RESUMO
Este estudo tem o propósito de dissertar sobre o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), enfatizando suas principais características, analisando a conjuntura histórica da sua criação e, especialmente, discutindo a viabilidade de sua implementação no contexto da Reforma Tributária Brasileira.
O IMPOSTO SOBRE O VALOR AGREGADO (IVA) – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O termo Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) compreende tributos e contribuições, incidentes sobre vendas de mercadorias e serviços, cobrados em todos os estágios do processo de produção/comercialização/prestação, e com base no valor adicionado em cada etapa do ciclo.
O IVA é um imposto indireto plurifásico, já que incide sobre todas as fases do circuito econômico, do produtor ao varejo, mediante o método subtrativo indireto, que representa a liquidação e dedução do imposto nas fases do circuito econômico, funcionando na medida em que as transações se processam entre os sujeitos passivos do imposto com direito à dedução[1].
O referido tributo, baseado na característica da não cumulatividade, esta ainda não adotada no Brasil de forma ampla, já é aplicado em vários países da Europa há muitos anos. Sua idéia surgiu na França e gradativamente foi incorporado ao regime tributário dos componentes da União Europeia. Trata-se, sobretudo, de um direito conferido ao contribuinte de deduzir do imposto a pagar o tributo já pago anteriormente em operações próprias de vendas de mercadorias ou serviços[2].
IVA – CONTEXTO HISTÓRICO
Nessa temática, são importantes as observações de Ildemar José Landim et al[3] (2001) , a seguir resumidas:
À medida que o desenvolvimento industrial foi fragmentando as etapas de produção, as quais passaram a reunir, em um produto final, partes produzidas em diferentes unidades fabris, o efeito cumulativo do imposto cobrado sobre a produção (a cobrança consecutiva, sem o abatimento do imposto já pago na fase anterior) fazia com que o valor da matéria-prima, embalagens etc., adquirido nas sucessivas fases de produção, já com o imposto incluído, fosse agregado ao produto final e novamente tributado, ocorrendo uma distorção sobre os preços, que tornava inviável o bom funcionamento do sistema econômico.
Na prática, para fugir aos preços finais exorbitantes, as empresas eram obrigadas a se integrarem, havendo concentração de indústrias e, ao mesmo tempo, as unidades fabris tinham que fazer o papel do mercado atacadista, para evitar o efeito “cascata” dessa forma de tributação.
Já em meados dos anos 30, a França percebeu a inviabilidade de um imposto dessa natureza e implantou a taxe sur valeur ajoutée (taxa sobre valor agregado), ou seja, passou-se a tributar cada etapa do processo de produção e de distribuição, possibilitando ao industrial ou distribuidor, creditar-se do imposto já pago e debitar-se do valor de saída, diminuindo-o do crédito, para finalmente obter o valor final a recolher, de forma que a tributação incidisse apenas sobre o valor incorporado, adicionado ou agregado ao produto.
Dessa ideia, surgiu o IVA, uma tributação indireta sobre o consumo e que possui o mérito de evitar o efeito “cascata”, ou seja, acumular repetidas vezes a incidência do imposto, quantas vezes aconteça sua circulação, provocando graves distorções nos preços.
Nessa questão, ainda em consonância com o autor supradito, é importante frisar que o imposto sobre o valor adicionado pode ser cobrado de três maneiras:
- De forma monofásica, em único estágio, com incidência na etapa final de comercialização (varejo), como é feito nos Estados Unidos. Lá, o imposto é denominado Imposto sobre Vendas a Varejo. Essa forma de tributação pressupõe a desoneração do processo produtivo, pois tal tributação é feita apenas na ponta, no momento do consumo. O IVV americano é, porém, uma forma rara de tributação, e apesar de estar baseado no valor adicionado, vez que atinge a última etapa de comercialização, com toda a agregação de valor, desde a etapa inicial de produção até o momento da venda, esta forma de tributação indireta sobre o consumo não é referido como IVA nos meios acadêmicos, sendo esta denominação aplicada comumente à forma adotada na União Européia;
- de forma monofásica, em único estágio, com incidência na etapa inicial de comercialização, antecipando-se a cobrança do tributo, mediante aplicação de uma MVA( Margem de Valor Agregado), que é o lucro presumido nas etapas seguintes de comercialização;
- de forma plurifásica, em vários estágios, abrangendo todas as fases de produção e comercialização, deduzindo-se o imposto pago na etapa anterior do imposto da etapa subsequente, de forma que, ao se chegar ao consumidor final, o imposto recolhido seja equivalente à aplicação da alíquota sobre o preço final. Este é o IVA em sua forma ortodoxa.
