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A defesa do consumidor como um direito fundamental:

aspectos relevantes da constitucionalização do direito

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Agenda 16/07/2015 às 12:24

CONCLUSÃO

De todo o exposto, pode-se concluir que a materialização dos direitos fundamentais surge como uma das características da atual fase do estudo do Direito Constitucional. São direitos que estão diretamente ligados à dignidade da pessoa humana e visam garantir a igualdade e a liberdade entre as pessoas. Deste modo, limitada por esses direitos, a atuação do Estado está pautada em princípios que têm o condão de evitar abusos e arbitrariedades contra o cidadão. De outro lado, no dia-a-dia da vida privada, os particulares também não podem se afastar desses vetores, uma vez que as atividades privadas também devem ser iluminadas pelos valores constitucionais.

Assim, não obstante diferentes teorias acerca do tema, doutrina e jurisprudência brasileira caminham no sentido de aceitar a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais às relações privadas. Por este motivo, independentemente de intermediação legislativa, a autonomia da vontade deve ser respeitada desde que não viole outros direitos também fundamentais. Trata-se de uma das mudanças decorrentes do neoconstitucionalismo desenvolvido no Brasil a partir da Constituição de 1988 em relação às criações que objetivam efetivar a dignidade da pessoa humana.

Neste contexto, verifica-se que os preceitos constitucionais passaram a iluminar toda ordem jurídica de modo que, atualmente, é difícil idealizar uma relação regulamentada pelo direito sem que antes seja examinada pelas lentes do Direito Constitucional e, principalmente, pelo imperativo de se efetivar direitos basilares da pessoa humana. Por tais razões, as relações de consumo exigiram um regramento adequado às suas peculiaridades envolvendo a figura do vulnerável.

Destarte, as relações envolvendo fornecedores e consumidores no mercado de bens e serviços devem ser analisadas sob esse novo enfoque. Isto porque, conforme demonstrado, essas relações passaram por transformações históricas que, de forma crescente, colocaram o consumidor em uma posição de desequilíbrio. Contemporaneamente, o consumidor aparece como uma figura exposta às mais variadas espécies de práticas abusivas que, entre outros prejuízos, podem violar sua incolumidade física, psíquica e econômica.

A partir de uma clara situação de hipossuificiência em que se enquadra o consumidor - potencializada pela possibilidade de danos à sua liberdade, segurança, saúde e, principalmente, à sua dignidade - o tradicional direito privado, personificado no Direito Civil, que reinou quase que de forma absoluta no ordenamento do século passado, mostrou-se insuficiente para tratar o tema de forma equilibrada. Neste diapasão, a intervenção do Estado nas relações contratuais para desmantelar situações de desigualdade material, se tornou medida da mais lídima justiça.

Por esta forma, ao lado de outros direitos fundamentais consagrados em 1988, a defesa do consumidor ganhou proteção no âmbito constitucional. Consequentemente, apesar de versar uma relação envolvendo basicamente particulares e ser considerado um ramo do direito privado, a filtragem constitucional surge como um fenômeno inseparável do Direito do Consumidor. Mais do que isso, cumprindo mandamento constitucional, o legislador ordinário sistematizou essa proteção em um código que alberga normas de ordem pública e de interesse social. Contudo, importante destacar que, na busca da efetivação da dignidade do consumidor e dos direitos daí decorrentes, ou seja, na busca de efetivar a própria Constituição Federal, é possível ir além do texto expressado no Código de Defesa do Consumidor.

Interpretar a proteção do consumidor com base na dignidade da pessoa humana nada mais é do que uma forma de concretizar o texto constitucional. Portanto, além de importantes regras e princípios, como a lealdade e boa fé objetiva, o direito fundamental ora analisada traz um rol de cláusulas gerais com o fito de promover a dignidade do consumidor. Desta feita, a partir de ponderações que devem ser realizadas no caso concreto, justifica-se a limitação da autonomia individual em prol da defesa do consumidor garantindo a proteção do vulnerável e, por conseguinte, consagrando uma igualdade material.

Desta forma, vislumbra-se o importante papel do Poder Judiciário perante a matéria estudada. Isto porque a defesa do consumidor, como um direito fundamental, emerge no ordenamento, substancialmente, sob a forma de princípios. Assim, a partir do caráter não absoluto de tais direitos, compete ao julgador, ao aplicar a norma abstratamente prevista pelo legislador, ponderar qual é o melhor ajustamento ao caso concreto.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará. Fortaleza, v. 4, n. 2, p. 13-100, julho/dezembro de 2006.

