O presente artigo trata de uma questão que, embora não seja tão discutida na doutrina, é de extrema importância na prática administrativa. Falamos da garantia nos contratos administrativos.
O tema é normatizado no Direito Positivo no artigo 56 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências, assim dispondo:
Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
§ 1º São modalidades de garantia:
I - caução em dinheiro, em títulos de dívida pública ou fidejussória;
II - (VETADO).
III - fiança bancária.
§ 1o Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:
I - caução em dinheiro ou títulos da dívida pública;
I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;
II - seguro-garantia;
III - fiança bancária.
§ 2º As garantias a que se referem os incisos I e III do parágrafo anterior, quando exigidas, não excederão a 5% (cinco por cento) do valor do contrato.
§ 2o A garantia a que se refere o caput deste artigo não excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado o previsto no parágrafo 3o deste artigo.
§ 3º(VETADO)
§ 3o Para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do valor do contrato.
§ 4o A garantia prestada pelo contratado será liberada ou restituída após a execução do contrato e, quando em dinheiro, atualizada monetariamente.
§ 5o Nos casos de contratos que importem na entrega de bens pela Administração, dos quais o contratado ficará depositário, ao valor da garantia deverá ser acrescido o valor desses bens.
Recentemente a Secretaria de Logística, Tecnologia e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SLTI/MPOG, objetivando a melhor aplicação do disposto na Lei Geral de Licitações, expediu a Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013, que alterou a Instrução Normativa nº 2, de 30 de abril de 2008, pontuando, dentre outras questões, os procedimentos para exigência e aceitação da garantia nos contratos administrativos, a saber:
Art. 19. Os instrumentos convocatórios devem o conter o disposto no art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, indicando ainda, quando couber:
I - ........;
II - .......;
XIX - exigência de garantia de execução do contrato, nos moldes do art. 56 da Lei no 8.666, de 1993, com validade durante a execução do contrato e 3 (três) meses após o término da vigência contratual, devendo ser renovada a cada prorrogação, observados ainda os seguintes requisitos: (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
a) a contratada deverá apresentar, no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, prorrogáveis por igual período, a critério do órgão contratante, contado da assinatura do contrato, comprovante de prestação de garantia, podendo optar por caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária, sendo que, nos casos de contratação de serviços continuados de dedicação exclusiva de mão de obra, o valor da garantia deverá corresponder a cinco por cento do valor total do contrato; (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
b) a garantia, qualquer que seja a modalidade escolhida, assegurará o pagamento de: (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
1. prejuízos advindos do não cumprimento do objeto do contrato; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
2. prejuízos diretos causados à Administração decorrentes de culpa ou dolo durante a execução do contrato; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
3. multas moratórias e punitivas aplicadas pela Administração à contratada; e (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
4. obrigações trabalhistas e previdenciárias de qualquer natureza, não adimplidas pela contratada, quando couber;
(Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
c) a modalidade seguro-garantia somente será aceita se contemplar todos os eventos indicados nos itens da alínea "b", observada a legislação que rege a matéria; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
d) a garantia em dinheiro deverá ser efetuada na Caixa Econômica Federal em conta específica com correção monetária, em favor do contratante; (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
e) a inobservância do prazo fixado para apresentação da garantia acarretará a aplicação de multa de 0,07% (sete centésimos por cento) do valor do contrato por dia de atraso, observado o máximo de 2% (dois por cento); (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
f) o atraso superior a 25 (vinte e cinco) dias autoriza a Administração a promover a rescisão do contrato por descumprimento ou cumprimento irregular de suas cláusulas, conforme dispõem os incisos I e II do art. 78 da Lei nº 8.666, de 1993; (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
