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Responsabilidade civil do Estado por ato legislativo

Agenda 30/07/2015 às 16:44

Evolução da Responsabilidade Civil do Estado e Responsabilidade por ato Legislativo

1. INTRODUÇÃO

A matéria responsabilidade civil, no direito privado, consiste na responsabilização de determinado indivíduo decorrente da existência de um fato causador de dano, conforme previsto no artigo 186 c/c art. 927 do Código Civil.[1]

Como previsto no Código Civil, a responsabilidade pressupõe o dano ou prejuízo a terceiro, sem o qual não existirá a responsabilidade de indenizar. Ademais, este dano pode ser de cunho patrimonial ou moral[2], bem como estético podendo ser cumulado com o dano moral, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça[3].

No entanto, o tema estudado diz respeito à responsabilidade civil do Estado pelos danos causados a terceiros. Hoje, o Estado poderá ser responsabilizado pelos danos que seus agentes causarem a terceiros e condenado a reparar esses prejuízos indenizando-os.

Aliás, até a metade do século XIX prevalecia no ocidente a ideia de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados pelos seus agentes. Hodiernamente, com o nascimento da democracia, essa matéria evoluiu admitindo a responsabilização civil do Estado o que veremos no próximo tópico.

2. Evolução

2.1. A irresponsabilidade do estado

Como já dito na introdução, o primeiro momento foi o da teoria da irresponsabilidade do Estado. O monarca era quem ditava as regras, era quem dizia o certo e o errado. Nessa primeira teoria aparecia o Estado como sujeito irresponsável, eis que o próprio dirigente era quem ditava as regras. “O Rei não erra nunca”.

Por outro lado, verifica-se que o Estado raramente intervia nas relações entre os particulares. Carvalho Filho acrescenta que “sua irresponsabilidade constituía mero corolário da figuração política de afastamento e da equivocada isenção que o Poder Público assumia àquela época”[4]. Isto porque, diante da pouca presença do Estado, este só eventualmente poderia ocasionar dano.

Essa teoria não permaneceu por muito tempo em grande parte do mundo. As revoluções burguesas contribuíram para isso com o enfraquecimento das monarquias absolutistas e o nascimento do Estado de Direito, atribuindo ao Estado deveres comuns às pessoas jurídicas.

2.2. Teoria da Responsabilidade subjetiva

O Código Civil de 1916[5] reconhecia a responsabilidade do Estado segundo a teoria subjetiva, ou seja, a teoria da responsabilidade subjetiva é aplicável somente na conduta ilícita, em caso de ilicitude. Nesse momento, o Estado praticando ação lícita não era sujeito responsável.

Além disso, a responsabilidade subjetiva tem como condição, quatro elementos para o seu reconhecimento, quais sejam (i) conduta, (ii) dano, (iii) nexo de causalidade entre conduta e dano e (iv) culpa ou dolo.

A responsabilidade subjetiva necessariamente terá conduta e dano. O elemento dano é um dos pilares da responsabilidade, isto porque, se não ficar comprovado o dano não haverá responsabilidade. Indenizar dano não comprovado significa enriquecimento ilícito.

Também precisamos do nexo de causalidade, ou seja, aquela conduta gerou o dano. E, finalmente, se a responsabilidade é subjetiva, vamos precisar do elemento subjetivo, ou seja, a culpa ou dolo do agente. Eis a adoção da doutrina civilista da culpa.

De outra forma, quando a responsabilidade subjetiva foi introduzida no Brasil, a primeira ideia tinha como exigência a culpa do agente. A vítima precisava identificar o agente culpado, sendo na prática muito complicada devido a dificuldade de apontar o agente responsável pela ordem. Então, suprime-se a culpa do agente (momento em que a vítima tinha que indicar a pessoa culpada) e caminha para uma responsabilidade chamada responsabilidade na culpa do serviço ou culpa administrativa.

Neste novo campo, bastava comprovar o mau funcionamento do serviço, mesmo que não houvesse possibilidade de identificar o agente que provocou o dano. A doutrina denomina esse fato como falta de serviço ou culpa anônima.

Concluindo este tópico, verifica-se que precisamos da presença dos quatro elementos, faltando qualquer um deles, a responsabilidade será excluída. Ou seja, a excludente da responsabilidade subjetiva pode ocorrer afastando a conduta, o dano, o nexo ou afastando a culpa ou dolo.

2.3. Teoria da Responsabilidade objetiva

Após as teorias citadas acima o direito moderno passou a adotar a responsabilidade objetiva do Estado. Desde a constituição de 1946 adota-se a responsabilidade objetiva no Brasil.

Esta teoria pode acontecer tanto nas condutas ilícitas quanto nas condutas lícitas. Por exemplo, a construção de uma ponte pode gerar responsabilidade porque a responsabilidade objetiva pode acontecer tanto nas condutas lícitas, quanto nas condutas ilícitas, bastando que o interessado comprove a relação causal entre o fato e o dano causado a ele. Logo, exclui-se a necessidade de comprovação de dolo ou culpa, ou seja, não há o elemento subjetivo.

