Com o advento da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, conhecida popularmente e, também no mundo jurídico, como Novo Código Civil, muitas indagações vieram à tona quanto aos reflexos que causaria no que concerne à extensão da nova maioridade civil de 18 anos, no Direito Penal e Processual Penal. Alguns artigos foram escritos defendendo a não extensão dos efeitos [1], outros defendendo a posição da total extensão [2] e, como sempre no Direito, alguns entendendo que o correto é a aplicação em parte, dos efeitos da nova maioridade [3].
Portanto, com o escopo de servir como mais um referencial teórico, foi escrito o presente artigo, não almejando jamais esgotar o estudo do tema, e sim aprimorar ainda mais o estudo do direito no tema objeto do estudo.
1. Síntese das Leis 3.071/1916 (antigo Código Civil) e 10.406/e2002 (novo Código Civil).
A Lei 3.071/1916, antigo Código Civil, em seus artigos 5º e 6º, estabelecia a diferença das pessoas absoluta e relativamente incapazes, como abaixo transcrito:
"Art. 5.º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de 16 (dezesseis) anos;
Art. 6.º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um)".
E, em 2002, ou seja, mais de oitenta anos de vigência do antigo Código Civil, surge a Lei 10.406/2002, novo Código Civil, estabelecendo em seu art. 3º:
"Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de 16 (dezesseis) anos;"
"Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos;"
"Art. 5.º A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil."
Assim, formou-se uma celeuma especificamente em relação à extensão dos efeitos do Novo Código Civil, nos Direitos Penal e Processual Penal, precisamente em relação aos maiores de 18 anos e menores de 21, pois como transcrito acima, a incapacidade absoluta permanece a mesma, havendo mudança em relação aos relativamente incapazes, antes maiores de 16 anos e menores que 21, e agora, maiores de 16 e menores que 18 anos.
Em virtude da mudança surgiu a grande indagação: O art. 5º do novo Código Civil, reduzindo a maioridade civil de 21 para 18 anos de idade, teve seu efeito extensivo às disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal?
Essa é a grande indagação, objeto do presente estudo.
2. Apontamentos históricos da maioridade penal no Brasil e uma visão globalizada acerca do tema.
No estudo acerca dos reflexos da mudança da maioridade civil no direito processual e penal, faz-se necessário, para vislumbrar as reais ligações entre a matéria cível e penal, fazer uma pequena viagem no tempo para saber a influência das mudanças, mesmo que tácitas, no ordenamento jurídico brasileiro.
Em matéria publicada na Revista Época [4] do dia 04 de janeiro de 1995, percebe-se claramente que o Brasil nem sempre adotou o limite de 18 anos para inimputabilidade. O Código Penal Republicano, de 1890, determinava a inimputabilidade somente até os 9 anos. Entre essa faixa e os 14 anos, o menino deveria ser submetido a uma avaliação psicológica bastante subjetiva. Caso fosse considerado consciente do crime, poderia ser condenado como adulto. Em 1940 começou a vigorar o Código Penal atual.
Deve ser observado que no período entre a vigência do Código Penal Republicano de 1890 e do Código Penal de 1940, o Brasil conviveu com duas maioridades, uma Civil [5], e outra Penal [6], ou seja, mesmo com a entrega em vigor do Código Civil de 1916, o Código Penal Republicano de 1890 não sofreu qualquer alteração.
Dessa forma, fica claro, em resumida análise histórica da influência da existência de um novo Código Civil no Direito Penal, que este não sofreu qualquer alteração, pois mesmo tendo o Código Civil de 1916 considerado a maioridade absoluta aos 21 anos, somente houve mudança, ou seja, o aumento da maioridade de 9 anos, com a entrada em vigor do novo Código Penal de 1940, considerando a maioridade penal aos 18 anos.
