Resumo: O presente artigo aborda questões doutrinárias relacionadas à natureza jurídica do salário, à distinção entre salário, salário in natura e remuneração. Traz à lume, consubstanciado na doutrina e na Jurisprudência, quais são os requisitos legais para concessão do salário in natura “alimentação”, esclarecendo em que hipóteses ocorrerem ou não à integração à remuneração do trabalhador, bem como, quais são os reflexos legais em caso de integração da utilidade à remuneração. Apresenta ainda os principais aspectos da Lei n. 6.321/76 que trata do Programa de Alimentação ao Trabalhador – PAT, analisados sob o aspecto dos princípios de proteção ao trabalhador, esclarecendo qual a situação jurídica dos empregados que recebiam salário in natura “alimentação” antes de o empregador aderir ao PAT, e aqueles empregados que estão vinculados a Acordos ou Convenção Coletivos que conferem caráter indenizatório à alimentação, se será aplicada a Lei n. 6.321/76 ou prevalecerá a norma disposta no instrumento Coletivo.
Palavras-chave: 1. Salário in natura. 2. Alimentação. 3. Integração à remuneração. 4. PAT.
Sumário
2 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS.. 2
2.1 – ORIGEM DA PALAVRA “SALÁRIO” 2
2.2 – NATUREZA JURÍDICA DO SALÁRIO.. 3
3 – DISTINÇÃO ENTRE SALÁRIO, SALÁRIO-UTILIDADE E REMUNERAÇÃO.. 4
3.2 - SALÁRIO-UTILIDADE, CONCEITO, REQUISITOS E LIMITAÇÕES LEGAIS.. 5
4 – SALÁRIO-UTILIDADE “ALIMENTAÇÃO” 10
1 – INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo analisar a distinção entre salário, salário in natura e remuneração, pesquisar o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a integração ou não do salário in natura à remuneração do trabalhador e seus reflexos legais; os principais aspectos da Lei n. 6.321/76 – Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, e analisar as questões peculiares referentes à concessão da utilidade alimentação aos empregados domésticos, aos marítimos, aos empregados admitidos antes do empregador ter feito adesão ao PAT e, por fim, aos empregados vinculados aos Acordos e Convenções Coletivas de trabalho que conferem caráter indenizatório à alimentação.
O estudo dos temas propostos busca os ensinamentos de renomados autores nacionais como: Alice Monteiro de Barros, Jair Teixeira dos Reis, Luciano Martinez, Vólia Bomfim Cassar e Gustavo Filipe Barbosa Garcia.
O método utilizado é o dialético e a metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica e Jurisprudencial, para responder a seguinte pergunta: Quais são os reflexos legais aplicáveis ao salário-utilidade “alimentação”?
A relevância do presente trabalho, portanto, se sustenta na necessidade de esclarecer se o salário-utilidade “alimentação” integra ou não à remuneração do empregado, tendo em vista que alguns empregadores o concedem em pecúnia, outros em cartão refeição, cesta básica e outros ainda, fornecem a alimentação diretamente por meio de refeitório próprio, além, da relevância dos Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho que conferem caráter indenizatório à alimentação.
2 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
2.1 – ORIGEM DA PALAVRA “SALÁRIO”
Antes de discutirmos a temática deste estudo, é indispensável trazer a origem do termo “salário” e como este foi se desenvolvendo no decorrer da história da humanidade.
Conforme nos ensina CASSAR, a etimologia do termo “salário” deriva do latim salarium, e teve origem na palavra salis, que significa sal. O sal era a moeda de troca que os romanos ofereciam como pagamento aos seus domésticos e aos soldados da época. ( 2011, p. 803).
