O sociólogo alemão Hartmut Rosa (1965), que é autor, dentre outros, do livro Aceleração social: uma nova teoria da modernidade, é um dos pensadores mundiais mais renomados na atualidade.[1] Em uma das suas complexas e controvertidas teses (que estão sendo acaloradamente debatidas em todo planeta evoluído), ele sustenta que a aceleração social, institucional e individual está muito defasada em relação à aceleração das tecnologias e da economia. Esse processo assimétrico, diz o autor, vem acontecendo há quase três séculos (isto é, desde a modernidade).
A história da modernidade (regida, desde logo, pelas Primeira e Segunda Revoluções Industriais – metade do século XVIII, a primeira, e da metade do século XIX à metade do século XX, a segunda: máquina a vapor, nova produção têxtil, surgimento de mais profissões e mais mercadorias produzidas, crescimento urbano veloz, mecanização do campo, ferrovias, transporte mais ágil, automóvel, telégrafo, rádio, telefone, televisor, avião etc.), assim como da pós-modernidade (mais ou menos contemporânea à Terceira Revolução Industrial – tecnocientífica, iniciada na segunda metade do século XX, e que teve como ponto culminante, até agora, a revolução das tecnologias da informação e da comunicação: robôs, internet, globalização etc.), é, ao mesmo tempo, a história da aceleração do mundo e do capitalismo, que significou grande ganho de tempo em virtude do aprimoramento dos processos tecnológicos mas, concomitantemente, escassez de tempo para o humano, que já não consegue desfrutar de todas as oportunidades oferecidas durante uma existência, apesar da sensação de nunca poder descansar (diante do volume de informações e inovações).
O descompasso é mais gritante quando confrontamos as forças de aceleração (revoluções tecnológicas, rápidas mudanças sociais e ritmo de vida) com as instituições, que existem para manter a segurança no presente, bem como a confiança nas expectativas futuras (o direito, o Judiciário, a governança, a família, as religiões, o legislativo, a democracia, o Estado etc.).[2] As primeiras estão atropelando as segundas, quando essas se apresentam como obstáculos, ou estão tornando a vida mais complexa, onde as instituições do país, historicamente, já não funcionam bem (como é o caso do Brasil, em razão da sua ignominiosa formação histórica[3]). Como as instituições andam a reboque da aceleração do ritmo de vida, a estabilidade (governamental e social) vai se tornando cada vez mais precária e emergencialista (com sérios riscos, em algumas partes do planeta, de desmoronamento do tecido social). Considerando-se que vitoriosas têm sido as forças de aceleração (desestabilizadoras), o colapso das instituições (particularmente onde nunca funcionaram satisfatoriamente) já está com suas vísceras expostas, o que significa o incremento dos conflitos sociais.
São mais do que evidentes as “dessincronizações” (Hartmut Rosa) entre o mundo técnico-científico e econômico (globalização, revolução informática e comunicacional, robotização etc.), de um lado, e as esferas individuais, políticas e educacionais, de outro. Os horizontes temporais e cognitivos dos humanos, das democracias e das deliberações políticas, assim como do processo educacional, que deveria proporcionar aptidões diferenciadas aos cidadãos estão gerando incontáveis consequências desequilibradoras, destacando-se, dentre elas, as seguintes:
(a) estamos perdendo a oportunidade de eliminar ou diminuir o grau de alienação dos indivíduos que, mesmo perdendo o controle da celeridade, poderiam (1) estar se enriquecendo de conteúdos (as redes sociais difundem muita ignorância e intolerância, mas também tem o lado “B”, positivo em termos de conquistas de habilidades e competências), (2) estar transformando suas relações sociais com participação mais ativa na vida política do país (desprezando, ao mesmo tempo, as superficialidades) e (3) ser mais previsíveis em seus futuros (fazendo planejamentos não apenas de curto prazo, seja na vida pessoal, seja na institucional ou coletiva);
(b) a implacável falta de confiança nas democracias (sobretudo as puramente eleitorais ou procedimentais), que coloca em xeque a noção (sempre discutida) de representatividade dos políticos (que tendem a tomar decisões cada vez mais demoradas, imprecisas e desconectadas da realidade, porque "miopemente" presos aos compromissos corporativos dos financiadores das suas campanhas);
(c) o eterno retorno e expansão das doutrinas ultraconservadoras (as pessoas, não entendendo a realidade complexa e mutante que vivemos, tendem a adotar posições mais conservadoras para a preservação de um certo “status quo”) e
(d) o enfraquecimento das doutrinas das esquerdas (progressistas) para estabelecer um projeto comum de vida comunitária diante das disparidades abissais dos agrupamentos sociais (desigualdades imensas) bem como das demandas urgentes e tão heterogêneas desses mesmos grupos. A aceleração do mundo está desnorteando completamente boa parcela dos humanos, que jamais tinham experimentado tantas mudanças em tão pouco tempo (apenas 300 anos).
Notas
[1] Veja referências e análise do seu pensamento LEITE NETO, Alcino. Aceleração versus política, em Folha de S. Paulo 6/2/15, A2.
[2] LEITE NETO, Alcino. Aceleração versus política, em Folha de S. Paulo 6/2/15, A2.
[3] ACEMOGLU, Daron e ROBINSON, James. Por que as nações fracassam. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 7 e ss.