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Guarda Compartilhada de Animais no Divórcio

Agenda 06/08/2015 às 11:13

O presente artigo aborda a guarda compartilhada envolvendo animais de estimação em casos de divórcio, haja vista a importância assumida pelos animais nas relações familiares, bem como a necessidade de resolução do tema pelos Tribunais Brasileiros.

   Sumário: 1. Introdução – 2. Breve Histórico sobre o Divórcio no Brasil – 3. Os Animais e o Direito – 4. Guarda Compartilhada de Animais - 4.1 Decisões – 5. Conclusão. – 6. Bibliografia.

 

1. Introdução

Desde os primórdios a família ocupa um papel essencial na sociedade, na formação dos seres humanos e na evolução do Direito, acompanhando as mudanças no decorrer dos anos, positivando e disciplinando condutas relevantes que acabam por ultrapassar a moral individual em prol do bem comum, a fim de manter o equilíbrio e a ordem entre as pessoas.

Nesse sentido, é importante dizer que, justamente em decorrência da evolução social, viu-se o Direito frente à necessidade de abarcar diversos tipos de famílias que foram se formando e solidificando ao longo do tempo, enfrentando o desafio de oferecer a todas elas igualdade e justiça. Assim, dentre os diversos tipos de famílias que surgiram, algumas delas trouxeram à baila ao mundo jurídico a figura daqueles que sempre foram colocados à margem e classificados como bens móveis pelo Direito: os animais.

Desta forma, os animais adentraram no âmbito de convivência e proteção das famílias, sendo considerados como membros destas e não raras vezes, sendo tratados como filhos, haja vista que a ciência já provou que os animais são seres sencientes, dotados de consciência[1] e capazes de sentimentos de toda espécie, assim como os animais humanos.

Por tais razões, os Tribunais têm-se deparado com situações que, embora ainda não estejam positivadas em qualquer lei, devem ser enfrentadas, como é o caso de casais que optam pelo divórcio, pela dissolução dos vínculos que os uniram, no entanto, possuíam um animal de estimação e não chegaram a um acordo acerca de quem deteria a posse do animal, razão pela qual a lide tem chegado aos Tribunais.

Contudo, muito embora ainda não exista lei que disponha acerca da guarda compartilhada e regulamentação de visitas de animais de estimação, tramita perante a Câmara dos Deputados em Brasília, o Projeto de Lei nº 1.058/2011, que se baseia nos dispositivos do Código Civil que discorrem sobre guarda de crianças humanas, servindo estes como norte para a elaboração do projeto em comento.

Assim, o presente artigo visa abordar tal problemática, trazendo algumas decisões proferidas pelos Tribunais brasileiros acerca do tema. Todavia, é chegado o tempo de mudanças para o Direito no que tange ao tratamento dispensado aos animais, tendo em vista que não podem mais ser classificados como coisas ou objetos, devendo ser detentores, não de direitos da personalidade, mas sim de direitos que o protejam como espécie. Tal proteção não deve levar em conta a questão antropocêntrica, colocando o homem como centro de todo o sistema, mas sim deve ser focada no biocentrismo, onde todos os seres são interdependentes e possuem valor em si[2].

                    

2. Breve Histórico do Divórcio no Brasil

O Código Civil de 1916 definia o conceito da indissolubilidade do casamento, no entanto, trazia em seu artigo 318 o denominado desquite por mútuo consentimento, que constituía uma forma para que o casal efetivasse a separação, para colocar fim à relação conjugal, o que posicionava as pessoas na categoria de desquitados e os impedia de contrair novo casamento. Isso porque, com o advento do desquite o vínculo da união permanecia entre os cônjuges, mesmo após acertarem questões como alimentos, guarda dos filhos e partilha de bens.

Desta forma, o casamento permaneceu indissolúvel ainda com a chegada das Constituições de 1934 e 1967, contudo, sobreveio a Emenda Constitucional nº 9 de 1977, que alterou o texto constitucional de modo a permitir a dissolução do casamento sob a condição prévia da separação judicial pelo prazo de três anos. Nesse sentido, coube ao legislador ordinário a regulamentação do texto constitucional, fato que originou a Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977[3].

Posteriormente, com a chegada da Constituição Federal de 1988, sobreveio evidente avanço no campo do divórcio, haja vista que o artigo 226, § 6º, estabeleceu que o divórcio poderia ser efetivado após a prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ou se comprovada a separação de fato por mais de dois anos.