O professor MARTINEZ, por sua vez, acrescenta que o sal era um bem escasso e que por isso era utilizado como retribuição ao trabalho prestado pelos soldados romanos. E mesmo tendo o sal perdido a preciosidade com o passar do tempo, ainda assim continua servindo de inspiração ao termo “salário”. Surgiram outros vocábulos como soldos, subsídios, honorários, ordenado, mas todos representam o mesmo objeto, ou seja, o salário. (2013, p. 409)
Ainda, segundo CASSAR, há outra expressão que também provém do latim e é muito utilizada pela doutrina, é o termo pecúnia, que significa boi. Assim como o sal, o boi, o óleo e o metal também eram utilizados na antiguidade como moeda de troca oferecida como pagamento aos trabalhadores. (2011, p. 803).
Portanto, desde a antiguidade estava presente a ideia de que as atividades laborais deveriam ser remuneradas de alguma forma.
2.2 – NATUREZA JURÍDICA DO SALÁRIO
Surgiram no decorrer da história, diversas correntes para explicar a natureza jurídica do salário. A maioria delas é fortemente criticada pela doutrina majoritária porque suas teses não correspondem à realidade.
Conforme leciona BARROS (2010, p. 749-750), existem várias teorias, porém, as que mais se destacam são:
- O salário como preço do trabalho: Essa corrente equipara o salário como mercadoria, o que não se justifica mais, tendo em vista que o Tratado de Versalhes, de 1919, proíbe a comparação do salário como sendo mercadoria.
- O salário é uma indenização: Essa corrente utiliza o termo indenização levando em consideração que o salário é pago como forma de compensação pelas energias dispendidas. É uma corrente criticada porque a ideia de indenização está diretamente ligada à configuração de danos ou lesão de um direito.
- Natureza alimentar: Essa corrente defende a tese de que o salário tem natureza alimentar, porém, não é aceita porque o salário tem ainda outros fins, como habitação, vestuário, entre outros, e não somente natureza alimentar.
- Natureza de contraprestação pelo serviço prestado: Essa corrente considera trabalho como prestação e salário como contraprestação. É criticada porque reduz o salário a uma relação de troca, sendo que o mesmo deve ser atribuído a outros valores, como por exemplo, o aspecto pessoal da relação jurídica.
- Num dever de retribuição: Essa corrente é a mais aceita pela doutrina, pois, sugere que o contrato de trabalho é sinalagmático num todo e não prestação por prestação.
A última corrente fundamenta-se nas hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, pois nessas relações, não há contraprestação e o empregado recebe verbas salariais de seu empregador. São exemplos de interrupção do contrato de trabalho, as férias, feriados, 15 primeiros dias de afastamento por doença, entre outros.
3 – DISTINÇÃO ENTRE SALÁRIO, SALÁRIO-UTILIDADE E REMUNERAÇÃO
3.1 – SALÁRIO
A CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas conceitua salário como sendo uma “contraprestação”[3] devida e que deve ser paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador.
SÜSSEKIND, citado por BARROS (2010, p.748), “[...] prefere o vocábulo “retribuição”, ao fundamento de que “contraprestação” reduz o contrato a uma relação de troca (trabalho contra remuneração), sem atentar para o aspecto pessoal do liame empregatício”.
A discordância dos autores é em razão das hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, pois nesses casos, não há prestação de serviços, mas o empregado recebe o salário.
Nesse sentido, BARROS (2011, p. 804) esclarece que:
O salário é devido não só pela execução do contrato de trabalho, mas também quando o empregado se encontra à disposição do empregador (art. 4º da CLT), considerando-se desta forma, interrompido o contrato quando o empregado suspende a prestação de serviços, mas recebe o respectivo salário mesmo que parcialmente (férias, RSR, primeiros 15 dias da doença, faltas justas cujo pagamento seja determinado pela lei etc).
O conceito de salário defendido por BARROS (2011, p.748) é que o salário é uma retribuição, senão vejamos:
[...] conceituar o salário como a retribuição devida e paga diretamente pelo empregador de forma habitual, não só pelos serviços prestados, mas pelo fato de se encontrar à disposição daquele, por força do contrato de trabalho. Como o contrato é sintagmático no conjunto e não prestação por prestação, essa sua característica justifica o pagamento do salário nos casos de afastamento por férias, descanso semanal, intervalos remunerados, enfim, nas hipóteses de interrupção do contrato.
