De acordo com o Supremo Tribunal Federal[1], os limites impostos pela Constituição Federal ao poder de tributar do estado, expressos no artigo 150[2], objetivam proteger tanto os direitos fundamentais quanto a própria estrutura federativa.
O princípio da legalidade tributária, fundado na chamada legalidade geral do artigo 5°, inciso II da CRFB/88 (“Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”), expressa a evolução pela qual o sistema tributário passou, i.e., o abandono de uma condição impositiva e a adoção de uma condição jurídica. O contribuinte tem o dever de pagar seus tributos, mas ao Estado são impostas barreiras para se evitar abusos.
Parafraseando o próprio artigo 5°, inciso II, podemos afirmar que ninguém pode ser obrigado a pagar tributo, se este, em regra, não for criado ou majorado por lei. A exigência (ou “instituição” ou “criação”) de um tributo também deve dar-se por lei.
E a legalidade tributária desdobra-se em dois aspectos:
1°- Legalidade formal: A lei que institui o tributo necessita ser emanada de ente que tenha competência constitucional para isso. Esse aspecto remonta à origem histórica do princípio da legalidade[3]. Assim, hoje, a tributação não é mais uma determinação unilateral do chefe do executivo.
Também conectada à legalidade formal está a necessidade de adequar-se o tipo de lei à regulamentação da matéria escolhida, v.g., apenas Lei Complementar pode tratar de empréstimo compulsório. Mais: é necessária a estrita observância ao processo legislativo, v.g., a proibição de aprovar-se uma Lei Complementar com maioria simples.
2°- Legalidade material: Relaciona-se ao conteúdo do tributo. Trata-se do dever/ser, da relação jurídica que envolve sujeito ativo, sujeito passivo e a prestação (objeto).
A norma jurídica tributária deve descrever o fato gerador, chamado também de fato jurígeno tributário, assim como a obrigação, identificada como a relação jurídica que surge entre o credor e o devedor pela necessidade de pagar tributo.
Ao conjunto fato gerador + obrigação tributária dá-se o nome de hipótese de incidência tributária.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO.
É cediço que a repetição de indébito calca-se na ideia de equidade e justiça, haja vista ter esta ação o objetivo de fazer retornar o contribuinte a sua anterior capacidade contributiva.
O Código Tributário Nacional disciplina que, havendo pagamento indevido, é cabível a ação de repetição de indébito:
Artigo 165, CTN: O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
Mas, qual a relação entre o princípio da legalidade e a dispensa de prévio protesto para a ação de repetição de indébito? Ao contrapormos a noção de Direito Contratual à de Direito Tributário, essa resposta torna-se clara:
A mais marcante diferença entre tributos e contratos é que, enquanto nos últimos o acordo se origina da vontade das partes, a relação tributária é “ex lege”. Assim ensinada pelo brilhante Professor Ricardo Lobo Torres:
“Chegou-se, assim, ao conceito de tributo como objeto de uma relação obrigacional criada por lei. O núcleo da definição passou a ser o vínculo obrigacional, pois a relação jurídica se firmava entre dois sujeitos – credor e devedor do tributo – que se subordinavam à lei em igualdade de condições. O tributo, portanto, tinha na lei a sua fonte ou causa, mas se definia principalmente em função do fato gerador que dava nascimento à obrigação tributária, nova estrela na constelação financeira[4]...”.
No que toca à relação direta com o princípio da legalidade, assim se manifesta Ricardo Lobo Torres:
“A restituição abrange todo e qualquer pagamento em desconformidade com a lei. A obrigação de pagar o tributo nasce quando ocorre na vida real um fato que se pode subsumir na hipótese genérica prevista na norma jurídica; quando, por qualquer circunstância, de natureza substancial, temporal ou quantitativa, o imposto pago não corresponder à descrição constante da lei, diz-se que há indébito a repetir[5].” (Grifo nosso).
Assim, ainda em situações extremas, por exemplo, o sujeito passivo espontaneamente paga o tributo à maior ou, ainda, situação na qual o sujeito passivo realize a confissão, terá, mesmo assim, o contribuinte direito à repetição do indébito, e isto se dará independente de prévio protesto.
ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
O direito material à restituição dos valores pagos à maior existe, qualquer que seja a modalidade de pagamento escolhida pelo sujeito passivo, conforme determinação do artigo 162 do CTN. Também é irrelevante a modalidade de lançamento do crédito tributário.
Tratando-se especificamente de tributos indiretos, afirma o CTN em seu artigo 166 que a restituição de tributos, que por sua natureza comportem transferência do respectivo encargo financeiro, somente será realizada para quem provar que assumiu referido encargo. Se houver transferência à terceiro, este deve ser expressamente o autorizado a recebê-la.
Exemplo clássico é o do IPI apurado e cobrado nas vendas e destacado em notas fiscais. Este valor acrescido ao valor da mercadoria é faturado e cobrado do comprador. Portanto, compete a este e não ao vendedor, a eventual restituição.
O fenômeno em análise é denominado pela doutrina de “repercussão”, sendo inclusive objeto de enunciado da súmula do STF:
Enunciado 546, STF: Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte "de jure" não recuperou do contribuinte "de facto" o "quantum" respectivo.
O juízo competente para a ação de repetição de indébito tributário será, em regra, o do foro do domicílio tributário do sujeito passivo. Para fixação deste juízo, devem-se considerar os preceitos do artigo 891 do Código de Processo Civil, assim como os artigos 127 e 159 do CTN, e o artigo 109 da CRFB/88.
Quanto à legitimidade ad causam ativa, a restituição pode ser pleiteada pelo sujeito passivo, i.e., tanto pelo contribuinte ou responsável tributário, quanto pelo substituto tributário. A legitimidade ad causam passiva repousará sobre pessoa jurídica de direito público federal, estadual ou municipal (entes federativos; fundações; autarquias), que seja titular da competência para exigir o cumprimento da obrigação tributária (artigo 119 do CTN).
O Superior Tribunal de Justiça possui dois entendimentos importantes relacionados à ação de repetição de indébito tributário:
Enunciado n° 188, STJ: Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.
Enunciado n° 212, STJ: A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar.
Quanto ao prazo para pleitear-se a restituição, o artigo 168 do CTN afirma que o mesmo será de cinco anos, contados a partir da extinção do crédito tributário, ou seja, a partir do pagamento indevido.
Importante destacar que o prazo de cinco anos aplica-se aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Nestes, o artigo 150 do CTN prevê o pagamento antecipado.
Notas
[1] ADIN n° 939.
[2] Não é apenas no artigo 150 que a CRFB/88 estabeleceu limitações ao poder de tributar. Os Princípios da Seletividade e Não cumulatividade, v.g., estão expressos no artigo 153.
[3] Magna Carta Inglesa de 1215, na qual não poderia haver tributação sem representação popular.
[4] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 17° ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 235.
[5] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 17° ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 295.