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O jogo da mídia e dos meios de comunicação na construção e desconstrução da reputação pública dos nossos políticos

Agenda 05/08/2015 às 15:32

O ASPECTO DA CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DA REPUTAÇÃO DOS POLÍTICOS E O JOGO DA MÍDIA

Logo depois da instalação da República, por volta de 1903, dizia Rui Barbosa que a imprensa era a vista da nação, a assuntora do órgão da opinião publica no regime presidencialista, e o mecanismo da responsabilidade ministerial nos países parlamentaristas. E insistia no sentimento de que por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe mal  fazem, devassa o que lhe ocultam e tramam,  colhe  o que sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.

Com sua visão de “águia” (por isso o epíteto de “Águia de Haia”), percebia Rui Barbosa, já naquela época, que o desenvolvimento tecnológico e a conformação dos sistemas econômicos fariam com que as sociedades se tornassem mais complexas e grande parte da comunicação humana fosse intermediada pelos meios de comunicação, que iriam representar  a voz de cada cidadão, constituindo-se em poderosos atores, tanto econômicos quanto políticos, determinantes na construção da opinião pública.

Com o tempo, ciosos desse Poder abstrato de que são dotados, os meios de comunicação têm manipulado a informação, adequando-a as suas conveniências, agindo como se não sofressem limites. No Brasil, o direito à liberdade de imprensa tem berço constitucional há mais de um século, constando objetivamente no §12º do artigo 76 da Carta Política de 1890. Contudo, tem sido ele evocado diariamente para justificar todo o tipo de tropelias em relação a outros direitos. O mais grave é que, devido a disputa mercadológica entre os atuantes nesse viés empresarial, a informação ou a notícia tem vindo com maior grau de espetaculosidade, produzida com estardalhaço, objetivando atrair o público, sem a menor preocupação com os preceitos básicos da ética e violando os direitos fundamentais das pessoas noticiadas, às vezes manipulando os fatos para atingir objetivos escusos.

Nesse arroubo potencializador de um suprapoder de que se travestem os meios de imprensa, com a prerrogativa de anunciar o que bem entender e de publicar o que lhe convier ou julgar necessário, temos assistido, com impotência, o despojamento de todas as garantias constitucionais protetivas à personalidade, na intencional tarefa da construção e desconstrução de reputação pública.

Para a formação midiática moderna não basta noticiar ou informar. A notícia e a informação têm que passar por processos de “produção”; obrigam-se a serem submetidas a requintes cinematográficos, à manipulação do “código genético” da fonte, de molde que cada informação ou cada notícia figure como um evento espetacular, moldado aos seus particulares interesses. As capas da revista Veja estão aí para mostrar o que é sensacionalismo. Nas suas 52 últimas edições, invariavelmente a capa semanal envolve uma crítica aos políticos do PT. Em Mossoró, tem um jornal que exalta Rosalba à santificação, enquanto inversamente “alisa o lombo” do Prefeito Silveira com um “porrete de Jucá”. As manchetes são diárias, numa e noutra intenção.

Nacionalmente, está demonstrado nesse jogo que a intenção é de chocar, é sobressaltar o destinatário, seja ele leitor, ouvinte ou espectador. A disputa - de poder político ou de mercado - tem afastado a verdade como elemento fundante da informação, sujeitando o receptor a um constante exercício logístico de bom senso e de equilíbrio para identificar o que é excesso, o que é irreal, daquilo que é fato verídico. Em sua maioria, a informação que nos é fornecida tem na sua origem, muitas vezes, outras motivações que não servir o próximo.

Se é verdade que não podemos prescindir da informação que a mídia nos faculta, até que ponto podemos confiar na imparcialidade da mesma? Chegando a milhões de pessoas, o modo como transmitem a informação faz toda a diferença, podendo contribuir, mesmo que de forma não intencional, para a promoção ou despromoção de atores sociais, para a condenação ou absolvição pública de suspeitos, para a eleição ou demissão de titulares de cargos políticos, em suma, para a manipulação da opinião pública.

Não sem razão a maioria dos nossos políticos são possuidores dos canais de televisão, jornais, emissoras de rádio, controladores e acionistas de grandes empresas de comunicação, em suma, são os controladores capitalistas dos meios de informação.

Por aqui, sempre os meios de comunicação foram atrelados a um grupo político, para graça de uns e desgraça de outros. A construção da imagem positiva dos seus donos e a desconstrução e desqualificação do opositor é um jogo diário que perpassa décadas.                                        

Para que os políticos querem um jornal, uma revista, uma emissora de rádio ou de tv? Para construir e destruir reputações... Simples dedução! É para isso que tem servido jornais, revistas e emissoras de comunicação ao longo do tempo. Isso vem de muito longe.