Vale destacar que “até 1977, o Brasil era o único país do mundo a adotar, na Constituição, a regra da indissolubilidade do vínculo matrimonial. O prestígio desfrutado por esse princípio devia-se, em grande parte, à forte penetração do Catolicismo na sociedade brasileira. Naquele ano, em meio a intenso debate, aprovou-se a emenda constitucional introduzindo o divórcio. A ordem jurídica somente conseguiu livrar-se de certa ambiguidade no trato do tema com a Emenda Constitucional n. 66, de julho de 2010.”[4]

Nesse sentido, em 2007, significativa alteração foi realizada pela Lei nº 11.441, que instituiu o divórcio e a separação extrajudicial, ou seja, pela via administrativa, bastando para tanto, o comparecimento das partes ao Cartório de Notas juntamente com um Advogado para apresentação da petição de separação ou divórcio, que gera os mesmos efeitos da sentença judicial, desde que o casal esteja de comum acordo e que não haja filhos menores ou incapazes.

Já no ano de 2010, outra importante alteração legislativa foi realizada através da Emenda Constitucional nº 66, alterando o artigo 226, § 6º da Constituição Federal, com vistas a suprimir qualquer menção a prazos e formas de concessão do divórcio, o que culminou na seguinte redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. De tal modo, atualmente não existe mais óbice para a efetivação da separação ou divórcio quando este constituir a vontade do casal.

3. Os Animais e o Direito

A Constituição Federal de 1988, em seu Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo VI (Do Meio Ambiente), artigo 225, inciso VII[5], positivou o direito que todos possuem ao meio ambiente equilibrado, sendo este um bem de uso comum, entretanto, disciplinou que cabe ao poder público, bem como à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.

Antes do advento da Constituição Federal, já vigoravam alguns dispositivos que tratavam sobre os animais, a exemplo do artigo 64 da Lei de Contravenções Penais, todavia, com o advento da Lei 9.605/98, um feliz progresso ocorreu com a chegada da “Lei da Natureza”, como também ficou conhecida ao trazer as condutas lesivas à natureza e suas penas correspondentes oriundas de violação das normas previstas neste dispositivo.

No âmbito internacional temos a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que foi proclamada no ano de 1978, em uma sessão realizada pela UNESCO, em Bruxelas, visando reconhecer proteção aos animais, a fim de que estes tenham o reconhecimento por meio dos seres humanos ao direito à vida, à dignidade, respeito e ao amparo contra maus-tratos e qualquer tipo de crueldade que ignore o direito à existência dos quais os animais são detentores.

Por outro lado, no Brasil, no âmbito do Código Civil, o tratamento dado aos animais não se coaduna com a realidade social com a qual eles se encontram, haja vista que ainda são classificados como “coisas, bens móveis” pelo Direito, ainda nos encontramos atrasados com tal pensamento, enquanto outros países já evoluíram em tal quesito, a exemplo do Projeto de Lei francês que alterou o status jurídico dos animais, reconhecendo-os como seres sencientes[6]. No entanto, vale salientar sobre a existência, aqui no Brasil, do Projeto de Lei do Senado Federal n. 351/2015, que visa acrescentar ao parágrafo único do art.82, e inciso IV ao art. 83 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), a determinação de que os animais não serão mais considerados coisas[7].

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 No entanto, felizmente a Constituição Federal de 1988, amparou juridicamente os animais, ultrapassando a visão limitada da proteção ao meio ambiente adstrita ao tradicional antropocentrismo, ainda que o arcabouço jurídico seja construído com base no ser humano, o artigo 225 nos permite ultrapassar a visão civilista limitada a fim de defender os animais e inclui-los na esfera de proteção do Direito, haja vista que a vida, dignidade ou bem-estar não constituem atributos exclusivos da espécie humana.

Some-se a tais fatores, a tendência atual da constitucionalização do Direito Civil, de tal modo que as normas contidas na Constituição Federal atraem para sua esfera de atuação todas as demais normas pertencentes aos ramos do Direito infraconstitucional, como é o caso do Direito Civil, que deixou de ser o eixo jurídico, o que acarretou uma espécie de  potencialização constitucional, sendo aplicada de formas diretas e indiretas, indicando princípios e parâmetros no mundo jurídico a servir de norte para a aplicação do Direito, como vem ocorrendo na proteção aos animais.