Conforme se observa, as hipóteses de interrupção não suspendem o contrato de trabalho celebrado entre o empregador e o empregado, pois, é característica da interrupção que o empregado continua à disposição do seu empregador, tendo em vista que a interrupção é temporária e não definitiva.
3.2 - SALÁRIO-UTILIDADE, CONCEITO, REQUISITOS E LIMITAÇÕES LEGAIS
O salário-utilidade é também denominado de salário in natura. Consiste em uma forma de retribuição, que é realizada pelo empregador ao empregado, em forma de utilidades ao invés de pecúnia.
Entretanto, é vedado ao empregador pagar toda a retribuição devida em forma de salário-utilidade. Tal vedação está positivada no artigo 82, parágrafo único, da CLT: “O salário mínimo pago em dinheiro não será inferior a 30% (trinta por cento) do salário mínimo fixado para a região”.[4]
Ainda, o artigo 458, § 3º, da CLT, dispõe que há um percentual limitador a ser observado na concessão das utilidades habitação e alimentação, senão vejamos:
A habitação e a alimentação fornecidas como salário-utilidade deverão atender aos fins a que se destinam e não poderão exceder, respectivamente, a 25% (vinte e cinco por cento) e 20% (vinte por cento) do salário-contratual.
São espécies de salário-utilidade: alimentação, habitação, vestuário e outros concedidos pela empresa de forma habitual e por força de contrato ou costume, porém, é vedado pagamento com drogas nocivas e bebidas alcoólicas[5].
Contudo, algumas utilidades não possuem natureza salarial por opção do legislador. O artigo 458, § 2º, da CLT, apresenta rol de utilidades que não possuem natureza salarial:
I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço;
II – educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático;
III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público;
IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;
V – seguros de vida e de acidentes pessoais;
VI – previdência privada;
VII – (vetado);
VIII – o valor correspondente ao vale-cultura.
A concessão do salário-utilidade deve preencher ainda, outros requisitos essenciais, além daqueles que tratam da limitação de percentual sobre o salário contratual para concessão das utilidades habitação e alimentação.
Conforme CASSAR, o primeiro requisito é que a concessão seja sob a forma de utilidade, ou seja, não pode ser em pecúnia, dinheiro. ( 2011, p.816)
Se o empregador concede a utilidade em dinheiro, esta se confundirá com o salário pago em espécie, impossibilitando analisar se a utilidade foi concedida para o trabalho ou pelo trabalho.
Nesse sentido, dispõe GARCIA (2010, p. 224), “Se a prestação é fornecida para o trabalho, não tem natureza salarial; caso o seja pelo trabalho, considera-se salário-utilidade”.
O segundo requisito é que a utilidade concedida seja benéfica ao empregado, sendo vedada a concessão de utilidade que seja nociva à saúde, como por exemplo, drogas nocivas e bebidas alcoólicas[6]. Ainda, a súmula 367, II do TST considera o cigarro como nocivo à saúde, vedando sua concessão como salário-utilidade.
O terceiro requisito exige que o salário-utilidade seja concedido como forma de contraprestação pelo serviço prestado, ou seja, que a utilidade concedida não seja algo essencial para a execução do serviço, pois se assim for, não terá natureza de salário-utilidade.
Compartilha desse entendimento, CASSAR (2011, p. 817), in verbis:
Assim, um benefício concedido como instrumento ou ferramenta de trabalho não se caracteriza em salário in natura, mas em mera utilidade, pois não foi fornecido como contraprestação (vantagem) e sim por necessidade. Uniforme, ferramentas de trabalho, carro, computadores, laptop, mostruário, combustível etc., quando fornecidos para o empregado usar para trabalhar não são considerados como salário.
