenção de obter novo benefício, através do preceito da proteção ao trabalhador, encravado na Constituição Federal.

Cabe ressaltar ainda que, é clara a possibilidade de renúncia à aposentadoria, em inteligência ao artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, que versa sobre o Princípio da Legalidade, onde ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

 Grande polêmica gira em torno da questão da devolução das prestações percebidas, entretanto, grande maioria dos julgados de nosso país entende que por se tratar de beneficio de caráter alimentar, valores recebidos de natureza alimentar, não há que se falar em devolução, por serem irrepetíveis.

A questão já foi pacificada e decidida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente em sede de recurso repetitivo, senão vejamos:  

EMENTA:

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE.

1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar.

2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação.

3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria [Com aplicação vinculante nos termos dos Recursos Especiais nº 1111743 e 1251532 dentre outros – STJ C.C. APLICAÇÃO do Recurso Repetitivo nos termos do 543-C nº 1334488 – STJ (Julgamento Favorável da Desaposentação – sem devolução] a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ.

4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp 1.298.391/RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667/PR, 1.305.351/RS, 1.321.667/PR, 1.323.464/RS, 1.324.193/PR, 1.324.603/RS, 1.325.300/SC, 1.305.738/RS; e no AgRg no AREsp 103.509/PE.

5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução.

6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (BRASIL, 2013).

Assim, além do STJ reconhecer o direito à renúncia da aposentadoria e conceder consequentemente nova aposentação mais vantajosa o STJ também reconheceu o afastamento da devolução dos valores recebidos.

Contudo a questão não se esgota por aqui, atualmente a problemática da desaposentação encontra-se no Supremo Tribunal Federal (STF) através do recurso extraordinário 661.256 para julgamento.

Oportuno consignar que a questão surge da afronta do artigo 18,§ 2º da Lei 8.213/91, ou seja, matéria meramente infraconstitucional alegada pelo Instituto Nacional da Previdência Social (INSS).

Ademais, importante destacar que até o reconhecimento, aceitação do recurso extraordinário 661.256 o STF não se conhecia competente para apreciar a matéria da desaposentação, porque a questão esbarrava na análise da norma infraconstitucional e até, no entanto, o STF tinha várias decisões monocráticas com este entendimento. Nada obstante o Supremo acabou entendendo que a ofensa a Constituição é direita e reconheceu a repercussão geral admitindo para si o julgamento da desaposentação.

A meu ver não existe ofensa direta à Constituição Federal para tal matéria estar sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, a discussão já foi esgotada pelo Superior Tribunal de Justiça. E a grande saída para o Supremo Tribunal Federal aceitar e manter a decisão do Superior Tribunal de Justiça é inicialmente respeitar o princípio da legalidade estipulado no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal que diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Com relação à invocação do artigo 18, § 2ª da Lei 8.213/91 pelo INSS, sobre cumulação de benefício, este se encontra certo em seu argumento, porém, a discussão não é cumulação de benefício e sim desaposentação, que é o cancelamento de uma aposentadoria e ato contínuo a concessão de uma nova aposentadoria.

Ademais, importante destacar o princípio do caráter contributivo, estipulado no artigo 201 caput da Constituição Federal, ou seja, a Previdência Social tem caráter contributivo, significa que as contribuições vertidas pelo segurado não podem ser menosprezada, deve haver uma contraprestação.

Temos ainda o amparo do § 11 do artigo 201 da Carta Magna que diz que todo salário de contribuição deve refletir em benefício.

Conclusão

Vejamos que há um enriquecimento ilícito por parte do Estado e não dos segurados com a desaposentação e, invoco o princípio estipulado no artigo 150, inciso IV da Constituição Federal, proibição do confisco tributário, ou seja, não pode haver contribuição sem contraprestação, caso o contrário estaremos diante de uma situação de confisco.

Referências

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______. Superior Tribunal de Justiça (1 Turma). REsp 1334488 SC 2012/0146387-1. Relator(a) Herman Benjamin, Órgão julgador: Primeira Seção, Julgamento: 08/05/2013. Publicação: DJE, Brasília, 14 de maio de 2013. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23214413/recurso-especial-resp-1334488-sc-2012-0146387-1-stj >. Acesso em 3 jul. 2015.

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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 20. ed. Fortaleza: Malheiros, 2001.

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Sobre a autora
Adriana Marçal dos Santos

Advogada militante há 7 anos na área Previdenciária, pós graduada pela Universidade UNISAL em Direito da Seguridade Social, membro da Comissão Previdenciária da 35ª Subseção da OAB/SP - Comarca de Limeira/SP, membro da comissão representate do Instituto dos Advogados Previdenciárioa - IAPE na comarca de Limeira/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo acadêmico apresentado como requisito para obtenção do título de Especialista no Curso de Direito de Seguridade Social.

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