Deste modo, muito embora os casos envolvendo guarda de animais de estimação no divórcio tenham como base o bem-estar do ser humano, não há como negar o reconhecimento, ainda que de forma branda, da mudança de paradigma e o papel social ocupado pelos animais de estimação.

4. Guarda Compartilhada

O divórcio de muitos casais tem trazido à baila uma situação incomum para o Judiciário, mas corriqueira frente ao crescente número de Animais de estimação no país, bem como do crescimento de sua importância no âmbito das famílias brasileiras. Em muitos processos de divórcio, os animais de estimação, que ainda são tratados como bem móvel pelo Código Civil, alcançam status de membros da família, não raras vezes assumindo papel de filhos, inclusive no momento em que os casais chegam à decisão de romper o vínculo matrimonial.

Nesse sentido, faz-se necessário ressaltar que não temos uma lei que verse sobre o tema, no entanto, o Projeto de Lei nº 1.058/11, que reproduz, em grande parte, os dispositivos do Código Civil que versam sobre a guarda compartilhada tem como objetivo regular a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre os casais.

Se aprovada, a Lei concederá autorização para que o juiz proceda à análise de fatores como ambiente adequado, disponibilidade para os cuidados com o animal etc., informações que o auxiliarão a decidir quem será o detentor da guarda do animal de estimação.

O Projeto de Lei considera animais de estimação todos aqueles pertencentes às espécies da fauna silvestre, exótica, doméstica ou domesticada, mantidos em cativeiro pelo homem, para entretenimento próprio ou de terceiros, capazes de estabelecerem o convívio e a coabitação por questões de companheirismo, afetividade, lazer, segurança, terapia e demais casos em que o juiz entender cabíveis, sem o propósito de abate.

Nesta esteira, a guarda dos animais foi classificada em unilateral e compartilhada. A guarda unilateral é caracterizada pela concessão do animal a uma das partes, que deverá fazer prova da propriedade através de documento de registro do animal onde conste seu nome e que seja idôneo. Já a guarda compartilhada ocorrerá quando o exercício da posse responsável for concedido a ambas as partes.

Nesse ponto, faz-se necessário destacar a questão da prova, haja vista, a grande variedade de situações pelos quais os animais de estimação podem ser adquiridos, desde sua compra, doações e resgates nas ruas. A maioria das decisões tem levado em consideração a propriedade do animal, analisando em nome de qual cônjuge ele foi registrado, assim como tem admitido provas por meio de fotos da convivência com o animal.

Entretanto, há muito a ser enfrentado ainda no que tange aos meios de prova e isso somente poderá ser feito em cada caso concreto e em consonância com a sensibilidade do julgador. Isso porque, muito embora o casal que esteja dissolvendo seu vínculo conjugal demonstre sentimentos profundos pelo animal de estimação, há que se considerar que cuidados com um animal ultrapassam a esfera do simples “dar um carinho” e alimentação.

Cuidar de um animal de estimação exige não somente oferecer um lar, abrigo, comida, carinho e proteção, mas também o cuidado do acompanhamento veterinário, o convívio familiar, os gastos diários e a atenção, o tempo que poderá e deverá ser dedicado ao animal, pois, os animais que foram levados para o âmbito doméstico, assim como as crianças, dependem exclusivamente do ser humano e essa relação deve ser pensada a longo prazo, como é a vida do animal, de menor duração que a vida humana, mas que deve ser protegida até o fim, não devendo ser tratada como mero objeto como pensou o filósofo René Descartes[8] ou como simples soma de uma divisão patrimonial ou como instrumento de manipulação de outra pessoa, haja vista que tirar um animal de estimação do lar pode caracterizar um dano ao próprio animal e àquele que fica privado da vida que ama e que convive.

Nesse sentido, de acordo como Projeto de Lei, caberá ao magistrado a observação de algumas condições para que a guarda do animal seja deferida, quais sejam, posse responsável, ambiente adequado para moradia do animal, disponibilidade de tempo, condições de trato, de zelo e de sustento, o grau de afinidade e afetividade entre o animal e a parte, dentre outros requisitos que o Juiz considerar imprescindíveis para a manutenção da sobrevivência do animal, de acordo com as suas características.

 Ademais, nada impede que os gastos sejam divididos, assim como a guarda, o que proporcionará aos seres humanos e ao animal o direito ao convívio familiar, porque não é somente o homem que sente o pesar do afastamento com aqueles com os quais convive, prova disso é o modo como os animais de estimação recebem seus protetores após chegarem do trabalho ao final do dia, quem tem animal sabe o tamanho do carinho e da saudade externados pelo animal, tal afirmação dispensa maiores fundamentações.

