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A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PARA JULGAR CRIME DE RACISMO COMETIDO POR MEIO DA INTERNET

Agenda 28/07/2015 às 06:46

O ARTIGO DISCUTE A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR CRIME DE RACISMO QUE VIER A SER COMETIDO POR MEIO DA INTERNET.

A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PARA JULGAR  CRIME DE RACISMO COMETIDO POR MEIO DA INTERNET

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Discute-se importante julgamento com relação a prática de racismo pela Internet.

Iniciativas racistas devem ser censuradas e punidas de forma que o preconceito deve ser condenado.

Racismo consiste no preconceito e na discriminação com base em percepções sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos. Muitas vezes toma a forma de ações sociais, práticas ou crenças, ou sistemas políticos que consideram que diferentes raças devem ser classificadas como inerentemente superiores ou inferiores com base em características, habilidades ou qualidades comuns herdadas. Também pode afirmar que os membros de diferentes raças devem ser tratados de forma distinta

A Constituição traz dois dispositivos que fundamentam, mais do que isso, exigem normas penais rigorosas contra discriminações. A Lei punirá, em razão disso, qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e deverá estabelecer que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão.

Veda-se preconceito e discriminação com base na origem, raça e cor.

Na lição de Pontes de Miranda(Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, t. IV/709), “a lei penal tem de inserir regras jurídicas sobre crime de preconceito de raça, para que, no plano do direito penal, não possam ficar sem punição os atos – positivos ou negativos – que ofendem a outrem, porque a acusação se prende ao preconceito de raça”.

O crime de racismo está previsto na Lei 7.716/89 e ocorre quando se nega ou se impede o exercício de direitos a alguém com base em questões de raça ou cor. O crime de racismo é imprescritível e inafiançável e se procede mediante ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor.

No Conflito de Competência 111.338 – TO, Relator Ministro Og Fernandes, reiterou-se entendimento de que só o fato de o crime ser praticado pela rede mundial de computadores não atrai a competência da Justiça Federal.

Levou-se em conta que a competência da Justiça Federal é fixada quando o cometimento do delito por meio eletrônico se refere às infrações previstas em tratados ou convenções internacionais, constatada a internacionalidade do fato praticado(artigo 109, V, da Constituição Federal) ou quando a prática de crime via internet venha a atingir bem, interesse ou serviço da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, a teor do artigo 109, IV, da Constituição Federal.

No julgamento do CC 120.559, Relator Ministro Jorge Mussi, 3ª Seção do STJ,  destacou-se que o fato de um delito ter sido cometido pela internet, ainda que em algumas páginas eletrônicas internacionais, não desloca a competência do caso para a Justiça Federal. Assim de acordo com esse entendimento, para ser fixada a competência da Justiça Federal é necessário que o crime ofenda bens, serviços ou interesses da União ou esteja previsto em tratado ou convenção internacional.

A decisão foi tomada pela seção ao analisar agravo interposto por um procurador Federal contra decisão do STJ, que declarou o juízo de direito da 3ª vara Criminal de Brasília/DF competente para processá-lo e julgá-lo pela prática de racismo. O procurador foi acusado de fomentar discussões na internet contra negros, judeus e nordestinos, chegando a dizer que esses grupos formavam a escória da sociedade.

O juízo estadual suscitou o conflito de competência, ao entender que o caso tinha de ser julgado pela JF, já que o crime teria sido praticado pela internet. O juízo Federal, no entanto, alegou que, nos termos do inciso V do art. 109 da CF, a competência era da Justiça estadual, pois a competência da JF se firmaria em razão dos crimes previstos em tratado ou convenção internacional e não pelo modo ou meio como foram praticados.

De acordo com o relator, ministro Jorge Mussi, tratando-se de conduta dirigida a uma pessoa determinada e não à coletividade, afasta-se a competência da JF. "A suposta prática delituosa não apresenta indícios de crime federal ou de internacionalidade do delito, requisitos fundamentais para que houvesse a fixação dessa competência", completou.

Lembrou-se que, tratando-se de conduta dirigida a pessoa(s) determinada(s) e não a uma coletividade, afasta-se as hipóteses do dispositivo constitucional e, via de consequência, a competência da Justiça Federal.

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Nessa via considerou-se que essa suposta prática em tela não apresentou indícios de crime federal ou de internacionalidade do delito, requisitos que são fundamentais para que houvesse a fixação da competência no âmbito federal. Entende-se que a acusação é clara ao individualizar as supostas vítimas do crime em tese, praticados pelo agravante.

Assim já se entendeu no julgamento do CC 121/431 SE, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção,  DJe de 7 de maio de 2012, quando se disse que “verificando-se que as ofensas possuem caráter exclusivamente pessoal, as quais foram praticadas pela ex-namorada da vítima, não se subsumindo, portanto, a ação delituosa a nenhuma das hipóteses do dispositivo constitucional, a competência para processar e julgar o feito será da Justiça Estadual”.  

Em caso recente, o Ministério Público Federal, em pronunciamento perante o Tribunal Regional Federal da 5º Região, entendeu que suposto crime de racismo praticado no âmbito do Facebook – rede social fechada aos seus integrantes –, significa delito de competência da justiça estadual, pois a ação não produziu resultados no exterior.

De acordo com o parecer, a definição da Justiça competente para julgar o crime de racismo deve advir do art. 109, V, da Constituição Federal. O dispositivo  prevê que os juízes federais devem processar e julgar crimes previstos em tratados internacionais, desde que o resultado desses tenha, ou devesse ter, ocorrido no estrangeiro.

Ainda se levou em conta que o  Brasil é signatário da “Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial”, e também da “Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância” e da “Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância”, o que, à primeira vista, poderia levar ao entendimento de que crimes de tal natureza seriam da competência da Justiça Federal. O MPF, concluindo o raciocínio, salientou que só ocorreria a atração para Justiça Federal se estivesse presente o outro requisito constitucional – conduta com resultado no exterior ou praticada no exterior – o que não ocorre quando se trata de rede social fechada e com participação de particulares identificáveis.

Sendo assim não se aplicou nos casos enfocados o artigo 109, V, da Constituição Federal. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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