g) o garantidor não é parte para figurar em processo administrativo instaurado pelo contratante com o objetivo de apurar prejuízos e/ou aplicar sanções à contratada; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
h) a garantia será considerada extinta: (Incluído a pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
1. com a devolução da apólice, carta fiança ou autorização para o levantamento de importâncias depositadas em dinheiro a título de garantia, acompanhada de declaração da Administração, mediante termo circunstanciado, de que a contratada cumpriu todas as cláusulas do contrato; e (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
2. após o término da vigência do contrato, devendo o instrumento convocatório estabelecer o prazo de extinção da garantia, que poderá ser estendido em caso de ocorrência de sinistro; (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
i) o contratante executará a garantia na forma prevista na legislação que rege a matéria; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
j) Revogado; (Revogado pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
k) deverá haver previsão expressa no contrato e seus aditivos de que a garantia prevista no inciso XIX deste artigo somente será liberada ante a comprovação de que a empresa pagou todas as verbas rescisórias trabalhistas decorrentes da contratação, e que, caso esse pagamento não ocorra até o fim do segundo mês após o encerramento da vigência contratual, a garantia será utilizada para o pagamento dessas verbas trabalhistas, conforme estabelecido no art. 19-A, inciso IV, desta Instrução Normativa, observada a legislação que rege a matéria. (Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)
Art. 19-A. O edital deverá conter ainda as seguintes regras para a garantia do cumprimento das obrigações trabalhistas nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra: (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
I - .....;
IV - a obrigação da contratada de, no momento da assinatura do contrato, autorizar a Administração contratante a reter, a qualquer tempo, a garantia na forma prevista na alínea “k” do inciso XIX do art. 19 desta Instrução Normativa; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
Art. 35. Quando da rescisão contratual, o fiscal deve verificar o pagamento pela contratada das verbas rescisórias ou a comprovação de que os empregados serão realocados em outra atividade de prestação de serviços, sem que ocorra a interrupção do contrato de trabalho. (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
Parágrafo único. Até que a contratada comprove o disposto no caput, o órgão ou entidade contratante deverá reter a garantia prestada e os valores das faturas correspondentes a 1 (um) mês de serviços, podendo utilizá-los para o pagamento direto aos trabalhadores no caso de a empresa não efetuar os pagamentos em até 2 (dois) meses do encerramento da vigência contratual, conforme previsto no instrumento convocatório e nos incisos IV e V do art. 19-A desta Instrução Normativa. (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
Toda a legislação acima exposta traduz de algum modo a preocupação da Administração em fornecer subsídios que tornem mais segura a execução dos contratos administrativos. Em especial, nos contratos de prestação de serviços de mão de obra com dedicação exclusiva, tais como copeiragem, secretariado, apoio administrativo, enfim, notadamente, a grande massa dos chamados terceirizados, tais garantias aplicadas pela lei federal e demais atos normativos quando alcançam a prática colidem com a verdade rotineira.
É sabido que ao Gestor Público resta a condição de apenas optar pela garantia, mas ao particular que irá contratar com a Administração, a mesma lei faculta a escolha da modalidade a ser apresentada e nessa particularidade que a intenção do legislador se desfaz.
Para as empresas em geral, é cômodo e célere optar – e isso é quase uma regra no âmbito da Administração – pelos chamados “Seguros-Garantia”, onde uma seguradora oferece um produto determinado, regulamentado pelo órgão de fiscalização federal, qual seja Superintendência Seguros Privados – SUSEP e as contratadas (por vezes, via on-line) efetivam a garantia de um contrato que poderá durar, a depender do instrumento contratual, até o limite de 60 (sessenta meses).
Ocorre que, como já exemplificado, nos contratos terceirizados onde exista mão de obra exclusiva muitas vezes as empresas abandonam o que foi pactuado inicialmente deixando os empregados alocados nos postos de trabalho à mercê do nada. Mesmo com uma regular fiscalização por parte da Administração é quase impossível evitar que prejuízos financeiros de esfera alimentar, ou seja, verbas trabalhistas e previdenciárias sejam protegidas.