Por outro lado, enquanto não há efetivamente uma lei que discorra sobre o tema, o Judiciário tem recorrido à analogia para solucionar as questões afetas à guarda dos animais de estimação, valendo-se das regras que disciplinam a guarda compartilhada das crianças, previstas nos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil.   

No caso de uma das partes já ser detentora do animal de estimação antes da celebração do matrimônio ou união estável e o levar para a convivência do casal, a regulação, em caso de desentendimento do casal quanto à guarda, fica relativamente mais fácil, haja vista que o protetor do animal pode ter feito o registro em seu nome, assim como possuir carteira de vacinação e fotos do seu convívio com o animal de estimação, provando que o animal já era seu antes do casamento devendo permanecer com o seu protetor. De outro lado, há a possibilidade de elaboração de pacto antenupcial que inclua cláusula relativa à guarda do animal em caso de divórcio.

4.1 Decisões

O tema da guarda e regulamentação das visitas envolvendo animais de estimação é desafiador e constitui algo novo para os Tribunais quando o assunto versa sobre ações de divórcio e dissolução de união estável, todavia, muitas lides já chegaram ao Judiciário e vêm sendo decididas de maneira muito acertada.

É o caso de uma decisão proferida em sede de apelação cível interposta na Sétima Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul, onde o marido recorreu para que a decisão de primeira instância fosse modificada em alguns pontos, entre eles a determinação de que o cachorro de estimação do casal ficasse sob a guarda da mulher, para tanto, sustentou que o animal foi um presente paterno, razão pela qual ele deveria deter a guarda do cãozinho, contudo, não obteve êxito, já que os desembargadores negaram o pedido alegando que na caderneta de vacinação do cão chamado Julinho, não constava o nome do homem como proprietário, mas sim da mulher, o que levou a concluir que era ela quem cuidava do animal de estimação, devendo a guarda permanecer com ela.

Animal de Estimação. Mantém-se o cachorro com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados com o animal ficavam a cargo da convivente. Apelo desprovido.

...Igualmente não merece acolhida o recurso no que diz com o pedido do varão de ficar com o cachorro que pertencia ao casal. Alega que este foi presente de seu genitor, mas não comprova suas assertivas. E, ao contrário, na caderneta de vacinação consta o nome da mulher como proprietária (fl. 83), o que permite inferir que Julinho ficava sob seus cuidados, devendo permanecer com a recorrida. [9]

No mesmo sentido:

Decisão agravo regimental – modificação de guarda. Inconformismo contra decisão que determinou a entrega do cão de estimação do casal à mulher, no prazo de 48 horas, sob pena de multa. Em recurso de agravo de instrumento anterior foi autorizada a guarda do animal pela agravada, no entanto, entre junho de 2012 e fevereiro de 2013, a agravada não deu mostras de possuir interesse em ficar com o animal, evidenciado pela ausência de diligência. Autorizada a manutenção da situação fática. Recurso provido. Agravo regimental improvido. [10]

O comportamento evidenciado pela agravada, portanto, não demonstra o efetivo interesse em reaver o animal de estimação, que conforme já restou consignado pelo recurso de agravo de instrumento fora doado para ambos, uma vez constante no título de propriedade do animal o nome, não só da agravada, como também do agravante, ainda que em menor destaque, podendo-se inferir sua igual titularidade para o domínio. Verificados elementos que demonstram a ausência de interesse da agravada em reaver o animal de titularidade do casal, justifica-se sua manutenção sob a titularidade do agravante que dele tem cuidado desde a separação fática dos litigantes.

 

Em outra decisão, proferida na Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Relatora do julgamento de agravo de instrumento oriundo de ação de divórcio com busca e apreensão de animal de estimação, entendeu que o cachorro que antes era de convivência comum no âmbito da família, deveria ficar sob a guarda da mulher, pois, a agravante anexou nos autos fotos do animal de estimação, comprovando o longo relacionamento dela e seu filho com o animal.