Merece destaque o fato de que, aplicando-se qualquer uma das formas anteriormente descritas, o resultado não se altera, uma vez que não ocorre efeito “cascata”. A diferença entre aplicar os distintos métodos reflete-se na eficiência da arrecadação e fiscalização no pagamento do tributo.
Para Sérgio Luis de Faria[4], o IVA consiste num imposto não cumulativo, incidente sobre o faturamento, ou seja, o imposto repassado nas aquisições pode ser deduzido do incidente nas vendas, e também deve ser discriminado na nota fiscal, possibilitando ao consumidor saber exatamente a quantidade de tributo que está embutido no preço do bem ou serviço adquirido. Caso viesse a ser implantado no Brasil, poderia substituir a COFINS, o PIS, o IPI, o ICMS, o ISS e até o ITBI.
O IVA, se adotado, ficaria sob tutela da União, a qual estaria incumbida de legislar, administrar, arrecadar e repassar os percentuais previstos aos estados e municípios. Desse modo, governadores e prefeitos restariam sem possibilidade de estabelecer quaisquer alterações nas alíquotas deste imposto.
A REFORMA TRIBUTÁRIA EM TRÂMITE E A IMPLEMENTAÇÃO DO IVA NO BRASIL
O Presidente da República, no exercício das suas competências constitucionais (art. 60, II e art. 84, III, da CF), enviou ao Congresso Nacional, por meio da mensagem nº 81/2008, um Projeto de Emenda à Constituição Federal (PEC nº 233, apresentado em 28.02.2008), alterando o Sistema Tributário Nacional.
Nesse contexto, são relevantes as considerações de André Emmanuel Batista Barreto Campello[5], a seguir compiladas:
De forma simplificada, a reforma tributária a ser implementada pela aprovação da PEC nº 233/2008, trata-se de uma profunda alteração das competências tributárias, que irá causar especial repercussão na repartição das receitas tributárias.
É certo que para se realizar uma reforma tributária de tal porte era mesmo necessária a utilização da emenda constitucional, tendo em vista a necessidade de alteração das competências tributárias. Como sabido, a competência tributária assim pode ser resumida:
“O poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição. Temos assim, que Competência Tributária, ou seja, a aptidão para criar tributos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos tem dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir o seu alcance, obedecidos os critérios de partilha estabelecidos pela Constituição”
Ainda na direção do que relata André Emmanuel Batista Barreto Campello[6], é oportuno destacar as seguintes observações desse autor:
O núcleo desta reforma reside na criação do novo ICMS federal e na instituição do Imposto sobre o Valor Agregado Federal (IVA-F), que surgirá para substituir diversos tributos, além de estabelecer novas formas de repartir as receitas decorrentes da arrecadação tributária.
É interessante assinalar que o IVA-F não se sujeita ao princípio da anterioridade, por força da nova redação conferida pela PEC nº 233/2008 ao §1º do art. 150 da CF, mas tão somente à noventena (art. 150, III, “c”, da CF).
Tal imposto não deverá incidir (ou seja, trata-se de uma hipótese de imunidade) sobre a exportação de operações com bens ou prestações de serviços, sendo garantida “a manutenção e o aproveitamento do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores” (art. 153, §6º, IV da PEC nº233/2008).
O imposto será não-cumulativo (na forma da lei) e, nas operações em que estejam sujeitas a “alíquota zero, isenção, não-incidência e imunidade”, não haverá surgimento de crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes -salvo se lei dispuser em contrário (art. 153, §6º, I e II, contidos na PEC nº 233/2008). Dessa forma, o legislador constitucional tenta evitar futuros litígios decorrentes da natureza não-cumulativa deste tributo.
O tributo em questão terá por finalidade substituir a COFINS (art. 195, I, “b” da CF), a CIDE (art. 177, §4º da CF), o salário-educação (art. 212, §5º da CF) e a contribuição para o PIS (art. 239 da CF), cujos respectivos dispositivos foram alterados por força do disposto nos art. 8º e art. 13 da PEC nº 233/2008, bem como da nova redação dada ao caput do art. 239 da CF, conforme a PEC nº 233/2008.