Como bem esclarece Carvalho Filho, “se tornou perceptível que o estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. (...) Sendo assim, não seria justo que, diante dos prejuízos oriundos da atividade Estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos.”[6]

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Por outro lado, para afastamento da responsabilidade objetiva, devem ser consideradas duas teorias:

Na Teoria do Risco Integral não é possível a excludente. Aqueles países que adotam a teoria do risco integral não admitem excludente. O Brasil adota excepcionalmente nas áreas referentes ao material bélico, energia nuclear e dano ambiental.

Nesta teoria há responsabilidade do Estado independente de nexo causal e mesmo que seja provocado o dano por culpa da vítima. São situações excepcionais, como no caso do seguro obrigatório para automóveis (DPVAT).

Na Teoria do Risco Administrativo admite-se a excludente. Haverá a possibilidade excluir a responsabilidade objetiva afastando qualquer um dos seus elementos (conduta, nexo de causalidade ou dano).

O Brasil adota, como regra, a teoria do risco administrativo. Citamos o caso de culpa exclusiva da vítima, que afasta o elemento conduta e caso fortuito ou força maior que afasta o elemento nexo de causalidade, sendo estes apenas itens de um rol exemplificativo.

Ademais, acrescentamos que pode ocorrer caso em que a vítima tem participação na provocação do dano, caso de culpa concorrente. Na culpa exclusiva, há excludente de responsabilidade porque não há conduta do Estado excluindo a responsabilidade. Na culpa concorrente ambos participam do evento e neste caso, a indenização a ser paga pelo Estado será proporcional a sua participação no evento danoso.

2.4. Fundamento Legal da Responsabilidade Civil do Estado

O fundamento constitucional para a indenização de terceiros que sofreram danos por ação ou omissão do Estado encontra-se no art. 37, parágrafo 6º da Constituição[7]. Trata-se do fundamento da responsabilidade extracontratual.

Os sujeitos dessa responsabilidade civil são as (i) pessoas jurídicas de direito público, ou seja, administração direta, autarquias, fundações públicas de direito público (independentemente da atividade, independentemente da finalidade) e (ii) pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Acrescenta-se que só haverá responsabilidade objetiva das empresas públicas e sociedades de economia mista que sejam prestadoras de serviço público.

Além disso, acrescentamos o art. 21, inc. XXIII, d[8], da Constituição que reforça a existência da teoria do risco administrativo nas atividades ligadas a energia nuclear, sendo que alguns doutrinadores entenderem que se trata de hipótese de risco integral.

Ultrapassada esta fase inicial, passaremos a analisar, especificamente, a responsabilidade do Estado por ato legislativo.

3. Responsabilidade civil do estado por ato legislativo

O Estado não deverá ser responsabilizado por ato legislativo, ou seja, não poderá ser responsabilizado pela promulgação de uma lei ou pela edição de um ato administrativo genérico e abstrato. Como regra, o Estado não pode ser responsabilizado por ato normativo ou por ato legislativo.

Carvalho Filho destaca que “a função legislativa constitui uma das atividades estruturais do Estado moderno senão a mais relevante, tendo em conta que consubstancia a própria criação do direito (ius novum). Além do mais, a função legislativa transcende à mera materialização das leis para alcançar o status que espelha o exercício da soberania estatal”.

Ademais, o fato de o ato normativo ter caráter genérico e abstrato torna sua aplicação revestida de regularidade e indistinção a todas as pessoas. Logo, todos vão sofrer restrições ou receber benefícios com essa atuação geral e abstrata.

Diante disso, não teria lógica admitir as pessoas impactadas de maneira regular e que sofreram também restrições proporcionais viessem a ser responsabilizadas em face do Estado. Este seria responsabilizado por todo em qualquer ato normativo, visto que ato normativo estabelece direitos, deveres e restrições.

A primeira exceção a esta regra, se refere à hipótese que o ato normativo não possui as características de generalidade e abstração. Trata-se de lei de efeitos concretos porque esta só é lei em sentido formal (passou por um processo formal legislativo). A lei de efeitos concretos, na sua substancia material, é um ato administrativo porque ela possui os seguintes elementos: (i) um interessado e (ii) destinatário específico ou (iii) alguns destinatários específicos.

É até comum que uma lei de efeitos concretos faça previsão de indenização expressa nela própria. No caso de encampação de um serviço público objeto de uma concessão há a necessidade de indenização prévia a empresa privada concessionária. Há necessidade de lei específica, autorizando a encampação, ou seja, lei de efeitos concretos. Como isso vai causar danos ao particular, que não fez nada de errado, tem que indenizar. Então, a própria legislação já traz esse dever de indenização.

A segunda exceção é aquele caso em que a lei foi declarada inconstitucional, visto que o Estado possui o dever de legislar de maneira adequada, ou seja, de acordo com a Constituição e nos limites da mesma. Caso contrário atuará de forma ilícita respondendo pelo ato.