Destacou que, foi acrescido às provas colacionadas nos autos, o fato de o marido, em sua inicial, ter conseguido ver deferida a medida que determinada a busca e apreensão do animal que se encontrava na casa da requerida, contudo, alegou a ex-esposa, em sede de recurso, que jamais fora comprovado que o cachorro era de estimação do ex-cônjuge, pois ele sequer juntou as características do animal ou provou que era seu proprietário.[11]

   Nesse sentido, a decisão de regulamentação de visitas proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

Animal de estimação. Mantém-se o cachorro com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados com a animal ficavam a cargo da convivente. Apelo desprovido.[12]

 Trata-se de Ação de regulamentação de visitas de animal de estimação que foi indeferida por impossibilidade jurídica do pedido. Em sede de recurso, sustentou o autor que o tratamento de semovente ao animal é inadequado, haja vista que constitui algo indivisível e infungível, não podendo ser partilhado. Alegou também que o Judiciário não pode deixar de analisar uma questão por ausência de legislação específica do assunto.

De forma brilhante e consciente, sustentou o Desembargador Relator José Carlos Teixeira Giorgis que no caso não havia nenhuma lei vedando a pretensão, de tal modo que a impossibilidade jurídica do pedido ocorre quando há expressa proibição do pedido no ordenamento jurídico, exemplificando o tempo em que o casamento era indissolúvel (artigo 175 da Constituição Federal de 1969), o que impossibilitava o pedido de divórcio.

Assim, a sentença do Juízo a quo foi cassada, muito embora tenha ressaltado que não há ainda entendimento pacífico acerca do tema, contudo, salientou que não haveria necessidade de estudo social ou psicológico, não dependendo o desfecho da causa, de perícia, justamente por se tratar de um animal.

Por fim, citou entendimento análogo em decisão proferida no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fixando regime de visitas envolvendo animal de estimação[13].  

Tal decisão traz grande inovação no que tange aos animais em sede de divórcio, pois levou em consideração o contexto sócio jurídico da dignidade da pessoa humana inserida na Constituição Federal de 1988, frente à importância da atualidade do tema acerca dos animais de estimação, salientando que tal tema é desafiador frente aos conceitos e dogmas clássicos do Direito Civil, entretanto, é inquestionável a importância que os animais de estimação vêm ostentando em nossa coletividade, razão pela qual, ainda que falte ao nosso ordenamento jurídico disciplina legal sobre o tema, este não pode passar desapercebido aos olhos do operador. Afirma ainda o Desembargador, que não custa dizer que há animais que compõem afetivamente a família dos seus donos, a ponto da sua perda ser extremamente penosa.

Outrossim, discorreu em sua fundamentação que, em casais, jovens ou não, muitas vezes o animal “simboliza” uma espécie de filho, tornando-se, sem nenhum exagero, quase como um ente querido, em torno do qual o casal se une, não somente no que toca ao afeto, mas construindo sobre tal toda uma rotina, uma vida.

A apelação cível foi interposta pelo ex-marido contra a sentença de que, em sede de dissolução de união estável c/c partilha de bens, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer e dissolver a união estável entre as partes e determinou ainda, que a autora ficasse com a posse do cão de estimação do casal.

O recurso interposto insurgiu-se unicamente com relação à posse do animal de estimação, muito embora houvesse na inicial, o pedido de divisão de diversos bens móveis adquiridos durante a união. Nesse sentido, ressaltou o Relator que o semovente não pode ser tratado como simples bem, muito embora, a solução buscada não tenha o condão de conferir direitos subjetivos ao animal, mas que traduz, por outro lado, mais uma das manifestações do princípio da dignidade humana.

Desta forma, em razão da ausência de normativa regente do tema, sopesou os elementos colacionados aos autos e manteve a guarda do cão de estimação com a mulher frente às provas e motivos constantes no processo, no entanto, levou em consideração os vínculos emocionais e afetivos construídos em torno do animal no tempo de convivência em comum.

Para tanto, permitiu ao recorrente que, se fosse de sua vontade poderia ter a companhia do cão, exercendo a sua posse provisória, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenção às necessidades do animal, sendo-lhe facultado buscar o cão em fins de semana alternados e nos horários estabelecidos na decisão.

5. Conclusão

 O Direito e a sociedade mudam de acordo com a evolução que os moldam com o decorrer do tempo e das circunstâncias. As leis não são estáticas, pelo contrário, devem se movimentar para acompanhar a sociedade e ouvir os clamores de tudo que é relevante para o mundo jurídico. A lei precisa estar ao lado daqueles que dela necessitam, razão pela qual se mostra tão relevante a inclusão, no âmbito por enquanto do Direito de Família, da regulamentação de guarda e visitas no que tange aos animais de estimação nos casos de dissolução de sociedade conjugal.