Além da simplificação resultante da redução do número de tributos, esta unificação tem como objetivo reduzir a incidência cumulativa ainda existente no sistema de tributos indiretos do País. Tal redução da cumulatividade resultaria da eliminação de um tributo que impõe às cadeias produtivas um ônus com características semelhante ao da incidência cumulativa, a CIDE-Combustíveis, e da correção de distorções existentes na estrutura da COFINS e da contribuição para o PIS, as quais, pelo regime atual, têm parte da incidência pelo regime não-cumulativo e parte pelo regime cumulativo.
Vale ressaltar que, na regulamentação do IVA-F, será possível desonerar completamente os investimentos, através da concessão de crédito integral e imediato para a aquisição de bens destinados ao ativo permanente. Também será possível assegurar a apropriação de créditos fiscais, atualmente obstados, relativos a bens e serviços que não são diretamente incorporados ao produto final – usualmente chamados de “bens de uso e consumo” –, eliminando, assim, mais uma importante fonte da cumulatividade remanescente nos tributos indiretos federais.
O produto da arrecadação do imposto sobre a renda (art. 153, III, da CF), do imposto IPI (art. 153, IV, da CF) e do IVA (art. 153, VIII) será repartido nos seguintes termos (art. 159, com a redação atribuída pela PEC nº 233/08):
- 38,2% será destinado ao financiamento da seguridade social;
- 6,7% será destinado ao financiamento do abono do PIS e o seguro-desemprego (nova redação do art. 239, dada pela PEC nº 233/08);
- lei complementar estabelecerá o percentual a ser utilizado para: (c.1) “o pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo, o financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás, e o financiamento de programas de infra-estrutura de transportes”; (c.2) “o financiamento da educação básica.
Enfatize-se que um percentual (21,5%) do IVA-F integrará o somatório das rendas para constituição o Fundo de Participação dos Estados (art. 159, II, “a”, com a redação dada pela PEC nº 233/08), enquanto que 22,5% deste tributo integrará o Fundo de Participação do Município (art. 159, II, “b”, com a redação dada pela PEC nº 233/08). Uma parcela (1,8%) deste tributo também será destinada para a constituição do Fundo de Equalização (art. 159, II, “d”), previsto no art. 5º da PEC nº 233/2008.
PONTOS POSITIVOS DA IMPLEMENTAÇÃO DO IVA- F
A Reforma Tributária a ser concebida nos moldes da PEC nº 233/08 apresenta, dentre seus basilares objetivos, a pretensão de instituir poderes para que a União possa criar o IVA Federal, o qual absorveria, sobretudo, a PIS, a COFINS e a CIDE
Tal fusão, como discutido anteriormente neste estudo, será materializada através da criação de um imposto sobre operações com bens e prestações de serviços – que, nas discussões sobre a reforma tributária, vem sendo denominado de Imposto sobre o Valor Adicionado federal (IVA-F). Esta alteração está consubstanciada na inclusão do inciso VIII e dos parágrafos 6o e 7o no art. 153 da Constituição Federal, bem como pela revogação dos dispositivos constitucionais que instituem a COFINS (art. 195, I, “b” e IV e § 12 deste artigo), a CIDE-Combustíveis (art. 177, § 4o) e a contribuição para o PIS (modificações no art. 239)[7].
Com relação à União, a aprovação da PEC nº 233/2008 representará uma grande simplificação, através da consolidação de tributos com incidências semelhantes, já que se pretende a unificação de um conjunto de tributos indiretos incidentes no processo de produção e comercialização de bens e serviços, a saber: a contribuição para o financiamento da seguridade social (COFINS), a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (CIDE-Combustível)[8].
A criação do IVA-F vai reduzir a cumulatividade do sistema tributário. Na atualidade, a CIDE-Combustíveis e parte da arrecadação da COFINS e da Contribuição do PIS são cobradas diversas vezes sobre um mesmo produto, isto é, em todas as etapas de produção e circulação da mercadoria[9].
O IVA-F tributa apenas o valor adicionado em cada estágio da produção e da distribuição, sendo o valor do tributo a ser definido pela diferença entre o preço de venda do produto e o custo da aquisição nas diversas etapas da cadeia produtiva[10].
Em ambos os modelos, o tributo é repassado ao preço de venda do bem e do serviço, sendo pago, portanto, na maioria das vezes, pelo consumidor final.[11].