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Notas

[1]  "O neoconstitucionalismo desdobra-se em três planos de análise que se conjugam: os dos textos constitucionais, que se tornaram mais substantivos e incorporaram amplos elencos de direitos fundamentais; o das práticas judiciais, que passaram a recorrer a princípios constitucionais, à ponderação e a métodos mais flexíveis de interpretação, sobretudo na área de direitos fundamentais; e o dos desenvolvimentos teóricos de autores que, com as suas ideias, ajudaram não só a compreender os novos modelos constitucionais, mas também participaram da sua própria criação". (CARBONELL, 2009 apud SARMENTO, 2010, p. 236).

[2]  Fredie Didier Júnior (2006) expõe que, o neoconstitucionalismo possui, basicamente, três características: a consolidação da teoria dos direitos fundamentais como um verdadeiro pilar do direito constitucional contemporâneo; a força normativa da constituição e a expansão da jurisdição constitucional.

[3] Sobre o tema, é possível extrair das lições de Marcelo Novelino (2010) que, quando se fala em aplicação de direitos fundamentais à relação Estado-indivíduo se diz que é relação de eficácia vertical, pois quando surgiram eram utilizados apenas para proteger o indivíduo contra o Estado. Posteriormente, contudo, constatou-se que os direitos individuais não eram violados apenas pelo Estado, mas também por outros particulares. Nesses casos, os direitos fundamentais teriam uma eficácia horizontal ou privada. Em suma, a eficácia horizontal consistiria na aplicação desses direitos na relação entre particulares.

[4] O mencionado autor cita as duas principais correntes em relação à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, quais sejam: “a) a da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais, mediante atuação do legislador infraconstitucional e atribuição de sentido às cláusulas abertas; b) a da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, mediante um critério de ponderação entre os princípios constitucionais da livre iniciativa e da autonomia da vontade, de um lado, e o direito fundamental em jogo, do outro lado”. (BARROSO, 2006, p. 45).

[5]  Este também é o posicionamento defendido por Daniel Sarmento, segundo o qual: “Ademais, a constitucionalização do Direito também suscita outra linha de preocupações, relacionada ao perfeccionismo moral na esfera privada. No Brasil, assim como em muitos outros países, já se assentou a ideia de que os direitos fundamentais não se dirigem apenas contra o Estado, vinculando também os particulares. Entre nós tem prevalecido na doutrina a ideia, que eu mesmo defendi em outro estudo, que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas é direta e imediata. Em outras palavras entende-se que a própria Constituição já incide nas relações privadas, independentemente de mediações legislativas, e que pode gerar obrigações positivas ou negativas para os indivíduos e não só para os poderes públicos, sempre no afã de proporcionar uma proteção mais completa à dignidade". (SARMENTO, 2010, p. 269/270).

[6] Com o fim da segunda guerra mundial inicia o desenvolvimento do Estado constitucional de direito caracterizado pela subordinação da legalidade a uma constituição rígida, ambiente em que ocorreu a constitucionalização do Direito. No Brasil, essas ideias começaram a se desenvolver com a Constituição de 1988. Barroso (2006) ressalta que a constitucionalização do Direito tem como pressuposto uma Constituição escrita e rígida. A constitucionalização dos direitos fundamentais envolve a fórmula da supremacia da Constituição. De tal modo, esses direitos ficam imunes à vontade da maioria e passam a ser tutelados pelo Poder Judiciário.

[7]  Igualmente, Caminha (2009), citando Lipovetsky, menciona as três fases em que se dividiria o capitalismo do consumo: “(...) a primeira, entre os anos de 1980 e a segunda guerra mundial, que se constituiu pela transformação dos mercados de consumo visando uma produção em larga escala, denominado por ele como “mercados de massa”. A segunda, entre os anos de 1950 e 1980, foi marcada pela regulamentação e racionalização da economia através do modelo fordista, considerada pelo autor como fase de “superabundância” e ostentação na aquisição de bens duráveis. A última, iniciada a partir dos anos de 1980, é marcada pela predominância de um turboconsumo no qual o que está em foco é o fetiche da subjetividade, transformando o consumismo em um modo central pelo qual as experiências são adquiridas. Nesse sentido, o autor atenta para o adensamento de um consumo dedonístico e juvenil, em que o prazer momentâneo torna-se a principal estratégia de venda, recondicionando, em consequência, a experiência de viver o tempo”. (CAMINHA, 2009, p. 207).

[8] "Até 1988 a lei valia muito mais do que a Constituição no tráfico jurídico, e, no Direito Público o decreto e a portaria ainda valiam mais do que a lei". (SARMENTO, 2010, p. 246).