Percebe-se claramente que a maioridade penal e os próprios benefícios concedidos aos menores de 21 anos e maiores de 70 anos não são diretamente vinculados ao Direito Civil, nem no Brasil, nem no mundo. O Direito Penal mesmo que de maneira incipiente, procura a cada dia vincular a imputabilidade penal com a consciência do ato, com a capacidade de discernimento no momento da ação ou omissão, considerando também a capacidade de recuperação do autor jovem em detrimento de criminosos mais velhos.
A Inglaterra é o país com o menor limite de inimputabilidade penal, com 10 anos, uma criança inglesa pode ser julgada e condenada como adulto, desde que comprovada, através de testes psicológicos, a consciência do ato. Nos Estados Unidos, em muitos Estados a imputabilidade penal inicia aos 14 anos. As convenções internacionais estabelecem idade penal de 18 anos e são seguidas por 55% dos países no mundo. Mas em vários países ocorreram mudanças. A França reduziu a inimputabilidade para 13 anos. A Espanha encolheu a maioridade penal de 18 para 16 anos, considerando sempre os aspectos de desenvolvimento do agente e não simplesmente a maioridade civil.
3. A interpretação conforme a Constituição: análise do Artigo 59, CF e Lei Complementar nº 95/98, alterada pela LC nº 107/01.
Dispõe o artigo 59, em seu parágrafo único, da Constituição Federal, que "Lei complementar disporá sobre elaboração, redação, alteração e consolidação das leis." Muitas são as implicações deste enunciado, pois o escopo do legislador constituinte foi exatamente autorizar o legislador infraconstitucional a criar Lei Complementar estabelecendo ordem no sistema jurídico infraconstitucional.
Como bem ressaltado por Paulo Rangel [7] "o dispositivo constitucional tem nítida natureza de norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, enquanto não fosse promulgada a referida lei complementar, o dispositivo constitucional não teria aptidão para produzir seus regulares efeitos. Eis que o Congresso Nacional, sensível a essa necessidade, embora tardiamente, aprovou a Lei Complementar nº 95/98 (dez anos depois) e, posteriormente, alterou-a através da Lei Complementar nº 107/01".
A Lei Complementar 95/98, alterada pela LC 107/01, independente das interpretações que lhe sejam atribuídas, é uma lei complementar normativa integrativa, com o escopo de dar eficácia ao dispositivo constitucional previsto no parágrafo único do art. 59 da CF, ou seja, orientar o legislador na elaboração e ao intérprete no momento de aplicar a lei ao caso concreto.
A Lei Complementar 95/98, alterada pela Lei 107/01, ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com o fito de acabar com os inconvenientes causados pela interpretação dos 1º e 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, que permitia a revogação tácita de dispositivos legais, como no Art. 2º, § 1º: "A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior." Fica claro que o Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942, denominada Lei de introdução ao Código Civil, dá grandes possibilidades de interpretações, trazendo grande instabilidade ao ordenamento jurídico brasileiro. Exemplo é a divergência de interpretação em relação à influência da maioridade no Direito Penal e Processual Penal em decorrência da entrada em vigor do novo Código Civil.
Esclarecedores são os ensinamentos de Paulo Rangel [8]: "A partir da elaboração da LC nº 95/98, não faz mais sentido a lei que tem como escopo introduzir normas de Direito Civil dispor sobre a vigência e revogação de qualquer lei ordinária. Agora devemos buscar na LC nº 95/98 as regras sobre vigência e revogação, além de outras que estabelece."
Continua o citado autor: "O operador do direito deve entender que a determinação de criação de uma lei complementar dispondo sobre vigência e revogação das normas jurídicas no país foi constitucional, não sendo lícito nem razoável sustentar, que, mesmo assim, a LICC, nesse aspecto, estaria em vigor. Do contrário, estaríamos dando um caráter de imutabilidade à LICC que ela não tem e pior: a existência de dois dispositivos legais tratando sobre a mesma matéria no ordenamento jurídico (a LICC e a LC 95/98)".
Todo esse percurso acerca da interpretação de leis no ordenamento jurídico brasileiro, teve como escopo trazer ao conhecimento do leitor o teor do Art. 9º da LC nº 95/98, com nova redação da LC nº 107/01, literalmente:
"Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas (grifos acrescidos)".