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Para comercializar a notícia ou conquistar audições não se olham os meios, mesmo que o argumento seja manipular a informação. Em tempos de desordem e incerteza social, a necessidade que as pessoas têm de informação de confiança é especialmente significativa. Até mesmo na época da ditadura era assim. Em tese de Doutorado transformada em livro (“Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988”), a historiadora carioca Beatriz Kushnir, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lança suspeitas sobre um dos mitos cultuados pela imprensa brasileira: o de que jornais e jornalistas foram quixotes na luta contra o regime militar. O trabalho de 473 páginas e resultado de cinco anos de pesquisas desvenda o grau de colaboracionismo com a ditadura incrustado em algumas redações.

Assim como nem todas as redações eram de esquerda, nem todos os jornalistas fizeram do ofício um ato de resistência ao arbítrio. É necessário fazer uma desmistificação generalizante de que os jornalistas combateram a ditadura. O trabalho da historiadora demonstra que os jornais que tiveram um censor na redação não foram tantos assim, e que havia um elevado grau de promiscuidade nas relações entre alguns jornalistas e os órgãos de repressão. Na obra é destacado o papel colaboracionista do maior jornal da época, o “Folha da Tarde”, considerado pelos críticos como o “Diário Oficial da OBAN”.[1]

É bem verdadeiro que, mais pelo mito, do que pela história, a sociedade foi levada a crer que a imprensa teve papel decisivo na derrota do regime militar. Por isso, por ser a Constituição um divisor de águas na história política do país, optou ela pela supressão de toda e qualquer forma de censura.

Seja na época do Estado Novo, no período do Regime Militar, e agora presentemente em plena democracia, os meios de comunicação estão sendo utilizados para manobrar a opinião pública, massificar o povo em defesa dos interesses de quem lhe remunera.

São por estas razões que se defende um tipo de jornalismo independente e pluralístico, fundamentalmente calcado na Ordem Constitucional e no respeito aos direitos da personalidade.

Para podar esses excessos é que se presta o Texto Constitucional. Não como um preceptivo retórico, mas como uma lei superior, vinculante até mesmo para o legislador. A supremacia da Constituição se irradia sobre todas as pessoas, públicas ou privadas, submetidas à ordem jurídica nela fundada.

Em metafórica e feliz lembrança sobre a força vinculante da Constituição, professava Konrad Hesse que “As Constituições não podem ser impostas aos homens tal como se enxertam rebentos em árvores. Se o tempo e a natureza não atuaram previamente, é como se se pretendesse coser pétalas com linhas. O primeiro sol do meio-dia haveria de chamuscá-las.”

Thomas Jefferson, precursor da liberdade norte-americana e um dos redatores da famosa Carta da Declaração da Independência, em missiva a Edward Warrington, explicitou-lhe que preferia os jornais a ter um governo: “Se dependesse da minha decisão termos um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a segunda alternativa.” (Were it left to me to decide whether we should have a governement without newspapers, or newspapers without a government, I should not hesitate a moment to prefer the latter).”[2]

Elencava Thomas Cooley, em discurso proferido a propósito da votação primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, as vantagens da imprensa livre para os ideais democráticos, sendo ela “o principal meio para defender os princípios da liberdade e preparar o país a resistir à opressão; e, nesse sentido, foi tamanha sua eficácia, que eclipsou todos os outros benefícios.”

Por esses antecedentes se percebe que historicamente os meios de comunicação têm sido tratados como o corolário democrático de uma sociedade organizada; um paladino das causas públicas; uma trincheira invencível de combate da tirania  e da corrupção, e um dos únicos marcos estanques de defesa da legalidade.

Entusiasticamente, em um julgamento hodierno, foi até dito pelo Desembargador Enio Santarelli Zuliani, do Tribunal de Justiça de São Paulo, de que “a imprensa melhora a qualidade de vida”. 

Espera-se, com alentada esperança, que a história modifique essa tradição nebulosa dos nossos meios de comunicação.


Notas

[1] ) OBAN - Operação Bandeirante - foi um centro de informações, investigações e torturas montado pelo Exército do Brasil em 1969, que coordenava as ações dos órgãos de combate às organizações de esquerda.  A Folha da Tarde transmitia integralmente a versão do Estado para desaparecimentos e assassinatos, como no caso de uma manchete de abril de 1971 que anunciava a morte do guerrilheiro Roque, em confronto com a polícia de São Paulo. Roque era o codinome do metalúrgico Joaquim Seixas, que havia sido preso com o filho Ivan Seixas, hoje jornalista. Os dois eram militantes do MRT  e tinham sido acusados de matar o industrial Enning Boilesen, um dos financiadores da OBAN. Foram presos e torturados.  Num certo dia, Ivan foi levado pelos policiais para um ‘passeio’ fora da OBAN e leu em uma banca de jornal a notícia da morte do pai. Quando voltou do ‘passeio’ ainda encontrou seu pai vivo. Joaquim Seixas viria a morrer horas depois. Os jornais do dia seguinte reproduziram friamente a nota oficial dos órgãos de repressão, mas a Folha da Tarde havia publicado a notícia um dia antes, com detalhes.

[2])  JEFFERSON (1743 1826), Carta a Edward Warrington, 16.01.1787.

Sobre o autor
Francisco Marcos de Araújo

Professor universitário e advogado. Mestre em Direito Constitucional e Pós-Graduado em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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