O requisito para a indenização devida pelo Estado é a prova do particular que o ato lhe gerou dano efetivo por conta da lei inconstitucional. Logo, é necessário que a lei tenha concretude na aplicação ao particular ou para alguns particulares e pela inconstitucionalidade gerar prejuízos individualizados ou individualizáveis.

Dessa forma, deve-se cumprir dois requisitos: (i) haver declaração de inconstitucionalidade e (ii) dano efetivo por conta da previsão legal ou da aplicação efetiva da lei.

Por isso, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal aplica a modulação temporal da Lei declarada inconstitucional a fim de evitar prejuízos e grandes injustiças, bem como a fim de privilegiar a segurança jurídica.

Ademais, segundo a Jurisprudência do STJ, para haver a indenização é necessário que a declaração de inconstitucionalidade tenha sido feita em sede de controle concentrado, com efeitos erga omnes, confira-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO LEGISLATIVO.

A responsabilidade civil em razão do ato legislativo só é admitida quando declarada pelo STF a inconstitucionalidade da lei causadora do dano a ser ressarcido, isso em sede de controle concentrado. Assim, não se retirando do ordenamento jurídico a Lei n. 8.024/1990, não há como se falar em obrigação de indenizar pelo dano moral causado pelo Bacen no cumprimento daquela lei. Precedente citado: REsp 124.864-PR, DJ 28/9/1998. REsp 571.645-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 21/9/2006. (Informativo nº 297, Período: 18 a 22 de setembro de 2006).

Ressaltamos que não devemos confundir a regra acima no caso de ação promovida por particular que ingressa no Judiciário com pedido de restituição ou indenizatório, sendo a causa de pedir na exordial a inconstitucionalidade de determinada lei.

Como exemplo na ação de repetição de indébito tributário em que a causa de pedir é a inconstitucionalidade de Lei que prevê hipótese de incidência de tributo e o contribuinte requer a devolução do tributo pago. Neste caso, se for julgado procedente o pedido, a lei será declarada inconstitucional pela via difusa.

Por outro lado, esclarecemos que o parlamentar no exercício da função atípica, ou seja, administrativa poderá responder por improbidade administrativa, nunca pelo exercício da função legislativa. Confira-se:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DA LEI 8.429/1992 AOS AGENTES POLÍTICOS. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. ATOS BUROCRÁTICOS PRATICADOS NA FUNÇÃO LEGISLATIVA. CABIMENTO.

1. Aplica-se a Lei 8.429/1992 aos agentes políticos dos três Poderes, excluindo-se os atos jurisdicionais e legislativos próprios. Precedente.

2. Se no exercício de suas funções o parlamentar ou juiz pratica atos administrativos, esses atos podem ser considerados como de improbidade e abrigados pela LIA.

3. O STJ possui entendimento consolidado no sentido de que as esferas penal e administrativa são independentes, salvo nos casos de absolvição por inexistência do fato ou autoria.

4. Recurso especial provido. (REsp 1171627 / RS, 2º Turma, DJe 14/08/2013)

Por último, recentemente a doutrina vem discutindo sobre a possibilidade de responsabilização do Estado no caso de omissão legislativa, ou seja, a inércia do Poder Legislativo diante do seu dever de legislar quando previsto na Constituição.

Há mecanismos para combater essa omissão, como o mandado de injunção (CF/88, art. 5º, inc. LXXI) e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF/88, art. 103, parágrafo 2º).

Entende-se que, caso a constituição fixe prazo para o ato legislativo e essa obrigação não é cumprida e, decretando o Poder Judiciário a mora do legislador e este se quedando inerte forçoso é reconhecer a culpa omissiva do legislador e os prejudicados terão direto a reparação de seus danos. Essa omissão consiste em abuso do poder do legislador.

Carvalho Filho, assevera que “é desnecessária decisão judicial que figure como condição dessa responsabilidade. A indevida leniência com os abusos estatais não ajuda em nada e, ao revés, contribui para a perpetuação desse tipo de inconstitucionalidade. [9]

Referências

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo, SP: Atlas – 2012.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo, SP: Dialética, 2012.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, SP: Saraiva, 2008.

VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Direito Administrativo das Parcerias. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2005.


[1] CC, art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[2] CF/88, art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

Inc. V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...)

Inc. X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[3] STJ, súmula nº 387: É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013, pág. 550.

[5] CC/16: Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

[6] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013, pág. 552.

[7] CF/88, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[8] CF/88, Art. 21. Compete à União: (...)

XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: (...)

d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013, pág. 575.

Sobre o autor
Bruno Fialho Ribeiro

Advogado.<br>Pós-Graduação em Direito Administrativo<br>2014 Universidade Cândido Mendes/Curso Fórum Rio de Janeiro<br>MBA em Gestão Pública<br>2012 - 2014 Universidade Estácio de Sá Rio de Janeiro<br>

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