Sumário: 1. Compensação – 1.1. Intróito, 1.2 – Conceito e origem 2. A Secretaria da Receita Federal e a compensação administrativa. 3. Conclusão.
1. Compensação:
1.1.Intróito.
Inicialmente, vale ressaltar que o instituto da compensação na seara do direito público, que no caso em apreço limitaremos àquela realizada no âmago da Secretaria da Receita Federal – SRF, somente passou a ser permitida com o surgimento da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, que veio regulamentar o artigo 170 do Código Tributário Nacional – CTN.
O CTN no bojo do art. 170, infradescrito, autorizava a compensação de créditos tributários, mas para a efetividade de tal dispositivo legal, mister se fazia a criação de norma regulamentadora, a fim de prescrever a forma pela qual o referido encontro de contas iria ocorrer.
''''Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos e vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.''''
Assim, em 30 de dezembro de 1991, foi introduzido no mundo jurídico a Lei nº 8.383, cujo art. 66 descreveu de forma clara o que se segue:
''''Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subseqüente.''''
Veja que o preceito supra discriminou de modo preciso as hipóteses em que a compensação poderá ser efetuada, sem confundir, no entanto, a compensação prescrita neste dispositivo com a elencada no CTN, que admitia a compensação quando se tratasse ''''de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.'''' (Art. 170, CTN). Dessa forma, qualquer crédito líquido e certo do administrado encontra-se autorizado a produzir uma compensação válida.
De outro lado, a Lei nº 8.383/91, disciplinando a sistemática da compensação, somente possibilitou o referido encontro de contas quando o crédito for proveniente de pagamento indevido ou a maior decorrente de tributos, contribuições federais e previdenciárias, bem como de receitas patrimoniais, ou seja, aquele recolhimento instituído mediante norma ilegal e inconstitucional retirada da ordem jurídica por força de decisão judicial. Assim, quando o judiciário reconhecer como sendo indevido o pagamento de tais exações, o Contribuinte – Sujeito Passivo da relação – poderá fazer valer a faculdade contida na lei para dar início à compensação por sua conta e risco.
Para fins de esclarecer o que vem a ser a compensação efetuada por conta e risco do Contribuinte, vale ressaltar que o Código Tributário Nacional prevê três modalidades de lançamento tributário, a saber:
I – Lançamento por Declaração: essa modalidade de lançamento está insculpida no art. 147, do CTN, e é também conhecida na doutrina por lançamento misto, uma vez que participam na constituição do crédito tributário tanto o Sujeito Passivo quanto o Sujeito Ativo. O primeiro (Contribuinte) presta as informações mediante declaração e com base nesta declaração o Fisco efetua o dito lançamento tributário.
II – Lançamento de Ofício: Nesse tipo de lançamento, a constituição do crédito tributário é integralmente realizada pela autoridade administrativa, que baseada em alguma das hipóteses previstas no art. 149, do CTN, efetua de per si o indigesto lançamento.
III – Lançamento por homologação (Art. 150, do CTN): Essa é a modalidade de lançamento tributário de maior importância na seara jurídica, tendo em vista que a grande maioria das exações são arrecadas sob esse mecanismo de recolhimento. O lançamento por homologação consiste na modalidade de lançamento em que o próprio Sujeito Passivo da relação tributária presta as informações, mediante declaração, apura e recolhe o tributo e/ou contribuição, ficando referido lançamento sujeito a futura homologação por parte do Sujeito Ativo (Fisco), que tem o prazo de 5 (cinco) anos para verificar se o mencionado lançamento foi efetuado corretamente.
Ante aos esclarecimentos supra, vale registrar que a compensação por conta e risco do contribuinte é aquela que ficará condicionada a futura homologação do Fisco, e ocorre justamente na última das modalidades acima descritas, a por homologação.
O pagamento a maior pode ocorrer também por equívoco do Contribuinte, e isso é muito comum, tendo em vista que grande parte dos tributos e contribuições arrecadados pela SRF são apurados e recolhidos pelo próprio interessado, através da modalidade de lançamento denominada de auto-lançamento ou lançamento por homologação, nos termos do art. 150, §4º, do Códex Tributário, consoante explicação supra.