[9] Cumpre destacar que, o art. 37, caput, do Código de Defesa do Consumidor, expressamente, proíbe toda publicidade enganosa ou abusiva. Igualmente, cabe ressaltar que, em conformidade com o art. 6º, IV, do citado diploma legal, são direitos básicos do consumidor “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviço”. Ademais, a conduta de fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva, é punida com pena de detenção de três meses a um ano, nos termos do art. 67 do Código.

[10] Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (BRASIL, 2013)

[11]  Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios (...). (BRASIL, 2013)

[12]  Em conformidade com o art. 5º, XXXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

[13]  Daniel Sarmento (2010, p. 250) ressalta que, normas e valores constitucionais são cada vez mais empregados para uma releitura de tradicionais institutos do Direito como, por exemplo, o Direito Civil. O autor acrescenta que, “trata-se não apenas de aplicar diretamente as normas constitucionais especificamente voltadas para cada uma destas áreas, como também de projetar sobre estes campos a influência dos direitos fundamentais e dos princípios mais gerais do nosso constitucionalismo, muitas vezes superando antigos dogmas e definindo novos paradigmas".

[14] “(...) a Constituição era vista como uma Carta Política, que servia de referência para as relações entre o Estado e o cidadão, ao passo que o Código Civil era o documento jurídico que regia as relações entre particulares”. (BARROSO, 2006, p. 42).

[15]  “Em nome da solidariedade social e da função social de instituições como a propriedade e o contrato, o Estado começa a interferir nas relações entre particulares, mediante a introdução de normas de ordem pública”. (BARROSO, 2006, p. 43).

[16]  “A fase atual é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito civil”. (BARROSO, 2006, p. 43).

[17]  “Do centro do sistema jurídico foi deslocado o velho Código Civil. Veja-se que o direito civil desempenhou no Brasil – como alhures – o papel de um direito geral, que precedeu muitas áreas de especialização, e que conferia certa unidade dogmática ao ordenamento. A própria teoria geral do direito era estudada dentro do direito civil, e só mais recentemente adquiriu autonomia didática. No caso brasileiro, deve-se registrar, o Código Civil já vinha perdendo influência no âmbito do próprio direito privado. É que, ao longo do tempo, na medida em que o Código envelhecia, inúmeras leis específicas foram editadas, passando a formar microssistemas autônomos em relação a ele, em temas como alimentos, filiação, divórcio, locação, consumidor, criança e adolescente, sociedades empresariais. A exemplo do que se passou na Itália, também entre nós deu-se a “descodificação” do direito civil, fenômeno que não foi afetado substancialmente pela promulgação de um novo Código Civil em 2002, com vigência a partir de 2003”. (BARROSO, 2006, p. 38).

[18] Nesta direção, menciona-se o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor: “O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social (...)”. (BRASIL, 2013).

[19]  Igualmente, Judith Hofmeister Martins Costa, tratando da conexão entre o Código Civil, a Constituição Federal e as leis que compõe os microssistemas legislativos, aborda as cláusulas gerais sob o ponto de vista da construção e reconstrução do Direito Privado na atualidade. Ainda sobre as cláusulas gerais, a citada autora afirma que “conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos legislativamente (...) e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada”. (MARTINS-COSTA, 1998).

[20] “No caso brasileiro, a introdução de uma nova postura metodológica, embora não seja simples, parece facilitada pela compreensão, mais e mais difusa, do papel dos princípios constitucionais nas relações de direito privado, sendo certo que doutrina e jurisprudência têm reconhecido o caráter normativo de princípios como o da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, aos quais se tem assegurado eficácia imediata nas relações de direito civil” (TEPEDINO, 2000, p. 10).

[21] Luís Roberto Barroso (2006) lembra que, em relação aos particulares, o fenômeno da constitucionalização do Direito, impõe limitações à autonomia da vontade como, por exemplo, subordinando a liberdade de contratar à observância dos direitos fundamentais.

[22] Daniel Sarmento (2006) chama atenção para o caráter antidemocrático decorrente do excesso na constitucionalização do direito.

Sobre o autor
Eujecio Coutrim Lima Filho

Delegado de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais. Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Estado da Bahia (UFBA, BA). Graduado em Direito pelo IESUS (BA). Professor de Direito Processual Penal na UNIFG (BA) e na FAVENORTE (MG). Professor nos cursos de pós-graduação da UNIFG/UNIGRAD (BA) e da ACADEPOL (MG). Ex-Advogado. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de obras jurídicas. Colunista do Canal Ciências Criminais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Eujecio Coutrim. A defesa do consumidor como um direito fundamental:: aspectos relevantes da constitucionalização do direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4397, 16 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40894. Acesso em: 22 nov. 2024.

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