Pensando, talvez, nestas situações, o legislador aplicou várias regras e instrumentos normativos visando evitar tais situações. A intenção é boa, mas a prática é outra. Quando em detrimento às modalidades de “Caução” ou “Fiança” as empresas optam pelo “Seguro-Garantia” a Administração, indiretamente, adere às condições explicitadas nas apólices emitidas pelas seguradoras o que, na prática, torna tal modalidade de garantia contratual ineficaz.
Por mais que o Gestor Público seja zeloso e tenha atenção com a execução do contrato, caso seja necessário – e isso não é um fato isolado – acionar o Seguro-Garantia para cumprimento de verbas trabalhistas, previdenciárias ou até mesmo uma multa contratual (cláusulas que devem, expressamente, constar nas apólices) surge o momento da ineficácia legislativa.
Tal fato se dá porque, na maciça maioria das condições impostas pelas empresas seguradoras, a comunicação do sinistro e sua efetivação devem atender a condições expressas nas apólices de seguro. Tais condições, se não obstaculizam, dificultam em muito a pretensão estatal em receber os valores segurados. A título de exemplificação, caso ocorra uma quebra do dever de pagamento de verbas trabalhistas, o recebimento dos valores para atendimento das mesmas depende de vários fatores, tais como, comprovação de que o empregado não recebeu notificação judicial trabalhista (o que leva a crer que o empregado terá que entrar na Justiça do Trabalho contra a empresa e contra a Administração), trânsito em julgado da decisão que for favorável ao detentor dos créditos, enfim, toda uma burocracia, que torna ineficaz de modo absoluto, o recebimento dos valores segurados pelo empregado tendo em vista que a rapidez no cumprimento dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados deveria ser a matiz do contrato.
Dentro dessas condições, existe ainda o recebimento de valores oriundos de multas administrativas. As seguradoras incluem tantas condições que a Administração, efetivamente, não consegue tornar exequível a medida contra a empresa contratada. Tais fatos comprovam a ineficácia do Seguro-Garantia – na prática – como forma de garantia contratual para Administração nos contratos administrativos.
Mesmo com as recentes alterações na Instrução Normativa SLTI/MP nº 2, de 30 de abril de 2008, que trouxeram novidades nos procedimentos de aceitação e execução das garantias nos contratos administrativos, nota-se que o legislador, por mais que tenha a intenção de simplificar e colaborar com os operadores administrativos, não conseguiu ainda impor regras que realmente funcionem de modo efetivo para tal questão.
Talvez e como sugestão, utilizando-se da Supremacia Estatal, a alteração do art. 56 da Lei nº 8.666/93 com a exclusão da modalidade Seguro-Garantia e adoção apenas das modalidades “Fiança” e “Caução”, ou seja, moeda em espécie de posse indireta da Administração depositada em instituição financeira oficial atenuasse a celeuma que, atualmente, se impõe.
Outra possibilidade mais distante seria a adoção da chamada “Performance Bond” utilizada nas contratações públicas nos Estados Unidos, onde, diferentemente do modelo brasileiro que impõe o percentual de 5% ou 10% a depender da vultuosidade da obra, o percentual de garantia é de 100% e depende do aval da seguradora que também participará da fiscalização do objeto. Caso a contratada não cumpra com o objeto do contrato, a seguradora assume o restante do pactuado. As regras são bem rígidas e para se alcançar o seguro, a contratada deve cumprir vários elementos objetivos.
Diante do exposto, chama a atenção a ineficácia dos chamados “Seguros-Garantia” nos contratos administrativos, seja por sua demasiada burocracia em regras impostas pelas Seguradoras no momento do sinistro, seja por sua volatilidade em sua contratação, onde o Estado deveria se impor, mas, indiretamente, fica a mercê de um contrato de adesão firmado entre particulares.
Nessa seara, o Estado, diante de sua supremacia constitucional, deveria buscar novas regras, exclusão de tais situações no normativo legal positivo e adoção de mecanismos céleres que possam disponibilizar aos operadores administrativos ferramentas úteis e realmente eficazes na defesa dos prejudicados pelas empresas contratadas e na defesa das garantias trabalhistas, previdenciárias e fiscais constitucionais.