O brilhante Dr. Alexandre Tavares de Macedo, in obra publicada na Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 68, pág. 9, arrematou o tema acerca da diferença entre a compensação prevista no CTN e a estabelecida na Lei nº 8.383/91 com alabastrina precisão, in verbis:
''''....denota-se, a toda evidência, que a compensação prevista no art. 170 do Código Tributário Nacional retrata realidade jurídica inconfundível e diamentralmente oposta àquela consagrada pelo art. 66 da Lei nº 8.383/91. Ao passo que a primeira é norma dirigida à autoridade administrativa e pressupõe a existência de créditos tributários líquidos e certos devidamente constituídos pela regular atividade administrativa de lançamento; a segunda prescrição normativa constitui norma dirigida ao contribuinte, viabilizadora da utilização do procedimento compensatório no âmbito do lançamento por homologação, em decorrência de um recolhimento indevido ou a maior de tributos.''''
[1]
Nesse diapasão, o divisor de águas entre um e outro dispositivo, no que tange ao instituto da compensação, é a ocorrência ou não do lançamento tributário. Caso este já tenha se consumado, a compensação será processada pela sistemática do CTN, art. 170, entretanto em se tratando de compensação realizada por conta e risco do contribuinte, ocorrerá a hipótese prevista na Lei nº 8.383/91, art. 66 [2].O §1.º do mesmo dispositivo (art. 66, da Lei nº 8.383/91), d’outra banda, prevê que a compensação será efetuada entre contribuições, tributos e receitas de mesma espécie, o que gerou e ainda vem gerando enorme impasse jurídico, tendo em vista que parte da doutrina e da jurisprudência entendem que essa terminologia ''''mesma espécie'''' implica dizer que o encontro de contas entre determinado tributo só poderá ser efetuado com esse mesmo tributo, para ilustrar exemplificamos: um crédito referente à contribuição para o PIS só poderia ser compensado com débitos da própria Contribuição para o PIS. Desta feita, se caso o contribuinte viesse a falir e não pagasse mais a exação objeto da restituição, via abatimento, todo o embate judicial visando a compensação cairia por terra.
Posteriormente, em 27 de dezembro de 1996, com o intuito de obter a pacificação da mencionada peleja, foi perpetrada a Lei nº 9.430, que no artigo 74 autorizou a utilização de créditos decorrentes de pagamentos indevidos ou a maior perante a SRF para quitação (extinção) de quaisquer tributos ou contribuições sob sua administração.
Em seguida, foi instituído o Decreto n.º 2.138, de 29 de janeiro de 1997, dispondo, também, acerca da compensação de crédito do sujeito passivo com quaisquer tributos ou contribuições administrados pela SRF. Esse decreto elidiu de uma vez por todas as dúvidas reinantes na doutrina e jurisprudência, no que diz respeito à possibilidade do abatimento com quaisquer débitos junto à referida Secretaria, visto que deixou claro que tais tributos ou contribuições não precisão ser da mesma espécie nem ter a mesma destinação constitucional. O art. 1.º reza o que se segue:
''''Art.1º É admitida a compensação de créditos do sujeito passivo perante a Secretaria da Receita Federal, decorrentes de restituição ou ressarcimento, com seus débitos tributários relativos a quaisquer tributos ou contribuições sob adminitração da mesma Secretaria, ainda que não sejam da mesma espécie nem tenham a mesma destinação constitucional.''''
O Legislador, com o implemento do Decreto supra, arrematou com louvor o impasse acerca da compensação com quaisquer tributos ou contribuições no âmbito da SRF.
1.2.Conceito:
A compensação é um mecanismo que teve sua gênese no direito privado, e está inserida no ordenamento pátrio como causa extintiva de obrigações.
Tal sistemática foi inicialmente prevista no art. 1.009 do Código Civil de 1916 (corresponde ao art. 368 do CC/2002) que definiu a compensação da seguinte forma: ''''Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem''''.
Esse mecanismo de extinção de créditos foi, em seguida, adotado para quitar débitos tributários, conforme dispõe o art. 156, II, do CTN, provocando o nascimento de inúmeras leis como demonstrado acima.
A necessidade da instituição das leis supra mencionadas centra-se no quanto prescreve o dispositivo civilista, que, em face de um suposto interesse geral, excluiu do veículo da compensação as dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios.
Dispõe o art. 1.017 do Código Civil de 1916, in verbis:
''''Art. 1017. As dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios também não podem ser objeto de compensação, exceto nos casos de encontro de contas entre a administração e o devedor, autorizadas nas leis e regulamentos da Fazenda.''''
Saliente-se, contudo, que o dispositivo em tela não consta na redação do novo Código Civil.