Assim, como bem ressaltado por Paulo Rangel [9], opinião que comungamos: "a conhecida revogação tácita deixa de existir exatamente para que não haja no ordenamento jurídico a dúvida que sempre perturbou os operadores jurídicos, quando dispositivos legais entravam em vigor e causavam perplexidade, quando à sua vigência diante de outro já existente. Temos que a intenção do poder constituinte originário (cf. art. 59, parágrafo único, da CRFB) foi ótima, porém a prática do nosso Congresso de legislar movida pelo sentimento popular e não pela técnica, ou por política criminal adotada, irá causar problemas de aplicabilidade dessa norma complementar aos operadores jurídicos. O Supremo Tribunal Federal tem e terá papel fundamental, como guardião da Constituição, em manter a hierarquia e supremacia da LC 95/98 sobre leis ordinárias que foram elaboradas em desconformidade com seus preceitos. Entretanto, até então, está um gigante adormecido".
Os operadores jurídicos brasileiros, sejam juízes, promotores, advogados, estudantes de direito e, o povo em geral, deve interpretar as leis em conformidade com a LC 95/98, não gerando assim qualquer discussão no que diz respeito à interpretação extensiva da maioridade trazida pelo novo Código Civil, pois não tendo sido o novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) expresso quanto aos seus efeitos extensivos ao Direito Penal (Dec.-lei 2.848/1940) e Processual Penal (Dec.-lei 3.689/1941), não houve qualquer derrogação ou ab-rogação da maioridade ou dos seus efeitos no Processo Penal, bem como no Direito Penal, como é expresso o Art. 9º, da LC nº 95/98, acima transcrito.
4. Interpretação.
4.1. Conforme a Constituição: Impossibilidade de interpretação com efeito extensivo para prejudicar o réu.
Superada a discussão inicial acerca da impossibilidade de revogação ou ab-rogação tacitamente no ordenamento jurídico brasileiro, após a entrega em vigor da LC 95/98, alterada pela LC 107/01, cumpri a análise da possibilidade de interpretação com efeito extensivo em prejuízo do réu.
Mesmo quando a Lei de Introdução ao Código Civil tratava acerca da revogação ou ab-rogação de leis tacitamente, a Constituição de 1988, garantidora dos direitos fundamentais, não permitia interpretação tácita em prejuízo do réu, pois é princípio básico no Direito Penal e Processual Penal que a lex gravior não retroagirá para prejudicar o réu, tanto é que mesmo após a entrada em vigor de nova lei, sendo exceção à regra do princípio da irretroatividade, a lei do tempo da ação ou omissão será aplicada, se for mais benéfica ao réu.
Deve ser aqui analisado brevemente como fazer uma interpretação conforme a Constituição: o órgão jurisdicional declara qual das possíveis interpretações de uma norma legal se revela compatível com a Lei Fundamental, sendo necessário apenas quando um preceito infraconstitucional comportar diversas possibilidades de interpretação, sendo qualquer delas incompatível com a Constituição.
No caso da análise da extensão dos efeitos da maioridade trazida pelo novo Código Civil de 2002, o entendimento mais autorizado é no sentido de não ser necessária interpretação conforme a constituição, pois se o interprete considerar que houve realmente extensão dos efeitos da maioridade civil no Direito Penal e Processual Penal, estará ferindo diretamente o direito à liberdade, especialmente no que se refere ao Direito Penal, ceifando o direito fundamental do cidadão, que tem na lei especial a garantia de atenuantes, contagem de prazo menor no que se refere ao tempo da prescrição, dentre outros direitos que serão pormenorizadamente considerados nos itens seguintes.
4.2. Interpretação quanto aos meios empregados.
Para possibilitar ao leitor uma visão mais completa dos meios de interpretação da lei no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quanto aos meios empregados, podendo ser literal, ou gramatical, teleológica e sistêmica, será feita uma sucinta análise.