CRÍTICAS À PEC nº 233/08
Nessa matéria e, na esteira de autores como Evilásio Salvador[12], cabe tecer algumas considerações:
Em que pesem importantes avanços para as empresas, com a simplificação do recolhimento tributário que poderá resultar no aumento da eficiência econômica e da produtividade, a PEC não modifica a estrutura regressiva do sistema tributário brasileiro. O que ocorre é a alteração da regulação dos tributos indiretos do regime cumulativo para a incidência sobre o valor adicionado. Porém, não se pode esquecer que a principal marca do sistema tributário brasileiro é a sua enorme regressividade, que permanece sem alterações substanciais na proposta de reforma tributária.
Na mesma trilha, continua Evilásio Salvador[13]:
Para compreender a regressividade e a progressividade faz-se necessário avaliar as bases de incidência econômica, que são: a renda, a propriedade, a produção, a circulação e o consumo de bens e serviços.
Conforme a base de incidência, os tributos são considerados diretos ou indiretos. Os tributos diretos incidem sobre a renda e o patrimônio, porque, em tese, não são passíveis de transferência para terceiros. Esses são considerados impostos mais adequados para se avaliar a questão da progressividade. Os indiretos incidem sobre a produção e o consumo de bens e serviços, sendo passíveis de transferência para terceiros, ou seja, para os preços dos produtos adquiridos pelos consumidores. Estes acabam pagando, de fato, o tributo.
Com isso, a população de baixa renda suporta uma elevada tributação indireta, pois mais da metade da arrecadação tributária do país advém de impostos cobrados sobre o consumo. Ressalte-se, contudo, que a proposta de reforma tributária ora apresentada não debruça-se sobre esta problemática.
REFLEXÕES FINAIS
No desfecho deste estudo, convém ssinalar que, para muitos doutrinadores, o debate sobre a reforma tributária deveria, na realidade, ser pautado pela retomada dos princípios da isonomia, da progressividade e da capacidade contributiva, seguindo, sobretudo, no caminho da justiça fiscal e social, priorizando a equidade na redistribuição da renda.
REFERÊNCIAS
CAMPELLO, A. E. B. B. . Reforma Tributária: uma breve análise da PEC nº 233/2008. Revista da AGU , v. 16, p. 27-61, 2008.
FARIA, Sérgio Luis de. IVA – Um imposto enobrecido pela não cumulatividade, que valoriza a cidadania. Belo Horizonte, março de 2010. Disponível em: http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/26648/iva-um-imposto-enobrecido-pela-nao-cumulatividade-que-valoriza-a-cidadania. Acesso em 09/07/2015.
LANDIM, I.J. et al. O IMPOSTO SOBRE O VALOR AGREGADO NA REFORMA TRIBUTÁRIA. 2001. Monografia (Especialização em Auditoria Fiscal Contábil) -Núcleo de Pós-Graduação Avançada (NPGA) da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia.
MANTEGA, Guido. Brasília, fevereiro de 2008. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/MF/2008/16.htm. Acesso em 9/07/2015.
MENEZES, João Paulo Calembo Batista. Revista Gestão & Tecnologia, v,13, n.2, maio/agost. 2013
SALVADOR, Evilásio. Brasília, 2009. Disponível em :http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/artigos/proposta-de-reformatributaria-muito-aquem-da-justica-social. Acesso em 09/07/2015.
[1] MENEZES, João Paulo Calembo Batista. Revista Gestão & Tecnologia, v,13, n.2, maio/agost. 2013
[2] FARIA, Sérgio Luis de. IVA – Um imposto enobrecido pela não cumulatividade, que valoriza a cidadania. Belo Horizonte, 2010. Disponível em: http://www.domtotal.com/direito/uploads/pdf/4cf5a629acc8c351cf3cf08679c76795. Acesso em 09/07/2015.
[3] LANDIM, I.J. et al. O IMPOSTO SOBRE O VALOR AGREGADO NA REFORMA TRIBUTÁRIA. 2001. Monografia (Especialização em Auditoria Fiscal Contábil) -Núcleo de Pós-Graduação Avançada (NPGA) da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia.
[4] FARIA , op. cit., nota 2
[5]CAMPELLO, A. E. B. B. . Reforma Tributária: uma breve análise da PEC nº 233/2008. Revista da AGU , v. 16, p. 27-61, 2008.
[6] Idem
[7]MANTEGA, Guido. Brasília, 2008. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/MF/2008/16.htm. Acesso em 9/07/2015. Acesso em 09/07/2015.
[8] Idem
[9] Idem
[10] Idem
[11] Idem
[12]SALVADOR, Evilásio. Brasília, 2009. Disponível em :http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/artigos/proposta-de-reformatributaria-muito-aquem-da-justica-social. Acesso em 09/07/2015.
[13] Idem