2. A Secretaria da Receita Federal e a compensação administrativa.
Com efeito, no que diz respeito ao pleito compensatório, in concreto, no âmbito da Secretaria da Receita Federal – SRF, vale gizar que é imprescindível a regulamentação de tal procedimento, razão pela qual o § 4.º, do art. 66, da Lei nº 8.383/91, com sua natureza cogente e impositiva, determinou que a SRF expedisse a Instrução necessária ao cumprimento do disposto neste artigo.
Atendendo a esse preceito, a mencionada Secretaria, em 10 de março de 1997, lançou mão da IN SRF n.º 21, que alterada pela IN SRF nº 73/97, passaram instrumentalizar o procedimento compensatório.
Além da possibilidade de ser efetuada de ofício, foi também regulamentado o encontro de contas via requerimento do interessado. Neste último caso, por exemplo, a parte interessada deverá formalizar seu requerimento no PEDIDO DE COMPENSAÇÃO, onde será informado o código do Tributo /contribuição, a competência, o vencimento, e o valor, para fins de individualizar o débito que está sendo abatido.
A grande confusão proveniente desse procedimento é que tal pleito compensatório não era homologado em tempo hábil, e na maior parte das vezes a Receita dificulta e obstaculariza a regular efetivação do mencionado abatimento, seja alegando prescrição, seja por infundadas razões de que o interessado não tem direito ao crédito, mesmo quando já reconhecido pelo Poder Judiciário, entre outros motivos.
Fato digno de nota é que o PEDIDO DE COMPENSAÇÃO, segundo entendimento dessa própria entidade administrativa e da jurisprudência, tem o condão de suspender a exigibilidade dos valores compensados, até posterior apreciação por parte do fisco.
A referida Secretaria, tem o dever de vincular o débito compensado com o procedimento compensatório, a fim de que o citado débito não permaneça em aberto no sistema da receita, evitando uma possível cobrança. Isto se dá através do programa interno denominado PROFISC.
Atualmente, foi instituída a IN SRF n.º 210, de 30 de setembro de 2002, que veio alterar a sistemática do procedimento compensatório. Dentre as várias modificação, vale destacar as constantes dos arts. 21 a 24 da referida instrução, que trata da compensação efetuada pelo Sujeito Passivo.
Reza o art. 21, da mencionada norma:
''''Art. 21. O sujeito passivo que apurar crédito relativo a tributo ou contribuição administrado pela SRF, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos e vincendos, relativos a quaisquer tributos ou contribuições sob administração da SRF.
§ 1º A compensação de que trata o caput será efetuada pelo sujeito passivo mediante o encaminhamento à SRF da ''''Declaração de Compensação''''.
§ 2º A compensação declarada à SRF extingue o crédito tributário, sob condição resolutória da ulterior homologação do procedimento.
§ 3º....
§ 4º...
§ 5º A compensação de tributo ou contribuição lançado de ofício importa renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso interposto.''''
A rigor, o art. 21 caput apenas ratificou e condensou o entendimento já existente e previsto nos dispositivos anteriores. Entretanto, o § 1º trouxe inovação significativa, pois substituiu o antigo PEDIDO DE COMPENSAÇÃO pela DECLARAÇÃO DE COMPENSAÇÃO.
De fato, o atual mecanismo há de ser consagrado pois inseriu importante modificação, tendo em vista que a compensação declarada, ao invés de suspender, extingue o crédito tributário sob condição resolutória. A relevância deste dispositivo diz respeito à facilitação para a obtenção de Certidões, na medida em que, antes era fornecida Certidão Negativa com efeitos de Positiva, e agora com a nova sistemática, a SRF passou a ter o dever de expedir Certidão Negativa de Débitos.
Aliás, vale frisar que, uma vez apresentada a declaração de compensação, o débito encontrar-se-á devidamente confessado, e passível portanto de cobrança, uma vez que o ato de constituição do crédito tributário se encontrará plenamente consumado pela declaração.
Para que não haja dúvidas cabe distinguir o art. 22 do art. 23, que dispõem o seguinte:
''''Art. 22. Constada pela SRF a compensação indevida de tributo ou contribuição já confessado ou lançado de ofício, o sujeito passivo será comunicado da não-homologação da compensação e intimado a efetuar o pagamento do débito no prazo de trinta dias, contado da ciência do procedimento.