Uma vez esclarecido os pontos principais a respeito do salário-utilidade, passa-se a estudar o conceito de remuneração para verificar se o salário in natura integra ou não a remuneração do empregado.
3.3 – REMUNERAÇÃO
A remuneração engloba os pagamentos diretos e indiretos realizados ao empregado, independentemente se foram pagos diretamente pelo empregador ou proveniente de terceiros.
MARTINS, citado por CASSAR (2011, p. 805), conceitua remuneração como sendo:
[...] o conjunto de prestações recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviço, seja em dinheiro ou em utilidades, provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a satisfazer suas necessidades básicas e de sua família.
Conforme se observa, para MARTINS, as prestações pagas em utilidades incluem-se na remuneração do empregado, ou seja, o salário-utilidade integra a remuneração do trabalhador.
Todavia, a própria legislação CLT (art. 458, §2º) dispõe que algumas utilidades não possuem natureza salarial conforme estudado no capítulo anterior.
Segundo DONATO, citado por BARROS (2010, p. 749), o conceito de remuneração é:
[...] a retribuição devida e paga ao empregado não só pelo empregador, mas também por terceiro, de forma habitual, em virtude do contrato de trabalho.
Fazer essa diferenciação entre salário e remuneração é de fundamental importância por causa dos efeitos práticos, direitos trabalhistas e reflexos legais que podem resultar sobre o valor da remuneração.
Nesse sentido, temos o seguinte posicionamento doutrinário de BARROS (2010, p. 749): “A distinção é importante, porque há muitos institutos jurídicos que são calculados com base na remuneração e não apenas no salário, como ocorre com o FGTS, o 13º salário, as férias, a indenização de antiguidade, hoje substituída pelo FGTS, etc.”
Sobre o instituto FGTS, esclarece REIS (2012, p. 118) que o cálculo do recolhimento tomará como base a remuneração do empregado, e que no contexto remuneração estarão presentes os pagamentos realizados pelo empregador sob a forma de salário-utilidade, senão vejamos:
Consideram-se remuneração, para os fins de incidência da alíquota do FGTS, as seguintes parcelas salariais:
- Salário-base, inclusive as prestações in natura;
- [...]”. (grifo nosso)
Além de a remuneração refletir nos institutos jurídicos acima, irá refletir ainda nas contribuições previdenciárias e no aviso prévio.
Com relação ao cálculo do valor do aviso prévio, dispõe REIS (2012, p.49):
[...] Será ele calculado sobre a última remuneração mensal. Caso o salário seja variável ou composto de parte fixa e comissões, apurar-se-á a média dos últimos 12 meses de trabalho, ou do período efetivamente de serviço, se o contrato de trabalho tiver duração inferior a 12 meses. (grifo nosso)
Se a utilidade concedida for integrada à remuneração, incidirá no valor do aviso prévio, uma vez que este é calculado tomando como base a remuneração do empregado.
Diante dos conceitos apresentados pela doutrina, a remuneração compreende um conjunto de retribuições pagas ao empregado pelos serviços prestados ao seu empregador. É justamente sobre a remuneração que incide os direitos conquistados pelos trabalhadores como o FGTS, 13º Salário, Férias, Aviso prévio, além das contribuições previdenciárias. Entretanto, exclui-se da remuneração as parcelas que não possuem natureza salarial determinada por lei, ou seja, não tendo natureza salarial, não poderá sofrer reflexos legais nos cálculos dos institutos já estudados (FGTS, 13º salário etc.).
O salário-utilidade denominado de “habitação” e “alimentação” não consta no rol das utilidades que não possuem natureza salarial, estudados no capitulo anterior, art. 458,§2º da CLT.
Sobre a habitação, o TST – Tribunal Superior do Trabalho já se manifestou a respeito, com a edição da súmula nº 367, in verbis:
Utilidades in natura. Habitação. Energia Elétrica. Veículo. Cigarro. Não integração ao salário. (conversão das Orientações Jurisprudenciais n. 24, 131 e 246 da SDI-1)
I – A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. (ex-OJs 131- inserida em 20-4-1998 e ratificada pelo Tribunal Pleno em 07-12-2000 e 246 – inserida em 20-6-2001).
