4.O momento histórico do ativismo judicial no Brasil.
Paradoxalmente, no Brasil, o ativismo judicial em defesa das minorias e do processo democrático surge no Século XXI, após o retorno à democracia, em 1985, bem como após a Constituição de 1988 enumerar e garantir os direitos fundamentais de todos, inclusive das minorias.
Não houve ativismo judicial, em defesa do procedimento democrático e das minorias, durante a Ditadura do Estado Novo (1937-1945), quando o Parlamento foi fechado por tempo indeterminado e os dissidentes políticos foram presos e torturados.
Também não houve ativismo judicial durante a Ditadura Militar (1964-1985), quando o Parlamento foi fechado algumas vezes por tempo indeterminado[13] e os opositores políticos também foram presos e torturados.
Somente após a democracia estar consolidada e após ter se estabelecido a plena vigência dos direitos fundamentais, no Brasil, que o Poder Judiciário tornou-se ativista e criou normas jurisprudencialmente para proteger a democracia e os direitos fundamentais. Durante os períodos ditatoriais e durante os períodos em que o Congresso Nacional permaneceu fechado, o Poder Judiciário não foi ativista. Ao contrário, o Supremo Tribunal Federal permaneceu aberto e aplicou as normas dos ditadores, o que demonstra que o Poder Judiciário consolidou-se como guardião da democracia e das minorias após o reestabelecimento do regime democrático e dos direitos fundamentais. O ativismo judicial no Brasil, nesse sentido, é tardio.
Conclusão
No Século XXI, o Poder Judiciário brasileiro tornou-se ativista na defesa do procedimento democrático e dos direitos fundamentais. Para alguns autores, o ativismo judicial é antidemocrático. Contudo, com base no pensamento de John Hart Ely, é possível defender a legitimidade democrática das decisões do Poder Judiciário, em defesa do procedimento democrático e dos direitos das minorias, com base no princípio da isonomia, para garantir que os direitos que a maioria se concede também sejam garantidos a todas as minorias. A Constituição é a sua principal fonte de legitimidade.
Contudo, deve-se considerar que, quando de fato a democracia foi usurpada no Brasil, o Poder Judiciário respeitou as normas editadas pela Ditadura Vargas (1937-1945) e pela Ditadura Militar (1964-1985). Assim, atualmente, ainda que o Parlamento venha passando por uma crise de legitimidade representativa no Brasil, a atuação do Judiciário deve ser moderada a fim de respeitar as normas elaboradas pela votação majoritária dos representantes do povo brasileiro reunidos no Congresso Nacional, atuando de forma ativista somente em casos excepcionais.
Como a garantia das regras e princípios constitucionais, principalmente as normas que regulam o “jogo democrático” e protegem as minorias, com base no princípio da isonomia, são condicionantes e essenciais ao bom funcionamento da democracia, é legítima uma atuação mais ativa do Poder Judiciário. Assim, quando Poder Judiciário toma decisões mais fortes para proteger minorias (com base no princípio da isonomia) e o procedimento democrático, em tese, sua intervenção se dá a favor, e não contra a democracia.
Referências.
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STRECK, Lênio Luiz; BARRETO, Vicente de Paulo. OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Ulisses e o canto das sereias: sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um “terceiro turno da constituinte”. in: Vários autores. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito. 2009.
WECHSLER. Hebert. Toward Neutral Principles in Constitutional Law. in: Vários autores. Harward Law Review nº 73, 1959
Notas
[3] Para Luis Roberto Barroso, “a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.” (Cf. BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. in: Atualidades Jurídicas nº 4. 2009. Disponível em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf Acesso em 18 de junho de 2015.)
[4] Como, por exemplo, em Griswold vs. Connecticut (1965), na qual a Suprema Corte declarou que a lei que bania o uso de contraceptivos, ao ser aplicada a casais casados, configurava uma inadmissível invasão da privacidade familiar (right to marital privacy), direito não enumerado na Constituição de 1787; como, por exemplo, em Loving vs.Virginia (1967), na qual a Suprema Corte decidiu que a Lei do Estado da Virgínia que proibia casamentos inter-raciais era inconstitucional, como, por exemplo, no caso Eisenstadt vs. Baird (1972), quando foi estendida aos casais não casados a decisão do caso Griswold vs. Connecticut e, finalmente, como no caso Roe vs. Wade na qual se estendeu esses precedentes para proteger o direito das mulheres quanto ao direito de realizar o aborto, com fundamento no direito não enumerado à privacidade.