A interpretação literal ou gramatical é aquela em que o hermeneuta busca, especificamente, saber o real e, mesmo sendo redundante, literal ou gramatical sentido das palavras, deve obrigatoriamente buscar o verdadeiro significado das palavras, não empregando qualquer meio epistemológico na interpretação, é a famosa interpretação ‘ao pé da letra’.
Já com a interpretação teleológica o exegeta busca alcançar a finalidade da lei, o escopo, efetivamente o objetivo dado pelo legislador ao criar determinada lei. Esclarecedor é o ensinamento de Nelson Hungria, citado por Rogério Greco [10]: "A interpretação lógica ou teleológica consiste na indagação da vontade ou intenção realmente objetivada na lei e para cuja revelação é, muitas vezes, insuficiente a interpretação gramatical". E de acordo com Jean-Louis Bergel [11], "O método teleológico fundamentado na análise da finalidade da regra, no seu objetivo social, faz seu espírito prevalecer sobre sua letra, ainda que sacrificando o sentido terminológica das palavras".
De acordo com os meios de interpretação acima explicitados, literal e teleológico, não se pode afirmar que houve qualquer extensão dos efeitos da maioridade civil no Direito Penal e Processual Penal, pois em momento algum o legislador foi expresso nesse sentido, nem deixou claro esse como o seu objetivo ao legislar em relação ao novo Código Civil, devendo mais uma vez ser ressaltado que no ordenamento constitucional brasileiro existe Lei Complementar estabelecendo a forma de elaboração da lei, portanto, se o objetivo do legislador era estender os efeitos da maioridade civil para penal e processual penal, deveria ter sido expresso nesse sentido, podendo somente, interpretando o escopo do legislador processual penal na época da formulação do Código de Processo Penal, considerar a extensão em decorrência da maioridade civil.
Na interpretação sistêmica o intérprete analisa o dispositivo legal no sistema no qual ele está contido, e não de forma isolada, a preocupação deve ser com o todo e não especificamente com as partes. Norberto Bobbio [12] define perfeitamente a interpretação sistêmica como "aquela forma de interpretação que tira os argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento, ou, mais exatamente, de uma parte do ordenamento (como o Direito privado, o Direito penal) constituam uma totalidade ordenada (mesmo que depois se deixe um pouco no vazio o que se deve entender com essa expressão), e, portanto, seja lícito esclarecer uma norma deficiente recorrendo ao chamado ‘espírito do sistema’, mesmo indo contra aquilo que resultaria de uma interpretação meramente literal".
Em relação à interpretação sistêmica é perfeitamente possível à extensão dos efeitos da nova maioridade civil no processo penal, como no caso do art. 263 do CPP, que determina a obrigatoriedade de dar ao acusado menor, curador, pois em análise ampla do ordenamento, percebe-se claramente que as referências feitas ao maior de 18 anos e menor de 21 são decorrência direta da maioridade civil à época da elaboração da lei processual penal. Com relação ao Direito Penal, mesmo em interpretação sistêmica, considerando a política criminal e os benefícios trazidos pelo Direito Penal ao acusado menor de 21 e maior de 18 anos, não deve qualquer extensão dos efeitos da nova maioridade civil para prejudicar o acusado, pois como já explicitado no item anterior, o ordenamento jurídico só admite a interpretação do direito material extensivamente se for para beneficiar o cidadão e, nunca, como querem alguns operadores do direito, estender os efeitos da maioridade civil para prejudicar o réu.
5. Uma visão prática – Juízes legisladores.
Em análise eminentemente positiva do direito, observando o que dispõe o texto constitucional, em seu art. 59, preenchido pela Lei complementar 95/98, alterada pela 107/01, verifica-se que não há como estender os efeitos da nova maioridade civil para o direito penal e processual penal.
Contudo, a prática tem a cada dia mostrado que os nossos legisladores estão na maioria das vezes inertes, principalmente no que concerne ao direito penal e processual penal, pois estes dois ramos do direito são na maioria das vezes utilizados para condenar pessoas, em sua maioria provenientes das classes menos favorecidas da sociedade.