Os animais não são meros bens móveis, não temos como ouvi-los com os meios de comunicação que achamos comuns para nós humanos, contudo, sabemos que podem se expressar. Os Animais são seres dotados de atributos semelhantes aos dos seres humanos, são capazes de sentir alegria, medo, fome, dor, assim como de doar amor e carinho, direcionando tais sentimentos, não raras vezes, aos homens, principalmente àqueles que sabem compreender que toda espécie de vida possui particularidades e merece respeito.

Por estas e dentre tantas outras razões, ainda que inicialmente para atender aos clamores antropocentristas, a atenção do Judiciário para com as causas que envolvem animais no divórcio merece aplausos. Sinal de que o Direito está evoluindo junto com a sociedade e tornando a caminhada em busca de justiça mais branda àqueles que dela necessitam, ainda que determinadas situações não estejam positivadas em lei, o Judiciário está valorizando a vida, temperando a rigidez do Direito com a sensibilidade da experiência da vida.

Estamos caminhando para novos entendimentos, novas visões e novas decisões, dando ensejo a esferas inclusivas em todos os sentidos e espécies. Assim, o fato de duas pessoas não conseguirem mais dividir o mesmo teto, não significa que não possam compartilhar algum tipo de amor, e este muitas vezes se perpetua na forma de um animal de estimação, que mesmo sem poder se comunicar no padrão que conhecemos, ensina muito aos seres humanos sobre convivência, paciência e amor. Ainda estamos caminhando, mas tudo indica que estamos na direção certa.

 

6. Bibliografia

LOBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. De acordo com a Emenda Constitucional n. 66/2014 (Divórcio). 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 

MELO, Nehemias Domingos de. Lições de Direito Civil - Família e Sucessões. São Paulo: Atlas, 2014, v. 5.

Links:

Referências:

[1] http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/nao-e-mais-possivel-dizer-que-nao-sabiamos-diz-philip-low

[2] A utilização de animais como “coisas” ainda se perpetua na sociedade de diversas formas, no entanto, o presente artigo ficará adstrito ao âmbito sentimental do valor dos animais na esfera do Direito de Família e não abordará questões culturais e psicológicas, tais como: “porque amamos alguns animais e matamos outros?”.

[3] MELO, Nehemias Domingos de. Lições de Direito Civil - Família e Sucessões, pág. 55.

[4] LOBO, Paulo, Direito de Família, p. 97.

[5] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

  § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

  VII -  proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

[6]http://www.anda.jor.br/03/02/2015/decisao-historica-franca-altera-codigo-civil-reconhece-animais-seres-sencientes

[7] http://www.senado.leg.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=121697

[8] O filósofo René Descartes, acreditava na afirmação: “penso, logo existo”, tal máxima limitava o homem à sua mente. Sua obra “O Discurso do Método” originou a teoria do animal máquina. Para ele, homens e animais guardavam grande separação, pois aos últimos não foi dado o poder de falar e expressar sentimentos, sendo isentos de razão, desta forma, os animais podem ser imitados por máquinas, não eram detentores de um espírito ou sentimentos, afirmava que a natureza que atua nos animais através de seus órgãos é como um relógio que é composto de molas. Por outro lado, filósofos como Montaigne, Voltaire e Rosseau defenderam um pensamento não manipulador da natureza. Voltaire se indagava porque os mestres se questionavam onde estaria a alma do animal, para ele, tal discussão não teria sentido, pois, o homem não tem base ou autoridade para definir o que é alma.

Disponível em: http://odireitodosanimais.blogspot.com.br/2013/11/os-animais-nao-existem-em-funcao-do_4586.html

[9] Apelação Cível. 7ª Câmara Cível Nº 70007825235: Comarca de Caxias do Sul.

[10]  Agravo Regimental-Dissolução.Nº0072779-02.2013.8.26.0000. Relator James Siano. Comarca: Mogi das Cruzes. Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 23/07/2013

[11] Agravo de Instrumento nº 70064744048, 7ª Câmara Cível, TJ/RS, Relatora Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 12/05/2015.

[12] Apelação Cível nº 70007825235, 7ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 24/03/2004.

[13] Apelação nº 0019757-79.2013.8.19.0208, 22ª Câmara Cível, Relator Marcelo Lima Buhatem, julgada em 27/01/2015.

Sobre a autora
Michelle Sanches B. Jeckel

Advogada. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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