[5] O § 1º do art. 4º da Resolução determinava que: “os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato/a à eleição de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador/a de Estado ou do Distrito Federal, senador/a, deputado/a federal e deputado/a estadual ou distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato/a à eleição presidencial.”
[6] O Acórdão da ADI 4.277-DF e da ADPF nº 132-RJ criou direitos não escritos na Constituição de 1988 com o seguinte argumento: “Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.” O STF justificou a criação dos referidos direitos da seguinte maneira: “Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635. Acesso em 18 de junho de 2015.
[7] O Acórdão declarou que o art. 1.723 do Código Civil devia ser interpretado em conformidade com o disposto na Constituição de 1988, de maneira a excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família, apesar da própria do § 3º do art. 226 da Constituição da República afirmar que “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”.
[8] A origem da distinção entre interpretativismo e não-interpretativismo origina-se no artigo de GREY, Thomas C. Do we have un Unwriten Constitution? in: Vários autores. Stanford Law Review, n.º 27, 1975. pp. 703 e ss.
[9] Hebert Wechsler propos em 1959 que a Suprema Corte tomar suas decisões com fundamento em princípios que transcenderiam o caso em questão e que permitiriam tratar de igual maneira casos similares. (Cf. WECHSLER. Hebert. Toward Neutral Principles in Constitutional Law. in: Vários autores. Harward Law Review nº 73, 1959).
[10] Teoria segundo a qual, os juízes devem utilizar os valores do futuro para realizar o controle de constitucionalidade, predizendo o progresso dos valores. Nesse sentido, o poder judicial enunciaria princípios que parecem ir contra a vontade da maioria, mas que alcançariam no futuro o apoio da maioria. (Cf. ELY, John Hart. Democracy and Distrust. Cambridge and London: Harvard Universit Press, 1980. p. 69)
[11]No mesmo sentido, Robert H. Bork afirma que a Constituição possui áreas usuais de incerteza, mas com tolerável definição. (Cf. BORK, Robert H. Op. Cit. p. 7.)
[12] Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o caso Brown vs. Board of Education, a Suprema Corte dos Estados Unidos inaugurou um novo período de sua história, no qual se transformou a sociedade americana. Nesse período, sob o comando de Earl Warren, (presidente entre 1953 e 1969) e Warren Burguer (presidente entre 1969 e 1986), essa Corte, utilizando-se de métodos de interpretação construtivos, lançou mão, em larga escala, de princípios retirados da “moralidade política”. Assim, por meio de uma interpretação extensiva da XIV Emenda à Constituição norte-americana, estendeu a toda sociedade princípios jusfundamentais como os do due process e da equal protection clause. A Suprema Corte, assim, algumas vezes com fundamento em direitos que não estão no texto claro da Constituição (em Griswold vs. Connecticut, de 1965, a Suprema Corte criou o direito à privacidade), dessegregou as escolas (Brown vs. Board Education); baniu a oração das escolas públicas (Engel vs. Vitale); transformou todo o sistema de processo penal dos Estados membros, ao garantir os direitos dos acusados (Miranda vs. Arizona); redesenhou o mapa político ao fazer os Estados conformarem-se ao princípio do “um homem, um voto” (Baker vs. Carr); impôs aos Estados o respeito pela vida privada das pessoas e anulou todas as leis dos Estados que proibiam o aborto nas primeiras semanas da gravidez (Roe vs. Wade).
[13] O Congresso Nacional foi fechado por tempo indeterminado, pelas Forças Armadas, em 1889, 1930, 1937, 1968, pelo Ato Complementar nº 38, e em 1977, pelo Ato Complementar nº 102. Em 1966, o Ato Complementar nº 23, fechou o Congresso de 20 de outubro a 22 de novembro. Em 1823, o Parlamento foi fechado por Dom Pedro I.