E, diante dessa despreocupação do legislador com a atualização do direito penal e processual penal, resta aos operadores do direito, especialmente os juízes, promotores, advogados, trabalhar como legisladores, fazendo uma interpretação sistemática, porém, garantindo a interpretação extensiva sem prejudicar os acusados, que na maioria das vezes não tem um advogado para dedicar-se ao seu caso específico.
Em análise das mudanças da legislação penal e processual penal apenas quando a mídia pressiona, verifica-se a preocupação maior com a política monetária que propriamente com a vida do povo brasileiro.
Assim, observa-se que o grande problema é a inércia do legislador, razão pela qual deve ser interpretada a maioridade civil, no direito penal e processual penal da seguinte forma:
5.1. No Direito Processual Penal.
O menor de 21 anos e maior de 18 não é mais relativamente incapaz, pois com a mudança na legislação civil pátria, este passou a exercer todos os atos da vida civil. Deve ser ressaltado que no momento da elaboração do Código de Processo Penal, o legislador usou a maioridade civil para estabelecer um parâmetro com escopo de assegurar ao relativamente incapaz uma segurança maior no decorrer do inquérito policial, bem como da própria ação penal.
Desta forma, considerando a interpretação sistemática, desapareceu a necessidade de curador, tanto no inquérito quanto na ação penal e, também, a figura de seu representante legal, para ajuizar ação penal de iniciativa privada.
Mesmo em interpretação contra a lei [13], deve o juiz ser o legislador que o direito precisa hodiernamente, considerando ab-rogados ou derrogados, conforme o caso, todos os dispositivos do Código de Processo Penal que se referem ao agente com mais dezoito anos e menos de 21, como nos casos abaixo transcritos:
"Art. 14, CPP. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade". (grifos acrescidos).
"Art. 15, CPP. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial". (grifos acrescidos).
"Art. 34, CPP. Se o ofendido for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal". (grifos acrescidos).
"Art. 52, CPP. Se o querelante for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de perdão poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal, mas o perdão concedido por um, havendo oposição do outro, não produzirá efeito". (grifos acrescidos).
"Art. 54, CPP. Se o querelado for menor de 21 anos, observar-se-á, quanto à aceitação do perdão, o disposto no art. 52". (grifos acrescidos).
"Art. 194, CPP. Se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador". (grifos acrescidos).
Ou seja, deve ser considerada a extensão total dos efeitos da maioridade civil no direito processual penal, mesmo contra a lei.
5.2. No Direito Penal.
Todas as razões esposadas no item 4.1, referentes à impossibilidade de interpretação com efeito extensivo para prejudicar o réu, devem ser consideradas no presente tópico, para corroborar o entendimento de que não houve mudança no direito penal para prejudicar o acusado, especialmente em relação ao estabelecimento de normas prejudiciais ao réu.
A inércia do legislador, como já fartamente esposado, é um fato incontroverso, não podendo o operador do direito, seja juiz, promotor, advogado, ou qualquer outro, investir-se na posição de legislador para prejudicar o réu.
Nossa Corte Suprema em relação à interpretação com efeito extensivo para prejudicar o acusado, tem sido inflexível, devendo no futuro ser sua interpretação no sentido de não admitir de forma alguma que a modificação da maioridade civil influencie diretamente em benefícios que o acusado tem, como os descritos nos artigos abaixo transcritos:
"art. 65 do CP. são circunstâncias que sempre atenuam a pena: I – ser o agente menor de 21, na data do fato, ou maior de 70 anos, na data da sentença; (grifos acrescidos)".
"Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos (grifos acrescidos)".
Como bem leciona Rogério Grego [14], "a imaturidade daqueles que ainda não estão com a sua personalidade completamente formada, como acontece com aqueles que estão saindo da adolescência e entrando na fase adulta, pode conduzir à prática de atos ilícitos impensados. Além disso, a convivência carcerária do menor de 21 anos com criminosos perigosos acabará por perturbar a sua personalidade, razão pela qual, como medida despenalizadora, a lei penal reduz pela metade o cômputo do prazo prescricional". Deve assim ser considerado o escopo do legislador à época da elaboração da lei.