Parágrafo único. Não ocorrendo o pagamento ou o parcelamento no prazo previsto no caput, o débito deverá ser encaminhado à Procuradoria da fazenda Nacional (PFN), para inscrição em Dívida Ativa da União, independentemente da apresentação, pelo sujeito passivo, de manifestação de inconformidade contra o não-recolhimento de seu creditório.
Art. 23. Verificada a compensação indevida de tributo ou contribuição não lançado de ofício nem confessado, deverá ser promovido o lançamento de ofício do crédito tributário.
Parágrafo único. O sujeito passivo será comunicado da não-homologação da compensação, cientificado do lançamento de ofício e intimado a efetuar o pagamento ou a impugnar o lançamento no prazo de trinta dias, contado da ciência.''''
O art. 22, trata exatamente do débito confessado via declaração de compensação ou pelo lançamento de ofício (este é aquele lançamento efetuado via Auto de Infração ou Notificação de Lançamento, na forma do Decreto 70235/72). Acrescente-se, também, que a informação efetuada na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF também constitui o crédito tributário, tendo em vista que, nesse caso, o valor declarado implica confissão de débito, da mesma forma que ocorre na decomp (Declaração de compensação).
Dessa forma, como não há nada a ser constituído, pois o lançamento já se operacionalizou com base na declaração do próprio Contribuinte que reconhece seu débito, cabe ao Fisco intimar o Sujeito Passivo para o pagamento do quantum devido no prazo de trinta dias, contados da ciência do procedimento. Assim, não se verificando o pagamento ou o parcelamento (causa de suspensão do crédito tributário) no prazo estipulado, o débito será enviado para a Procuradoria da Fazenda Nacional, onde será inscrito em Dívida Ativa da União, ganhando, portanto, forma de título executivo extra-judicial, para uma posterior Execução Fiscal, na forma da Lei nº 6.830/80.
No que se refere ao art. 23, nota-se facilmente que por não ter havido confissão, que ocorre mediante parcelamento ou na Declaração de Contribuições e Tributos Federais – DCTF, nem lançamento de ofício, o Fisco deverá promover a realização do indigitado lançamento que será efetivado com as formalidades prescritas no Decreto nº 70.235/72. Isto irá ocorrer em razão da não-homologação da compensação, que uma vez inadmitida elide os efeitos da condição elencada no art. 21, § 2º, relativamente à extinção sob condição resolutória, ficando o débito com sua exigibilidade reestabelecida.
3. Conclusão
.Esperamos ter alcançado com o presente trabalho demonstrar sinteticamente a implementação do instituto da compensação como causa extintiva de obrigações no âmbito da SRF, indicando satisfatoriamente a legislação pertinente bem como as implicações da não-homologação dessa sistemática, seja por falta de direito, seja por arbitrariedade do Fisco.
O que nos instigou a escrever essas simplórias considerações foi justamente o amor ao debate jurídico-tributário, em razão da complexidade do tema e das inúmeras alterações no decorrer de tão curto lapso temporal.
Notas
01. Outro exemplo, que cai como a luva à mão é o caso da incidência da COFINS sobre a receita bruta da prestação de serviços das Sociedades Civis Prestadoras de Serviços regulamentares, instituída pela Lei 9.430/96, art. 56, tendo em vista que o Fisco vem exigindo de tais sociedades o recolhimento de referida exação quando na verdade a Lei Complementar 70/91, art. 6º, II, isentou-as do pagamento da COFINS. Por força disso, inumeras ações visando a declaração de inexistência de relação jurídica que obrigue ao recolhimento da COFINS na hipótese em apreço, cumulada com pedido de restituição, via compensação, foram ajuizadas em todo o Brasil, de modo que, uma vez julgado procedente mencionado pleito, vazia se tornaria a sentença que não autorizasse a realização do referido encontro de contas com outros tributos ou contribuições administradas pela Secretearia da Receita Federal.
02. A compensação prevista no art. 66, da lei 8383/91, ocorre nas hipóteses de lançamento por homologação, em que o próprio contribuinte com base em sua declaração, apura o quantum devido e faz o recolhimento, ficando este procedimento passível de futura homologação por parte do Fisco. De igual maneira se dá o fenômeno compensatório, vez que o interessado apura por sua conta e risco seu crédito e faz o respectivo encontro de contas, também sujeito a uma futura homologação.
Bibliografia:
Revista Dialética de Direito Tributário, 68.
NAVARRO COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Editora Forense: RJ, 2002.
Código Tributário Nacional: Editora Saraiva, 2000.