II – [...].
Logo, analisa-se no caso concreto, se a utilidade habitação era indispensável para execução dos serviços. Uma vez comprovada à indispensabilidade, não estará configurado como salário-utilidade, e por consequência, não terá natureza salarial.
4 – SALÁRIO-UTILIDADE “ALIMENTAÇÃO”
Há várias espécies de alimentação que o empregador pode conceder ao empregado: café da manhã, almoço, café da tarde e jantar.
Conforme se extrai do art. 458, caput, da CLT, a alimentação é parte integrante do salário, senão vejamos:
Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. (grifo nosso)
A regra é que a utilidade alimentação integra-se ao salário, conforme dispõe também a súmula 241 do TST: “O vale para refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do empregado para todos os efeitos legais”. (grifo nosso)
Entretanto, a Lei n. 6.321, de 14 de Abril de 1976, que regula o Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT é uma das exceções à regra, conforme dispõe no artigo 3º: “Não se inclui como salário de contribuição a parcela paga in natura, pela empresa, nos programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho”.
Ainda, o Decreto n. 5, de 14/01/1991, em seu artigo 6º prevê que:
Nos Programas de Alimentação do Trabalhador (PAT), previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, a parcela paga in-natura pela empresa não tem natureza salarial, não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e nem se configura como rendimento tributável do trabalhador.
Entretanto, conforme já visto, um dos requisitos do salário-utilidade é que este não seja concedido em pecúnia. Se concedido em dinheiro, será integrado a remuneração e sofrerá os reflexos legais: FGTS, Férias, 13º Salário, Aviso prévio, Contribuição previdenciária etc.
Da mesma forma, dispõe MARTINEZ (2013, p. 461-462):
Segundo a legislação do PAT, o benefício concedido ao trabalhador não poderá ser outorgado em espécie (dinheiro), mas, sim, em utilidades, entre as quais se incluem o refeitório próprio ou terceirizado, o tíquete-alimentação, as refeições transportadas ou a cesta de alimentos.
Atente-se para o fato de que, independentemente da modalidade adotada para o provimento da refeição, a empresa beneficiária poderá oferecer aos trabalhadores uma ou mais refeições diárias, inclusive cesta de alimentos (art. 5º, III, §§ 1º e 2º, da portaria n. 3/2002).
Com relação ao pagamento do auxílio alimentação em dinheiro, a Jurisprudência é cristalina em afirmar que se incorpora a remuneração do empregado e sofre os reflexos legais, conforme se observa na decisão abaixo colacionada:
Dados Gerais
Processo: |
REsp 826173 RS 2006/0049260-7 |
Relator(a): |
Ministro CASTRO MEIRA |
Julgamento: |
09/05/2006 |
Órgão Julgador: |
T2 - SEGUNDA TURMA |
Publicação: |
DJ 19.05.2006 p. 207 |
Ementa
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO PAGO MEDIANTE VALE-REFEIÇÃO. ENUNCIADO N.º 241/TST.
1. O pagamento in natura do auxílio-alimentação, vale dizer, quando a própria alimentação é fornecida pela empresa, não sofre a incidência da contribuição previdenciária, por não possuir natureza salarial, esteja o empregador inscrito, ou não, no Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT, ou decorra o pagamento de acordo ou convenção coletiva de trabalho.
2. Ao revés, quando o auxílio alimentação é pago em dinheiro ou seu valor creditado em conta-corrente, em caráter habitual e remuneratório, integra a base de cálculo da contribuição previdenciária. Precedentes da Primeira Seção.
3. Integrando o vale-refeição a remuneração do empregado, e não estando a empresa contribuinte inscrita no PAT, o auxílio-alimentação passa a compor a base de cálculo da aludida contribuição dado o caráter salarial da ajuda. Inteligência do Enunciado n.º 241/TST.