Se a Constituição Federal diz competir ao legislador estabelecer normas de direito penal, não cabe ao exegeta estender a interpretação com o fito de prejudicar o réu, cabe ao legislador, se entender que os tempos são outros e, que é necessária a mudança, fazê-la.
Porém, se a interpretação for no sentido de transformar uma conduta antes considerada ilícita, por ter entre suas elementares o aproveitamento da menoridade civil de 21 anos, deve ser retirada a elementar e tornar a conduta atípica, da maior de 18 anos e menor de 21, como no caso do art. 219 do CP:
"Rapto consensual
Art. 220. Se a raptada é maior de 14 (catorze) e menor de 21 (vinte e um), e o rapto se dá com seu consentimento:; (grifos acrescidos)".
Se o objeto jurídico do crime de rapto consensual é o poder familiar [15] e este desaparece aos dezoito anos, não há qualquer fundamentação para ser interpretada ainda o rapto consensual para mulheres maiores de 18 anos.
6. Conclusão.
O presente trabalho procurou acima de tudo proporcionar ao leitor uma base teórica, legislativa, constitucional e de princípios interpretativos, para que de posse dos conhecimentos já acumulados no decorrer da carreira jurídica, mesmo estando apenas iniciando, possa chegar a uma conclusão quanto ao seu posicionamento no que concerne à extensão dos efeitos da maioridade civil no direito penal e processual penal.
Como observado, também foi objetivo do presente artigo, esposar a posição do autor referente ao objeto de estudo, podendo ao final concluir que:
1. em relação à análise histórica da influência da existência de um novo Código Civil no Direito Penal, não houve qualquer extensão de efeitos;
2. em análise do art. 59 da Constituição Federal, da Lei Complementar 95/98, alterada pela Lei Complementar 107/01, não houve qualquer alteração, tanto no direito penal quanto no direito processual penal;
3. fazendo uma interpretação conforme a Constituição é impossível a interpretação com efeito extensivo para prejudicar o réu;
4. de acordo com os meios de interpretação, literal e teleológico, não se pode afirmar que houve qualquer extensão dos efeitos da maioridade civil no Direito Penal e Processual Penal;
5. por outro lado, de acordo com a interpretação sistemática, a alteração da maioridade civil refletiu apenas no direito processual penal e no direito penal, quando para beneficiar o acusado;
6. Por fim, chegou-se à conclusão que houve mudança no direito processual penal no que concerne a maioridade e, no direito penal, a mudança foi apenas nos casos que beneficiavam o réu.
Notas
01. João Hora Neto, mestre em Direito Público, professor de Direito Civil na Universidade Federal de Sergipe e juiz de Direito. Revista Consultor Jurídico.
02. Marcus Vinicius de Viveiros Dias, Procurador da República, em www.ielf.com.br.
03. Damásio de Jesus, Gianpaollo Poggio Smanio, Fernando Capez, Ricardo Cunha Chimenti, Victor Eduardo Rios Gonçalves, Vitor Frederico Kümpel e André Estefam Araújo Lima em discussão na Mesa de Ciências Penais e Processuais Penais do Complexo Jurídico Damásio de Jesus.
04. http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT401958-1659,00.html.
05. Absolutamente incapaz: menores de 16 anos e, relativamente incapaz: entre 16 e 21 anos. (CC, 1916).
06. Inimputabilidade Penal somente até os 9 anos. (Código Penal Republicano, 1890).
07. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 2002, p.100.
08. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 2002, p.103.
09. Ob. Cit., p. 104.
10. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro, Ímpetus, 2003, p.38.
11. também citado por Rogério Greco. Ob. Cit., p. 38.
12. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. p. 332.
13. LC 95/98, alterada pela LC 107/01.
14. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 224.
15. Expressão trazida pela Novo Código Civil em substituição ao Pátrio Poder, adaptando-se o Código Civil vigente ao princípio constitucional de igualdade de homens e mulheres.
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