4. Recurso especial improvido
Contudo, deve-se estar atento para os casos que por ventura se enquadram na Orientação Jurisprudencial da SDI-1 (TST) de n.º 413, in verbis:
Auxílio-alimentação. Alteração da natureza jurídica. Norma coletiva ou adesão ao PAT.
A pactuação em norma coletiva conferindo caráter indenizatório à verba “auxílio-alimentação” ou a adesão posterior do empregador ao Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT – não altera a natureza salarial da parcela, instituída anteriormente, para aqueles empregados que, habitualmente, já percebiam o benefício, a teor das súmulas n. 51, I, e 241 do TST.
A súmula do TST n.º 51, inciso I, mencionada pela Orientação Jurisprudencial acima têm o seguinte teor:
[...]
I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
Em síntese, se o empregador aderir ao PAT em momento posterior à admissão do empregado e restar comprovado que este pagava habitualmente “auxílio alimentação”, o benefício concedido continuará tendo natureza salarial, ou seja, sofrerá os reflexos legais atribuídos a remuneração do empregado.
Tal entendimento está baseado no princípio da condição ou cláusula mais benéfica.
Conforme nos ensina REIS, esse princípio garante ao empregado à manutenção das condições mais favoráveis que foram concedidas durante o contrato de trabalho e proíbe que a situação do empregado seja piorada em face de uma nova condição que seja menos benéfica. (2011, p. 43).
Na hipótese de existir cláusula anterior em acordo coletivo, a qual dispõe que o auxílio alimentação possui caráter indenizatório, enquanto não houver revogação ou alteração do acordo coletivo, o auxílio-alimentação terá natureza salarial.
Essa regulamentação está consubstanciada nos princípios de proteção do trabalhador, entre elas, no princípio de aplicação da norma mais favorável. O professor REIS leciona que esse princípio dispõe que havendo mais de uma norma, aplicar-se-á aquela que for mais favorável ao empregado. (2011, p. 43).
Outro fato peculiar é com relação aos empregados domésticos. A lei complementar n. 150, de 1º de Junho de 2015, com vigência já desde a data de sua publicação, determina que a utilidade “alimentação” fornecida aos empregados domésticos, não integra a remuneração, senão vejamos:
Art. 18. É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, bem como por despesas com transporte, hospedagem e alimentação em caso de acompanhamento em viagem.
§1º [...]
§2º [...]
§3º As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos. (grifo nosso)
É ainda peculiar à situação do Marítimo, aquele empregado que trabalha embarcado em navios. Segundo nos ensina CASSAR, a alimentação concedida ao marítimo é denominada de etapa. Não possui natureza salarial, tendo em vista a impossibilidade do empregado nessas condições, deslocar-se do navio para fazer sua refeição. (2011, p. 827).
Entretanto, por força do artigo 152 da CLT, o empregador está obrigado a fornecer a utilidade ao marítimo também na ocasião das suas férias.
Vejamos o disposto no artigo 152 da CLT: “A remuneração do tripulante, no gozo de férias, será acrescida da importância correspondente à etapa que estiver vencendo”.
Portanto, o auxílio alimentação concedido ao marítimo não possui natureza salarial, pois, é fornecido diretamente pelo empregador, em refeitório próprio. Contudo, sua situação é peculiar em virtude da CLT determinar que o benefício é devido ainda que o marítimo esteja em gozo de férias.
5 – CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho buscou-se explicar a origem do termo “salário” e suas consequências jurídicas.
A etimologia do termo “salário” que deriva da palavra sal aliada ao fato de que no passado o sal era moeda de troca, utilizado para pagamentos dos domésticos e soldados, deixa claro que desde a antiguidade já existia uma contraprestação pelos serviços prestados pelo trabalhador.
Na legislação brasileira, o salário é conceituado como sendo uma contraprestação, entretanto, a doutrina majoritária o considera como “retribuição” em razão do salário ser devido em situações em que não há contraprestação, como nas hipóteses de interrupção do contrato de trabalho.
Ao conceito de salário, compreende-se também o salário-utilidade ou salário in natura, que é concedido em forma de utilidade ao invés de pecúnia.
Todavia, é vedado pagar todo o salário em forma de salário-utilidade, ao menos o percentual de 30% do salário deve ser pago em pecúnia. Ainda, a parcela in natura concedida ao trabalhador, deverá ser pela prestação dos serviços e não para a execução dos serviços, pois se assim for, ela não será considerada utilidade.
O termo “remuneração” é conceituado pela doutrina como sendo o conjunto que compreende a soma do salário, das gorjetas, das parcelas in natura, ou seja, tudo aquilo que é concedido ao empregado como retribuição pelos serviços prestados. O valor da remuneração é tomado como base para cálculos de institutos como o FGTS, as Férias, 13º salário, aviso prévio, contribuição previdenciária, horas extras, DSR, entre outros.
Entretanto, o salário-utilidade nem sempre será integrado à remuneração do trabalhador, porque a CLT e a legislação complementar (PAT, Lei complementar 105/2015 – Empregados Domésticos), excluem a natureza salarial de determinadas prestações in natura. Uma vez excluída a natureza salarial da parcela in natura, não haverá sobre ela as incidências legais que incidem sobre a remuneração.
Especificamente, o salário-utilidade “alimentação”, principal objeto de pesquisa do presente trabalho, poderá ser integrado ou não a remuneração do empregado, a depender do caso concreto. Não haverá integração a remuneração a alimentação concedida aos empregados domésticos e aos marítimos (que trabalham embarcados em navios mercantis ou de passageiros), porém, aos marítimos a CLT assegura que a prestação será devida mesmo quando o empregado estiver em gozo de férias.
Também não haverá integração a remuneração, a utilidade alimentação concedida em consonância com a Lei 6.321/76 que dispõe sobre o Programa de Alimentação ao Trabalhador - PAT.
Contudo, se o empregador conceder o auxílio alimentação em pecúnia (dinheiro, cheques, depósito em conta bancária), será considerado salário, será incorporado à remuneração do empregado, e sobre tais valores haverá reflexos no cálculo do depósito do FGTS, no valor das Férias, do 13º salário, do aviso prévio, entre outros.
Portanto, para que o salário-utilidade “alimentação” seja integrado ou não à remuneração do empregado, dependerá da forma como ele é concedido. Se for concedido em forma de utilidade e em consonância com o regulamento do PAT, não integrará a remuneração e, será considerado como prestação de natureza não salarial.
Porém, se for concedido em pecúnia, terá natureza salarial e haverá incidência legal nas verbas salariais.
Todavia, a empresa que aderir posteriormente ao PAT, não se exonerará das incidências legais sobre a utilidade “alimentação” concedida aos empregados admitidos antes da adesão ao PAT, em respeito ao princípio da norma ou cláusula mais benéfica.
No mesmo sentido, havendo Convenção Coletiva anterior que determina que a utilidade “alimentação” possui natureza salarial, esta não poderá sofrer modificação até que nova Convenção promova alteração ou revogação da cláusula, em respeito ao princípio da aplicação da norma mais favorável.
6 – BIBLIOGRAFIA
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CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 2ª edição. São Paulo: Editoria Método, 2010.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
REIS, Jair Teixeira dos. Manual Prático de Direito do Trabalho. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2011.
REIS, Jair Teixeira dos. Manual de Rescisão de Contrato de Trabalho. 5ª edição. São Paulo: LTr, 2012.
[3] CLT, artigo 76: Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.
[4] Súmula 258 do TST: Os percentuais fixados em lei relativos ao salário in natura apenas se referem às hipóteses em que o empregado percebe salário mínimo, apurando-se, nas demais, o real valor da utilidade.
[5] CLT, art. 458, caput.
[6] idem